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PROFESSORES DIANTE DO COMPORTAMENTO SUICIDA DE ALUNOS ADOLESCENTES: PERCEPÇÕES E INTERVENÇÕES

Profesores delante del comportamiento suicida de alumnos adolescentes: percepciones e intervenciones

RESUMO

Esta pesquisa buscou analisar intervenções de professores do Ensino Médio integrado ao perceberem o comportamento suicida em alunos. Para tanto, desenvolveu-se uma pesquisa de campo, de abordagem qualitativa e natureza aplicada com 12 professores efetivos de uma instituição federal de ensino. Os dados foram coletados por formulário eletrônico (Google Forms) e analisados por meio da análise de conteúdo. Os achados revelaram que os docentes têm uma visão superficial acerca do suicídio e dificuldades em manejar o comportamento suicida de seus alunos e, quando o fazem, tomam como base valores e experiências pessoais; hesitação e insegurança marcam as condutas dos docentes. O estudo realça a necessidade de a escola se tornar um espaço de diálogo e formação docente acerca do comportamento suicida.

Palavras-chave:
professores de ensino médio; prevenção do suicídio; estudantes

RESUMEN

En esta investigación se buscó analizar intervenciones de profesores de la enseñanza secundaria integrada al percibir el comportamiento suicida en alumnus. Para tanto, se desarrolló una investigación de cmapo, de abordaje cualitativa y naturaleza aplicada con 12 profesores efectivos de una institución federal de enseñanza. Los datos se recompilaron por formulario electrónico (Google Forms) y analizados através del análisis de contenido. Los hallazgos apuntaron que los docents tienen una visión superficial acerca del suicidio y dificultades en manejar el comportamiento suicida de sus almnos; cuando lo hacen, toman como base valores y experiencias personales; hesitación e inseguridad marcan las condutas de los docents. El studio pone de relieve la necesidad de la escuela volverse espacio de diálogo y formación docente acerca del comportamiento suicida.

Palabras clave:
profesores de enseñanza secundaria; prevención do suicidio; estudiantes

ABSTRACT

This research sought to analyze the interventions of integrated high school teachers when they perceived suicidal behavior in students. Therefore, a field research was developed, with a qualitative approach and applied nature, with 12 permanent professors from a federal educational institution. Data were collected using an electronic form (Google Forms) and analyzed through content analysis. The findings revealed that teachers have a superficial view of suicide and difficulties in managing their students’ suicidal behavior; when they do so, they are based on personal values and experiences; hesitation and insecurity mark the conduct of professors. The study highlights the need for the school to become a space for dialogue and teacher training on suicidal behavior.

Keywords:
high school teachers; suicide prevention; students

INTRODUÇÃO

O suicídio se constitui como um fenômeno complexo e multifacetado, o que exige um olhar amplo a partir de diferentes prismas, tais como: biológico, social, individual e psicológico. Trata-se de um problema de saúde pública e, segundo o Atlas da Violência (Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada, 2018Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada. (2018). Atlas da Violência. Rio de Janeiro: IPEA.), de 2012 a 2016, o total de suicídios no Brasil aumentou 10,8%. O estudo de Cicogna, Hillesheim e Hallal (2019Cicogna, J. I. R.; Hillesheim, D.; Hallal, A. L. L. C. (2019). Mortalidade por suicídio de adolescentes no Brasil: tendência temporal de crescimento entre 2000 e 2015.Jornal Brasileiro de Psiquiatria,68(1), 1-7. https://doi.org/10.1590/0047-2085000000345
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) aponta que, entre 2000 e 2015, aconteceram 11.947 mortes por suicídio em indivíduos de 10 a 19 anos, a maior parte (85,32%) dos suicídios na faixa etária estudada aconteceu em adolescentes de 15 a 19 anos.

Para a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) (ABP, 2014Associação Brasileira de Psiquiatria. (2014). Suicídio: informando para prevenir. Comissão de Estudos e Prevenção de suicídio. Brasília: CFM/ABP., p. 9), o suicídio pode ser conceituado como um “[...] ato deliberado executado pelo próprio indivíduo, cuja intenção seja morte, de forma consciente e intencional, usando um meio que acredita ser letal.” Configura-se como uma ação constitutiva do comportamento suicida, que envolve a ideação, o planejamento, a tentativa e o ato consumado.

Vale ressaltar que o comportamento suicida abrange também condutas mais específicas de autodestruição e autolesão, por vezes sem intenção letal, mas igualmente passível de intervenção pelo risco que traz à vítima. Tais comportamentos são mais característicos na população adolescente e jovem, que como atestam os estudos de Garreto e Zetterqvist (conforme citado por Fonseca, Silva, Araújo, & Botti, 2018Fonseca, P. H. N.; Silva, A. C.; Araújo, L. M. C.; Botti, N. C. L. (2018). Autolesão sem intenção suicida entre adolescentes. Arquivos Brasileiros de Psicologia., 70(3). Recuperado de:http://pepsic.bvsalud.org/pdf/arbp/v70n3/17.pdf.
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), ao comparar diferentes grupos etários, os adolescentes apresentam prevalência mais alta do que os adultos. Nesse contexto, cabe analisar que parte importante da população brasileira é formada por jovens e, portanto, demandam atenção.

