Acessibilidade / Reportar erro

Polímeros biorreabsorvíveis como substrato para cultura de células e engenharia tecidual

Bioreabsorbable polymers for cell culture substrate and tissue engineering

Resumos

Biomateriais poliméricos são desenvolvidos para uso como substitutos de tecidos danificados e/ou estimular sua regeneração. Uma classe de biomateriais poliméricos são os biorreabsorvíveis, compostos que se decompõem tanto in vitro quanto in vivo. São empregados em tecidos que necessitam de um suporte temporário para sua recomposição tecidual. Dentre os vários polímeros biorreabsorvíveis, destacam-se os alfa-hidróxi ácidos, entre eles, diferentes composições do poli(ácido lático) (PLA), como o poli(L-ácido lático) (PLLA), poli(D-ácido lático) (PDLA), poli(DL-ácido lático) (PDLLA), além do poli(ácido glicólico) (PGA) e da policaprolactona (PCL). Estes polímeros são considerados biorreabsorvíveis por apresentarem boa biocompatibilidade e os produtos de sua decomposição serem eliminados do corpo por vias metabólicas. Diversas linhas de pesquisa mostram que os diferentes substratos à base de PLA estudados não apresentam toxicidade, uma vez que as células são capazes de crescer e proliferar sobre eles. Além disso, diversos tipos de células cultivadas sobre diferentes formas de PLA são capazes de se diferenciarem sobre os diferentes polímeros e passar a produzir componentes de matriz extracelular. Neste trabalho, é revisada a utilização de substratos à base de alfa-hidróxi ácidos, com destaque para diferentes formas de PLA, utilizados como substratos para cultura de células, bem como suas aplicações.

Polímeros biorreabsorvíveis; cultura celular; engenharia de tecidos


Polymeric biomaterials are used as replacements for damaged tissue or/and for stimulating its regeneration. A class of polymeric biomaterials is the bioreabsorbable ones, which degrade in vitro as well as in vivo. They are used in tissues that need a temporary support for its tissue regeneration. Among the several bioabsorbable polymers are included alpha-hydroxy acids, in different forms of poly(lactic acid) (PLA), such as the poly(L-lactic acid) (PLLA), poly(D-lactic acid) (PDLA), poly(DL-lactic acid) (PDLLA), in addition to poly(glycolic acid) (PGA) and poly(caprolactone) (PCL). These polymers are well-known because their decomposition products are eliminated from the body via metabolic routes and due to their good biocompatibility. Many results show that the different PLA based substrates do not present toxicity, once the cells could differentiate over the different polymers, which was demonstrated by the production of extracellular matrix components by many cell types. In this work, we reviewed the employment of alpha-hydroxy acid, with emphasis on different forms of PLA scaffolds used as cell culture substrates and their applications.

Bioreabsorbable polymers; cell culture; tissue engineering


ARTIGO DE REVISÃO

Polímeros biorreabsorvíveis como substrato para cultura de células e engenharia tecidual

Bioreabsorbable polymers for cell culture substrate and tissue engineering

Arnaldo R. Santos JrI; Maria Lucia F. WadaII

IFaculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, UNESP-Jaboticabal, SP

IIInstituto de Biologia, Unicamp, SP

Autor para correspondência Autor para correspondência: Arnaldo Rodrigues Santos Jr. Departamento de Biologia Aplicada, Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, UNESP, Via de Acesso Prof. Paulo Donato Castellane s/n CEP: 14884-900, Jaboticabal, SP, Brasil E-mail: arsantosjr@yahoo.com.br

RESUMO

Biomateriais poliméricos são desenvolvidos para uso como substitutos de tecidos danificados e/ou estimular sua regeneração. Uma classe de biomateriais poliméricos são os biorreabsorvíveis, compostos que se decompõem tanto in vitro quanto in vivo. São empregados em tecidos que necessitam de um suporte temporário para sua recomposição tecidual. Dentre os vários polímeros biorreabsorvíveis, destacam-se os a–hidróxi ácidos, entre eles, diferentes composições do poli(ácido lático) (PLA), como o poli(L-ácido lático) (PLLA), poli(D-ácido lático) (PDLA), poli(DL-ácido lático) (PDLLA), além do poli(ácido glicólico) (PGA) e da policaprolactona (PCL). Estes polímeros são considerados biorreabsorvíveis por apresentarem boa biocompatibilidade e os produtos de sua decomposição serem eliminados do corpo por vias metabólicas. Diversas linhas de pesquisa mostram que os diferentes substratos à base de PLA estudados não apresentam toxicidade, uma vez que as células são capazes de crescer e proliferar sobre eles. Além disso, diversos tipos de células cultivadas sobre diferentes formas de PLA são capazes de se diferenciarem sobre os diferentes polímeros e passar a produzir componentes de matriz extracelular. Neste trabalho, é revisada a utilização de substratos à base de a–hidróxi ácidos, com destaque para diferentes formas de PLA, utilizados como substratos para cultura de células, bem como suas aplicações.

Palavras-chave: Polímeros biorreabsorvíveis, cultura celular, engenharia de tecidos.

ABSTRACT

Polymeric biomaterials are used as replacements for damaged tissue or/and for stimulating its regeneration. A class of polymeric biomaterials is the bioreabsorbable ones, which degrade in vitro as well as in vivo. They are used in tissues that need a temporary support for its tissue regeneration. Among the several bioabsorbable polymers are included a–hydroxy acids, in different forms of poly(lactic acid) (PLA), such as the poly(L-lactic acid) (PLLA), poly(D-lactic acid) (PDLA), poly(DL-lactic acid) (PDLLA), in addition to poly(glycolic acid) (PGA) and poly(caprolactone) (PCL). These polymers are well-known because their decomposition products are eliminated from the body via metabolic routes and due to their good biocompatibility. Many results show that the different PLA based substrates do not present toxicity, once the cells could differentiate over the different polymers, which was demonstrated by the production of extracellular matrix components by many cell types. In this work, we reviewed the employment of a–hydroxy acid, with emphasis on different forms of PLA scaffolds used as cell culture substrates and their applications.

Keywords: Bioreabsorbable polymers, cell culture, tissue engineering.

Introdução

Durante séculos, grandes lesões teciduais, originadas normalmente de traumas mecânicos ou de doenças degenerativas, trouxeram problemas em função dos poucos recursos terapêuticos disponíveis. A remoção da porção lesada era a prática mais comumente utilizada, o que trazia uma série de limitações aos portadores daquela enfermidade. A extração de grandes porções de tecidos levava a um significativo decréscimo da qualidade de vida do paciente e, assim, a substituição e/ou regeneração de regiões corpóreas danificadas tornou-se um objetivo. Com o aumento da expectativa de vida humana, obtida com o descobrimento dos antibióticos e dos quimioterápicos, além da melhoria das condições sanitárias e de higiene, a busca por metodologias para a substituição de tecidos lesados tornou-se uma necessidade[1].

