EDITORIAL - TEMPOS DESAFIADORES PARA A PSICOLOGIA ESCOLAR FRENTE À IMPLEMENTAÇÃO DA LEI 13.935/19 E À DEFESA DA DEMOCRACIA

Amanhã Será um lindo dia Da mais louca alegria Que se possa imaginar Amanhã Redobrada a força Pra cima, que não cessa Há de vingar (Guilherme Arantes, 1996).

Após quatro anos tão difíceis e turbulentos, o país respira mais aliviado e se prepara para viver tempos mais esperançosos, com a retomada da valorização da ciência, da educação, da cultura, do meio ambiente e de outros campos fundamentais para a (r)existência humana. Por outro lado, também serão tempos difíceis; o presidente democraticamente eleito encontrará um país dividido, envolto em discussões ideológicas que respaldaram ações completamente desconectadas da realidade, como pudemos ver nos dias que se seguiram ao resultado do segundo turno das eleições.

No campo educativo, assistimos a atos racistas, homofóbicos, de intimidação e violência contra estudantes nas escolas; aumento de queixas escolares, notadamente relacionadas às questões emocionais; crianças que não conseguiram ser alfabetizadas porque não tiveram acesso à escola, seja no formato remoto ou presencial; docentes exaustas(os) e desesperançadas(as); professoras(es) denunciadas(os) por estudantes e/ou famílias ao se referirem à atual conjuntura ou por ensinarem conteúdos já legitimados pela Ciência. Nesse contexto, com a implementação da Lei 13.935/19, psicólogas e psicólogos têm adentrado as secretarias municipais de Educação pelo Brasil afora e se deparado com essas demandas, dentre outras.

Cabe destacar também que, no cenário pós-pandemia, de acordo com dados levantados pelas consultorias de orçamento da Câmara e do Senado¹, a Educação Básica obteve a menor previsão de verba dos últimos 11 anos, o que gera um impacto incomensurável no processo de escolarização de crianças e adolescentes e no cotidiano pedagógico das escolas e reflete o descaso com que a educação cronicamente tem sido tratada no país, notadamente nos últimos quatro anos.

Diante desse cenário, o que cabe à Psicologia Escolar e Educacional? Lembremo-nos, como escreve Meira (2003), “[...] o objeto de estudo e atuação da Psicologia Escolar é o encontro entre o sujeito humano e a educação” (p. 55, grifos do autor). Neste sentido, se o processo de escolarização visa a humanização do sujeito, como tão bem coloca Saviani (1991), será necessário que a escola ensine também crianças, adolescentes e adultos a lidarem com a diversidade que caracteriza a sociedade. Professoras e professores, por sua vez, precisam lembrar-se de que seus gestos e ações em sala de aula por vezes têm um importante papel no que se refere a atitudes frente a essa diversidade e heterogeneidade constitutiva da escola.

Sobre a moral nos tempos atuais, Sartini (2021) afirma, baseado em Vigotski, que,

Da mesma forma que as outras funções psicológicas superiores, como a autoconsciência e a vontade, podemos dizer que a moral percorre o mesmo caminho de desenvolvimento, possuindo sua gênese nas relações sociais (categoria interpsíquica) e se desenvolvendo até assumir um aspecto mais internalizado (categoria intrapsíquica). [...] O caráter social da moral se torna determinante para sua existência e, desse modo, o processo de apropriação dos valores morais, das normas éticas e dos princípios são aspectos importantes para a formação da personalidade. (pp. 89-90).

Essa compreensão acerca do desenvolvimento dos valores morais como uma função psicológica precisa cuidar da contradição “entre uma escola que se organiza e produz a vida e a educação de outra maneira e o que ocorre fora dos muros da escola” (Sartini, 2021, p. 104). Os valores postos pelo capitalismo, como individualismo e egoísmo, por exemplo, instigam-nos a pensar sobre como superar essa contradição considerando as possibilidades ofertadas por uma escola que preze o respeito, o cuidado e a valorização da vida humana.

Os artigos publicados neste periódico, com certeza, subsidiarão as reflexões sobre o processo de aprendizagem e de desenvolvimento humano. Os temas estudados, pertinentes à Psicologia e à Educação, contribuirão para a análise da relação teoria e prática que move a produção de conhecimentos no campo da educação escolarizada.

Enfim, de nossa parte, como editoras da Revista Psicologia Escolar e Educacional, acreditamos que compartilhar estudos, pesquisas e práticas coerentes neste campo contribuem para fortalecer trabalhos e ampliar compreensões sobre o fenômeno educativo, de modo que nossas crianças e adolescentes possam aprender e desenvolver-se em um amanhã de um lindo dia. Como tão bem cantou Gal Costa, “É preciso estar atento e forte”²!

Referências

• Arantes, G. (1996). Amanhã https://guilhermearantes.com.br/site/album-1996-amanha/
  » https://guilhermearantes.com.br/site/album-1996-amanha/
• Meira, M. E. M. (2003). Construindo uma concepção crítica de Psicologia Escolar: Contribuições da Pedagogia Histórico-Crítica e da Psicologia Sócio-Histórica. In: Meira, M. E. M.; Antunes, M. A. M. (Eds.), Psicologia Escolar: Teorias Críticas São Paulo: Casa do Psicólogo.
• Sartini, B. C. (2021). Da ética marxista à psicologia vigotskiana: apontamentos para uma síntese (Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-graduação em Psicologia, Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia). Recuperado de https://repositorio.ufu.br/bitstream/123456789/31708/3/EticaMarxistaPsicologia.pdf
  » https://repositorio.ufu.br/bitstream/123456789/31708/3/EticaMarxistaPsicologia.pdf
• Saviani, D. (1991). Pedagogia Histórico-crítica - primeiras aproximações São Paulo: Cortez: Autores Associados.

• 1
  Reportagem veiculada pelo G1 - https://g1.globo.com/economia/de-olho-no-orcamento/noticia/2022/11/03/recuperacao-do-ensino-pos-pandemia-educacao-basica-tem-menor-previsao-orcamentaria-em-11-anos.ghtml
• 2
  Canção composta por Caetano Veloso e Gilberto Gil.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  19 Dez 2022
• Data do Fascículo
  2022