De acordo com o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (IBGE, 2010Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2010). Censo Demográfico. Rio de Janeiro: IBGE.), a população jovem (de 15 a 29 anos) é de aproximadamente 51 milhões de pessoas. Desse universo, parte significativa é formada por adolescentes de 15 a 18 anos, que devem estar regularmente matriculados na escola.

A escola tem por objetivo primeiro o compartilhamento de conhecimentos científicos e válidos socialmente. Para isso, oferece a Educação Básica que, na esfera nacional está dividida em três níveis: Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio, sendo este último o nível em que a maior parte dos adolescentes está matriculada.

A partir da Emenda Constitucional nº 59/2009Emenda Constitucional nº 59/2009 (2009). Acrescenta § 3º ao art. 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para reduzir, anualmente, a partir do exercício de 2009, o percentual da Desvinculação das Receitas da União incidente sobre os recursos destinados à manutenção e desenvolvimento do ensino de que trata o art. 212 da Constituição Federal de 1988, dá nova redação aos incisos I e VII do art. 208, de forma a prever a obrigatoriedade do ensino de quatro a dezessete anos e ampliar a abrangência dos programas suplementares para todas as etapas da educação básica, e dá nova redação ao § 4º do art. 211 e ao § 3º do art. 212 e ao caput do art. 214, com a inserção neste dispositivo de inciso VI. Diário Oficial da União (12-11-2009), p. 8. Recuperado de Recuperado de https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc59.htm
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, a escolaridade básica obrigatória no Brasil passa a se estender até os 17 anos. A referida Emenda traz a obrigatoriedade deste nível de ensino e, consequentemente, a garantia de que esses adolescentes estarão cursando o Ensino Médio.

Nesse contexto, considerando as altas taxas de suicídio em adolescentes e a obrigatoriedade legal da permanência destes na escola, é possível depreender que muitos jovens alunos do Ensino Médio podem desenvolver comportamentos suicidas. A maioria dos casos de suicídio, já endossa a literatura (Botega, 2015Botega, N. J. (2015). Crise suicida: avaliação e manejo. Porto Alegre: Artmed.; Karaim, 2018Karaim, M. F. (2018). Prevenção do suicídio na escola: a experiência de uma intervenção realizada na cidade de canoas envolvendo jovens, pais e professores (Trabalho de Conclusão de Curso). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS.; Teixeira, 2001Teixeira, C. M. F. S. (2001). A escola como espaço de prevenção ao suicídio de adolescentes - relato de experiência. XSimpósio de Estudos e Pesquisas da Faculdade de Educação da UFG, de 27 a 28 de agosto de 2001” Goiânia(GO).), não acontece sem avisos ou sem sinais, sendo muitos deles compartilhados em espaços de socialização, como a escola. Além disso, é o espaço escolar que, muitas vezes, agrega pessoas de referência para esses adolescentes (amigos, professores, orientadores) que podem dar suporte adequado aos conflitos pelos quais estes estejam passando.

A escola precisa estar atenta às demandas sociais e de seus discentes, firmando-se como aliada na identificação de comportamentos de risco, bem como de prevenção destes, com vistas a diminuir os índices alarmantes de suicídio entre jovens. O Guia Intersetorial de prevenção ao comportamento suicida em crianças e adolescentes (2019) preconiza a inserção da vigilância, da promoção da vida e da prevenção ao suicídio no projeto político-pedagógico da escola, tendo em vista o protagonismo dos espaços educativos na vida do adolescente. A escola, aponta o referido Guia, “[...] deve ser um espaço que desperte no estudante o desejo pela vida” (p. 20).

No âmbito escolar, é fundamental que se discuta o papel estratégico do professor na identificação e intervenção desses comportamentos, pois seu contato direto com os alunos favorece essa ação. Tendo o exposto como subsídio, propôs-se o desenvolvimento deste estudo, cujo problema de pesquisa se constitui em: Quais são as intervenções de professores do Ensino Médio integrado ao técnico ao perceberem o comportamento suicida em alunos adolescentes?

Com o intuito de responder ao problema proposto, estabelece-se o seguinte objetivo geral: analisar intervenções de professores do Ensino Médio integrado ao técnico perceberem o comportamento suicida em alunos. Como objetivos específicos tencionou-se descrever as percepções dos professores acerca do comportamento suicida em alunos adolescentes; caracterizar as ações dos professores frente ao comportamento suicida de alunos adolescentes; identificar sentimentos vividos por professores partícipes do estudo diante do comportamento suicida de seus alunos adolescentes; especificar processos formativos, com ênfase no manejo do comportamento suicida, pelos quais os professores passaram.

