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A CONSTRUÇÃO DO PROJETO ADOTIVO EM UMA VIA DE MÃO DUPLA

ADOPTIVE PROJECT'S CONSTRUCTION ON A TWO-WAY VIA

RESUMO.

A constituição de uma família por meio da adoção legal não se dá de modo repentino, mas é fruto de uma delicada construção de projetos, sonhos e expectativas, que ocorrem tanto por parte dos postulantes à adoção, quanto da criança e/ou adolescente que aguarda por uma nova família. Buscou-se conhecer como ocorreu a construção do projeto adotivo, sob a perspectiva dos pais e dos filhos, para uma família composta por um casal e quatro irmãos que foram adotados juntos. A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas e observação com registro em diário de campo. Verificou-se que a principal motivação dos pais para adotar foi o desejo de constituir uma família e exercer a parentalidade. Constatou-se que houve abertura em relação ao perfil desejado e abertura para o encontro com a criança real. No que se refere às crianças, houve dificuldades para que expressassem como vivenciaram o projeto adotivo, o que sugere a necessidade de que haja mais ações voltadas para a preparação das crianças e adolescentes, em vias de serem adotados. Concluiu-se sobre a relevância da construção do projeto adotivo por todos os envolvidos e que é dado pouco espaço para que a criança apresente suas narrativas e faça suas elaborações sobre essa construção.

Palavras-chave:
Criança; adoção; família

RESUMEN.

La constitución de una familia a través de la adopción legal no ocurre repentinamente, sino que es el resultado de una construcción delicada de proyectos, sueños y expectativas, que ocurren tanto por parte de los solicitantes a la adopción, como por el niño y/o adolescente que está esperando para una nueva familia. El objetivo era saber cómo sucedió la construcción del proyecto adoptivo, desde la perspectiva de padres e hijos, hasta una familia compuesta por una pareja y cuatro hermanos que fueron adoptados. La recolección de datos se realizó a través de entrevistas y observación con registro en el diario de campo. Fue verificado que la principal motivación de los adoptantes para adoptar era el deseo de formar una familia y ejercer la parentalidad. Se notó que había apertura con respecto al perfil deseado y la apertura para el encuentro con el niño real. Con respecto a los niños, hubo dificultades para expresar cómo experimentaron el proyecto de adopción, lo que sugiere la necesidad de más acciones dirigidas a la preparación de niños y adolescentes en proceso de adopción. Se concluyó sobre la relevancia de la construcción del proyecto de adopción por parte de todos los involucrados y que se ofrece poco espacio para que el niño presente sus narrativas y elaboraciones sobre esta construcción.

Palabras clave:
Niño; adopción; familia

ABSTRACT.

The constitution of a family through legal adoption does not happen suddenly. Still, it results from a delicate construction of projects, dreams and expectations, which occur both with the adopters and the child and/or adolescent who waits for a new family. This study aimed to know how the adoptive project's construction arose from parents and children's perspectives for a family composed of a couple and four siblings who were adopted together. Data collection was conducted through interviews and observation with registered in a field diary. It was found that the primary motivation of parents to adopt was the desire to constitute a family and exercise parenthood. It was verified that there was openness concerning the desired profile and the encounter with the real child. Regarding children, there were difficulties for them to express how they experienced the adoptive project, which suggests the need for more actions aimed at preparing children and adolescents in the process of being adopted. In conclusion, it is highlighted the significance of the adoptive project's construction by all involved and that a little space is provided for the child to present his narratives and elaborations on this construction.

Keywords:
Child; adoption; family

Introdução

Diante dos desafios que a adoção pode apresentar, os cursos preparatórios para a adoção comumente enfocam a questão da preparação dos postulantes e tematizam a importância da construção de um projeto adotivo sólido por parte deles (Bohm et al., 2019Bohm, C. H., Campos, N. M. V., Santoucy, L. B., Peixoto, A. P. P. F., Lima, M. C. C., Rocha, P. F. C., & Gurgel, K. M. R. (2019). A preparação psicossocial e jurídica para a adoção no Distrito Federal. Singular Sociais e Humanidades, 1(1), 6-11. DOI: https://doi.org/10.33911/singularsh.v1i1.29
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; Morelli, Scorsolini-Comin, & Santeiro, 2015Morelli, A. B., Scorsolini-Comin, F., & Santeiro, T. V. (2015). O "lugar" do filho adotivo na dinâmica parental: revisão integrativa de literatura. Psicologia Clínica, 27(1), 175-194. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-56652015000100010.
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; Silva, Silva, Lopes, & Frizzo, 2017Silva, P. S., Silva., E. X. L., Lopes, R. C. S., & Frizzo, G. B. (2017). Diferentes configurações familiares de candidatos à adoção: implicações para os processos de habilitação. Estudos de Psicologia (Natal ), 22(4), 412-421. DOI: http://dx.doi.org/10.22491/1678-4669.20170042.
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). Nessa perspectiva, apresentam-se duas reflexões importantes, a primeira se configura como um questionamento em relação ao que é um projeto adotivo. E a segunda como uma indagação: tal projeto deve ser construído apenas pelos postulantes ou pela criança e/ou adolescente também?

