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Análise contrastiva entre português e alemão: o estudo da animacidade em artigos acadêmicos

[Contrastive analysis of Portuguese and German: a study of animacy in academic articles]

Resumo:

Este artigo tem como objetivo compreender e comparar a animacidade construída gramaticalmente em orações no português brasileiro e no alemão tendo como base a Linguística Sistêmico-Funcional ( Halliday; Matthiessen 2014Halliday, M. A. K.; Matthiessen, Christian M. I. M. Halliday’s introduction to functional grammar. 4th ed. London: Routledge, 2014. ). Halliday, McIntosh e Strevens ( 1964Halliday, M. A. K.; Mcintosh, Angus; Strevens, Peter. The linguist sciences and language teaching. London: Longmans, 1964. ) e Krzeszowski ( 1990Krzeszowski, Tomasz P. Contrasting languages: The scope of contrastive linguistics. Berlin: De Gruyter Mouton, 1990. (Trends in Linguistics. Studies and Monographs [TiLSM], v. 51). ) afirmam que todas as línguas podem ser contrastadas, à medida que possuam categorias teóricas e descritivas que possam estabelecer a equivalência entre elas. Para isso, um corpus comparável de artigos acadêmicos em português e alemão foi compilado ( Tognini-Bonelli 2010Tognini-Bonelli, Elena. Theoretical overview of the evolution of corpus linguistics. In: O’Keeffe, Anne; McCarthy, Michael J. (ed.). The Routledge Handbook of Corpus Linguistics. New York: Routledge, 2010. p. 14-27. ) e, posteriormente, a análise linguística da animacidade, mais especificamente, dos objetos semióticos, foi realizada em cada língua e contrastada. Os resultados mostram que o português e o alemão, à primeira vista, funcionam de forma semelhante; no entanto, a análise mais aprofundada revela que o alemão recorre a construções menos ativas para os objetos semióticos, ao passo que o português utiliza opções mais ativas em orações.

Palavras-chave:
análise contrastiva; Linguística Sistêmico-Funcional; português; alemão; animacidade

Abstract:

This article proposes a contrastive study between Portuguese and German based on Systemic-Functional Linguistics ( Halliday; Matthiessen 2014Halliday, M. A. K.; Matthiessen, Christian M. I. M. Halliday’s introduction to functional grammar. 4th ed. London: Routledge, 2014. ). It aims to investigate how grammar construes animacy meanings in clauses of these two languages. Halliday, McIntosh, and Strevens ( 1964Halliday, M. A. K.; Mcintosh, Angus; Strevens, Peter. The linguist sciences and language teaching. London: Longmans, 1964. ) and Krzeszowski ( 1990Krzeszowski, Tomasz P. Contrasting languages: The scope of contrastive linguistics. Berlin: De Gruyter Mouton, 1990. (Trends in Linguistics. Studies and Monographs [TiLSM], v. 51). ) point out that all languages can be compared since they have theoretical and descriptive categories that can establish equivalence between them. A comparable corpus was compiled using academic articles in Portuguese and German ( Tognini-Bonelli 2010Tognini-Bonelli, Elena. Theoretical overview of the evolution of corpus linguistics. In: O’Keeffe, Anne; McCarthy, Michael J. (ed.). The Routledge Handbook of Corpus Linguistics. New York: Routledge, 2010. p. 14-27. ). After this, the linguistic analysis of semiotic objects was performed in each language to enable the contrastive investigation. The results indicate that Portuguese and German have similar behavior at first sight, nonetheless the in-depth analysis uncovers that Portuguese uses semiotic objects in more active clauses than German.

Keywords:
contrastive analysis; Systemic-Functional Linguistics; Portuguese; German; animacy

1 Introdução

O interesse humano em contrastar sistemas linguísticos distintos iniciou-se com o objetivo de ensinar línguas estrangeiras no século XVII. Muitos gramáticos, nessa época, com o propósito pedagógico, ajustaram suas gramáticas do inglês e do latim às necessidades de falantes nativos de várias línguas ( Howell 1662Howell, James. A new English gramar: prescribing as certain rules will bear, for forreners to learn English [...]. London: [s. n.], 1662. ; Coles 1677Coles, Elisha. Syncrisis: a very important introduction about what is similar and what is different and how it facilitates learning. London: Scolar Press, 1677. ), uma vez que era interessante para os aprendizes conhecer as semelhanças e, principalmente, as diferenças entre sua língua materna e a língua a ser aprendida. Os gramáticos, por sua vez, estavam cada vez mais interessados em descobrir o que elas tinham em comum, dado que esse conhecimento facilitaria o ensino e o aprendizado de línguas estrangeiras.

Motivados, a princípio, pelo interesse didático, pesquisadores iniciaram discussões sobre como contrastar línguas, quais são os tipos de comparações possíveis e quais métodos e teorias devem ser utilizados ( Krzeszowski 1990Krzeszowski, Tomasz P. Contrasting languages: The scope of contrastive linguistics. Berlin: De Gruyter Mouton, 1990. (Trends in Linguistics. Studies and Monographs [TiLSM], v. 51). ). Halliday, McIntosh e Strevens ( 1964Halliday, M. A. K.; Mcintosh, Angus; Strevens, Peter. The linguist sciences and language teaching. London: Longmans, 1964. ) afirmam que todas as línguas são sistematicamente comparáveis à medida que elas possuam categorias teóricas em comum que consigam descrevê-las. Ellis ( 1966Ellis, Jeffrey. Towards a general comparative linguistics. The Hague: Mouton & Co., 1966. ) descreve a relação inerente existente entre a descrição linguística e linguística contrastiva, já que, para comparar línguas, a descrição de ambas é necessária. No entanto, as descrições linguísticas precisam ter sido realizadas de forma que seja possível o contraste, sendo executadas a partir da mesma abordagem teórica ou de um conjunto de teorias em que se possa estabelecer uma equivalência entre elas, como aponta Krzeszowski ( 1990Krzeszowski, Tomasz P. Contrasting languages: The scope of contrastive linguistics. Berlin: De Gruyter Mouton, 1990. (Trends in Linguistics. Studies and Monographs [TiLSM], v. 51). ).

Para a realização da análise contrastiva desta pesquisa 3 3 Este artigo é resultado da pesquisa desenvolvida por Andrade ( 2022 ), apresentada à Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e orientada pelos professores Fabio Alves e Adriana Pagano, para a conclusão do curso de Bacharelado em Letras/Tradução: Português-Alemão. , foi adotada a Linguística Sistêmico-Funcional (LSF), uma teoria desenvolvida por M. A. K. Halliday, no início dos anos 1960, que descreve o funcionamento da arquitetura da linguagem de forma abrangente, apresentando categorias teóricas que, cada vez mais, se mostram eficazes para compreender e descrever diversas línguas. Halliday e Matthiessen ( 2014Halliday, M. A. K.; Matthiessen, Christian M. I. M. Halliday’s introduction to functional grammar. 4th ed. London: Routledge, 2014. ), no livro Halliday’s Introduction to Functional Grammar , dissertam não só sobre os princípios gerais que integram a LSF, como também sobre o funcionamento linguístico da língua inglesa.

No que tange à descrição de outras línguas, a obra de Caffarel, Martin e Matthiessen ( 2004Caffarel, Alice; Martin, James R.; Matthiessen, Christian M. I. M. (ed.). Language Typology: A Functional Perspective. Amsterdan: John Benjamins Publishing, 2004. (Current Issues in Linguistic Theory, v. 253). ) reúne a descrição de base sistêmico-funcional de oito línguas, a saber, francês, alemão, japonês, tagalo, chinês, vietnamita, telugu e pitjantjatjara. Quanto ao português brasileiro (PB), Figueredo ( 2011Figueredo, Giacomo Patrocinio. Introdução ao perfil metafuncional do português brasileiro: contribuições para os estudos multilíngues. 2011. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada) – Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011. ) descreve seu funcionamento gramatical na ordem da oração, analisando-o mediante as metafunções ideacional, interpessoal e textual.

Portanto, esta pesquisa localiza-se na confluência entre a Linguística Contrastiva ( Krzeszowski 1990Krzeszowski, Tomasz P. Contrasting languages: The scope of contrastive linguistics. Berlin: De Gruyter Mouton, 1990. (Trends in Linguistics. Studies and Monographs [TiLSM], v. 51). ) e a Linguística Sistêmico-Funcional ( Halliday; Matthiessen 2014Halliday, M. A. K.; Matthiessen, Christian M. I. M. Halliday’s introduction to functional grammar. 4th ed. London: Routledge, 2014. ) e tem como objetivo compreender como o português brasileiro e o alemão constroem gramaticalmente a animacidade em orações, mais especificamente, os objetos semióticos realizados por ilustrações em artigos acadêmicos.