Existem dois procedimentos que visam suprir a falta dos tecidos e órgãos danificados ou comprometidos: os transplantes e os implantes. Em relação aos transplantes, os tecidos ou órgãos podem ser obtidos de doadores vivos, como no caso do coração ou rins, ou de cadáveres, como no caso de ossos liofilizados e congelados. Em alguns casos, para a utilização dos mesmos, torna-se necessária a utilização de drogas imunossupressoras, com o intuito de evitar a rejeição dos órgãos, e de outros medicamentos que neutralizem a possível contaminação microbiana[1]. Além disso, os transplantes têm a desvantagem de trazer uma série de questões éticas e até mesmo religiosas. Por outro lado, dispositivos desenvolvidos para servirem como implantes, além de não apresentarem vários dos problemas referidos acima, são criados para atuarem na interface com os tecidos receptores no organismo, interagindo com eles[1,2].

Inicialmente, os biomateriais foram desenvolvidos para que permanecessem inertes no organismo. Sendo assim, os estudos se voltaram para a forma de se prevenir ou minimizar as reações teciduais indesejáveis. Atualmente, os novos polímeros são concebidos para que haja uma efetiva interação com os tecidos, provocando respostas fisiológicas como crescimento e/ou diferenciação celular no sítio de implantação[2]. Nas últimas décadas, avanços significativos foram obtidos no entendimento dos mecanismos de interação das células animais com o seu ambiente natural, a matriz extracelular[3], bem como a influência desta no crescimento e diferenciação celular[3,4]. Muitas vezes, este conhecimento vem sendo utilizado para o desenvolvimento de polímeros que possam mimetizar as características da matriz extracelular, exercendo assim um papel ativo na restauração tecidual.

Os biomateriais empregados podem ser classificados como permanentes ou temporários[5]. Os materiais permanentes são compostos utilizados com o objetivo de substituir um tecido lesado por tempo indeterminado. Dessa forma, são produzidos de modo a reter as suas características mecânicas e físico-químicas por longos períodos[5]. Esses tipos de dispositivos são comumente empregados experimentalmente como próteses substituindo articulações danificadas, válvulas cardíacas, lentes intra-oculares e outras utilizações. Por outro lado, existem situações onde se necessita de um suporte que preencha apenas temporariamente a região lesada, até que a recomposição tecidual se concretize, ou ainda que direcione o processo regenerativo. Nesse caso, uma alternativa são os biomateriais temporários.

Segundo Vert e colaboradores[6]biodegradável é um termo utilizado para polímeros e dispositivos sólidos que devido à degradação macromolecular sofrem dispersão in vivo, mas sem a eliminação dos produtos e subprodutos pelo organismo. Polímeros biodegradáveis podem ser atacados por elementos biológicos de forma que a integridade do sistema seja afetada, formando-se fragmentos ou outros subprodutos de degradação, que podem ser removidos do seu local de ação, mas não necessariamente do organismo. Bioabsorvível são materiais poliméricos e dispositivos que podem se dissolver em fluidos corpóreos sem qualquer clivagem da cadeia macromolecular ou diminuição de massa molecular, como no caso da dissolução lenta de implantes solúveis em fluidos orgânicos. Biorreabsorvíveis são materiais poliméricos e dispositivos sólidos que mostram degradação através da diminuição de tamanho e que são reabsorvidos in vivo; i.e. materiais que são eliminados por rotas metabólicas do organismo. Biorreabsorção é um conceito que reflete a eliminação total do material e dos subprodutos de degradação (compostos de baixa massa molar) sem efeitos colaterais residuais. A palavra "biorreabsorção" é aplicada quando a eliminação é total. Um polímero bioabsorvível pode ser biorreabsorvível se suas macromoléculas são excretadas[6,7]. Os materiais poliméricos biorreabsorvíveis são os compostos utilizados preferencialmente em dispositivos temporários[5].

Dispositivos Biorreabsorvíveis como Substrato para Cultura Celular

Grandes variedades de dispositivos temporários vêm sendo utilizadas em sistemas biológicos, sendo que os mais empregados são os baseados em poliésteres derivados de a–hidróxi ácidos como o poli(L-ácido lático) (PLLA), o poli(D-ácido lático) (PDLA), o poli(DL-ácido lático) (PDLLA), o poli(ácido glicólico) (PGA) e a policaprolactona (PCL)[5]. Em seu processo de degradação, o polímero é quebrado em unidades menores por hidrólise simples e os produtos de sua decomposição podem ser eliminados do corpo por vias metabólicas, como a via do ciclo do ácido cítrico, ou diretamente por excreção renal[7-10].

Embora a degradação de polímeros biorreabsorvíveis seja efetuada predominantemente por hidrólise simples, há relatos na literatura que a decomposição do PGA e do PLLA ao menos em parte também seja estimulada por enzimas[11,12]. Esquematicamente, a degradação por hidrólise dos a–hidróxi ácidos, como o PLLA, pode ser vista da Figura 1[7]. As formas de eliminação dos produtos de degradação de alguns poliésteres podem ser vistas na Figura 2[9].



Outros polímeros biorreabsorvíveis utilizados são os polihidroxialcanoatos, poliésteres produzidos por microorganismos. Esses compostos vêm sendo utilizados como matéria-prima para diversos dispositivos de aplicação biomédica e engenharia tecidual[13]. Dentre os polihidroxialcanoatos, destacam-se o poli(3-hidroxibutirato) (PHB), o copolímero de 3- hidroxibutirato e 3-hidroxivalerato (PHBV), o poli(4-hidroxibutirato) (P4HB), o copolímero de 3-hidroxibutirato e 3-hidroxihexanoato (PHBHHx) e poli(3-hidroxioctanoate) (PHO). Esses compostos têm sido usados no desenvolvimento de fios de sutura, dispositivos para guiar o reparo tecidual, implantes cardíacos, pinos ortopédicos, stents, túbulos para regeneração nervosa e membranas para regeneração de pele[13]. O uso de blendas de PHBV com o PLLA é uma proposta nova na literatura e a avaliação biológica deste composto pode ser importante e de grande relevância no contexto da engenharia de tecidos e vem sendo realizada por pesquisadores que trabalham em colaboração com nosso grupo de pesquisa [14,15].

Adesão Celular ao Substrato

Normalmente, para que ocorra uma boa interação polímero-célula é necessário que se estabeleça a adesão celular ao substrato. Embora o substrato não necessite obrigatoriamente apresentar características semelhantes às da matriz extracelular para que a adesão celular ocorra, a similaridade físico-química é desejada quando o objetivo é a promoção da diferenciação celular ou para que um determinado polímero tenha uma interação mais efetiva no sítio de implantação[2,3,16]. Dessa forma, atualmente busca-se a produção de polímeros que apresentem características físico-químicas e mecânicas – tais como o balanço adequado entre hidrofilicidade/hidrofobicidade, disposição de cargas elétricas, dureza, elasticidade, resistência –mais próximas possível a dos tecidos nos quais serão implantados. Existe uma relação entre a hidrofilicidade e a adesão celular. Dentro de certos parâmetros, substratos mais hidrofílicos tendem a suportar uma melhor interação com células[17,18,19]. Assim, a adesão é de extrema importância para a ciência dos biomateriais. Somente após aderidas, as células iniciam seu processo de espalhamento, divisão e produção de matriz extracelular nova[17]. Espalhamento ou espraiamento é um processo complexo que envolve modificações na morfologia celular em conseqüência de alterações no citoesqueleto, criando assim uma melhor interação com o substrato. Estas modificações podem ser visualizadas na Figura 3.