Entende-se que, pela proximidade que se estabelece com os alunos, o professor pode ser capaz de observar mudanças bruscas de comportamentos e hábitos, piora do desempenho escolar, perda de interesse em atividades de que antes gostava, desesperança em relação ao futuro, entre outros sinais de alerta marcantes nos adolescentes que estão manifestando condutas autodestrutivas (Botega, 2015Botega, N. J. (2015). Crise suicida: avaliação e manejo. Porto Alegre: Artmed.).

Para tanto, é fundamental que os professores se sintam preparados a agir nessas contingências e compreendam seu papel estratégico na identificação e, principalmente, no enfrentamento dessas situações. Um caminho possível nessa preparação é a formação continuada que dê conta de instrumentalizá-los a identificar sinais e compreender como agir com os alunos que estejam em sofrimento e apresentem comportamento suicida. Assim, o estudo se justifica por promover o diálogo acerca do suicídio e de seus desdobramentos no contexto escolar.

MÉTODO

O estudo vinculou-se à uma abordagem qualitativa, por considerar a relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito. Por ter pretendido gerar conhecimentos para aplicação prática posterior, em que se planeja uma formação docente alinhada aos resultados da pesquisa, é que se coloca sua natureza como aplicada. Tal ideia justifica, ainda, o tipo de pesquisa ter sido descritiva, visto que o pesquisador busca descrever os fatos, sem interferir neles, apenas buscando constatações que fomentem a produção de conhecimentos (Prodanov, 2013Prodanov, C. C.; Freitas, E. C. (2013). Metodologia do trabalho científico: métodos e técnicas da pesquisa e do trabalho acadêmico. 2. ed. Novo Hamburgo: Feevale.).

Assim, o estudo teve como procedimento técnico a pesquisa de campo e, uma vez submetida ao Comitê de Ética e Pesquisa (CEPComitê Estadual de Promoção da Vida e prevenção ao Suicídio do Estado do Rio Grande do Sul/Comissão da Criança e do/a adolescente, 2019. Guia Intersetorial de Prevenção ao suicídio de crianças e adolescentes. Recuperado de: https://saude.rs.gov.br/upload/arquivos/carga20190837/26173730-guia-intersetorial-de-prevencao-do-comportamento-suicida-em-criancas-e-adolescentes-2019.pdf
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), recebeu o parecer de aprovação (18607319.5.0000.5211) antes de ser iniciada. Estruturou-se nas etapas de recrutamento por e-mail e respostas fornecidas em formulário Google Forms. Realizou-se em uma instituição escolar, de nível federal, que atende alunos do nível básico, técnico e tecnológico. A escola situa-se na região central de Teresina, capital do Piauí.

Os partícipes do estudo foram 12 (doze) professores do Ensino Médio integrado ao técnico de todas as áreas do conhecimento (identificados pela letra P seguida de número de 1 a 12). Os dados foram organizados e analisados seguindo a técnica de análise de conteúdo.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Nesta seção apresentam-se os dados produzidos durante o estudo, bem como a análise deles a partir da revisão de literatura empreendida e sob os critérios da análise de conteúdo.

Concepções preliminares de professores sobre o comportamento suicida

Compreender um fenômeno tão complexo como o comportamento suicida demanda conhecimentos específicos sobre as características, dados, fatores de risco e impacto do problema na saúde pública. Sendo assim, é importante atentar-se, por exemplo, para o fato de que esta é uma questão ainda subestimada e que, muitas vezes, na escola, não recebe a atenção que merece dos atores que fazem parte do contexto escolar. Nesse contexto, as afirmações dos professores partícipes da pesquisa demonstram conhecimentos prévios que estes possuem acerca do problema e revelam importantes indícios de como o comportamento suicida pode ser encarado pelos docentes. Ao descrever um aluno com este comportamento, P3 afirma:

Alguém que acesse sites sinistros, com conteúdos autodestrutivos [...] conheço pessoas que se drogavam e se suicidaram, mas conheci pessoas que aparentemente não tinham nenhum sinal para ser um suicida e em determinado momento, tiraram suas próprias vidas. Deve haver muitas causas para alguém chegar ao suicídio e os estudiosos já devem ter traçado alguns perfis suicidas. (P3)

P3 cita o acesso a sites específicos e a vinculação do uso de drogas e o ato suicida como elementos a serem identificados no comportamento suicida, mas indica uma ideia estanque acerca do problema, ao rotular o indivíduo de “suicida” ou pontuar o “perfil suicida”.