Matthiessen, Teruya e Canzhong ( 2008Matthiessen, Christian; Teruya, Kazuhiro; Canzhong, Wu. Multilingual studies as a multi-dimensional space of interconnected language studies. In: Webster, Jonathan (ed.). Meaning in Context: implementing intelligent applications of language studies. London: Continuum, 2008. p. 146-220. ) propõem que áreas de pesquisas que envolvem mais de uma língua e que têm a LSF como base – por exemplo, Linguística Contrastiva ( Andrade 2022Andrade, Marcela Morais. Transitividade, sujeitabilidade e animacidade em alemão e português: uma análise comparada sob a perspectiva da teoria sistêmico-funcional. 2022. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Letras/Tradução) – Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2022. ; Oliveira; Figueredo 2020 Oliveira, Francieli Silvéria; Figueredo, Giacomo Patrocinio. Análise contrastiva de gêneros textuais como contribuição para o estudo do produto tradutório. Cadernos de Tradução, Florianópolis, v. 40, n. 2, p. 221-251, maio/ago. 2020. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2020v40n2p221 .
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), Linguística Descritiva ( Figueredo 2011Figueredo, Giacomo Patrocinio. Introdução ao perfil metafuncional do português brasileiro: contribuições para os estudos multilíngues. 2011. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada) – Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011. ; Steiner; Teich 2004Steiner, Erich; Teich, Elke. Metafunctional profile of the grammar of German. In: Caffarel, Alice; Martin, James R.; Matthiessen, Christian M. I. M. (ed.). Language Typology: A Functional Perspective. Amsterdan: John Benjamins Publishing, 2004. p. 139-184. (Current Issues in Linguistic Theory, v. 253). ), Estudos da Tradução ( Pagano ; Figueredo ; Ferreguetti 2015 Ferreguetti, Kícila; Paula, Flávia Ferreira de. O discurso do empoderamento/empowerment nas ciências da saúde: estudo exploratório de mineração de textos em corpus comparável bilíngue. In: Simpósio Internacional Sobre Análise Do Discurso, 4., 2016, Belo Horizonte. Anais [...]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2016. p. 1-16. Disponível em: https://nadufmg.wixsite.com/anais . Acesso em: 29 ago. 2023.
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; Vasconcellos; Pagano 2005Vasconcellos, Maria Lúcia; Pagano, Adriana Silvina. Explorando interfaces: estudos da tradução, lingüística sistêmico-funcional e lingüística de corpus. In: Pagano, Adriana Silvina; Magalhães, Célia; Alves, Fabio (org.). Competências em Tradução: Cognição e Discurso. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005. p. 177-207. ), entre outras – integrem um único campo disciplinar, nomeado pela obra como Estudos Multilíngues.

Por essa configuração, os Estudos Multilíngues permitem a criação de uma metateoria dentro da LSF, uma vez que é possível localizar e classificar as abordagens de pesquisas multilíngues na arquitetura da linguagem. O campo disciplinar, além disso, possibilita utilizar os resultados dessas pesquisas de diversas áreas da linguística como complemento umas das outras, contribuindo, assim, para ampliar a LSF e para compreender a produção textual multilíngue. Desse modo, esta pesquisa também está filiada aos Estudos Multilíngues.

Sipriano, Souza e Pereira ( 2021 Sipriano, Flaviana; Souza, Rebeca; Pereira, Rogéria. Mapeamento de Estudos da Linguística Contrastiva Português/Alemão: Dados Bibliográficos no Brasil. Pandaemonium Germanicum, São Paulo, v. 24, n. 44, p. 452-474, set./dez. 2021. DOI: https://doi.org/10.11606/1982-88372444452 .
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) mapearam os trabalhos existentes que contrastam o português e o alemão no Brasil. As autoras concluem que há um número reduzido de pesquisas, pois encontraram um total de 48 trabalhos que contrastavam especificamente as duas línguas, entre os anos de 1972 e 2019, sob a perspectiva da Linguística Contrastiva. Dentre esses documentos estão, por exemplo, teses, dissertações, trabalhos acadêmicos e artigos de periódico ( Sipriano; Souza; Pereira 2021 Sipriano, Flaviana; Souza, Rebeca; Pereira, Rogéria. Mapeamento de Estudos da Linguística Contrastiva Português/Alemão: Dados Bibliográficos no Brasil. Pandaemonium Germanicum, São Paulo, v. 24, n. 44, p. 452-474, set./dez. 2021. DOI: https://doi.org/10.11606/1982-88372444452 .
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). Devido a esse déficit, pretende-se, com este artigo, contribuir para o estudo entre o alemão e o português por meio do uso da LSF. Um dos pontos positivos dessa teoria é o fato de o significado ser “ativamente construído em e pela linguagem” ( Pagano 2020Pagano, Adriana Silvina. Modelagem da linguagem e do contexto na teoria sistêmico-funcional. Revista da ABRALIN, [s. l.], v. 19, n. 3, p. 25-49, 17 dez. 2020.: 28, grifo nosso). Esse aspecto favorece a análise dos fenômenos que ocorrem nas línguas naturais, visto que na LSF não existe o conceito de “extralinguístico”.

Diferentemente do português, Steiner e Teich ( 2004Steiner, Erich; Teich, Elke. Metafunctional profile of the grammar of German. In: Caffarel, Alice; Martin, James R.; Matthiessen, Christian M. I. M. (ed.). Language Typology: A Functional Perspective. Amsterdan: John Benjamins Publishing, 2004. p. 139-184. (Current Issues in Linguistic Theory, v. 253).: 142, tradução nossa) afirmam que, no alemão, “[...]a confluência de papéis dos participantes e funções gramaticais é relativamente restrita [...]” 4 4 Tradução de: “[...] the conflation of participant roles and grammatical functions is relatively constrained [...]”. , mostrando que, por ser uma língua que marca os casos nominativo, acusativo, dativo e genitivo, nem todos os Participantes 5 5 Na LSF, as funções são escritas com a primeira letra em maiúsculo. ( Participant ) poderiam realizar a função de Sujeito 6 6 O Sujeito é o responsável modal da oração como troca ( Halliday; Matthiessen 2014 ). , por exemplo. Steiner e Teich ( 2004Steiner, Erich; Teich, Elke. Metafunctional profile of the grammar of German. In: Caffarel, Alice; Martin, James R.; Matthiessen, Christian M. I. M. (ed.). Language Typology: A Functional Perspective. Amsterdan: John Benjamins Publishing, 2004. p. 139-184. (Current Issues in Linguistic Theory, v. 253). ) apontam que, em uma oração na voz passiva, apenas participantes que são objetos diretos, ou seja, que estão marcados pelo caso acusativo, podem assumir a função de Sujeito. Os autores indicam, então, que os Sujeitos não conscientes em inglês geralmente são transformados em Circunstâncias ( Circumstance ) – Adjuntos ( Adjunct ) na metafunção interpessoal – nas traduções para o alemão.

Assim como no alemão, Paula ( 2017Paula, Alina Aparecida de. Orações verbais: uma descrição sistêmico funcional dos processos de representação do dizer do português brasileiro. 2017. Dissertação (Mestrado em Estudos da Linguagem) – Departamento de Letras, Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana, 2017. ) indica que o Dizente, em português brasileiro, também é um ser consciente, todavia é possível ter um ser não consciente realizando-o. O Quadro 1 apresenta uma oração em português, retirada do site Doutor Multas ( Fonseca 2023 Fonseca, Gustavo. Placas de trânsito (2023): significados, nomes, tipos. Doutor Multas, [São Paulo], 23 mar. 2023. Disponível em: https://doutormultas.com.br/placas-de-sinalizacao-de-transito/ . Acesso em: 30 ago. 2023.
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), que possui Processo verbal com Dizente não consciente, mas que funciona como Participante simbólico:

Quadro 1:
Exemplo: Veja o que diz o manual

A partir dessa constatação, serão analisadas orações em que Participantes são realizados por objetos semióticos, mais especificamente, por ilustrações em artigos acadêmicos escritos originalmente em alemão e em português brasileiro, a fim de colaborar para uma maior compreensão das semelhanças e diferenças no funcionamento linguístico dessas línguas.

2 O português e o alemão pela perspectiva da Linguística Sistêmico-Funcional

A Linguística Sistêmico-Funcional constitui uma teoria centrada no funcionamento linguístico, investigando e descrevendo como os significados são construídos na linguagem e pela linguagem. A LSF revela que a linguagem humana é um sistema semiótico de quarta ordem superior e opera mediante três metafunções: ideacional, interpessoal e textual – metafunções essas que não são apenas funções, uma vez que são intrínsecas à linguagem e compõem elementos integrantes de toda a teoria ( Halliday; Matthiessen 2014Halliday, M. A. K.; Matthiessen, Christian M. I. M. Halliday’s introduction to functional grammar. 4th ed. London: Routledge, 2014. ).

Como a metafunção é um componente que está presente em toda a arquitetura da linguagem, ela pode ser analisada ao longo de seus estratos. Halliday e Matthiessen ( 2004Halliday, M. A. K.; Matthiessen, Christian M. I. M. An introduction to functional grammar. 3rd ed. London: Edward Arnold, 2004. ) afirmam que a estratificação é organizada pelo princípio da realização. Com isso, um estrato menos abstrato realiza o estrato imediatamente superior – o estrato da fonética realiza o estrato da fonologia, o estrato da fonologia realiza o estrato da lexicogramática, a lexicogramática realiza a semântica e a semântica realiza o contexto. Além da realização, os estratos linguísticos também são ordenados pelo princípio da metarredundância, postulado por Lemke ( 1995Lemke, Jay L. Textual Politics: discourse and social dynamics. London: Taylor & Francis, 1995. (Critical perspectives on literacy and education). ), que determina que um estrato mais abstrato é resultado dos padrões linguísticos evidenciados pelo estrato menos abstrato ( Martin 2014 Martin, James R. Evolving systemic functional linguistics: beyond the clause. Functional Linguistics, [s. l.], v. 1, n. 3, p. 1-24, 2014. DOI: https://doi.org/10.1186/2196-419X-1-3 .
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).