Em nosso laboratório utilizamos muito como modelo para testes de citotoxicidade e adesão a biomaterias as células Vero. A linhagem Vero foi obtida a partir de células fibroblásticas do rim do macaco verde africano (Cercopithecus aethiops). Essas células representam um padrão internacional para estudos com Biomateriais[20]. O que por si só já justifica sua utilização. Além disso, nosso grupo trabalha com essas células a mais de 15 anos, o que nos permite conhecer bem sutilezas na variação de seu comportamento frente a diversas situações experimentais.

A boa integração do biomaterial com células ou tecidos depende ainda da própria estrutura dos dispositivos produzidos. Nossa experiência vai de acordo com os dados na literatura, indicando que materiais porosos promovem o crescimento celular, bem como induzem as células a produzir componentes de matriz extracelular[19,21]. A distribuição uniforme e as interconexões dos poros são importantes para facilitar a formação de tecidos na forma de uma rede organizada, tendo grande aplicação na reconstrução tecidual[22-24]. In vivo, a porosidade e interconexão dos poros são essenciais para a proliferação de vasos, facilitando a nutrição do tecido ao redor do implante. Assim, diferentes tipos de construções contendo PLLA vêm sendo desenvolvidos e testados como substratos para o crescimento celular.

Estruturas fibrosas de PLLA, PCL e poli(L-ácido lático-co-caprolactona) (PLCL) nano e microestruturadas foram desenvolvidas em diferentes composições (70/30, 50/50 e 30/70). Foi observado que células endoteliais umbilicais humanas (células HUVECs) apresentaram uma boa adesão e proliferação sobre as fibras de menor diâmetro do composto formado (entre 0,3 e 1,2 mm de diâmetro), enquanto que uma marcada redução na adesão e no espalhamento celular, assim como uma baixa capacidade de proliferação das células, foi notado nas fibras de grande diâmetro, cerca de 7,0 mm[25].

Nossos estudos relatam uma adesão inicial lenta ao PLLA e ao PHBV[19,21]. Isso não significa necessariamente que o material testado não seja promissor na utilização para engenharia tecidual. Mann et al.[26] mostraram que materiais onde a adesão é mais lenta podem estimular a produção de componentes de matriz extracelular de forma precoce permitindo o crescimento e proliferação celular. Nossas observações corroboram as destes autores[19,21,27]. A matriz extracelular tem grande influencia sobre a migração, proliferação e diferenciação das células cultivadas sobre os materiais. Gunawan e colaboradores mostraram a influência da densidade de componentes da matriz extracelular na migração de células intestinais de rato (células IEC-6). Foi mostrado que as células migram em direção ao gradiente formado, demonstrando uma particular participação da laminina neste processo[28].

Apesar disso, modificações na arquitetura de substratos para cultura celular visando a procedimentos de engenharia tecidual é uma tendência. Estas modificações na superfície visam uma melhor interação com células tanto in vitro como in vivo. Quando se pensa em cultura celular, aumentar a interação com células significa favorecer a interação inicial das células com o substrato, ou seja, aumentar a adesão. Em um relato recente, substratos nano-fibrosos de PLLA (NF-PLLA) foram desenvolvidos e testados. As modificações de superfície aumentaram significativamente a adesão e o espalhamento celular. Mantiveram também a proliferação das células por mais de duas semanas. As modificações de superfície também aumentaram a produção de componentes da matriz extracelular[29].

Substratos porosos de PDLA e PLLA contendo 2-metacriloiloxietil fosforilcolina (MPC) e n-butil metacrilato (BMA) foram investigados quanto a sua capacidade de interação com fibroblastos. O MPC é análogo da fosfatidilcolina, que é um lipídeo típico da membrana plasmática das células. Os resultados obtidos foram bastante interessantes. O número de células aderidas foi correlacionado com o conteúdo de PDLA e PLLA, pois as células apresentavam um bom padrão de adesão e migravam para o interior do substrato com apenas 24 horas de cultura. Por outro lado, a morfologia das células foi influenciada pelo contato com o MPC[30]. Assim, a adição de MPC tornou o PDLA e o PLLA mais receptivos à interação inicial com as células.

Nakagawa et al. submeteram o PLLA ao tratamento com plasma de CO2 observaram um aumento da hidrofilicidade da membrana. A resposta celular também foi bastante satisfatória nas membranas submetidas ao plasma em relação aos controles. O tratamento com plasma propiciou uma melhor adesão e proliferação celular, embora os autores tenham trabalhado com culturas de curta duração, até três dias apenas[31]. Ryu e colaboradores[32] submeteram membranas de poli(D,L-ácido lático-co-ácido glicólico) (PLGA) ao tratamento com plasma. Nesse estudo, a superfície do PLGA foi modificada por TiO2 com o objetivo de aumentar as interações de células com a superfície do material. Os resultados indicaram que as modificações superficiais aumentaram a hidrofilicidade, a adesão e a proliferação celular[32].

Engenharia de Tecidos e Polímeros Biorreabsorvíveis

Estabelecida a adesão celular, o material testado passa a ser estudado com um agente carreador de células em procedimentos que visam à restauração de tecidos danificados. A engenharia tecidual pode ser compreendida como a aplicação de princípios das ciências exatas a criação e/ou regeneração tecidual. Três estratégicas gerais têm sido adotadas para a obtenção de novos tecidos[16]:

1. Utilização de células autógenas (ou autólogas, isso é, isoladas do próprio indivíduo), de células isógenas (ou isólogas, células de indivíduos diferentes, porém geneticamente iguais e de mesma espécie), de células alógenas (ou alólogas, de indivíduos diferentes, mas de mesma espécie) ou de células xenógenas (ou xenólogas, de indivíduos de espécies diferentes)[33]. Essas células são expandidas em cultura e implantadas ao corpo por métodos de infusão. No entanto, suas limitações incluem a capacidade das células em manterem suas características diferenciadas in vitro; a dificuldade de expandir suficientemente algumas células em cultura, uma vez que alguns tipos celulares como células hepáticas e neurais não apresentam possibilidade de expansão em número adequado para uso clínico; além da rejeição imunológica, quando células alogênicas e xenogênicas são utilizadas.

2. Cultura de tecidos para posterior implantação e substituição de tecidos doentes ou danificados. O exemplo mais comum é o enxerto de pele[34] para uso clínico. Essa estratégia tem como principal vantagem a alta biocompatibilidade e biofuncionalidade. No entanto, apresenta as mesmas desvantagens citadas acima.

