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Entrevista com Regina Helena de Freitas Campos

Entrevista con Regina Helena de Freitas Campos

Interview with Regina Helena de Freitas Campos

HISTÓRIA

Entrevista com Regina Helena de Freitas Campos

Interview with Regina Helena de Freitas Campos

Entrevista con Regina Helena de Freitas Campos

Regina Helena de Freitas CamposI; Érika LourençoII

IProfessora titular no Departamento de Ciências Aplicadas à Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: regihfc@terra.com.br

IIProfessora adjunta no Departamento de Psicologia da UFMG. E-mail: erikalourenco-mail@gmail.com

Regina Helena de Freitas Campos – Possui graduação em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (1974), Mestrado em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (1980) e PhD em Educação pela Stanford University (1989). Realizou pós-doutorado na Universidade de Genebra e na École des Hautes Études en Sciences Sociales em Paris (2001-2002). Atualmente é professora titular da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, pesquisadora 1D do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, líder do Grupo de Pesquisa em "História da Psicologia e Contexto Sociocultural" e presidente do Centro de Documentação e Pesquisa Helena Antipoff.

Érika: Como foi a sua formação? Como se deu seu primeiro contato com a obra de Helena Antipoff?

Regina: Sou psicóloga, com mestrado e doutorado em educação. Com minha dissertação de mestrado fiz meu primeiro ensaio de história da psicologia. Falei sobre a história da psicologia da educação em Minas Gerais, com foco no surgimento da demanda pelo trabalho do psicólogo educacional e pelos modelos da psicologia educacional no âmbito da reforma do ensino de 1927, a Reforma Francisco Campos. A reforma foi implantada com a ideia de organizar as escolas públicas de acordo com os princípios escolanovistas, segundo os quais era preciso conhecer melhor a criança para melhor educá-la. Para isso, utilizavam meios de avaliação da capacidade intelectual das crianças para a organização de classes homogêneas do ponto de vista intelectual. Na época pensava-se que isso aumentaria a eficiência das escolas, que as crianças aprenderiam melhor em classes homogêneas. No contexto dessa reforma do ensino, foi criada a Escola de Aperfeiçoamento de Professores, uma escola criada para formar os professores das escolas públicas mineiras nos princípios da nova proposta educacional. Helena Antipoff foi contratada para lecionar psicologia e dirigir o laboratório de psicologia dessa escola. Aí implementou um programa de pesquisa muito interessante e extenso sobre a psicologia das crianças mineiras do ponto de vista do desenvolvimento mental e sobre a organização do ensino nas escolas mineiras. Havia uma área de estudo que ela chamava escolologia, que consistia no estudo da organização das escolas e do atendimento que a criança recebia dentro dessas escolas. Havia também uma área de estudo dos ideais e interesses das crianças mineiras. Em minha dissertação de mestrado mostrei que a mensagem da psicologia na época apontava para a organização do ensino de acordo com o nível intelectual das crianças e para a distribuição das crianças na organização social do trabalho também a partir de seus níveis de inteligência, considerando que diferentes níveis de capacidade intelectual correspondiam a diferentes funções na organização social do trabalho.

Fiz o doutorado na Universidade de Stanford, com uma tese sobre a história da psicologia educacional no Brasil. Nessa tese, comparei a obra de dois psicólogos importantes no desenvolvimento da área da psicologia da educação no Brasil, que foram Lourenço Filho e Helena Antipoff. Trabalhei com a ideia de que o sistema público de ensino nos séculos XIX e XX está sujeito a pressões contraditórias: por um lado, as pressões pela seletividade, ou seja, a seleção dos melhores para exercer os cargos mais elevados na divisão social do trabalho, por outro lado, as pressões pela democratização, pelo aumento do acesso das populações menos favorecidas economicamente aos benefícios da escolarização. Interpretei a obra desses dois psicólogos e a aplicação que fizeram dos princípios da psicologia no sistema de ensino brasileiro como sendo a expressão de diferentes enfoques dentro dessa polarização. A psicologia pode ser usada para aumentar a seletividade do sistema, então se avalia a capacidade intelectual das crianças, supondo que essa capacidade intelectual é geneticamente determinada para se poder distribuí-las em uma organização social do trabalho que já está estabelecida. E, de um ponto de vista mais democrático, é possível pensar nas capacidades intelectuais como algo que é construído na relação da criança com a educação. Nesse sentido, o sistema educacional, ao invés de selecionar os melhores, tem a função de construir as capacidades intelectuais da criança em uma perspectiva mais democrática. Em minha tese demonstrei como esses dois modelos encontram diferentes expressões na área da psicologia científica e da psicologia educacional e como cada um deles prevalece nas propostas de aplicação da psicologia educacional no sistema educacional brasileiro por Lourenço Filho e Helena Antipoff.