As três metafunções correspondem à propriedade da língua de representar e interpretar ( construe ) a experiência humana, encenar ( enact ) suas relações sociais e compor ( construct ) significados em formato de texto ( Halliday; Matthiessen 2014Halliday, M. A. K.; Matthiessen, Christian M. I. M. Halliday’s introduction to functional grammar. 4th ed. London: Routledge, 2014. ). A criação de significados por meio da experiência é o foco da metafunção ideacional, construída pelo componente experiencial, representado pelo sistema de Transitividade no estrato lexicogramatical e pelo componente lógico. A metafunção interpessoal abrange a interação entre os falantes e tem o Modo como sistema lexicogramatical; a metafunção textual, por sua vez, organiza os significados ideacionais e interpessoais em discurso por meio do sistema de Tema no estrato da lexicogramática ( Figueredo 2011Figueredo, Giacomo Patrocinio. Introdução ao perfil metafuncional do português brasileiro: contribuições para os estudos multilíngues. 2011. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada) – Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011. ; Halliday; Matthiessen 2014Halliday, M. A. K.; Matthiessen, Christian M. I. M. Halliday’s introduction to functional grammar. 4th ed. London: Routledge, 2014. ; Steiner; Teich 2004Steiner, Erich; Teich, Elke. Metafunctional profile of the grammar of German. In: Caffarel, Alice; Martin, James R.; Matthiessen, Christian M. I. M. (ed.). Language Typology: A Functional Perspective. Amsterdan: John Benjamins Publishing, 2004. p. 139-184. (Current Issues in Linguistic Theory, v. 253). ).

Portanto, a metafunção e a estratificação são dimensões da arquitetura da linguagem que operam de forma conjunta, ou seja, as três metafunções possuem sistemas distintos ao longo dos estratos linguísticos ( Halliday; Matthiessen 2014Halliday, M. A. K.; Matthiessen, Christian M. I. M. Halliday’s introduction to functional grammar. 4th ed. London: Routledge, 2014. ).

Figueredo ( 2011Figueredo, Giacomo Patrocinio. Introdução ao perfil metafuncional do português brasileiro: contribuições para os estudos multilíngues. 2011. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada) – Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011. ) não apenas descreve o perfil metafuncional do português brasileiro pela perspectiva da LSF, como também ancora seu trabalho no campo disciplinar dos Estudos Multilíngues ( Matthiessen; Teruya; Canzhong 2008Matthiessen, Christian; Teruya, Kazuhiro; Canzhong, Wu. Multilingual studies as a multi-dimensional space of interconnected language studies. In: Webster, Jonathan (ed.). Meaning in Context: implementing intelligent applications of language studies. London: Continuum, 2008. p. 146-220. ). Essa descrição afilia-se à abordagem multilíngue, uma vez que foi desenvolvida com o propósito de compreender o funcionamento dos sistemas de Modo, Transitividade e Tema no português, a fim de investigar fenômenos de contato linguístico a partir da perspectiva sistêmico-funcional. Figueredo ( 2011Figueredo, Giacomo Patrocinio. Introdução ao perfil metafuncional do português brasileiro: contribuições para os estudos multilíngues. 2011. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada) – Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011. ) enfoca a tradução, contrastando a análise linguística de um texto em inglês com a da sua tradução para o português, utilizando a descrição do perfil metafuncional em inglês ( Halliday; Matthiessen 2004Halliday, M. A. K.; Matthiessen, Christian M. I. M. An introduction to functional grammar. 3rd ed. London: Edward Arnold, 2004. ) e a descrição desenvolvida em seu trabalho para o português brasileiro.

Em relação ao sistema de Modo , Figueredo ( 2011Figueredo, Giacomo Patrocinio. Introdução ao perfil metafuncional do português brasileiro: contribuições para os estudos multilíngues. 2011. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada) – Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011. ) mostra que há uma primeira opção a se fazer no português: a escolha entre imperativo e indicativo. A oração imperativa tem, como sua principal função, o Predicador, que não a ancora em um tempo específico (passado, presente, futuro), sendo realizada no “agora” da interação, enquanto a oração indicativa tem o Finito, responsável por selecionar dêixis temporal e modal ( Figueredo 2011Figueredo, Giacomo Patrocinio. Introdução ao perfil metafuncional do português brasileiro: contribuições para os estudos multilíngues. 2011. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada) – Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011. ; Sá 2016Sá, Arthur. Uma descrição sistêmico-funcional do grupo verbal do português brasileiro orientada para os estudos da tradução. 2016. Dissertação (Mestrado em Linguística Aplicada) – Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2016. ). Ademais, há a função de Sujeito, que, junto ao Finito e ao Predicador, forma o Negociador no português, capaz de arguir propostas e proposições ( Figueredo 2011Figueredo, Giacomo Patrocinio. Introdução ao perfil metafuncional do português brasileiro: contribuições para os estudos multilíngues. 2011. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada) – Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011. ).

No alemão, também ocorre a diferenciação entre Modo imperativo e indicativo. No entanto, é possível ter, no imperativo, o Finito, dependendo de seu tipo, o que já indica a primeira diferença em relação ao português, além de poder ter ou não a ocorrência da função de Sujeito ( Teich 2001Teich, Elke. Contrast and commonality between English and German in system and text: A methodology for the investigation of cross-linguistic variation in translations and multilingually comparable texts. 2001. Tese (Pós-doutorado em Filosofia) – Philosophische Fakultät II, Universität des Saarlandes, Saarbrücken, 2001. ). Teich ( 2001Teich, Elke. Contrast and commonality between English and German in system and text: A methodology for the investigation of cross-linguistic variation in translations and multilingually comparable texts. 2001. Tese (Pós-doutorado em Filosofia) – Philosophische Fakultät II, Universität des Saarlandes, Saarbrücken, 2001. ) informa que, nas orações declarativas, o Finito ocupa a segunda posição – lembrando que, em orações hipotáticas, preenche a posição final – e o Sujeito pode permanecer antes ou depois do Finito, porque a estrutura do alemão é mais livre. Nas interrogativas polares e em algumas formas do imperativo, o Finito tende a ocupar a primeira posição.

Migrando para a metafunção ideacional, a oração é investigada pela configuração Participante – Processo – (Circunstância) 7 7 O termo se encontra entre parênteses por ser opcional nas orações. . O Processo, tanto em alemão como em português, é a unidade de significado central da oração, sendo prototipicamente realizado por grupo verbal ( Figueredo 2011Figueredo, Giacomo Patrocinio. Introdução ao perfil metafuncional do português brasileiro: contribuições para os estudos multilíngues. 2011. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada) – Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011. ; Freiwald 2021Freiwald, Jonas. What is Theme and how to translate it. 2021. Tese (Doutorado em Filosofia) – Philosophische Fakultät, Rheinisch-Westfälische Technische Hochschule Aachen, Aachen, 2021. ). Enquanto há semelhanças entre as duas línguas em aspectos gerais, há diferenças, por exemplo, quanto ao número de tipos de Processos existentes. Em português, cinco são reconhecidos: material, relacional, mental, verbal e existencial ( Figueredo 2011Figueredo, Giacomo Patrocinio. Introdução ao perfil metafuncional do português brasileiro: contribuições para os estudos multilíngues. 2011. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada) – Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011. ), entretanto, no alemão, apenas quatro são considerados: material, relacional, mental e verbal ( Steiner; Teich 2004Steiner, Erich; Teich, Elke. Metafunctional profile of the grammar of German. In: Caffarel, Alice; Martin, James R.; Matthiessen, Christian M. I. M. (ed.). Language Typology: A Functional Perspective. Amsterdan: John Benjamins Publishing, 2004. p. 139-184. (Current Issues in Linguistic Theory, v. 253). ).

Outra diferença que merece destaque está relacionada aos Processos verbais. Paula ( 2017Paula, Alina Aparecida de. Orações verbais: uma descrição sistêmico funcional dos processos de representação do dizer do português brasileiro. 2017. Dissertação (Mestrado em Estudos da Linguagem) – Departamento de Letras, Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana, 2017.: 42) observa que Processos verbais estão localizados entre os mentais e os relacionais e que se aproximam dos relacionais pela “possibilidade de serem considerados processos simbólicos, uma vez que aceitam como participante um Dizente ( Sayer ) não dotado de consciência, destituído da capacidade de se expressar, de falar” 8 8 O Quadro 17 da seção Resultados exibe um exemplo de oração verbal no português em que o Dizente não compõe um ente consciente. . No entanto, Steiner e Teich ( 2004Steiner, Erich; Teich, Elke. Metafunctional profile of the grammar of German. In: Caffarel, Alice; Martin, James R.; Matthiessen, Christian M. I. M. (ed.). Language Typology: A Functional Perspective. Amsterdan: John Benjamins Publishing, 2004. p. 139-184. (Current Issues in Linguistic Theory, v. 253). ) não consideram essa possibilidade na língua alemã, além de que pode haver Processos verbais apenas com a função de Verbiagem ( Verbiage ), como apresenta o Quadro 2 .

Quadro 2
- Sujeito vazio

O Quadro 2 contém um exemplo retirado de Steiner e Teich ( 2004Steiner, Erich; Teich, Elke. Metafunctional profile of the grammar of German. In: Caffarel, Alice; Martin, James R.; Matthiessen, Christian M. I. M. (ed.). Language Typology: A Functional Perspective. Amsterdan: John Benjamins Publishing, 2004. p. 139-184. (Current Issues in Linguistic Theory, v. 253). ) em que o pronome es não possui função no sistema de Transitividade . Kast ( 2012Kast, Marlene. Variation within the grammatical function ‘subject’ in English-German and German-English translations. In: Hansen-Schirra, Silvia; Neumann, Stella; Steiner, Erich. Cross-Linguistic Corpora for the Study of Translations: Insights from the Language Pair English-German. Berlin: De Gruyter Mouton, 2012. p. 147-160. (Text, Translation, Computational Processing, v. 11).: 148, tradução nossa) explica que esse pronome pode ser “[...]semanticamente vazio e não referencial [...]” 9 9 Tradução de: “[...] semantically empty and non-referential [...]”. , ou seja, tem um aspecto meramente formal, pois, em muitas orações no alemão, é preciso que a posição de Sujeito seja ocupada.