3. Utilização de substâncias que induzem a regeneração do tecido danificado. O sucesso dessa estratégia depende da purificação e produção em larga escala de moléculas sinais apropriadas, como os fatores de crescimento e os fatores de adesão. Para a proliferação de muitos tipos celulares (o que pode induzir a formação de um novo tecido), existe a dependência de uma combinação de vários fatores de crescimento que são proteínas altamente específicas. Alguns fatores de crescimento podem ser liberados lentamente através de cápsulas poliméricas e podem estimular o crescimento do tecido danificado[35]. Já os fatores de adesão são componentes protéicos dos fluidos biológicos e/ou da matriz extracelular adsorvidos na superfície do material, como a fibronectina, vitronectina e a laminina as quais são reconhecidas por integrinas (receptores na membrana celular associados ao citoesqueleto)[3]. As integrinas ligam-se a pequenos domínios nos fatores de adesão[36], como por exemplo a seqüência de aminoácidos Arg-Gly-Asp (RGD) encontrada na estrutura da fibronectina e vitronectina ou a seqüência Tyr-Ile-Gly-Ser-Arg (YIGSR) da estrutura da laminina. O RGD e muitos outros oligopeptídeos têm sido incorporados em alguns biomateriais para estimularem adesão e conseqüente proliferação celular.

De especial interesse, são os implantes autógenos ou auto-enxertos. Esta técnica é realizada com a utilização de células sadias provenientes do próprio paciente onde o polímero será implantado. O implante autógeno apresenta algumas vantagens sobre o transplante de órgãos. Pelo fato da população de células isoladas serem expandidas in vitro por meio de cultura celular, somente um pequeno número de células do doador são necessárias para se preparar o implante. O uso de células autógenas permite ainda evitar problemas imunológicos como rejeições ou processos alérgicos[33,37].

Crescimento e Proliferação Celular sobre Polímeros Biorreabsorvíveis

Dispositivos biorreabsorvíveis têm sido usados in vitro como suporte para o crescimento e proliferação celular de diversos tipos celulares. Foi mostrado que células endoteliais podem multiplicar-se sobre estes substratos de PLLA de forma satisfatória. Isso ocorre sem que haja ativação das plaquetas[38,39]. Foi relatado que células de camundongo NIH/3T3 cultivadas sobre membranas de PHBV apresentaram uma boa adesão e taxa de multiplicação sobre o material. Esses parâmetros foram aumentados como modificações físico-químicas no PHBV as quais modificaram a hidrofilicidade do polímero[40]. Em outro relato, o PHBV manteve a proliferação celular de forma similar ao observado em esponjas de colágeno por até 35 dias de cultura[41].

A capacidade do substrato em estimular o crescimento e proliferação celular deve estar intimamente relacionada com sua habilidade de absorver proteínas. Em trabalho recente, ZHU e colaboradores mostraram que o recobrimento de superfície de dispositivos de PLLA com grupamentos amina livres aumentam o espalhamento e proliferação das células endoteliais[39]. Também foi relatado que proteínas da matriz extracelular como a fibronectina, laminina e colágeno também estimulam a multiplicação das células sobre substratos para engenharia tecidual[42]. Mostramos anteriormente que células Vero podem produzir matriz extracelular rica em fibronectina e colágeno sobre membranas de PLLA densas ou porosas, PHBV e blendas de PLLA/PHBV em diferentes proporções[19,21]. Isso provavelmente ajuda a explicar o fato de se observar uma taxa de proliferação bastante significativa, embora a adesão inicial das células seja lenta em parte destes compostos[21,27].

Dispositivos Biorreabsorvíveis para o Tecido Cartilaginoso

A utilização de materiais biorreabsorvíveis no auxílio ao reparo da cartilagem articular vem sendo pesquisada. A cartilagem é um tecido avascularizado e que possui basicamente dois tipos celulares, os condrócitos e condroblastos. É composto por uma matriz extracelular constituída, principalmente de colágeno e glicosaminoglicanos. A proporção entre estes componentes depende do tipo de tecido cartilaginoso[43]. A cartilagem, uma vez danificada, apresenta pouca ou nenhuma capacidade regenerativa e determinadas lesões podem evoluir para alterações degenerativas bastante graves nas articulações[37,43]. Além de não se conhecer ao certo os mecanismos de formação da cartilagem articular, existem poucos procedimentos clínicos alternativos à substituição da articulação por próteses que possam preencher pequenos defeitos, surgidos em decorrência de traumas ou doenças degenerativas. Dessa forma, buscam-se intensamente materiais que possam mimetizar o comportamento biomecânico da cartilagem articular objetivando a restauração das articulações[37]. Dentre os diferentes compostos estudados para tal aplicação, destacam-se alguns materiais poliméricos, tanto temporários como permanentes. Dentre os materiais biorreabsorvíveis que vêm sendo estudados para utilização como matriz cartilaginosa temporária, destacam-se os polímeros de PLLA e PGA bem como seus copolímeros e blendas.

Freed e colaboradores[44] estudaram condrócitos cultivando-os sobre uma matriz fibrosa de PGA e membranas porosas de PLLA. Os resultados mostraram a neoformação de tecido cartilaginoso comparável a condrócitos cultivados em substratos de colágeno obtido de cartilagem articular. Nessa condição, os condrócitos foram capazes de crescer sobre esses polímeros por até seis meses, mantendo a forma do dispositivo original e resultando na formação de um tecido com características semelhantes às da cartilagem, inclusive com a formação de glicosaminoglicanos e colágeno tipos I e II[44]. Por outro lado, Grande et al.[45] relatou que células cartilaginosas cultivadas em poliésteres como PLLA e PGA tendem a ter um aumento na síntese de proteoglicanos e de colágeno quando comparadas com células cultivadas em matriz de colágeno. Puelacher et al.[46] estudaram o crescimento de condrócitos in vitro e in vivo em moldes compostos de PGA e PLLA que simulavam a morfologia da cartilagem nasal humana. Estes autores observaram que nestas estruturas houve a formação de um tecido que simulava as características da cartilagem hialina. Os resultados experimentais destas técnicas de reconstrução tecidual, uma vez aperfeiçoadas, apresentam aplicações potenciais em ortopedia, cirurgia plástica reconstrutiva e cirurgia craniomaxilofacial. Além disso, foi demonstrada por a formação de uma estrutura com características teciduais semelhantes à cartilagem hialina após seis semanas, quando células pericondriais foram cultivadas sobre membranas de PLLA e implantadas na região condilar femural de coelhos[44,47].

Células obtidas de cartilagem articular humana, mantidas em cultura sobre dispositivos constituídos por diferentes poliésteres biorreabsorvíveis mostraram que o processo de adesão era proporcional à hidrofilicidade dos polímeros. Apesar disso, não foram observadas variações no espalhamento das células sobre os diferentes biomateriais. Embora as células estudadas tivessem uma menor adesividade às membranas de PLLA que ao PLGA, as células mostraram uma melhor capacidade proliferativa sobre o PLLA[48]. Também foi observado que condrócitos humanos cultivados em membranas de PLLA mostraram menor capacidade de produzir matriz cartilaginosa e colágeno tipo II em relação a membranas de PLGA. Por outro lado, as células apresentaram maior capacidade de sintetizar colágeno tipo I sobre o PLLA[49]. Outros resultados interessantes foram relatados com suportes de PLLA utilizados para a reconstituição de lesões em menisco. Foi observado que os implantes porosos puderam guiar o crescimento vascular para dentro da região lesada[50]. Foi ainda relatada a reconstrução de menisco canino utilizando copolímeros de ácido lático/e-caprolactona[51]. Estes resultados demonstram que os princípios da engenharia de tecidos com a utilização de materiais biorreabsorvíveis compõem uma área de trabalho bastante promissora. Certamente essas metodologias trarão resultados bastante significativos em um futuro próximo.