A literatura (Karaim, 2018Karaim, M. F. (2018). Prevenção do suicídio na escola: a experiência de uma intervenção realizada na cidade de canoas envolvendo jovens, pais e professores (Trabalho de Conclusão de Curso). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS.; Moreira & Bastos, 2015Moreira, L. C. O.; Bastos, P. R. H. O. (2015). Prevalência e fatores associados à ideação suicida na adolescência: revisão de literatura. Psicologia Escolar e Educacional, 19(3), 445-453. https://doi.org/10.1590/2175-3539/2015/0193857
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; Zappe & Dell’aglio, 2016Zappe, J. G.; Dell’aglio, D. D. (2016). Variáveis pessoais e contextuais associadas a comportamentos de risco em adolescentes. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, 65(1), 44-52. https://doi.org/10.1590/0047-2085000000102
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) demonstra que o comportamento suicida não se alinha a um indivíduo ou mesmo somente as suas características individuais. Há uma profusão de fatores que podem tornar vulnerável qualquer pessoa. Fonseca, Silva, Araújo e Botti (2018Fonseca, P. H. N.; Silva, A. C.; Araújo, L. M. C.; Botti, N. C. L. (2018). Autolesão sem intenção suicida entre adolescentes. Arquivos Brasileiros de Psicologia., 70(3). Recuperado de:http://pepsic.bvsalud.org/pdf/arbp/v70n3/17.pdf.
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) pontuam as dimensões intrapessoal e social da pessoa como importantes balizadores do comportamento suicida. Braga e Dell’Aglio (2013Braga, L. L.; Dell’aglio, D. D. (2013). Suicídio na adolescência: fatores de risco, depressão e gênero.Contextos Clínicos, 6(1), 2-14. Recuperado de:http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983-34822013000100002&lng=pt&nrm=iso.
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, p. 5) listam diversos fatores de risco e alertam que ”é importante considerar que esses aspectos, isoladamente, não são preditores do suicídio, mas as consequências deles deriva­das podem aumentar a vulnerabilidade dos indivíduos.” Diante do exposto, compreende-se que o comportamento suicida não é definido por características individuais a priori, como também não se sedimentam no sujeito a ponto de ele se tornar”.um suicida”. São estados, vulnerabilidades, que adequadamente manejados podem ser minimizados.

As ideias a seguir possibilitam entender mais como pensam os professores acerca do comportamento suicida:

Qualquer atitude que possa se voltar contra a vida da própria pessoa. (P4)

Pensamentos e atitudes que causam qualquer tipo de autoagressão. (P8)

Comportamento de quem voluntariamente pode causar o mal [físico] a si mesmo. (P10)

As afirmações de P4, P8 e P10 apontam para a concepção de que o comportamento suicida se manifesta em atos de violência autoinfligida, embora os professores não se atentem que esses atos não necessariamente precedem tentativas de suicídio e os mesmos atos podem acontecer sem intenção suicida. Há que se considerar, nesses casos, a intencionalidade do comportamento autolesivo. O estudo de Fonseca et al. (2018Fonseca, P. H. N.; Silva, A. C.; Araújo, L. M. C.; Botti, N. C. L. (2018). Autolesão sem intenção suicida entre adolescentes. Arquivos Brasileiros de Psicologia., 70(3). Recuperado de:http://pepsic.bvsalud.org/pdf/arbp/v70n3/17.pdf.
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) clarifica que a maior parte das autolesões nos adolescentes partícipes de sua pesquisa tem a função de aliviar sensações de vazio e indiferença ou parar sentimentos ruins, portanto não tendo intenção consciente de morte. Santos e Faro (2018Santos, L. C. S.; Faro, A. (2018). Aspectos conceituais da conduta autolesiva: Uma revisão teórica. Psicologia Em Pesquisa, 12(1), 1-1 http://dx.doi.org/10.24879/201800120010092
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) assinalam que a autolesão se configura em um conjunto de comportamentos que resultam em dano intencional ao indivíduo e destacam, para além do dano físico que P10 identifica, o dano psicológico. Ou seja, há que se compreender qual é o sentido das autolesões para o adolescente que as praticam, pois esse é um sentido subjetivo. A autolesão como manifestação do comportamento suicida pode, também, ter a morte como finalidade. Esse ponto é o que diferencia a intenção da conduta autolesiva, embora, vale evidenciar, que todas essas condutas são pontos de atenção.

Os professores P9 e P11 afirmam, sobre o comportamento suicida:

Para mim o comportamento suicida é aquele que é estimulado ao longo da vivência do indivíduo, como única saída para os dissabores da vida. (P9)

Conjunto de ações e pensamentos que demonstrem um desalento diante do sujeito diante da própria vida e transmita a sensação de “querer desistir.” Pensamentos de morte, perda de sentido da vida e de vontade de viver, falta de prazer nas vivências e relações cotidianas, automutilação etc. (P11)