Em relação à metafunção textual, Figueredo ( 2011Figueredo, Giacomo Patrocinio. Introdução ao perfil metafuncional do português brasileiro: contribuições para os estudos multilíngues. 2011. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada) – Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011.: 123) afirma que “o Tema em português brasileiro se estende até o primeiro elemento ideacional da oração”, isto é, o Tema perdura até o primeiro significado ideacional, podendo ser um Participante, Processo ou Circunstância. Logo, antes do Tema: Ideacional 10 10 Nesse caso, o símbolo “:” significa pré-seleção no sistema pela LSF ( Figueredo 2011 ). , algumas orações podem conter um Tema: Textual e/ou um Tema: Interpessoal em português, sendo caracterizado pela recursividade, que compreende a capacidade dos sistemas de selecionar mais de um significado textual ou interpessoal em uma única oração ( Oliveira 2022Oliveira, Francieli Silvéria. O discurso do autocuidado em saúde: uma descrição de gêneros na covariação experto - leigo. 2022. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada) – Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2022. ).

No alemão, alguns autores consideram o Tema a posição anterior ao Finito, razão pela qual não necessariamente ocorre uma confluência com o elemento ideacional ( Freiwald 2021Freiwald, Jonas. What is Theme and how to translate it. 2021. Tese (Doutorado em Filosofia) – Philosophische Fakultät, Rheinisch-Westfälische Technische Hochschule Aachen, Aachen, 2021. ). Freiwald ( 2021Freiwald, Jonas. What is Theme and how to translate it. 2021. Tese (Doutorado em Filosofia) – Philosophische Fakultät, Rheinisch-Westfälische Technische Hochschule Aachen, Aachen, 2021.: 21, tradução nossa) afirma que o alemão é “[...]menos dependente de uma ordem fixa das palavras [...]” 11 11 Tradução de: “[...] less dependent on a fixed word order [...]”. , uma vez que a língua organiza seus significados a partir de quatro casos gramaticais, a saber, nominativo, acusativo, dativo e genitivo. Por isso, existe uma grande variedade de Temas não marcados nessa língua ( Steiner; Teich 2004Steiner, Erich; Teich, Elke. Metafunctional profile of the grammar of German. In: Caffarel, Alice; Martin, James R.; Matthiessen, Christian M. I. M. (ed.). Language Typology: A Functional Perspective. Amsterdan: John Benjamins Publishing, 2004. p. 139-184. (Current Issues in Linguistic Theory, v. 253). ).

Há uma tendência no alemão de não ocorrência de mais de um Tema em uma mesma oração, porque, em princípio, apenas uma unidade pode ocupar a posição antes do Finito ( Freiwald 2021Freiwald, Jonas. What is Theme and how to translate it. 2021. Tese (Doutorado em Filosofia) – Philosophische Fakultät, Rheinisch-Westfälische Technische Hochschule Aachen, Aachen, 2021. ), contrariamente ao português, em que temas múltiplos são recorrentes, principalmente em textos dialógicos quando se trata de Tema: Textual e Tema: Interpessoal em recursividade. Além disso, o português brasileiro abarca doze possibilidades de marcação temática por Tema: Ideacional , realizada pelo sistema de Tema: Proeminente ( Figueredo 2011Figueredo, Giacomo Patrocinio. Introdução ao perfil metafuncional do português brasileiro: contribuições para os estudos multilíngues. 2011. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada) – Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011. ).

Por conseguinte, o contraste entre as descrições sistêmico-funcionais do português brasileiro e do alemão revela diferenças de atuação das línguas em relação às metafunções – ideacional, interpessoal e textual –, especificamente no que diz respeito aos sistemas do estrato da lexicogramática: Transitividade, Modo e Tema . Mediante essas diferenças, esta pesquisa investiga, mais profundamente, o contraste entre o português e o alemão, analisando como a animacidade é construída gramaticalmente pelas metafunções ideacional e interpessoal 12 12 A metafunção textual foi desconsiderada, uma vez que não foi interesse desta pesquisa investigar a animacidade em relação às escolhas temáticas. em artigos acadêmicos.

3 Animacidade: o objeto semiótico na oração

Zaenen et al . ( 2004 Zaenen, Annie et al. Animacy encoding in English: Why and how. In: Workshop On Discourse Annotation, 2004, Barcelona. Proceedings [...]. Barcelona: Association for Computational Linguistics, 2004. Disponível em: https://aclanthology.org/W04-0216/ Acesso em: 11 jul. 2022.
https://aclanthology.org/W04-0216/...
) propõem três categorias para a animacidade, a saber, humanos, outros seres animados (organizações, animais, máquinas inteligentes e veículos) e inanimados (inanimados concretos, inanimados não concretos, tempo e espaço). Segundo os autores, “[...]a diferença entre animado e inanimado não leva a uma diferença entre uma sentença gramatical ou agramatical [...], mas a uma diferença na aceitabilidade” ( Zaenen et al . 2004 Zaenen, Annie et al. Animacy encoding in English: Why and how. In: Workshop On Discourse Annotation, 2004, Barcelona. Proceedings [...]. Barcelona: Association for Computational Linguistics, 2004. Disponível em: https://aclanthology.org/W04-0216/ Acesso em: 11 jul. 2022.
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: 2, tradução nossa) 13 13 Tradução de: “[...] the difference between animate and inanimate does not lead to a difference between a grammatical or an ungrammatical sentence [...] but to a difference in acceptability ”. , portanto, a animacidade torna-se relevante, posto que poderia ser vista como um aspecto que afeta as escolhas feitas tanto pelo falante como pelo tradutor, por exemplo.

Freiwald ( 2021Freiwald, Jonas. What is Theme and how to translate it. 2021. Tese (Doutorado em Filosofia) – Philosophische Fakultät, Rheinisch-Westfälische Technische Hochschule Aachen, Aachen, 2021. ) traz uma contribuição não só em torno do Tema em alemão como também em relação à animacidade. Freiwald ( Ibidem: 197) reconhece que essas categorias, usadas para o inglês, não só podem ser aplicadas ao alemão como também indica que “[...]verbos como ‘mostrar’ e ‘oferecer’, que são tipicamente Processos materiais quando usados em seu sentido literal, também podem ser utilizados metaforicamente como Processos verbais” ( Ibidem : 53, tradução nossa) 14 14 Tradução de: “[...] verbs like show and offer, which, when used in their literal sense, are typically material processes, can also be used metaphorically as verbal processes ”. . Isso pode implicar que, com verbos como esses, talvez não haja uma restrição forte da animacidade na função de Sujeito, como afirmam Steiner e Teich ( 2004Steiner, Erich; Teich, Elke. Metafunctional profile of the grammar of German. In: Caffarel, Alice; Martin, James R.; Matthiessen, Christian M. I. M. (ed.). Language Typology: A Functional Perspective. Amsterdan: John Benjamins Publishing, 2004. p. 139-184. (Current Issues in Linguistic Theory, v. 253). ), o que significa que o Sujeito em alemão pode ser composto por um substantivo não consciente em orações verbais.

De acordo com Halliday e Matthiessen ( 1999Halliday, M. A. K.; Matthiessen, Christian M. I. M. Construing experience through meaning: a language-based approach to cognition. London: Continuum, 1999.: 59-60, tradução nossa) 15 15 Tradução de: “[...] are phenomena capable of taking on a participant role in a process configuration, e.g. bringing it about or being affected by it ”. , “participantes”, nas figuras, ou seja, no estrato da semântica, “[...]são fenômenos capazes de assumir um papel de participante na configuração de um processo, isto é, fazendo-o acontecer ou sendo afetado por ele”, além de serem realizados por um grupo nominal na lexicogramática ( Ibidem ). Os participantes são divididos entre “ente” e “qualidade”, sendo os “entes simples” subclassificados em “consciente” e “não consciente”. Os entes não conscientes ainda são categorizados em grupos de acordo com características semelhantes que compartilham entre si. O Quadro 3 apresenta exemplos de participantes em relação a essa subclassificação.

Quadro 3
- Categorias e exemplos de participantes

Halliday e Matthiessen ( 1999Halliday, M. A. K.; Matthiessen, Christian M. I. M. Construing experience through meaning: a language-based approach to cognition. London: Continuum, 1999.: 190-193) categorizam e descrevem os tipos de Participantes apresentados pelo Quadro 3 . Segundo os autores, entes conscientes são prototipicamente humanos adultos e têm a capacidade de serem participantes ativos nas figuras de sentir ( figure of sensing ), falar ( figure of saying ) e fazer ( figure of doing ), além de terem potencial para ação voluntária e para fazer processamentos conscientes. Animais podem assumir um papel ativo na figura de fazer e possuem potencial para iniciar ação e movimento próprios, como também, para percepção visual e auditiva em figura de sentir. Objetos materiais, por sua vez, podem sofrer um impacto em um processo da figura de fazer, além de ter extensão no espaço, ou seja, são físicos.

Substâncias geralmente formam parte de uma circunstância e não participam diretamente na figura. Possuem extensão no espaço e podem ser medidas e manipuladas. Abstrações materiais podem assumir o papel de Fenômeno ( Phenomenon ) nas figuras de sentir e de ser ( figure of being ) e não são físicas. As instituições podem ter papel ativo nas figuras de falar, de fazer e de sentir, podem realizar uma ação voluntária e ter a autoridade de um coletivo.

Por fim, objetos semióticos podem possuir um papel mais ou menos ativo na figura de falar, ou seja, podem ser tanto Dizente como outro Participante de um Processo verbal, e é possível que existam também na forma física, como um objeto material. As abstrações semióticas não podem assumir o papel de Dizente, ainda assim podem ser um participante nas figuras de sentir e de falar, além da figura de ser e ter ( figure of being & having ).

Dessa forma, há categorias que possuem uma tendência maior a assumir papéis mais ativos, como de Ator ( Actor ) – Participante do Processo material – ou Dizente, enquanto outras, devido a um menor grau de consciência, não conseguiriam. Tais categorias, propostas para o inglês, de um modo geral, podem ser utilizadas no português. No Quadro 1 , “manual” pode ser classificado como um objeto semiótico – sendo que também pode existir como um objeto material – e reforça a capacidade dessa categoria de assumir o papel de Dizente.