Tentando mimetizar ainda mais o ambiente natural das células cartilaginosas, Takagi e colaboradores desenvolveram um dispositivo tridimensional composto colágeno e o copolímero do PLLA como ácido poliglicurônico. O ácido glicurônico é um dos componentes que formam os glicosaminoglicanos presentes na matriz extracelular dos tecidos. Os autores mostraram que células cartilaginosas cultivadas no interior de arcabouço foram capazes de consumir glicose de meio de cultura e produzir componentes da matriz extracelular típicos de tecido cartilaginoso[52].

Chen et al.[53], em um experimento muito bem desenvolvido, cultivaram condrócitos em micro-esferas de PLLA em sistema de biorreator. As microesferas tiveram ainda a sua superfície modificada com adição de peptídeos RGD, que consiste de pequenas seqüências repetitivas dos aminoácidos arginina (Arg ou R), glicina (Gly ou G) e ácido aspártico (Asp ou D). Essas seqüências de aminoácidos reconhecidamente estimulam a adesão celular. Foi acompanhada a degradação do PLLA em diferentes tempos (depois de 7, 14, 21, 28, 35, 49 e 56 dias). Os autores puderam verificar que nos tempos pesquisados os materiais ainda estavam estáveis para suportar crescimento celular. Com a utilização de biorreator, a quantidade de células sobre os biomateriais é aumentada de forma bastante significativa e os dispositivos estudados mostraram uma capacidade de estimular a adesão e proliferação celular bastante boa. Os autores observaram ainda a formação de micro-agregados, o que poderia indicar a produção de matriz extracelular[53].

Não temos experiência de cultivo de células cartilaginosas em substratos biorreabsorvíeis. Por outro lado, nosso grupo cultivou anteriormente condrócitos porcinos em polímeros permanentes como o poli(metacrilato de 2-hidróxi-etila) (poliHEMA). Foi observado que o comportamento das células cartilaginosas se assemelhava bastante a de células Vero sobre o mesmo substrato[54]. Pelos dados obtidos na literatura[9,16,26,44,49] e nossos próprios resultados[4,54], a extrapolação de dados obtidos com fibroblastos sobre adesão e crescimento celular às células cartilaginosas pode ser feita, embora com alguns cuidados óbvios. Dessa forma, a busca por um material polimérico que melhor mimetize funcionalmente a cartilagem articular ainda persiste.

Dispositivos Biorreabsorvíveis para o Tecido ósseo

Com o desenvolvimento metodológico aplicado a engenharia de tecidos, novos procedimentos passaram a ser utilizados na restauração óssea. Materiais poliméricos podem servir como suporte para o crescimento celular, permitindo a penetração de vasos sangüíneos e em alguns casos, até mesmo exercem atividade morfogenética. No caso de materiais biorreabsorvíveis, eles são muitas vezes enriquecidos com hidroxiapatita, fatores de crescimento, proteínas morfogenéticas ósseas (BMPs) além de outros elementos ósseos, tornando-os muito eficientes no estímulo à neoformação óssea em regiões lesadas[9].

O transplante de diferentes tipos de células isoladas e cultivadas em substratos de PLLA e PGA vem sendo investigado como uma forma de substituição temporária de porções teciduais danificadas[16]. Foi observado que em copolímeros de PLGA quando implantados em ossos, concomitantemente à biorreabsorção do material ocorre a neoformação de tecido ósseo no local do implante. Além disso, o PLGA apresenta a vantagem adicional de sua degradação completa ser bastante variável, podendo ocorrer em semanas ou em anos, dependendo da razão dos poliésteres presentes nos copolímeros[55].

Células osteoblásticas cultivadas em filmes de PLLA, PGA e PLGA mostraram um padrão de adesão e espalhamento celular bastante satisfatório, além de apresentarem a capacidade de crescer e proliferar sobre o substrato. Além disso, as células sobre estes polímeros demonstraram um aumento na atividade da enzima fosfatase alcalina, um marcador de diferenciação e atividade óssea, e na síntese de colágeno I[56]. Resultados similares foram obtidos cultivando-se osteoblastos em dispositivos tridimensionais de PLGA. Nesse caso, foi observado ainda a mineralização da matriz óssea produzida[57,58]. É interessante ressaltar que, mesmo células obtidas de medula óssea quando cultivadas em membranas porosas de PLGA e implantadas no interior de mesentério de ratos foram capazes de iniciar a formação ectópica de tecido ósseo[57].

Outra abordagem bastante interessante é a adsorção aos polímeros de fatores que estimulem as células a se diferenciarem. Os primeiros relatos onde foi adicionada a forma recombinante da proteína morfogenética óssea humana tipo 2 (rhBMP-2) em membranas biorreabsorvíveis foram feitos no final da década de noventa. Nesse caso, foi observado que, nos osteoblastos cultivados nos substratos com rhBMP-2, houve uma maior produção de matriz óssea em relação aos controles[59,60]. Experimento semelhante foi realizado por Hollinger et al.[61], onde a rhBMP-2 foi adsorvida a uma matriz de colágeno I. Quando essa matriz colagênica foi implantada em porções fraturadas de ossos, houve a neoformação de tecido ósseo bem como a integração do implante com o osso lesado. Embora os resultados obtidos sejam bastante animadores, esta abordagem terapêutica parece ser limitada pelo tamanho da fratura produzida[59].

Gugala et al.[62] estudaram a adsorção de proteínas sobre a atividade de osteoblastos cultivados por até três semanas sobre membranas porosas e não porosas de PDLA. Foi observado que a presença de poros não influenciou a adsorção protéica. Esses autores mostraram que as células mantiveram o fenótipo típico de osteoblastos, foram capazes de formar nódulos de mineralização, ou seja, regiões onde se observa matriz orgânica mineralizada, e produzirem fosfatase alcalina, uma enzima comumente relacionada ao processo de biomineralização tanto in vitro quanto in vivo. Comparativamente, e ao longo do tempo, a quantidade de proteínas, a taxa de fosfatase alcalina e o volume de células aumentaram mais na membrana porosa em relação à não porosa. Simon et al.[63] cultivaram osteoblastos sobre um gradiente de PLLA e PDLLA. O objetivo era avaliar se o gradiente alterava o padrão de interação das células com o substrato. Foi relatado que a adesão foi similar em ambas as porções do gradiente, porém a proliferação foi mais significativa nas regiões ricas em PDLLA (mais lisas) do que nas porções ricas em PLLA, que são mais rugosas. Esses resultados demonstram que topografia, além da composição do substrato, interfere no comportamento de células ósseas. Nossa experiência mostra que o PLLA talvez não seja o substrato ideal para a cultura de células ósseas. Mostramos que comparativamente ao PLLA, células osteoblásticas murinas aderem de forma muito mais intensa ao PGA, tanto na forma densa quanto na forma porosa[64]. Apesar disso, com 24h de cultivo, observamos que o padrão de espalhamento das células sobre os substratos é semelhante.