Érika: Você poderia falar um pouco mais sobre Helena Antipoff e sua relevância para a história da psicologia da educação no Brasil?

Regina: Helena Antipoff é uma autora que tem uma obra de grande amplitude, não apenas como pesquisadora, mas também como criadora de instituições, como ativista política na área da educação em favor das populações marginalizadas e dos indivíduos excepcionais (foi ela, inclusive, que introduziu essa terminologia no léxico educacional brasileiro, para falar das pessoas que se distribuem fora da zona de normalidade com relação a um atributo psicológico ou psicossocial). Eu a respeito muito e tenho procurado mostrar que a obra dela é uma síntese de diferentes visões e teorias que nasceram na psicologia científica ao longo do século XX. Ela estudou e trabalhou em alguns dos principais centros de produção de conhecimento em psicologia no século XX. Trabalhou no Laboratório Binet-Simon em Paris; foi aluna e também assistente de Claparède em Genebra; e trabalhou no laboratório de psicologia em São Petersburgo, local em que a psicologia da educação se desenvolveu muito no período pós-revolução. Ela tinha uma formação bastante completa e mais recentemente temos descoberto que, por intermédio de Claparède, ela teve uma grande relação também com a psicologia norte-americana. Claparède era muito bem informado sobre a psicologia funcional norte-americana e estamos notando que, em sua obra, Helena Antipoff utilizou bastante a literatura deste país, sobretudo no que diz respeito à psicologia do excepcional e dos bem dotados. No entanto essa é uma área que ainda não exploramos ainda e que está para ser investigada.

Érika: Você é presidente do Centro de Documentação e Pesquisa Helena Antipoff (CDPHA) desde o ano 2000. Conte-nos um pouco sobre a história do CDPHA.

Regina: O Centro de Documentação e Pesquisa Helena Antipoff é uma associação sem fins lucrativos, criada em 1980 por familiares, amigos e colaboradores de Helena Antipoff (1892-1974), visando preservar sua memória e divulgar suas inúmeras obras e seu ideário como psicóloga e educadora comprometida com a construção das ciências da educação e com a promoção dos direitos humanos, em especial o direito à educação. O filho de Helena, Daniel Antipoff, nascido na Rússia em 1919 e falecido em Belo Horizonte em janeiro de 2005, foi presidente do CDPHA desde a fundação até 2000, quando me transmitiu o posto, permanecendo como presidente de honra.

Érika: Quais os objetivos do CDPHA?

Regina: Os principais objetivos do CDPHA, definidos em seu Estatuto, são: 1) a preservação do acervo de documentos inéditos e de publicações que pertenceram a Helena Antipoff, testemunha de seu trabalho competente e inovador como professora, pesquisadora e gestora de diversas instituições educacionais no Brasil, nas áreas da psicologia, da educação, da educação especial e da educação rural; 2) a promoção de estudos e pesquisas sobre temas relacionados a suas obras; 3) divulgar trabalhos realizados pela educadora e sua continuidade em estudos, pesquisas e ações de seus inúmeros colaboradores, promovendo eventos e publicações.

Érika: Como o CDPHA se organiza administrativamente e fisicamente?