Por sua vez, considerando a avaliação de Steiner e Teich ( 2004Steiner, Erich; Teich, Elke. Metafunctional profile of the grammar of German. In: Caffarel, Alice; Martin, James R.; Matthiessen, Christian M. I. M. (ed.). Language Typology: A Functional Perspective. Amsterdan: John Benjamins Publishing, 2004. p. 139-184. (Current Issues in Linguistic Theory, v. 253). ), os objetos semióticos podem funcionar de uma forma diferente na língua alemã, sofrendo uma restrição maior em relação aos papéis de Participante que poderiam realizar. Pensando nessa distinção entre o comportamento gramatical do português e do alemão, este trabalho se propõe a investigar como os objetos semióticos realizados por ilustrações em artigos acadêmicos operam em ambas as línguas.

4 Metodologia

A metodologia usada nesta pesquisa consistiu na compilação de um corpus comparável de artigos acadêmicos escritos em alemão e em português brasileiro, a fim de obter resultados quantitativos e, posteriormente, qualitativos para o contraste entre as duas línguas. O corpus comparável, segundo Kenning ( 2010Kenning, Marie-Madeleine. What are parallel and comparable corpora and how can we use them? In: O’Keeffe, Anne; McCarthy, Michael J. (ed.). The Routledge Handbook of Corpus Linguistics. New York: Routledge, 2010. p. 487-500. ), corresponde ao agrupamento de textos eletrônicos coletados de acordo com os mesmos critérios e um critério desigual, que constitui o parâmetro de contraste. Além disso, esse corpus não é composto por textos originais e suas traduções, uma vez que instâncias que possuem o mesmo texto fonte comum caracterizam um corpus paralelo. O corpus comparável é amplamente utilizado em pesquisas ancoradas na Linguística Contrastiva ( Tognini-Bonelli 2010Tognini-Bonelli, Elena. Theoretical overview of the evolution of corpus linguistics. In: O’Keeffe, Anne; McCarthy, Michael J. (ed.). The Routledge Handbook of Corpus Linguistics. New York: Routledge, 2010. p. 14-27. ), mais especificamente, que contrastam sistemas linguísticos distintos a partir de um mesmo tipo textual compartilhado entre as culturas ( Ferreguetti; Paula 2016 Ferreguetti, Kícila; Paula, Flávia Ferreira de. O discurso do empoderamento/empowerment nas ciências da saúde: estudo exploratório de mineração de textos em corpus comparável bilíngue. In: Simpósio Internacional Sobre Análise Do Discurso, 4., 2016, Belo Horizonte. Anais [...]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2016. p. 1-16. Disponível em: https://nadufmg.wixsite.com/anais . Acesso em: 29 ago. 2023.
https://nadufmg.wixsite.com/anais...
; Oliveira; Figueredo 2020 Oliveira, Francieli Silvéria; Figueredo, Giacomo Patrocinio. Análise contrastiva de gêneros textuais como contribuição para o estudo do produto tradutório. Cadernos de Tradução, Florianópolis, v. 40, n. 2, p. 221-251, maio/ago. 2020. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2020v40n2p221 .
https://doi.org/10.5007/2175-7968.2020v4...
).

O tipo textual artigo acadêmico foi escolhido pelo fato de poder conter ilustrações e por estas, em geral, serem mencionadas no texto. Segundo a Associação Brasileira de Normas Técnicas ( Abnt 2011Associação Brasileira De Normas Técnicas. Informação e documentação: trabalhos acadêmicos: apresentação. Rio de Janeiro: ABNT, 2011.: 11), na norma que dá orientações para a elaboração de trabalhos acadêmicos, “a ilustração deve ser citada no texto e inserida o mais próximo possível do trecho a que se refere”. Os artigos acadêmicos também são mais curtos do que livros e frequentemente têm open access , o que facilita sua compilação.

Pode-se determinar que, conforme Zaenen et al. ( 2004 Zaenen, Annie et al. Animacy encoding in English: Why and how. In: Workshop On Discourse Annotation, 2004, Barcelona. Proceedings [...]. Barcelona: Association for Computational Linguistics, 2004. Disponível em: https://aclanthology.org/W04-0216/ Acesso em: 11 jul. 2022.
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), as ilustrações integram a categoria não concreto (NONCONC), definida como “[...]eventos, ou qualquer outra coisa que não é prototipicamente concreta, mas claramente inanimada” ( Zaenen et al. 2004 Zaenen, Annie et al. Animacy encoding in English: Why and how. In: Workshop On Discourse Annotation, 2004, Barcelona. Proceedings [...]. Barcelona: Association for Computational Linguistics, 2004. Disponível em: https://aclanthology.org/W04-0216/ Acesso em: 11 jul. 2022.
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: 4, tradução nossa) 16 16 Tradução de: “[...] events, or anything else that is not prototypically concrete but clearly inanimate ”. . Analisando as categorias sistêmico-funcionais propostas por Halliday e Matthiessen ( 1999Halliday, M. A. K.; Matthiessen, Christian M. I. M. Construing experience through meaning: a language-based approach to cognition. London: Continuum, 1999. ), é possível notar que, assim como “manual”, as ilustrações podem ser usadas no singular ou no plural e assumir uma função mais ou menos ativa com verbos Dizentes, sendo classificadas, portanto, como objetos semióticos – nomenclatura adotada neste trabalho. Por isso, elas foram selecionadas para avaliar se há semelhanças ou diferenças entre o alemão e o português brasileiro quando se trata de seres inanimados (não conscientes) nas funções de Participante/Sujeito, Participante/Complemento ou Circunstância/Adjunto.

O contexto, termo técnico para a LSF, é relevante, pois: “A experiência é relembrada, imaginada, abstraída, metaforizada e mitologizada – o texto tem o poder de criar seu próprio ambiente; mas tem esse poder pela maneira como o sistema evoluiu, criando significado do ambiente da forma como foi dado” ( Halliday; Matthiessen 2014Halliday, M. A. K.; Matthiessen, Christian M. I. M. Halliday’s introduction to functional grammar. 4th ed. London: Routledge, 2014.: 29 , tradução nossa) 17 17 Tradução de: “ Experience is remembered, imagined, abstracted, metaphorized and mythologized – the text has the power to create its own environment; but it has this power because of the way the system has evolved, by making meaning out of the environment as it was given ”. . Logo, entende-se por contexto de situação “aspectos relevantes para a produção de uma instância linguística numa dada situação ” ( Pagano 2015Pagano, Adriana Silvina. A linguagem na construção das práticas educativas nas ciências da saúde. In: Torres, Heloisa de Carvalho; Reis, Ilka Afonso; Pagano, Adriana Silvina (org.). Empoderamento do pesquisador nas ciências da saúde. Belo Horizonte: FALE/UFMG, 2015. p. 19-36.: 21, grifo próprio), e cada artigo acadêmico está inserido nele. É nesse contexto que os seres humanos fazem o uso ativo, por meio do texto, das opções sistêmicas disponíveis no potencial do sistema linguístico e, dessa forma, torna-se importante analisar suas variáveis – campo, sintonia e modo – para a descrição dos artigos acadêmicos desta pesquisa.

A princípio, na variável campo ( field ), observa-se que os artigos acadêmicos compilados estão inseridos na atividade sociossemiótica de explicar ( expounding ):

[O artigo acadêmico] está vinculado primeiramente às atividades sócio-semióticas explicar e explorar , uma vez que, como toda a linguagem da ciência, tem por objeto apresentar uma taxonomia de fatos e suas relações causais e também persuadir o leitor a aderir à argumentação e ao ponto de vista apresentado. Ademais, vinculamos o artigo acadêmico às atividades sócio-semióticas de habilitar e relatar , sobretudo nas seções de metodologia e revisão da literatura ( Pagano 2015Pagano, Adriana Silvina. A linguagem na construção das práticas educativas nas ciências da saúde. In: Torres, Heloisa de Carvalho; Reis, Ilka Afonso; Pagano, Adriana Silvina (org.). Empoderamento do pesquisador nas ciências da saúde. Belo Horizonte: FALE/UFMG, 2015. p. 19-36.: 28, grifo próprio).

Essa diversidade se faz relevante para que as frequências encontradas e os padrões de uso da língua não estejam condicionados a um domínio específico. Exemplo disso é que se percebeu, durante a compilação de artigos na área da saúde, que as ilustrações eram mencionadas de forma idêntica, com a repetição das mesmas estruturas.

Na variável sintonia ( tenor ), o papel discursivo é o de fornecimento de informações, e o papel agentivo, o de escritor. Considerando o contexto acadêmico, o papel social é o de experto, devido à formação de quem escreve, e o leitor provavelmente tem o mesmo nível educacional. Há um papel sociométrico de cooperação entre os falantes, apesar de o grau de proximidade entre eles ser distante. Embora a valoração nos artigos compilados não tenha sido analisada, Pagano ( 2015Pagano, Adriana Silvina. A linguagem na construção das práticas educativas nas ciências da saúde. In: Torres, Heloisa de Carvalho; Reis, Ilka Afonso; Pagano, Adriana Silvina (org.). Empoderamento do pesquisador nas ciências da saúde. Belo Horizonte: FALE/UFMG, 2015. p. 19-36.: 29) classifica-a como sendo prototipicamente neutra.