É possível perceber que os professores P9 e P11 possuem uma visão mais completa sobre o comportamento suicida, entendendo o fenômeno como algo construído em uma história de vida singular de cada indivíduo e que não depende de fatores isolados, mas de um contexto importante de ser considerado.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) (2000Organização Mundial de Saúde. (2000). Prevenção do Suicídio: Manual para professores e Educadores. Departamento de Saúde Mental. Organização Mundial de Saúde: Genebra. Recuperado de:https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/66801/WHO_MNH_MBD_00.3_por.pdf;jsessionid=2F37244DF946EA4FB4584DA0580CD596?sequence=5
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), os pensamentos suicidas podem aparecer, uma vez ou outra, durante o processo de desenvolvimento da infância para a adolescência, pois o indivíduo lida com problemas existenciais e o pensamento formal vai se configurando. Por outro lado, os pensamentos passam a ter um caráter singular e preocupante quando são considerados pelo adolescente como a única solução para seus problemas. Kovácks (2012Kovács, M. J. (2012). Educadores e a morte. Psicologia Escolar e Educacional, 16(1), 71-81. https://doi.org/10.1590/S1413-85572012000100008
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) aponta que o tema da morte, para os adolescentes, assume um papel de distanciamento ou banalização: ou é algo que não pode acontecer com eles, já que estão no auge da juventude, ou é algo que vivenciam tanto que chega a ser comum. Para trabalhar essas duas posturas, a autora destaca a escola como espaço privilegiado de diálogo com os adolescentes sobre o tema e seus estigmas.

Assim, as concepções preliminares dos professores permitem depreender que, embora reconheçam algumas dimensões do problema, os docentes ainda têm uma visão estereotipada do que é o comportamento suicida. Os docentes apontam ideias vinculadas ao senso comum e distorcidas do que discute a literatura, tais como o delineamento de um perfil suicida estagnado na pessoa. A análise dos dados sinaliza, portanto, a necessidade de trabalhar o tema de modo mais consistente, formativo e educativo com os profissionais docentes na escola.

Percepções de professores acerca do adolescente com comportamento suicida

O comportamento suicida pode ser dividido em três cate­gorias: ideação suicida (pensamentos, ideias, planejamento e desejo de se matar), tentativa de suicídio e suicídio consumado. Sobre como percebem o adolescente com comportamento suicida, os professores afirmam:

Acredito que pessoas depressivas possam ter um potencial para o suicídio. (P3)

São manifestações nas quais as pessoas geralmente se antecedem de uma doença como, por exemplo, a depressão. (P4)

Imagino que seja quando uma pessoa sente tristeza profunda, perdendo a vontade de continuar vivendo. (P6)

Depressivo, muito calado, poucas interações com os outros alunos. (P12)

As respostas dos professores sinalizam uma visão próxima, mas ainda reduzida do fenômeno, como se esse estivesse articulado apenas a um transtorno mental e como se esse transtorno se manifestasse somente com tristeza e humor deprimido. A resposta de P6, ao pontuar a tristeza profunda e a perda da vontade do sujeito em continuar vivendo, também aponta para a depressão.

No apanhado entre os fatores de risco para o comportamento suicida, os transtornos mentais como a depressão aparecem como um elemento entre tantos outros, como os psicossociais, sociodemográficos, individuais etc. (Botega, 2015Botega, N. J. (2015). Crise suicida: avaliação e manejo. Porto Alegre: Artmed.; Braga & Dell’aglio, 2013Braga, L. L.; Dell’aglio, D. D. (2013). Suicídio na adolescência: fatores de risco, depressão e gênero.Contextos Clínicos, 6(1), 2-14. Recuperado de:http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983-34822013000100002&lng=pt&nrm=iso.
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; Santos & Faro, 2018Santos, L. C. S.; Faro, A. (2018). Aspectos conceituais da conduta autolesiva: Uma revisão teórica. Psicologia Em Pesquisa, 12(1), 1-1 http://dx.doi.org/10.24879/201800120010092
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). Há uma ligação entre a presença do transtorno mental com o desenvolvimento de condutas suicidas, mas isso não pode ser visto como único fator. Além disso, é importante compreender que a depressão em adolescentes pode se manifestar através de diversos comportamentos e não só com tristeza e isolamento aparentes. Baggio, Palazzo e Aerts (2009Baggio, L.; Palazzo, L. S.; Aerts, D. R. G. C. (2009). Planejamento suicida entre adolescentes escolares: prevalência e fatores associados.Caderno de Saúde Pública, 25(1), 142-150. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2009000100015
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, p. 148) dizem que a depressão pode passar despercebida por familiares e professores porque, na adolescência, ”[...] esse transtorno muitas vezes se manifesta por intermédio de queixas somáticas, problemas no âmbito sexual, baixo rendimento escolar e problemas de conduta, em vez de humor deprimido”.