Regina: O CDPHA está organizado administrativamente em uma diretoria integrada por representantes das instituições iniciadas por Helena Antipoff, como a Associação Pestalozzi de Minas Gerais (dedicada à educação dos excepcionais), a atual Fundação Helena Antipoff (complexo educacional localizado na cidade de Ibirité, Minas Gerais, constituído por escolas fundamental e média e por um Instituto Superior de Educação atualmente em processo de integração à Universidade Estadual de Minas Gerais), a ACORDA (Associação Comunitária do Rosário, também localizada em Ibirité, que mantém creche comunitária) e a ADAV (Associação Milton Campos de Desenvolvimento de Vocações de Bem Dotados, dedicada à promoção da educação de bem dotados em áreas economicamente carentes). Integram também a diretoria do CDPHA professores e pesquisadores vinculados à Universidade Federal de Minas Gerais e a outras instituições de ensino superior, dedicados a estudos sobre temas relacionados à obra de Antipoff. Fisicamente o CDPHA está sediado na Universidade Federal de Minas Gerais, na Sala Helena Antipoff, localizada na Biblioteca Central da UFMG, e mantém também uma unidade localizada na Fundação Helena Antipoff, em Ibirité, MG, onde estão localizados o Memorial Helena Antipoff e parte importante de seu acervo documental.

Érika: Quais as principais atividades propostas pelo CDPHA?

Regina: O CDPHA promove anualmente, desde 1981, o Encontro Anual Helena Antipoff, focalizando a cada ano um tema relacionado à obra de Helena Antipoff. Desde o início, conferencistas convidados têm sido chamados a abordar sua experiência de trabalho com a mestra, bem como diferentes aspectos do tema escolhido, nas áreas da psicologia, das ciências da educação e da preservação do patrimônio cultural. A partir dos anos 2000, o Encontro se ampliou e tem sido realizado em associação com o Encontro Interinstitucional de Pesquisadores em História da Psicologia, reunindo estudantes, professores e pesquisadores, representantes de diversas universidades e instituições de pesquisa, localizadas no Brasil e no exterior, apresentando trabalhos selecionados pela Comissão Científica do evento. Os Encontros Anuais têm sido uma rica oportunidade de intercâmbio e cooperação acadêmica e científica. Os programas e resultados dos trabalhos desenvolvidos nesses eventos têm sido divulgados no Boletim do CDPHA, editado anualmente, e na Coleção Encontros Anuais Helena Antipoff, publicada inicialmente através de associação entre o CDPHA e a Nau Editora, no Rio de Janeiro, e a seguir com a Editora PUCMinas. O Boletim do CDPHA encontra-se atualmente em sua 24ª edição, e já foi possível publicar cinco volumes da Coleção Encontros Anuais: Instituições e Psicologia no Brasil (organizado por Regina Helena de Freitas Campos e Rita de Cássia Vieira, Rio de Janeiro, Nau Editora, 2007); Formação de professores: diálogos com a experiência antipoffiana (Organizado por Lilian Erichsen Nassif e Maria Therezinha Nunes, Belo Horizonte, Editora PUCMinas, 2008); Patrimônio cultural, museus, psicologia e educação: diálogos (Organizado por Érika Lourenço, Maria do Carmo Guedes e Regina Helena de Freitas Campos, Belo Horizonte, Editora PUCMinas, 2009); Educação de crianças e jovens na contemporaneidade: pesquisas sobre sintomas na escola e subjetividade (Organizado por Ana Lydia Santiago e Regina Helena de Freitas Campos, Belo Horizonte, Editora PUCMinas, 2010) e História da psicologia e contexto sociocultural (Org. Érika Lourenço, Raquel Martins de Assis e Regina Helena de Freitas Campos, Belo Horizonte, Editora PUCMinas, 2012).

Érika: Como o Memorial Helena Antipoff se insere no CDPHA?