De acordo com a última variável do contexto de situação, a de modo ( mode ), pode-se evidenciar que o canal é gráfico, e o meio, escrito, além de que o modo de interação entre os falantes é monológico, já que não ocorre troca de turno entre eles. Como há ilustrações em todos os artigos devido ao objetivo deste trabalho, considera-se que os sistemas semióticos participantes são o verbal e o visual, e há uma orientação para o campo, ou seja, “[...]visando explicar um domínio experiencial [...]” ( Pagano 2015Pagano, Adriana Silvina. A linguagem na construção das práticas educativas nas ciências da saúde. In: Torres, Heloisa de Carvalho; Reis, Ilka Afonso; Pagano, Adriana Silvina (org.). Empoderamento do pesquisador nas ciências da saúde. Belo Horizonte: FALE/UFMG, 2015. p. 19-36.: 24). O modo retórico principal corresponde ao argumentativo, podendo ocorrer outros nas diferentes seções dos artigos, de acordo com suas funções.

Foi escolhido o corpus comparável, em vez do paralelo, devido à dificuldade de encontrar artigos acadêmicos com relação de tradução entre o português e o alemão, uma vez que, nesse caso, o inglês é considerado língua franca ( Gimenez et al. 2015 Gimenez, Telma et al. Inglês como língua franca: desenvolvimentos recentes. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, v. 15, n. 3, p. 593-619, jul./set. 2015. DOI: https://doi.org/10.1590/1984-639820157010 .
https://doi.org/10.1590/1984-63982015701...
). O critério adotado para a compilação do corpus foi ser um artigo acadêmico que tivesse algum tipo de ilustração (ou tabela), para que fosse possível analisar, além de como o aspecto da animacidade afeta a construção da referência feita a estes, a forma como esses elementos foram referenciados no texto – se por meio de entidades que têm a função de Participante ou de Circunstância. Nesse sentido, segundo as classificações de Viana ( 2011Viana, Vander. Linguística de corpus: conceitos, técnicas e análises. In: Viana, Vander; Tagnín, Stella E. O. (org.). Corpora no ensino de línguas estrangeiras. São Paulo: Hub Editorial, 2011. p. 25-35. ), o corpus desta pesquisa é escrito, bilíngue e não paralelo, ou seja, comparável.

Foram escolhidas revistas que disponibilizam conteúdo de forma gratuita e na internet.

Tabela 1 - Número de artigos em língua alemã por revista

Revista Número de artigos
PAMM 1
GMS Onkologische Rehabilitation und Sozialmedizin 20
Pandaemonium Germanicum 11
GMS Zeitschrift zur Förderung der Qualitätssicherung in medizinischen Laboratorien 9
Interculture Journal 7
Zeitschrift für Literaturwissenschaft und Linguistik 2
Total 50
Fonte: Elaboração própria

Tabela 2 - Número de artigos em português por revista

Revista Número de artigos
Revista Mecatrone 1
Revista Construindo 11
Pandaemonium Germanicum 9
FACES Journal 19
Achiote - Revista eletrônica de moda 7
Revista Contingentia 3
Total 50
Fonte: Elaboração própria

Após a compilação do corpus , o AntConc foi utilizado para fazer a contagem das ocorrências de itens que se referiam a ilustrações no corpo do texto dos artigos selecionados ( Anthony: [ 2022 Anthony, Laurence. AntConc. Versão 3.5.9. [Tokyo: Waseda University, 2022]. Disponível em: https://www.laurenceanthony.net/software/antconc/ . Acesso em: 12 dez. 2023.
https://www.laurenceanthony.net/software...
]). Tais itens e o total analisado podem ser encontrados nas Tabelas 3 e 4 . Em casos em que os grupos nominais pesquisados, como Tabelle* e Abbildung* , em alemão, e tabela* e quadro* 18 18 O asterisco foi inserido para que também fossem encontrados os itens na flexão de plural. , em português, faziam parte de títulos e legendas, esses foram desconsiderados.

Tabela 3
- Itens pesquisados e número de ocorrências em alemão

Tabela 4
- Itens pesquisados e número de ocorrências em português

Posteriormente, foram selecionadas manualmente ocorrências localizadas na ordem da oração, já que é nela que se mapeiam diferentes tipos de significados ( Halliday; Matthiessen 2014Halliday, M. A. K.; Matthiessen, Christian M. I. M. Halliday’s introduction to functional grammar. 4th ed. London: Routledge, 2014.: 10), isto é, significados ideacionais, interpessoais e textuais. Isso quer dizer que se buscou a estrutura Participante – Processo – (Circunstância), funções da metafunção ideacional na oração.

Em seguida, definiu-se manualmente qual função os grupos recebiam na ordem da oração em relação às metafunções ideacional e interpessoal, ou seja, quais funcionavam como Participante/Sujeito, Participante/Complemento ou Circunstância/Adjunto. Em certa medida, também foi possível analisar que tipo de Processo o grupo verbal exercia, aspecto que será considerado na análise dos resultados.

A próxima seção apresenta um panorama dos resultados quantitativos e qualitativos encontrados durante esse processo e, com isso, é realizado o contraste entre o funcionamento da animacidade em alemão e em português brasileiro, por meio das referências às ilustrações, bem como é descrito de que forma ela pode afetar a construção de um texto.

5 Resultados e discussão

No total, foram analisadas 230 orações (e complexos oracionais) em alemão e 243 em português brasileiro. Partindo desse nível da escala de ordens no estrato gramatical, foi possível verificar o modo como as ilustrações foram mencionadas nos artigos acadêmicos de acordo com as metafunções ideacional (como Participante de um Processo ou como Circunstância) e interpessoal (como Sujeito, Complemento ou Adjunto). Tratando-se, assim, de duas metafunções diferentes, é possível que suas funções confluam: Participante/Sujeito 19 19 O símbolo “/” marca a confluência de funções ( Figueredo 2011 ). , Participante/Complemento e Circunstância/Adjunto.

As Tabelas 5 e 6 mostram os resultados da pesquisa nos corpora do alemão e do português brasileiro, indicando o número de ocorrências que correspondem a cada conjunto de função.

Tabela 5
- Ocorrências em alemão de acordo com a função na oração

Tabela 6
- Ocorrências em português brasileiro de acordo com a função na oração

Uma vez que as ilustrações funcionam como entes não conscientes, especificamente objetos semióticos, esperava-se que houvesse uma quantidade maior desses itens como Circunstância e Adjunto em ambas as línguas. A análise corroborou esse ponto de vista, mas não era esperado o fato de o português ter tido uma porcentagem maior de tais funções do que a língua alemã (65,43% e 59,56% respectivamente), visto que, levando em consideração o estudo de Steiner e Teich ( 2004Steiner, Erich; Teich, Elke. Metafunctional profile of the grammar of German. In: Caffarel, Alice; Martin, James R.; Matthiessen, Christian M. I. M. (ed.). Language Typology: A Functional Perspective. Amsterdan: John Benjamins Publishing, 2004. p. 139-184. (Current Issues in Linguistic Theory, v. 253). ), seria mais difícil de as ilustrações ocuparem outras posições em alemão.

Quadro 4
- Exemplo do texto_ALE_022

No Quadro 4 , In diesen Tabellen corresponde a uma frase preposicional, assumindo, no nível da oração, o papel de Circunstância/Adjunto, que, pela perspectiva ideacional, diferentemente dos Participantes – neste caso, a Meta ( Goal ) e o Atributo ( Attribute ) –, tem uma função menos central na configuração da oração. Halliday e Matthiessen ( 2014Halliday, M. A. K.; Matthiessen, Christian M. I. M. Halliday’s introduction to functional grammar. 4th ed. London: Routledge, 2014. ) apontam que o Processo é o elemento central e que se desdobra no tempo para realizar uma figura no estrato da semântica; os Participantes, por sua vez, estão diretamente relacionados a ele, por exemplo, uma Meta, que pode participar do Processo material, não acompanha um Processo mental, pois não satisfaz as características de Participante exigidas por ele. Logo, as Circunstâncias tornam-se o elemento mais periférico.

Segundo Halliday e Matthiessen ( 2014Halliday, M. A. K.; Matthiessen, Christian M. I. M. Halliday’s introduction to functional grammar. 4th ed. London: Routledge, 2014. ), a Circunstância do Quadro 4 pode ser classificada como de Localização, já que localiza o Processo no espaço: as respostas mais frequentes estão marcadas em um determinado lugar. Em contrapartida, ocorrem outros tipos de Circunstância no corpus , por exemplo, o Modo, como pode ser visto no Quadro 5:

Quadro 5
- Exemplo do texto_ALE_008

No Quadro 5 , o Processo mental, que constrói as experiências de representação do nosso mundo interior, como emoções, desejos, pensamentos e percepções ( Figueredo 2011Figueredo, Giacomo Patrocinio. Introdução ao perfil metafuncional do português brasileiro: contribuições para os estudos multilíngues. 2011. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada) – Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011. ) – neste caso, erkennen –, é seguido de um Participante: o Fenômeno. Este também realiza a função de Sujeito porque, de acordo com Teich ( 2001Teich, Elke. Contrast and commonality between English and German in system and text: A methodology for the investigation of cross-linguistic variation in translations and multilingually comparable texts. 2001. Tese (Pós-doutorado em Filosofia) – Philosophische Fakultät II, Universität des Saarlandes, Saarbrücken, 2001. ), trata-se de uma passiva alternativa com sich lassen . Portanto, o que seria um Complemento em uma oração ativa torna-se Sujeito da passiva. É possível compreender essa escolha, porque Bild , sendo também classificado como objeto semiótico, não realiza papel ativo na figura de experienciar, que é reservado para humanos e instituições ( Halliday; Matthiessen 1999Halliday, M. A. K.; Matthiessen, Christian M. I. M. Construing experience through meaning: a language-based approach to cognition. London: Continuum, 1999. ), e o autor do artigo optou por não mencionar quem é o participante ativo desse processo. Por fim, a Circunstância anhand einer Tabelle é considerada um Modo, já que “[...]constrói a forma como o processo é atualizado” ( Halliday; Matthiessen 2014Halliday, M. A. K.; Matthiessen, Christian M. I. M. Halliday’s introduction to functional grammar. 4th ed. London: Routledge, 2014.: 318, tradução nossa) 20 20 Tradução de: “[...] construes the way in which the process is actualized ”. , além de responder à pergunta “como?”, sendo ela prototípica para o rastreamento de circunstâncias de modo do subtipo meio ( Halliday; Matthiessen 2014Halliday, M. A. K.; Matthiessen, Christian M. I. M. Halliday’s introduction to functional grammar. 4th ed. London: Routledge, 2014. ).