Questionados se já estiveram diante de alunos que manifestassem alguns dos tipos de comportamento suicida, as respostas indicam que cinco deles já estiveram em contato com alunos que apresentavam comportamento suicida em algumas de suas etapas. Moreira e Bastos (2015Moreira, L. C. O.; Bastos, P. R. H. O. (2015). Prevalência e fatores associados à ideação suicida na adolescência: revisão de literatura. Psicologia Escolar e Educacional, 19(3), 445-453. https://doi.org/10.1590/2175-3539/2015/0193857
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) apontam que a taxa de aumento do número de suicídios entre adolescentes de 15 a 18 anos foi de 15,3%, o que pode explicar o número significativo de professores que já tiveram algum contato com alunos manifestando comportamento suicida. Por outro lado, vale ressaltar que esse número pode ser ainda maior, uma vez que alguns professores respondentes podem nem ter percebido esse comportamento em seus alunos. As afirmações a seguir fortalecem esta ideia:

Se teve algum caso em alguma das minhas turmas não soube e nem consegui perceber. (P3)

Poucos conseguem perceber nos poucos momentos de convivência, em sala de aula, porém eu entendo que uma mudança brusca de comportamento ou atos de extrema retração podem ser considerados como comportamentos suspeitos. (P7)

Os professores sugerem não ter identificado nenhum caso de comportamento suicida entre seus alunos, seja por causa da correria que caracteriza a atividade docente, seja pelo déficit de indícios e informações sobre o tema no quadro referencial do professor. As análises indicam que as percepções dos professores acerca do adolescente com comportamento suicida sofrem interferências significativas das concepções superficiais e conhecimentos limitados dos partícipes sobre o problema, configurando-se como uma percepção fragilizada e vulnerável sobre o problema.

Intervenções docentes frente à identificação do comportamento suicida em alunos

Tomando como base a ideia de que a percepção leva à ação (Botega, 2015Botega, N. J. (2015). Crise suicida: avaliação e manejo. Porto Alegre: Artmed.), analisa-se as condutas adotadas pelos professores ao perceberem o comportamento suicida de seus alunos. Tais condutas podem ser o diferencial na prevenção ao suicídio na escola, posto que aos professores ”[...] é reservada uma grande parcela de compromisso” (Teixeira, 2001Teixeira, C. M. F. S. (2001). A escola como espaço de prevenção ao suicídio de adolescentes - relato de experiência. XSimpósio de Estudos e Pesquisas da Faculdade de Educação da UFG, de 27 a 28 de agosto de 2001” Goiânia(GO)., p. 6) para auxiliar os adolescentes em risco e ser agentes de prevenção ao suicídio.

Assim, os professores descrevem suas intervenções:

Cautela na forma de tratar o aluno [a aluna]. (P1)

Procurei sempre sondar o que estava ocorrendo ou encaminhar para o serviço de psicologia do campus ou outro que pudesse ajudar. (P4)

Tentei aproximar-me do discente para de alguma forma tentar ajudá-lo. Seja com palavras ou com ações. (P6)

Diante das respostas, é possível depreender que os professores não têm um alinhamento na forma de manejar essas situações, agindo da forma como acreditam ser mais adequada. Kovács (2012Kovács, M. J. (2012). Educadores e a morte. Psicologia Escolar e Educacional, 16(1), 71-81. https://doi.org/10.1590/S1413-85572012000100008
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) revela que os professores se sentem desconfortáveis e constrangidos quando têm que abordar o tema da morte com seus alunos. Pela própria dificuldade de lidar com este tema e com sentimentos advindos dele, os professores optam por não incitar essa conversa. É possível que, por isso, os respondentes tenham apontado intervenções pusilânimes com seus alunos como cautela e sondagem, o que denota a superficialidade dessa conduta.

Um aspecto positivo a ser destacado é o encaminhamento ao serviço de Psicologia citado por P4, pois demonstra que o professor, ao perceber comportamentos suicidas, orienta o aluno para procurar o serviço de modo a ativar o olhar multidisciplinar sobre o estudante e sobre o fenômeno. Além disso, esse encaminhamento vem ressaltar a importância do docente como agente de prevenção ao suicídio.

Kovács (2012Kovács, M. J. (2012). Educadores e a morte. Psicologia Escolar e Educacional, 16(1), 71-81. https://doi.org/10.1590/S1413-85572012000100008
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, p. 75) identifica algumas dificuldades dos educadores para lidar com o tema da morte, quais sejam: ”[...] resistência, falta de preparo, necessidade de reforma curricular para evitar sobrecarga de trabalho, estabelecer parcerias com o meio acadêmico e limites pessoais”, o que sinaliza para uma discussão mais ampla acerca da formação continuada e da necessidade de os professores compartilharem experiências, dúvidas e angústias. Além disso, merece atenção a sensação de impotência e incompetência que essas situações podem gerar nos professores. Por não saberem como agir, podem sentir-se incapazes de auxiliar os alunos e a sociedade perde um importante agente de prevenção do suicídio. Teixeira (2001Teixeira, C. M. F. S. (2001). A escola como espaço de prevenção ao suicídio de adolescentes - relato de experiência. XSimpósio de Estudos e Pesquisas da Faculdade de Educação da UFG, de 27 a 28 de agosto de 2001” Goiânia(GO)., p. 6) afirma que os profissionais da educação e da saúde precisam lidar com o suicídio como algo real para não entrarem na ”[...] cumplicidade do silêncio que conduz à negação ou minimização do problema.”.