O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, 1990Hamad, N. (2002). A criança adotiva e suas famílias. Rio de Janeiro, RJ: Companhia de Freud.) contempla a questão da preparação para a adoção numa via de mão dupla, ao preconizar a obrigatoriedade da preparação dos pretendentes (art. 50) e da necessidade da preparação das crianças e adolescentes em relação à adoção (art. 28, parágrafo 1º). Contudo, esse indicativo legal ainda não é uma realidade garantida a todas as crianças e todos adolescentes adotados no contexto brasileiro (Alvarenga & Bittencourt, 2013Alvarenga, L. L., & Bittencourt, M. I. G. F. (2013). A delicada construção de um vínculo de filiação: o papel do psicólogo em processos de adoção. Pensando Famílias, 17(1), 41-53.; Contente, Cavalcante, & Silva, 2013Contente, S. R., Cavalcante, L. I. C., & Silva, S. S. C. (2013). Adoção e preparação infantil na percepção dos profissionais do juizado da infância e juventude de Belém/PA. Temas em Psicologia, 21(2), 317-33. DOI: http://dx.doi.org/10.9788/TP2013.2-02
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; Gomes & Levy, 2016Gomes, I. C., & Levy, L. (2016). A Psicanálise vincular e a preparação de crianças para a adoção: uma proposta terapêutica e interdisciplinar. Contextos Clínicos, 9(1), 109-117. DOI: http://dx.doi.org/10.4013/ctc.2016.91.09.
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; Valério & Lyra, 2016Valério, T. A. M., & Lyra, M. C. D. P. (2016). Significados ambivalentes no processo de adoção: um estudo de caso. Psicologia em Estudo, 21(2), 337-348. DOI: https://doi.org/10.4025/psicolestud.v21i2.28460 .
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).

Do ponto de vista da habilitação para a adoção, no momento, o sistema de justiça tem sob seu controle apenas o que diz respeito à habilitação dos adultos, uma vez que as crianças e adolescentes que estão abrigados nas instituições de acolhimento ou com famílias acolhedoras estão submetidos às decisões tomadas pelo Poder Executivo e não pelo Poder Judiciário (Orientações Técnicas: serviços de acolhimento para criança e adolescentes, 2009Orientações Técnicas: serviços de acolhimento para criança e adolescentes. (2009). Brasília, DF: Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente; Conselho Nacional de Assistência Social.). Dessa forma, a habilitação realizada junto aos adultos segue as etapas preconizadas pelo ECRIAD (Lei nº 8.069, 1990Hamad, N. (2002). A criança adotiva e suas famílias. Rio de Janeiro, RJ: Companhia de Freud.) art. 197 A, B, C, D e E -, o que garante que os postulantes passem por uma preparação e avaliação psicossocial antes de terem seus nomes inseridos na fila de espera por um filho. Mas, a preparação das crianças e adolescentes deveria ser realizada a partir de uma ação integrada entre atores do poder judiciário e executivo, o que muitas vezes não ocorre. (Contente et al., 2013Contente, S. R., Cavalcante, L. I. C., & Silva, S. S. C. (2013). Adoção e preparação infantil na percepção dos profissionais do juizado da infância e juventude de Belém/PA. Temas em Psicologia, 21(2), 317-33. DOI: http://dx.doi.org/10.9788/TP2013.2-02
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; Gomes & Levy, 2016Gomes, I. C., & Levy, L. (2016). A Psicanálise vincular e a preparação de crianças para a adoção: uma proposta terapêutica e interdisciplinar. Contextos Clínicos, 9(1), 109-117. DOI: http://dx.doi.org/10.4013/ctc.2016.91.09.
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).