A segunda porcentagem mais frequente em alemão, que corresponde a 24,35% dos resultados, está relacionada às funções de Participante/Complemento. O Quadro 6 apresenta uma oração presente no corpus com o objetivo de exemplificar essa ocorrência:

Quadro 6
- Exemplo do texto_ALE_021

Em relação ao Quadro 6 , siehe opera como Processo mental, uma vez que faz parte de um subtipo das orações mentais, as de percepção, dessa forma “[...]o ato é visto, escutado, provado ou percebido de alguma forma [...]” ( Halliday; Matthiessen 2014Halliday, M. A. K.; Matthiessen, Christian M. I. M. Halliday’s introduction to functional grammar. 4th ed. London: Routledge, 2014.: 252, tradução nossa) 21 21 Tradução de: “[...] the act is seen, heard, tasted or perceived in some other way [...]”. . O Sujeito não foi realizado de forma explícita, dado que é uma oração imperativa informal no alemão, isto é, com a 2ª pessoa do singular, du . A ilustração Tabelle 17, por sua vez, é o participante Fenômeno em forma de ente e, concomitantemente, Complemento.

Por fim, a confluência de Participante e Sujeito contém a menor frequência na língua alemã (16,09%). Os dados indicam que as ilustrações, classificadas como entes não conscientes: objetos semióticos, têm uma probabilidade menor de assumir a função de Sujeito nessa língua, o que corrobora o estudo de Steiner e Teich ( 2004Steiner, Erich; Teich, Elke. Metafunctional profile of the grammar of German. In: Caffarel, Alice; Martin, James R.; Matthiessen, Christian M. I. M. (ed.). Language Typology: A Functional Perspective. Amsterdan: John Benjamins Publishing, 2004. p. 139-184. (Current Issues in Linguistic Theory, v. 253). ). No entanto, percebeu-se que, no corpus , ao contrário do que foi descrito pelos autores, as ilustrações aparecem na forma de Sujeito e Dizente – este último corresponde ao participante ativo do Processo verbal. Os Quadro 7 e 8 mostram que um mesmo grupo verbal – zeigt – é capaz de realizar Processos diferentes e de que maneira essa questão influencia o surgimento de tais objetos semióticos como Sujeito.

Quadro 7
- Exemplo do texto_ALE_046

Quadro 8
- Exemplo do texto_ALE_007

Abbildung 4 é o Ator, ou seja, o Participante ativo do Processo material zeigen . Esse tipo de Processo é responsável pelo mundo físico, construindo ações ( doings ) ou acontecimentos ( happenings ) ( Halliday; Matthiessen 2014Halliday, M. A. K.; Matthiessen, Christian M. I. M. Halliday’s introduction to functional grammar. 4th ed. London: Routledge, 2014. ). Dessa forma, pode-se considerar que a ação do Abbildung 4 deixa à vista do leitor a mudança dos estágios.

No Quadro 8 , zeigen , neste caso, é um Processo verbal, isto é, que representa verbalizações. Esse tipo de Processo, além disso, é capaz de projetar orações, assim como os mentais, o que o diferencia de um Processo material ( Halliday; Matthiessen 2014Halliday, M. A. K.; Matthiessen, Christian M. I. M. Halliday’s introduction to functional grammar. 4th ed. London: Routledge, 2014. ). Die Abbildung , além de realizar igualmente a função de Sujeito, é um Dizente, participante que possui a capacidade de verbalizar através de signos ( Paula 2017Paula, Alina Aparecida de. Orações verbais: uma descrição sistêmico funcional dos processos de representação do dizer do português brasileiro. 2017. Dissertação (Mestrado em Estudos da Linguagem) – Departamento de Letras, Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana, 2017. ) e que no alemão, segundo Steiner e Teich ( 2004Steiner, Erich; Teich, Elke. Metafunctional profile of the grammar of German. In: Caffarel, Alice; Martin, James R.; Matthiessen, Christian M. I. M. (ed.). Language Typology: A Functional Perspective. Amsterdan: John Benjamins Publishing, 2004. p. 139-184. (Current Issues in Linguistic Theory, v. 253). ), não poderia aparecer na forma de um ente não consciente. Contudo, percebe-se que é realizado por um objeto semiótico.

Freiwald ( 2021Freiwald, Jonas. What is Theme and how to translate it. 2021. Tese (Doutorado em Filosofia) – Philosophische Fakultät, Rheinisch-Westfälische Technische Hochschule Aachen, Aachen, 2021. ) afirma que verbos como mostrar e oferecer operam como Processo: material quando usados literalmente, bem como podem funcionar como Processo: verbal quando utilizados metaforicamente. Essa questão pode implicar que esses verbos, por transitarem entre dois tipos de Processo, não restrinjam a animacidade na função de Dizente em alemão. Os resultados correspondentes ao corpus desta pesquisa, portanto, contrariam o previsto por Steiner e Teich ( 2004Steiner, Erich; Teich, Elke. Metafunctional profile of the grammar of German. In: Caffarel, Alice; Martin, James R.; Matthiessen, Christian M. I. M. (ed.). Language Typology: A Functional Perspective. Amsterdan: John Benjamins Publishing, 2004. p. 139-184. (Current Issues in Linguistic Theory, v. 253). ), visto que, em determinados contextos de situação, é possível que tal participante seja um ser não consciente, neste trabalho, especificamente objetos semióticos.

No corpus do português, há uma porcentagem expressiva (65,43%) de Circunstâncias/Adjuntos (veja Tabela 6 ). Era esperado que esse número fosse maior no corpus dos artigos acadêmicos em alemão, porém ambas as línguas se comportam de forma semelhante ao se analisar que, nas duas, prefere-se o uso das ilustrações como elemento mais periférico (Circunstância/Adjunto) à sua realização como Participante/Sujeito ou Participante/Complemento.

Quadro 9
- Exemplo do texto_PT_004

No Quadro 9 , o grupo verbal podemos perceber realiza um Processo mental ligado à percepção e produz uma oração projetada, capacidade que lhe é conferida. Observa-se que o objeto semiótico gráfico se torna parte de uma Circunstância de Localização, neste caso, temporal ( Braga 2016Braga, Aline. O sistema de Transitividade no inglês e no português brasileiro: caracterização da função Circunstância com base em textos originais e traduzidos. 2016. Dissertação (Mestrado em Estudos Linguísticos) – Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2016. ). Isso posto, a experiência de perceber só acontece em um momento posterior à análise do gráfico mencionado no artigo, respondendo à pergunta “quando?”, prototípica para o rastreamento da circunstância de Localização: temporal. O Sujeito nós , que não foi instanciado, mas é identificado pela desinência do Finito, é o Participante ativo na formação dessa figura de experienciar.

No Quadro 10 , há mais uma vez a realização de uma Circunstância, classificada como Acompanhamento: aditivo, já que, de acordo com Halliday e Matthiessen ( 2014Halliday, M. A. K.; Matthiessen, Christian M. I. M. Halliday’s introduction to functional grammar. 4th ed. London: Routledge, 2014. ), evidencia uma forma de representar elementos com a mesma função de maneira circunstancial. Logo, uma alternativa de escrita ao exemplo do quadro poderia ser “O QuAX-DaF e o gráfico 1 podem ser utilizados para gerar materiais a serem usados em sala de aula”, o que indica a proximidade das partes, apesar da escolha de uma delas ser apresentada como Circunstância.

Quadro 10
- Exemplo do texto_PT_015

Apesar de, em um primeiro momento, o alemão e o português brasileiro se comportarem da mesma maneira, os resultados revelaram que há uma porcentagem consideravelmente menor de ilustrações como Complemento no PB (6,58%). Esse valor indica uma tendência maior de uso de objetos semióticos na função de Sujeito nessa língua (27,99%) e reforça a baixa restrição a entes não conscientes em posições mais ativas, com exceção de Processos mentais.

O Quadro 11 e o Quadro 12 mostram que termos referentes a ilustrações podem exercer, com um mesmo Processo verbal, funções diferentes.

Quadro 11
- Exemplo do texto_PT_001

Quadro 12
- Exemplo do texto_PT_015

No primeiro exemplo ( Quadro 11 ), a ilustração encontra-se em um grupo nominal que realiza Participante (Dizente) e Sujeito na ordem da oração. O objeto semiótico é o responsável modal da proposição, isto é, ele valida o que está sendo predicado (declarado, perguntado, comandado ou ofertado) na oração ( Halliday; Matthiessen 2014Halliday, M. A. K.; Matthiessen, Christian M. I. M. Halliday’s introduction to functional grammar. 4th ed. London: Routledge, 2014. ). Além disso, a concordância com o verbo finito e o fato de estar posicionado antes dele são formas de reconhecer o Sujeito no PB ( Figueredo 2011Figueredo, Giacomo Patrocinio. Introdução ao perfil metafuncional do português brasileiro: contribuições para os estudos multilíngues. 2011. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada) – Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011. ).

No segundo exemplo ( Quadro 12 ), observa-se que a ilustração não mais concorda com o Finito, também está em uma posição posterior a ele. Isso indica que, por não formar uma frase preposicional, o objeto semiótico gráfico exerce o papel de Verbiagem, ou seja, de um Complemento que, na metafunção ideacional, corresponde ao conteúdo de uma verbalização.