Tem sido postulado que materiais porosos implantados in vivo apresentam uma melhor integração com o tecido receptor. O diâmetro ideal dos poros para o crescimento tecidual ainda apresenta algumas discordâncias. Alguns autores falam em variações de diâmetro entre 300-400 µm, outros dão intervalos ainda mais amplos na ordem de 200-400 µm[65]. Muito ainda se necessita pesquisar para se buscar um material que sirva como substrato para o crescimento de células ósseas visando regeneração tecidual.

Dispositivos Biorreabsorvíveis para a Pele

Vários grupos investigam diferentes métodos para criar equivalentes dérmicos usando diferentes substitutos baseados em materiais biológicos como, por exemplo, colágeno, fibrina, cultura de camadas epidérmicas, ou materiais sintéticos[66]. Substitutos dérmicos em pacientes, entretanto, têm mostrado um crescimento lento das estruturas vasculares para o interior dos componentes dérmicos. Isso resulta em uma segunda fase do procedimento cirúrgico na qual os componentes epidérmicos são transplantados para o ferimento em regeneração[67].

A pesquisa sobre substitutos dérmicos inevitavelmente chega à era dos polímeros biorreabsorvíveis. Eles apresentam algumas vantagens em relação aos substratos biológicos uma vez que, por serem sintéticos apresentam um nível de produção mais padronizada e, portanto, existe uma menor variação entre diferentes lotes de produção; podem ser modificados para melhor atender às necessidades clínicas sem que haja perda nas suas propriedades mecânicas; eles praticamente eliminam a possibilidade de serem vetores de vírus e príons, sendo assim mais seguros aos pacientes[66]. Os mais pesquisados para esta finalidade são PLLA, PGA e o PLGA. Recentemente um novo tipo de polímero bioabsorvível, o poli(tereftalato de etileno)/poli(tereftalato de butileno) (PGT/PBT) tem sido utilizado. Em um experimento bastante elegante, Ghalbzouri e colaboradores mostraram a reconstrução de fragmento de pele substituto utilizando membranas de PEGT/PBT com culturas de fibroblastos e queratinócitos. A estrutura formada apresentava várias características de pele diferenciada, como uma camada epidérmica que expressava vários tipos de queratinas, sob o qual cresciam camadas de fibroblastos. Entre esses dois domínios ainda se observou a presença de componetes de membrana basal, tais como colágeno VII, laminina e nidogênio[66].

Polímeros naturais são muitos estudados quando se visa a restauração da pele. Dentre eles, destaca-se o colágeno. Colágeno vem sendo utilizado a partir de diversas fontes xenogênicas, tais como os obtidos de boi, porco e cavalo. Alguns tipos de colágeno humano já são utilizados nos Estados Unidos da América com a aprovação da Food and Drug Admistration (FDA). O colágeno mostra-se extremamente receptivo à cultura de células fibroblásticas. Mostramos que sobre géis de colágeno, estas células são capazes de produzir componentes de matriz extracelular como glicosaminoglicanos e fibronectina, de modo a formar um tecido que lembra, em suas características, um tecido conjuntivo reconstituído[68]. Entretanto, com variações nas condições de cultura utilizadas, células fibroblásticas podem passar a se comportar como se fossem epiteliais, diminuindo seu comportamento migratório sobre a matriz de colágeno e produzindo moléculas como colágeno IV e laminina[68,69]. Assim, consideramos a utilização do colágeno como um modelo bastante interessante não apenas à área de reconstrução tecidual, mas também para estudos da própria diferenciação das células cultivadas nele.

O colágeno apresenta uma série de vantagens, como a sua disponibilidade, ser biodegradável e biorreabsorvível, ser resistente a forças de distensão e ter suas propriedades alteradas por modificação de seus grupos funcionais. Entretanto, ele apresenta algumas desvantagens como a degradação rápida, grande hidrofilicidade que pode causar um inchaço significativo após o implante, uma baixa resistência a forças mecânicas de compressão e o seu alto custo de purificação. Isso vem limitando a sua utilização[70].

Alternativas vêm sendo desenvolvidas visando também a regeneração dérmica e/ou engenharia de tecidos. Recentemente, alguns autores vêm observando com cuidado a utilização da quitosana. A quitosana, ou N-caboxibutilquitosana, é um derivado da desacetilação da quitina. É um composto não imunogênico e que apresenta uma degradação em meio aquoso é lenta, mesmo com a presença de lisosimas, e seu produto de degradação, a glicosamina, não são tóxicos[71]. Esponjas de quitosana devem, ao menos em teoria, apresentar uma estrutura e tamanho estável durante o período de cultura celular. Foi observado que membranas porosas de quitosana mostram uma boa integridade e receptividade ao espalhamento celular[71].

Aproveitando as características da quitosana e associando com as propriedades do colágeno foi proposta a utilização de blendas de colágeno/quitosana. Foi observado que as blendas apresentavam uma grande capacidade de retenção de água, ou seja altamente hidrofílicas, também estimulavam marcadamente o crescimento de fibroblastos sobre elas. Além disso, a adição de quitosana não diminuiu a interatividade das células ao colágeno. Estas blendas mostram uma boa capacidade de atrair fibroblastos in vivo para o seu interior o que facilitaria a formação de uma neoderme[70].

Dos polímeros biorreabsorvíveis disponíveis, sem dúvida o mais amplamente utilizado são variações do poli(ácido lático), o PLLA, PDLA e o PDLLA. Mostramos o comportamento de células fibroblásticas cultivadas sobre membranas tridimensionais de PLLA densas e com poros com diferentes diâmetros. Nesses substratos, foi observado que as células foram capazes de aderir aos polímeros, proliferar sobre eles e produzirem moléculas de matriz extracelular, como colágeno IV e fibronectina[19]. Esse comportamento faz com que o PLLA seja um substrato a ser considerado para lesões de pele. No entanto, o poli(ácido láctico) apresenta uma resistência mecânica baixa. Uma alternativa seria a formação de copolímeros ou blendas para a modificação das propriedades mecânicas. Resende et al.[72] avaliaram a eficácia de membranas de PLGA com e sem plastificante como curativo em lesões de pele. Os resultados in vitro mostraram que a adição de plastificante diminui a temperatura de transição vítrea (Tg) das membranas e aumentou a flexibilidade das mesmas. O estudo in vivo mostrou que o polímero degradou rapidamente em contato com a pele sem causar inflamações sérias e protegeu a área ulcerada da ação de agentes externos. A recomposição dos ferimentos foi mais rápida na presença das membranas mostrando que as mesmas podem ser utilizadas como curativos para pele.

Assim, nossa experiência e os dados na literatura disponíveis apontam para que polímeros biorreabsorvíveis sejam uma alternativa viável, desde que se escolha um substrato para o crescimento cuja degradação coincida com a regeneração da derme-epiderme e que permita ainda a neovascularização do tecido formado no local do implante. Membranas densas ou porosas de PLGA podem ter essas características[64]. A busca por materiais com boas propriedades pode ser uma alternativa promissora na recomposição de pele lesada.