Regina: A organização do Memorial Helena Antipoff é de responsabilidade da Fundação Helena Antipoff, instituição pública estadual sediada nas antigas instalações do Instituto Superior de Educação Rural (ISER), na Fazenda do Rosário, em Ibirité, Minas Gerais. O Memorial integra um pequeno museu constituído do apartamento onde viveu Helena Antipoff, com aposentos, escritório, biblioteca e coleções de arte, e um museu organizado em sua memória, documentando as diferentes etapas de sua longa e produtiva carreira, na França, Suíça, Rússia e Brasil. O CDPHA ocupa uma das salas do Memorial, local onde estão guardados os documentos inéditos, parte da biblioteca da educadora e os diários elaborados por alunos e alunas dos cursos oferecidos pelo ISER e pela Fazenda do Rosário nos anos de 1940 a 1970. Trata-se de uma riquíssima coleção, que documenta parte importante da história das práticas educativas no Brasil, de grande originalidade e densidade teórica e técnica.

Érika: Quais as perspectivas, os planos do CDPHA para os próximos anos?

Regina: Esperamos que nos próximos anos o CDPHA continue seu trabalho de preservação do acervo e promoção de pesquisas sobre a obra de Helena Antipoff e de sua extensa rede de colaboradores. Daremos também continuidade às publicações, seguindo o exemplo da Jean Piaget Society, instituição também dedicada à obra de um personagem importante da história da psicologia e das ciências da educação e que tomamos como modelo. Esperamos conseguir maior apoio de agências de fomento à pesquisa e de desenvolvimento da educação, nacionais e internacionais, visando à divulgação adequada, inclusive por meios digitais, dos trabalhos e da produção científica dos membros do CDPHA.

Érika: Qual a importância do CDPHA para a historiografia da psicologia no Brasil?

Regina: O CDPHA tem atuado decisivamente na preservação de um conjunto de documentos de grande relevância para a reconstrução da história da psicologia no Brasil. Atua também na promoção da pesquisa sobre o movimento de ideias e propostas que se organizou em torno da liderança de Helena Antipoff como professora universitária, pesquisadora e gestora de instituições educacionais, e no estímulo à colaboração entre pesquisadores brasileiros e estrangeiros atualmente engajados na reconstrução da história e do diálogo internacional em psicologia e educação, especialmente nas áreas da psicologia da educação, psicologia experimental, educação especial e educação inclusiva.

Érika: Que orientações você daria para psicólogos e educadores interessados em fazer pesquisas no CDPHA?

Regina: Eu diria que psicólogos, educadores e demais pesquisadores interessados serão muito bem recebidos entre nós, e que nossa equipe está à disposição para ajudar na identificação de temas e documentos relevantes para a reconstrução da história da psicologia e da educação, em especial no Brasil. Atualmente a equipe do CDPHA está se ampliando e mantendo contato com centros internacionais de grande expressão nas áreas da história da ciência, da psicologia e das ciências da educação, como os Archives Jean Piaget, em Genebra; o Center for the History of Psychology da Universidade de Akron, nos Estados Unidos da América; o Centre Alexandre Koyré d'Histoire des Sciences et des Techniques, na École des Hautes Études em Sciences Sociales, em Paris; e o Centro Alexandre Solzenitcyn de Estudos da Diáspora Russa, em Moscou, na Rússia. A promoção do diálogo entre estudantes e pesquisadores brasileiros e estrangeiros, vinculados ao CDPHA e a essas instituições, tem sido uma oportunidade sempre renovada de novas descobertas e interpretações acerca do diálogo entre a nossa história e os movimentos internacionais de circulação de conhecimentos, exemplificados de forma expressiva na trajetória extraordinariamente produtiva e criativa de nossa mestra Helena Antipoff.

Érika: Gostaria de dizer mais alguma coisa?

Regina: Agradeço imensamente aos editores da revista Psicologia Escolar e Educacional pela oportunidade de divulgar o trabalho realizado pelo CDPHA e coloco-me à disposição para colaborar com a Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional no que for necessário para dar continuidade à construção dessa área de conhecimento no Brasil, tão bem representada na ABRAPEE.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jul 2013
  • Data do Fascículo
    Jun 2013
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