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Saúde Coletiva: perspectivas filosóficas

EDITORIAL

Saúde Coletiva: perspectivas filosóficas

Um dos traços estruturais da Saúde Coletiva tal como se desenvolveu no Brasil é a incorporação de uma perspectiva crítica e reflexiva, em estreito diálogo com a Filosofia, entre outras disciplinas das ciências sociais e humanas (BIRMAN, 2005; NUNES, 2005). Este traço se articula com o duplo projeto, político e científico, de reformulação da atenção à saúde do país, em paralelo à permanente investigação sobre o que se expressa pelo termo "saúde". Os precedentes históricos dessa conexão são muitos, e com uma longa história. Um signo–exemplo dessa junção é a ilustração da capa desta edição, que traz a imagem de Aristóteles impressa no De humani corporis fabrica, de Vesálio (imagem de domínio público obtida de uma mostra online da National Library of Medicine dos Estados Unidos [NLM, 2002]).

O tema desta edição de Physis traz três artigos onde a reflexão filosófica de temas e autores caros a essa tradição crítica se afirma, sempre atual. No primeiro deles, Nogueira procura articular a physis aristotélica em termos heideggerianos, trazendo uma análise crítica da própria produção desse autor, buscando explicitar as contradições internas em sua obra tardia, rearticulando concepções sobre saúde e doença em termos da filosofia do Dasein.

Puttini e Pereira Junior, por sua vez, debruçam–se sobre um autor caro à Saúde Coletiva no Brasil, Georges Canguilhem, questionando a visão convencional que atribuía a esse autor o rótulo de "vitalista". Para Puttini e Pereira Junior, amparados numa leitura contemporânea que busca em Debrun a discussão conceitual sobre auto–organização, a crítica fundamental de Canguilhem é à visão mecanicista da vida; criticar esta, contudo, não coloca aquele autor imediatamente no campo do vitalismo. A contribuição fundamental de Canguilhem, o conceito de normatividade, é vista pelos autores justamente como uma estratégia de superação da antinomia vitalismo/mecanicismo. Parece razoável pensar, seguindo o convite desses autores, que só com o desenvolvimento posterior das próprias ciências biológicas (lembrando que a versão original de O normal e o patológico data do início da década de 1940), e a introdução dos conceitos de complexidade e auto–organização, foi possível apreciar em toda sua amplitude as implicações da démarche canguilhemiana.

No último artigo do tema, Tesser analisa as relações entre o que denomina de "verdades" e a ética da terapêutica, propondo que a ênfase nas primeiras leva à desresponsabilização dos atores sobre a última.

Nos temas livres, Pestana, Vargas e Cunha apresentam um estudo de caso sobre a atuação do conselho gestor de uma unidade básica de saúde da família, mostrando as limitações da atuação do mesmo que impedem a efetiva implementação da participação popular na gestão das atividades do serviço de saúde.

Na seqüência, Guedes e Dinis apresentam e discutem o caso de discriminação contra uma atleta brasileira por conta da detecção de marcadores genéticos para a falcemia, alertando para as implicações da difusão de testes genéticos rotineiros e enfatizando os aspectos éticos envolvidos.

Segue–se o artigo, de Silianski e Reis, que discutem a dimensão da renúncia fiscal produzida pelas deduções no imposto de renda sobre pessoas físicas dos gastos com atenção à saúde, discorrendo sobre as implicações desta para a política de saúde.

Encerrando a seção, Almeida apresenta, em interessante artigo, a conexão entre o desenvolvimento da biologia no século XX com interesses bélicos, classicamente analisados apenas em relação à física.

Na seção de resenhas, Rangel apresenta A mulher no corpo: uma análise cultural da reprodução, de Emily Martin, e Nunes traz O avesso do avesso: feminilidade e novas formas de subjetivação, de Márcia Arán.

Encerrando este editorial, é necessário fazer dois registros. Primeiramente, esta edição é o primeiro "número três" da história de Physis, marcando a expansão que já anunciávamos desde o início deste ano.

Em segundo lugar, ao final desta edição temos um agradecimento nominal a todos os pareceristas que colaboraram com Physis nos últimos anos, relação compilada pela nossa incansável produtora executiva, Ana Silvia Gesteira. Pretendemos tornar esta uma seção fixa da última edição de cada ano daqui em diante. Trata–se de um reconhecimento mínimo do trabalho silencioso, porém essencial, da comunidade acadêmica da Saúde Coletiva, sem o qual não só a Physis mas todos os periódicos científicos deixariam de existir.

A vocês, nosso muito obrigado.

KENNETH ROCHEL DE CAMARGO JR.

  • BIRMAN, J. A Physis da Saúde Coletiva Physis: Rev. Saúde Coletiva, v. 15 (supl.), p. 1116, 2005.
  • NATIONAL LIBRARY OF MEDICINE. Greek medicine, 2002. Disponível em: http://www.nlm.nih.gov/hmd/greek/ Acessado em: 3 nov. 2007.
  • NUNES, E. Pósgraduação em Saúde Coletiva no Brasil: histórico e perspectivas. Physis: Rev. Saúde Coletiva, v. 15, n. 1, p. 1338, 2005.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Fev 2008
  • Data do Fascículo
    2007
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