Assim, é possível identificar que as intervenções dos professores frente ao comportamento suicida de seus alunos não se configuram como ações efetivas de prevenção ao suicídio, já que não são atitudes concretas de acolhimento ao sofrimento dos alunos ou de realce aos fatores protetivos tais como família, aspectos da personalidade, relações sociais e fatores culturais. Os professores agem de maneira pontual e desarticulada entre si, a partir de valores e experiências pessoais, o que contribui para a escola não se sedimentar como espaço de diálogo, informação e prevenção do suicídio.

Formação de professores com ênfase no manejo do comportamento suicida de alunos: um hiato problemático

A revisão de literatura empreendida na tessitura deste estudo sinalizou que a formação de professores voltada para a condução do comportamento suicida em alunos é escassa, configurando-se como uma área que merece investimento por parte das pesquisas e instituições formativas.

Imbernón (2010Imbernón, F. (2010). Formação Continuada de Professores. Porto Alegre: Artmed .) refere que historicamente, os processos formativos visavam soluções padronizadas para problemas genéricos e uniformes e aponta que nesse modelo, o formador escolhe atividades que ele supõe que vão auxiliar os professores a conseguirem os resultados que esperam. Em uma perspectiva contemporânea, a formação precisa se aproximar das situações problemáticas que surgem no próprio contexto. Teixeira (2001Teixeira, C. M. F. S. (2001). A escola como espaço de prevenção ao suicídio de adolescentes - relato de experiência. XSimpósio de Estudos e Pesquisas da Faculdade de Educação da UFG, de 27 a 28 de agosto de 2001” Goiânia(GO)., p. 2) enfatiza a necessidade de o professor preparar-se para lidar com as demandas de comportamentos suicida em adolescentes e cita:

Aqueles que fazem parte do universo dos adolescentes, forçadamente, encontram-se em uma posição-chave, na medida em que, vivendo tão próximos a eles, podem desempenhar um papel fundamental em suas vidas, através de ações de prevenção cujo êxito dependerá não só da capacidade de reconhecer sinais de alerta, mas também de responder, adequadamente, aos seus apelos nessa fase em que têm suas certezas abaladas e suas referências enfraquecidas.

O caminho para isso é uma formação articulada ao contexto, em que os professores se sintam capazes de perceber riscos, abrir espaços de escuta, e não sejam um obstáculo à livre expressão de seus alunos.

No que diz respeito à formação acerca do suicídio, nove dos professores respondentes dizem nunca terem passado por uma formação com ênfase no manejo de comportamento suicida em adolescentes, o que se alinha ao hiato na literatura acerca dessas formações e sinaliza a necessidade de se desenvolver formações que capacitem os professores a lidar com a temática. Teixeira (2001Teixeira, C. M. F. S. (2001). A escola como espaço de prevenção ao suicídio de adolescentes - relato de experiência. XSimpósio de Estudos e Pesquisas da Faculdade de Educação da UFG, de 27 a 28 de agosto de 2001” Goiânia(GO).) assevera a escola como espaço de promoção da saúde, desde a formação de cidadãos críticos e autônomos, até o reconhecimento da instituição como espaço de escuta, promovendo um ambiente conciliador e de respeito mútuo.

Vale a reflexão de como se estruturou a formação dos três que responderam ”sim” à questão de que já participaram destes momentos:

Só assisti algumas palestras, não foram muitas. (P3)

Alguns eventos organizados por servidores do campus. (P6)

Apenas palestras sobre o tema. (P12)

As afirmativas dos professores sinalizam para ações pontuais que não se constituíram em espaços de escuta e compartilhamento de experiências para eles. A formação, para ser efetiva e provocar transformações na prática docente, precisa estar alinhada às demandas reais dos professores, próprias do contexto de atuação docente. Quando efetivadas de forma teórica, ignorando a dimensão teórico-prática, pode não consistir em práxis, ou seja, em prática que leva à transformação.

Nessa direção, a formação dos professores deve propiciar o desenvolvimento de um pensar reflexivo que provoque mudanças na prática docente. A formação de professores com ênfase no manejo do comportamento suicida precisa informar, propiciar conhecimentos específicos e instrumentalizar o professor a agir na contingência, visto que esta é uma realidade que se assume, cada vez mais, na escola.