Conclusão

As vantagens da utilização de compostos biorreabsorvíveis são inúmeras em relação a outros procedimentos cirúrgicos mais tradicionais. Dispositivos de fixação interna, utilizados em cirurgias ortopédicas, perdem sua função de manter os tecidos unidos quando a recomposição estrutural se conclui. Implantes bioabsorvíveis para fixação interna apresentam a vantagem de eliminar uma segunda intervenção cirúrgica para sua remoção. Eliminam-se também os riscos com implantes metálicos tais como corrosão ou atrito com o osso. A utilização de polímeros biorreabsorvíeis apesar de ainda se encontrar em estudo e seu emprego é bastante promissor. Novos compostos são desenvolvidos e avaliados a cada ano e suas perspectivas de utilização são imensas. A demanda por "materiais ideais" a cada tecido e abordagem clínica ainda é um desafio.

Enviado: 24/01/07

Reenviado:15/05/07

Aceito: 30/05/07

  • 1. Hench, L. L. - Biomaterials, 19, p.1419 (1998).
  • 2. Hubbell, J. A. - Biotechnology, 13, p.565 (1995).
  • 3. Alberts, B.; Johnson, A.; Lewis, J.; Raff, M.; Roberts, K. & Walter, P. "Molecular Biology of the Cell", 4th ed., Garland Science, New York (2002).
  • 4. Santos Jr, A. R; Wada, M. L. F. & Carvalho, H. F. "Diferenciação Celular", in: A Célula, 2Ş edição, cap. 25, Hernandes F. Carvalho & Shirlei M. Recco-Pimentel (ed.), Editora Manole, São Paulo (2007).
  • 5. Törmälä, P.; Pohjonen, T. & Rokkanen, P. - Proc. Instn. Mech. Engrs (Part H), 212, p.101 (1998).
  • 6. Vert, M.; Li, M. S.; Spenlehauer, G. & Guerin, P. - J. Mater. Sci., 3, p.432 (1992).
  • 7. Barbanti, S. H.; Zavaglia, C. A. C. & Duek, E. A. R. - Polímeros: Ciência e Tecnologia, 15, p.13 (2005).
  • 8. Hollinger, J. O. & Battistone, G. C. - Clin. Orthop. Rel. Res., 207, p.290 (1986).
  • 9. An, Y. H.; Woolf, S. K. & Friedman, R. J. - Biomaterials, 21, p.2635 (2000).
  • 10. Barbanti, S. H.; Zavaglia, C. A. C.; Duek, E. A. R. - Acta Microscopica, 11, p.85 (2002).
  • 11. Willians, D. F. & Mort, E. - J. Bioeng., 1, p.231 (1977).
  • 12. Li, S. M.; Garreau, H. & Vert, M. - J. Mater Sci. Mater. Res., 1, p.123 (1990).
  • 13. Chen, G.-Q. & Wu, Q. - Biomaterials, 26, p.6565 (2005).
  • 14. Ferreira, B. M. P.; Zavaglia, C.A.C. & Duek, E.A.R. - J. Appl. Polym. Sci., 86, p2898 (2002).
  • 15. Ferreira, B. M. P.; Zavaglia, C.A.C. & Duek, E.A.R. - Mater. Res., 4, p.34 (2001).
  • 16. Langer, R. & Vacanti, J. P. - Science, 260, p.920 (1993).
  • 17. Dewez, J.-L.; Lhoest, J.-B.; Detrait, E.; Berger, V.; Dupont-Gillain, C. C.; Vincent, L.-M.; Schneider, Y.-J.; Bertrand, P. & Rouxhet, P.G. - Biomaterials, 19, p.1441 (1998).
  • 18 Neff, J. A.; Caldwell, K. D. & Tesco, P. A - J. Biomed. Mater. Res., 40, p.511 (1998).
  • 19. Santos Jr, A. R.; Barbanti, S. H.; Duek, E. A. R.; Dolder, H.; Wada, R.S. & Wada, M.L.F. - Artif. Organs, 25, p.7 (2001).
  • 20. Kirkpatrick C. J. Regulatory Affairs, 4, p.13 (1992).
  • 21. Santos Jr, A. R.; Ferreira, B. M. P; Duek, E. A. R.; Dolder, H.; Wada, R. S. & Wada, M. L. F. - Artif. Organs, 28, p.381 (2004).
  • 22. Wald, H. L.; Sarakinos, G.; Lyman, M. D.; Mikos, A. G.; Vacanti, J.P. & Langer, R. - Biomaterials, 14, p.270 (1993).
  • 23. van Sliedregt, A.; Van Loon, J. A.; Van Der Brink, C.; De Groot, K. & Van Blitterswijk, C. A. - Biomaterials, 15, p.251(1994).
  • 24. Zoppi, R. A.; Contant, S.; Duek, E. A. R.; Marques, F. R.; Wada, M. L. F. & Nunes, S. P. - Polymer, 40, p.3275 (1999).
  • 25. Kwon, I. K.; Kidoaki, S. & Matsuda, T. - Biomaterials, 26, p.3929 (2005).
  • 26. Mann, B. K.; Tsai, A. T.; Scott-Burden, T. & West, J. L. - Biomaterials, 20, p.2281 (1999).
  • 27. Santos Jr, A. R.; Ferreira B. M. P.; Duek, E. A. R.; Dolder, H. & Wada, M. L. F. - Braz. J. Med. Biol. Res., 38, p.1623 (2005).
  • 28. Gunawan, R. C.; Silvestre, J.; Gaskins, H. R.; Kenis, P. J. A.; Leckband, D. E. - Langmuir, 22, p.4250 (2006).
  • 29. Liu, X.; Won, Y. & Ma, P. X. - Biomaterials, 27, p.3980 (2006).
  • 30. Watanabe, J.; Eriguchi, T. & Ishihara, K. - Biomacromolecules, 3, p.1375 (2002).
  • 31. Nakagawa, M.; Teraoka, F.; Fujimoto, S.; Hamada, Y.; Kibayashi, H. & Takahashi, J. - J. Biomed. Mater. Res., 77A, p.112 (2006).
  • 32. Ryu, G. H.; Yang, W.-S.; Roh, H.-W.; Lee, I.-S.; Kim, J. K.; Lee, G. H.; Lee, D. H.; Park, B. J.; Lee, M. S. & Park, J. C. - Surf. Coat. Technol., 193, p.60 (2005).
  • 33. Atala, A.; Lanza, R. "Methods of Tissue Engineering", Academic Press, Florida (2002).
  • 34. Suzuki, S.; Kawai, K.; Ashoori, F.; Morimoto, N.; Nishimura, Y. & Ikada, Y. Br. J. Plast. Surg., 53, p.659 (2000).
  • 35. Lieberman, J. R.; Daluiski, A. & Einhorn, T. A. - J. Bone Joint. Surg. Am., 84-A, p.1032 (2002).
  • 36. Yamada, K. M. J. Biol. Chem., 266, p.12809 (1991).