Na esfera da atuação das equipes psicossociais nas Varas da Infância, o termo projeto adotivo está relacionado ao projeto parental, ou seja, a um desejo de ter filhos e de exercer a parentalidade por uma forma não biológica. Uma vez que a construção de um projeto adotivo envolve amadurecer o desejo de iniciar uma parentalidade por meio da adoção e preparar a chegada da criança e/ou adolescente na nova dinâmica familiar (Morelli et al., 2015Morelli, A. B., Scorsolini-Comin, F., & Santeiro, T. V. (2015). O "lugar" do filho adotivo na dinâmica parental: revisão integrativa de literatura. Psicologia Clínica, 27(1), 175-194. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-56652015000100010.
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; Silva et al., 2017Silva, P. S., Silva., E. X. L., Lopes, R. C. S., & Frizzo, G. B. (2017). Diferentes configurações familiares de candidatos à adoção: implicações para os processos de habilitação. Estudos de Psicologia (Natal ), 22(4), 412-421. DOI: http://dx.doi.org/10.22491/1678-4669.20170042.
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). Aliada a essa nova definição de lugares na família, deve haver uma abertura para trabalhar a desconstrução de questões associadas às idealizações feitas pelos pais adotantes, além de considerar os aspectos relacionados à legislação (principalmente no que diz respeito aos direitos das crianças e dos adolescentes no contexto da adoção), ao perfil da criança e/ou adolescente e ao histórico que cada membro da nova família possui (Paulina, Ferreira, Bobato, & Becker, 2018Paulina, E., Ferreira, L., Bobato, S. T., & Becker, P. S. (2018). Processo de vinculação afetiva de crianças adotadas na perspectiva dos pais adotantes. Boletim - Academia Paulista de Psicologia, 38(94), 77-94.).

No entanto, Diniz, Bloris, Alves e Moreira (2015Diniz, A. P., Bloris, D. A., Alves, E. O., & Moreira, T. O. (2015). Possibilidades de escuta na adoção tardia: compondo novas histórias. Revista de Artigos da Jornada Científica do Fórum de Assistentes Sociais e Psicólogos do Poder Judiciário do Espírito Santo, 1, 245-250.) enfatizam o cuidado que se deve ter com o termo preparação, pois ele pode envolver um significado oculto, qual seja, postulantes devidamente preparados não encontrariam desafios durante a inserção da criança e/ou no novo contexto familiar, e por analogia, poderia se concluir a mesma coisa em relação às crianças e aos adolescentes. Contudo, as autoras alertam para o fato de que a construção de vínculos entre pais e filhos pode ser marcada por encontros e desencontros que comparecem no jogo de expectativas e realidades que se apresentam nas relações parentais/filiais. Defendem, portanto, que a ideia de uma construção mútua do projeto adotivo é mais adequada do que ‘preparação dos postulantes’, uma vez que considera tanto os pais quanto os filhos implicados no desejo de iniciar um vínculo, que deve ser permeado por afeto recíproco.

Sobre a perspectiva dos adultos, Cecílio e Scorsolini-Comin (2016Cecílio, M. S., & Scorsolini-Comin, F. (2016). Parentalidades adotiva e biológica e suas repercussões nas dinâmicas conjugais. Psicologia: Ciência e Profissão, 36(1), 171-182. DOI: https://doi.org/10.1590/1982-3703003832015
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) apontam que a parentalidade constitui um momento de especial atenção no ciclo vital, período no qual os futuros pais precisam promover diversos ajustes para a chegada do filho, quer seja biológico ou adotivo. Esses ajustes envolvem tanto aspectos materiais e de rotina como de estruturação do psiquismo e de construção das identidades materna e paterna, justamente pela assunção de novos papéis sociais e familiares. No ensejo dessa discussão, Morelli et al. (2015Morelli, A. B., Scorsolini-Comin, F., & Santeiro, T. V. (2015). O "lugar" do filho adotivo na dinâmica parental: revisão integrativa de literatura. Psicologia Clínica, 27(1), 175-194. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-56652015000100010.
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, p. 177) analisam que o desenvolvimento da parentalidade, tanto no caso da parentalidade biológica, como na adotiva, envolve também a “[...] capacidade subjetiva dos pais de construírem uma imagem do filho, criarem sonhos e expectativas a seu respeito, atribuindo-lhes características familiares”.

O nascimento da parentalidade pela via adotiva apresenta, contudo, alguns desafios adicionais aos futuros pais, pois diferente da parentalidade pela via biológica, na adoção os novos pais terão que lidar com o fato de que seu novo filho ou filha foi inicialmente filho(a) de outra pessoa, além de enfrentar aspectos ligados às complexidades judiciais, o que pode tornar essa forma de parentalidade mais estressante para os postulantes (Moyer & Goldenberg, 2015Moyer, A. M., & Goldberg, A. E. (2015). ‘We were not planning on this, but...’. Adoptive parents’ reactions and adaptations to unmet expectations. Child and Family SocialWork, 22, (S1), 12-21. DOI: https://doi.org/10.1111/cfs.12219.
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). Hamad (2002Hamad, N. (2002). A criança adotiva e suas famílias. