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Editorial

Editorial

A interrupção da gestação devido ao diagnóstico pré-natal de anomalia fetal põe mais uma vez em pauta o tema do aborto e da autonomia reprodutiva da mulher. Considerado de modo amplo, o tema do aborto e suas conseqüências podem ser vistos como uma questão de saúde pública, uma vez que, apesar de criminalizada, sua prática é disseminada na sociedade brasileira. Embora um grande número de mulheres ou de casais opte pelo aborto, expondo-se a todas as inseguranças próprias a um procedimento clandestino e, conseqüentemente, sem regulamentação e sem controle por parte do Estado, o aborto e sua descriminalização seguem pouco discutidos pela soc iedade 'bras ile ira.

Apesar de se tratar de procedimento realizado pela seguridade social em vários países europeus, o aborto não chegou a constituir tema relevante nas campanhas eleitorais desde a redemocratização do Brasil. Como indica Diniz, "desde a promulgação do Código Penal Brasileiro, em 1940, o tema do aborto vem sendo pauta legislativa constante no país" e "somente na Câmara Federal, foram 28 projetos de lei, o primeiro proposto em 1949 e o mais recente em maio de 2003" [ver abaixo p. 270, nota 6J. No entanto, essas propostas não têm resultado em alterações no plano legal.

Também na área de Saúde Coletiva, nas principais revistas da área, num levantamento bibliográfico dos últimos cinco anos, mal se encontrará uma dezena de artigos referentes a tema tão importante. Constituem exceção, nesse quadro, o feminismo e os movimentos organizados de mulheres que sublinham como ponto central de sua agenda a questão do aborto. As principais iniciativas de enfrentamento de pontos polêmicos no aborto se devem, sem dúvida, a esses movimentos, que têm mantido vivos o debate e a luta em torno da questão. Um exemplo é a "Campanha 28 de Setembro"1 1 Conferir sobre isso: http://www.campanha28set.org; http://www.redesaude.org.br ,que reúne ações voltadas para a descriminalização da prática do aborto e seus desdobramentos, hoje, no país.

Com o tema "Diagnóstico Pré-natal e Aborto Seletivo", a Revista Physis busca contribuir para estimular e renovar essa discussão. O tema reúne três artigos: Débora Diniz, em "Quem autoriza o aborto seletivo no Brasil? Médicos, promotores e juízes em cena", expõe em um estudo de caso os argumentos médicos e jurídicos apresentados no primeiro pedido de aborto seletivo no Distrito Federal, em 1995; Alessandra Barros, em "Limites à condenação do aborto seletivo: a deficiência em contextos de países periféricos", parte de um comentário do texto de Adrienne Asch (a seguir), para discutir a mobilização política das pessoas portadoras de deficiência no Brasil face a um possível caráter discriminatório do aborto seletivo; finalizando a seção, há o importante artigo de Adrienne Asch, "Diagnóstico pré-natal e aborto seletivo: um desafio à prática e às políticas" (publicado originalmente em 1999; tradução de Débora Diniz e Marcele Castro) defendendo o argumento de que o aborto seletivo associado a modernas técnicas de diagnóstico pré-natal representa um risco à integridade moral dos portadores de deficiência, sobretudo se a aplicação dessas técnicas não for acompanhada de políticas consistentes de bem-estar para eles.

A seção "Temas Livres" reúne artigos que, apesar de heterogêneos, têm em comum abordarem temáticas da atualidade. Fátima Regina Gomes Tavares, em "Legitimidade terapêutica no Brasil contemporâneo: as terapias alternativas no âmbito do saber psicológico", discute o processo de regulação de terapias alternativas semelhantes à Nova Era, ao longo dos anos 90. Maria da Penha Pereira de Meio e Ada Ávila Assunção, em "A decis~o pericial no âmbito da Previdência Social", apresentam uma pesquisa qualitativa com médicos peritos do INSS, procedendo a uma interessante análise do processo de decisão pericial - tema até o momento inédito em Physis. Por fim, Rachei Aisengart Menezes, em "Tecnologia e 'morte natural': o morrer na contemporaneidade", nos traz uma detida análise das representações contemporâneas da "morte natural" e sua relação com o uso de tecnologias médicas.

Encerrando a revista, temos a seção de "Resenhas e Críticas Bibliográficas" para a qual, gostaríamos de lembrar, seguimos aceitando contribuições.

André Rios e Marilena Corrêa

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Jul 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2003
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