  • 37. Temenoff, J. S. & Mikos, A. G. - Biomaterials, 21, p.431 (2000).
  • 38. Hsu, S. H.; Tseng, H. J. & Fang, Z. H. - Artif. Organs, 23, p.958 (1999).
  • 39. Zhu, Y. B.; Gao, C. Y.; Liu, X. Y.; He, T. & Shen, J. C. - Tis. Eng., 10, p53 (2004).
  • 40. Lee, S. J.; Lee, Y. M.; Khang, G.; Kim, I. Y.; Lee, B. & Lee, H.B. - Macromolecular Res., 10, p.150 (2002).
  • 41. Rivard, C. H.; Chaput, C.; Rhalmi, S. & Selmani, A. - Ann. Chirurgie, 50, 651 (1996).
  • 42. Aframian, D. J.; Cukierman, E.; Nikolovski, J.; Mooney, D. J.; Yamada, K. M. & Baum, B. J. - Tis. Eng., 6, p.209 (2000).
  • 43. Junqueira, L. C. & Carneiro, J. "Histologia Básica", 10Ş ed, Guanabara Koogan, Rio de Janeiro (2004).
  • 44. Freed, L. E.; Marquis, J. C.; Nohria, L. E.; Emmanual, J.; Mikos, A.G. & Langer, R. - J. Biomed. Mater. Res., 27, p.11 (1993).
  • 45. Grande, D. A.; Halbertadt, C.; Naughton, G.; Schwartz, R. & Manji, R. - J. Biomed. Mat. Res., 34, p.211 (1997).
  • 46. Puelacher, W. C.; Mooney, D.; Langer, R.; Upton, J.; Vacanti, J. P. & Vacanti, C. A. - Biomaterials, 15, p.774 (1994).
  • 47. Chu, C. R.; Coutts, R. D.; Yoshioka, M.; Harwood, F. L.; Monosov, A. Z. & Amiel, D. - J. Biomed. Mater. Res., 29, p.1147 (1995).
  • 48. Ishaug-Riley, S. L.; Okun, L. E.; Prado, G.; Applegate, M.A. & Ratcliffe, A. - Biomaterials, 20, p.2245 (1999).
  • 49. Rotter, N.; Aigner, J.; Naumann, A.; Planck, H.; Hammer, C.; Burmester G. & Sittinger, M. J. - Biomed. Mater. Res., 42, p.347 (1998).
  • 50. Klompmaker, J.; Jansen, H. W.; Verth, R. P. De Groot, J. H.; Nijenhuis, A. J. & Pennings, A. J. - Biomaterials, 12, p.810 (1991).
  • 51. de Groot, J. H.; Zijlstra, F. M. & Kuipers, H. W. - Biomaterials, 18, p.613 (1997).
  • 52. Takagi, M.; Fukui, Y.; Wakitani, S. & Yoshida, T. - J. Biosci. Bioeng., 98, p.477 (2004).
  • 53. Chen, R.; Curran, S. J.; Curran, J. M. & John A. Hunt, J.A. - Biomaterials, 27, p.4453 (2006).
  • 54. Lombello, C. B.; Malmonge, S. M. & Wada, M. L. F. - J. Mater. Sci. Mater. Med., 11, p.541 (2000).
  • 55. Reed, A. M. & Gilding, D. K. - Polymer, 22, p.342 (1981).
  • 56. Ishaug, S. L.; Yaszemski, M. J.; Brizios, R. & Mikos, A. G. - J. Biomed. Mater. Res, 28, p.1445 (1994).
  • 57. Ishaug-Riley, S. L.; Crane, G. M.; Gurlek, A.; Miller, M. J.; Yasko, A. W.; Yaszemski, M. J. & Mikos, A. G. - J. Biomed. Mater. Res., 36, p.1 (1997).
  • 58. Ishaug-Riley, S. L.; Crane-Kruger, G. M.; Yaszemski, M. J. & Mikos, A. G. - Biomaterials, 19, p.1405 (1998).
  • 59. Lee, S. C.; Shea, M.; Battle, M. A.; Kozitza, K.; Ron, E.; Turek, T.; Schaub, R. G. & Hayes, W. C. - J. Biomed. Mater. Res., 28, p.1149 (1994).
  • 60. Whang, D. C.; Nam, E. K.; Aitken, M.; Sprague, S. M.; Patel, P. K. & Healy, K. E. - J. Biomed. Mater. Res., 42, p.491 (1998).
  • 61. Hollinger, J. O.; Schmitt, J. M.; Buck, D. L.; Shannon, R.; Joh, S.-P.; Zegzula, H. D. & Wozney, J. J. - Biomed. Mater. Res., 43, p.356 (1998).
  • 62. Gugala, Z. & Gogolewski, S. - Biomaterials, 25, p.2341 (2004).
  • 63. Simon Jr, C. G.; Eidelmanb, N.; Kennedya, S. B.; Sehgala, A.; Khatria, C. A. & Washburna, N. R. - Biomaterials, 26, p.6906 (2005).
  • 64. Barbanti, S. H.; Santos Jr, A. R.; Zavaglia, C. A. C. & Duek, E. A. R. - J. Mater. Sci. Mater. Med., 15, p.1315 (2004).
  • 65. Burg, K. J. L.; Porter, S. & Kellam, J.F. - Biomaterials, 21, p.2347 (2000).
  • 66. El Ghalbzouri, A.; Lamme, E. N.; van Blitterswijk, C.; Koopman, J. & Ponec, M. - Biomaterials, 25, p.2987 (2004).
  • 67. Dantzer, E. & Braye F. M. - Br. J. Plast. Surg., 54, p.659 (2001).
  • 68. Santos Jr, A. R.; Dolder, H. & Wada, M. L. F. - J. Submicrosc. Cytol. Pathol., 35, p.35 (2003).
  • 69. Haas, V.R.; Santos Jr, A. R. & Wada, M. L. F. - Cytobios, 106 (Supplement 2), p.255 (2001).
  • 70. Ma, L.; Gao, C.; Mao, Z.; Zhou, J.; Shen, J.; Hu, X. & Han, C. - Biomaterials, 24, p.4833 (2003).
  • 71. Ma, J.; Wang, H.; He, B. & Chen, J. - Biomaterials, 22, p.331 (2001).
  • 72. Rezende, C. A.; Luchesi, C.; Barbo, M. L. P. & Duek, E. A. R. - Polímeros: Ciência e Tecnologia, 15, p. 232 (2005).
  • Autor para correspondência:
    Arnaldo Rodrigues Santos Jr.
    Departamento de Biologia Aplicada, Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, UNESP, Via de Acesso Prof. Paulo Donato Castellane s/n
    CEP: 14884-900, Jaboticabal, SP, Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Fev 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2007

    Histórico

    • Recebido
      24 Jan 2007
    • Revisado
      15 Maio 2007
    • Aceito
      30 Maio 2007
    Associação Brasileira de Polímeros Rua São Paulo, 994, Caixa postal 490, São Carlos-SP, Tel./Fax: +55 16 3374-3949 - São Carlos - SP - Brazil
    E-mail: revista@abpol.org.br