O Quadro 13 revela mais uma ocorrência das ilustrações na realização de Sujeito, desta vez na função de Ator, que, para Halliday e Matthiessen ( 1999Halliday, M. A. K.; Matthiessen, Christian M. I. M. Construing experience through meaning: a language-based approach to cognition. London: Continuum, 1999. ), estaria reservada para outras categorias de entes: conscientes; animais e instituições.

Quadro 13
- Exemplo do texto_PT_029

A Figura 2 é a responsável pela ação de trazer “a síntese do objetivo alcançado”, ou seja, ocupa uma função reservada a entes geralmente dotados de consciência. Dessa forma, mesmo que seja um objeto semiótico que possivelmente existe como objeto material, no PB ela é capaz de exercer tal papel, o que mostra que os entes das categorias propostas por Halliday e Matthiessen ( 1999Halliday, M. A. K.; Matthiessen, Christian M. I. M. Construing experience through meaning: a language-based approach to cognition. London: Continuum, 1999. ) para o inglês se comportam de maneira diferente nessa língua, assim como pôde ser observado no alemão.

Em suma, conclui-se, por meio dos dados obtidos pela análise do corpus comparável compilado, que o português brasileiro e o alemão agem de forma parecida, se observados os resultados de maneira geral. As ilustrações são, portanto, usadas em maior frequência com a finalidade de expandir a experiência do Processo com o uso de Circunstâncias, que podem ser categorizadas em diferentes tipos. No que diz respeito às funções Participante/Complemento, as duas línguas diferem, visto que, no alemão, esses objetos semióticos tendem a ocupar essas funções por terem um papel menos ativo na figura, enquanto, no português brasileiro, há a preferência pela opção mais ativa, isto é, de Participante/Sujeito.

Vale a pena mencionar que, na língua alemã, existe a ocorrência de objetos semióticos na posição de Sujeito não só em Processos verbais ( Quadro 8 ) como também em orações na passiva ( Quadro 5 ). Nelas, como abordado por Teich ( 2001Teich, Elke. Contrast and commonality between English and German in system and text: A methodology for the investigation of cross-linguistic variation in translations and multilingually comparable texts. 2001. Tese (Pós-doutorado em Filosofia) – Philosophische Fakultät II, Universität des Saarlandes, Saarbrücken, 2001. ), o Complemento acusativo torna-se Sujeito, por isso há a possibilidade de esses objetos – as ilustrações – aparecerem nesta função mesmo com Processos que exigem entes conscientes na função dos Participantes mais operantes.

Percebe-se que, no geral, esta pesquisa contribui tanto para a descrição do alemão e do português brasileiro como para os Estudos Multilíngues, dos quais os Estudos da Tradução fazem parte. As semelhanças e diferenças encontradas podem auxiliar a compreensão da tradução entre o português e o alemão, assim como viabilizar melhores escolhas tradutórias, uma vez que, para Figueredo ( 2011Figueredo, Giacomo Patrocinio. Introdução ao perfil metafuncional do português brasileiro: contribuições para os estudos multilíngues. 2011. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada) – Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011.: 346), a tradução é uma produção em ambiente multilíngue que necessita “[...]utilizar os recursos de apenas um dos sistemas linguísticos envolvidos na produção de significado para a instanciação do texto”, que é motivada por significados contextuais.

Desse modo, a partir dos resultados aqui encontrados, o(a) tradutor(a) pode notar que, em questão de frequência, é menos provável que uma ilustração seja traduzida do português para o alemão como Sujeito, podendo optar por reconstruí-la operando com a função de Circunstância. Há também o fato de que, com verbos que transitam entre dois Processos – por exemplo, mostrar e oferecer –, não há grandes problemas ao preservar o objeto semiótico na posição de Sujeito. Já na tradução do alemão para o português, o(a) tradutor(a) pode manter as Circunstâncias, assim como também é possível que apareçam mais vezes ilustrações na função de Sujeito do que de Complemento. Por fim, é importante ressaltar que a análise qualitativa dos dados deve ser levada em consideração tanto quanto a quantitativa.

6 Conclusão

Localizada no campo disciplinar dos Estudos Multilíngues, mais especificamente, na confluência entre a Linguística Contrastiva e a Linguística Sistêmico-Funcional, esta pesquisa investigou como os objetos semióticos realizados por ilustrações foram construídos gramaticalmente na ordem da oração pelas metafunções ideacional e interpessoal em um corpus comparável de artigos acadêmicos.

O contraste linguístico de base sistêmico-funcional entre o português brasileiro e o alemão realizado nesta pesquisa contribui de forma substancial para as três áreas envolvidas, visto que não só apresenta uma metodologia para o contraste entre duas línguas que são pouco comparadas ( Sipriano; Souza; Pereira 2021 Sipriano, Flaviana; Souza, Rebeca; Pereira, Rogéria. Mapeamento de Estudos da Linguística Contrastiva Português/Alemão: Dados Bibliográficos no Brasil. Pandaemonium Germanicum, São Paulo, v. 24, n. 44, p. 452-474, set./dez. 2021. DOI: https://doi.org/10.11606/1982-88372444452 .
https://doi.org/10.11606/1982-8837244445...
), como também revela como é o comportamento metafuncional de orações em sistemas linguísticos distintos, descrevendo as semelhanças e diferenças entre eles.

A metodologia contrastiva permitiu compreender que o português brasileiro e o alemão, à primeira vista, funcionam de forma semelhante no que diz respeito à utilização de objetos semióticos. Ambas as línguas os organizam com as funções de Circunstância/Adjunto em mais da metade das orações analisadas, resultado esse que não era esperado para o português, já que a língua não possui restrições em relação a objetos semióticos na composição da oração como em alemão.

No entanto, as línguas distinguem-se em relação às demais ocorrências: enquanto o alemão recorre à confluência das funções Participante/Complemento majoritariamente, o português utiliza as funções Participante/Sujeito. Essa diferença ocorre devido às escolhas particulares de cada língua: o alemão vale-se de construções menos ativas para os objetos semióticos, ao passo que o português usa opções mais ativas, em que eles não apenas operam como os Participantes principais em cada tipo de Processo como também são os responsáveis modais da oração.

Para a continuidade dos estudos, este trabalho sugere a investigação da metafunção textual, com o objetivo de analisar como os objetos semióticos realizados por ilustrações em artigos acadêmicos funcionam na oração textualmente. Esses significados podem operar como Tema ou Rema, no entanto não há descrições na literatura que apontem como o português e o alemão funcionam nesse contexto.

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    » https://aclanthology.org/W04-0216/
  • 3
    Este artigo é resultado da pesquisa desenvolvida por Andrade ( 2022Andrade, Marcela Morais. Transitividade, sujeitabilidade e animacidade em alemão e português: uma análise comparada sob a perspectiva da teoria sistêmico-funcional. 2022. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Letras/Tradução) – Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2022. ), apresentada à Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e orientada pelos professores Fabio Alves e Adriana Pagano, para a conclusão do curso de Bacharelado em Letras/Tradução: Português-Alemão.
  • 4
    Tradução de: “[...] the conflation of participant roles and grammatical functions is relatively constrained [...]”.
  • 5
    Na LSF, as funções são escritas com a primeira letra em maiúsculo.
  • 6
    O Sujeito é o responsável modal da oração como troca ( Halliday; Matthiessen 2014Halliday, M. A. K.; Matthiessen, Christian M. I. M. Halliday’s introduction to functional grammar. 4th ed. London: Routledge, 2014. ).
  • 7
    O termo se encontra entre parênteses por ser opcional nas orações.
  • 8
    O Quadro 17 da seção Resultados exibe um exemplo de oração verbal no português em que o Dizente não compõe um ente consciente.
  • 9
    Tradução de: “[...] semantically empty and non-referential [...]”.
  • 10
    Nesse caso, o símbolo “:” significa pré-seleção no sistema pela LSF ( Figueredo 2011Figueredo, Giacomo Patrocinio. Introdução ao perfil metafuncional do português brasileiro: contribuições para os estudos multilíngues. 2011. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada) – Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011. ).
  • 11
    Tradução de: “[...] less dependent on a fixed word order [...]”.
  • 12
    A metafunção textual foi desconsiderada, uma vez que não foi interesse desta pesquisa investigar a animacidade em relação às escolhas temáticas.
  • 13
    Tradução de: “[...] the difference between animate and inanimate does not lead to a difference between a grammatical or an ungrammatical sentence [...] but to a difference in acceptability ”.
  • 14
    Tradução de: “[...] verbs like show and offer, which, when used in their literal sense, are typically material processes, can also be used metaphorically as verbal processes ”.
  • 15
    Tradução de: “[...] are phenomena capable of taking on a participant role in a process configuration, e.g. bringing it about or being affected by it ”.
  • 16
    Tradução de: “[...] events, or anything else that is not prototypically concrete but clearly inanimate ”.
  • 17
    Tradução de: “ Experience is remembered, imagined, abstracted, metaphorized and mythologized – the text has the power to create its own environment; but it has this power because of the way the system has evolved, by making meaning out of the environment as it was given ”.
  • 18
    O asterisco foi inserido para que também fossem encontrados os itens na flexão de plural.
  • 19
    O símbolo “/” marca a confluência de funções ( Figueredo 2011Figueredo, Giacomo Patrocinio. Introdução ao perfil metafuncional do português brasileiro: contribuições para os estudos multilíngues. 2011. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada) – Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011. ).
  • 20
    Tradução de: “[...] construes the way in which the process is actualized ”.
  • 21
    Tradução de: “[...] the act is seen, heard, tasted or perceived in some other way [...]”.

Editado por

Editora: Maria Helena Voorsluys Battaglia

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2024

Histórico

  • Recebido
    18 Set 2023
  • Aceito
    16 Jan 2024
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