A resposta de P3 aponta para a necessidade dos professores em conhecer a respeito do tema e sinaliza suas perspectivas formativas:

Acho super importante dialogarmos sobre isso, uma vez que lidamos com adolescentes, jovens e adultos para ampliarmos nosso entendimento através dos estudos dessa temática. [...] gostaria de participar de uma formação sobre esse assunto. (P3)

O partícipe aponta a necessidade de a escola ser esse espaço formativo e de se abrir ao diálogo sobre o tema, o que pode ser um importante aliado na prevenção ao comportamento suicida. Outro dado relevante é que seis dos respondentes manifestaram interesse em participar de uma formação continuada na instituição que contemple o tema em foco. Três professores apontaram que talvez participassem e outros três apontaram que não participariam. Esse último grupo, vale ressaltar, pode demonstrar o que Kovács (2012Kovács, M. J. (2012). Educadores e a morte. Psicologia Escolar e Educacional, 16(1), 71-81. https://doi.org/10.1590/S1413-85572012000100008
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) acentua em seu estudo: muitos professores, embora acreditem que os alunos precisem de espaço para lidar com temas difíceis, entendem que isso não cabe a eles e, sim, a pessoas especializadas. A prevenção ao suicídio, no entanto, deve ser compreendida como um compromisso social, inclusive professores.

O Guia do Centro de Valorização à Vida (CVV, 2019Centro de valorização à Vida (CVV). (2019). Guia para Pais e Educadores. Recuperado de: https://www.cvv.org.br/wp-content/uploads/2017/05/guia_CVV_pais_educadores_DIGITAL.pdf.
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) para Pais e Educadores traz uma série de importantes orientações que podem fundamentar a formação docente no que tange ao tema do suicídio. Entre estas orientações, compreender a escola e o professor como corresponsáveis pela promoção de saúde mental e prevenção do suicídio, não tratar o tema como tabu, tampouco como banalidade e ironia, discutir a glamourização do suicídio (que pode acontecer quando da morte de uma pessoa famosa) e promover ambiente saudável e de boa convivência na sala de aula, podem ser estratégias valiosas na prevenção ao suicídio. Tudo isso, no entanto, pressupõe ações formativas que deem conta de estimular práticas docentes transformadoras.

Há ainda outro aspecto importante a ser considerado com relação aos professores que não se mostraram disponíveis à formação com ênfase no manejo do comportamento suicida: o tabu em torno do tema. O suicídio é um assunto interdito também em decorrência do Efeito Werther e a ideia ligada a ele de que a ocorrência de um suicídio, quando enfatizada, pode provocar outras tentativas ou novos casos de suicídio. No entanto, é importante ressaltar que o diálogo adequado sobre o tema, seguido de orientações pertinentes e da divulgação da rede de apoio (instituições que atuam na prevenção do suicídio) pode ser um diferencial tanto para minimizar este tabu acerca do tema, como para prevenir novos casos.

A formação pode fomentar, inclusive, essa discussão de que, para além de formar alunos, precisamos formar pessoas inteiras e, nessa direção, cabe ao professor reconhecer seu importante papel no acolhimento das emoções de seus discentes e na prevenção ao comportamento suicida de adolescentes na escola.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os achados da pesquisa sinalizam que a realidade dos professores da instituição investigada se alinha aos dados encontrados na literatura, quais sejam o índice significativo de comportamento suicida na escola, a dificuldade dos professores em lidar com o tema, tanto por questões pessoais, quanto por ausência de formação abordando o assunto.

No que diz respeito às percepções dos professores acerca do adolescente com comportamento suicida, verificou-se que os partícipes do estudo fazem uma importante associação entre a depressão e o comportamento suicida, denotando a necessidade de ampliação do olhar desses docentes acerca de outros fatores de risco e de se trabalhar, com urgência, a desmistificação do fenômeno, promovendo espaços de debate e formação continuada.

Com relação às ações dos professores frente ao comportamento suicida de seus alunos, apurou-se a dificuldade daqueles em manejar tal comportamento. Os docentes não apontaram condutas efetivas, mas superficiais fundamentadas nas próprias concepções e no modo que consideram adequado, o que nem sempre é conveniente ao aluno, e mostra a necessidade de uma formação que alinhe ações e instrumentalize esses professores de tal modo a torná-los atores importantes na identificação e prevenção de comportamentos suicidas. É possível depreender a partir das respostas dos professores, sentimentos de insegurança, hesitação e incerteza destes ao abordar o aluno com comportamento suicida, uma vez que, de fato, não aprenderam a lidar com essa questão.

Diante da quantidade de respondentes que não passaram por uma formação com ênfase no manejo do comportamento suicida e daqueles que tiveram acesso a palestras pontuais, a formação se mostra um caminho necessário, mas ainda não trilhado, em direção à fundamentação dos docentes no que diz respeito à sua atuação na prevenção do suicídio.

Conclui-se que muitos destes comportamentos não são sequer percebidos pelos professores e, aqueles que percebem, adotam intervenções tímidas que não se configuram em alicerce para a prevenção do comportamento suicida na escola. Vale evidenciar que o estudo não se esgota em si mesmo, ao contrário, revela a necessidade urgente do desenvolvimento de novos estudos acerca da abordagem sobre o suicídio na escola, a fim de fomentar práticas formadoras com vistas ao sujeito omnilateral, fruto de uma formação integral e efetivamente humana.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    04 Ago 2020
  • Aceito
    04 Mar 2021
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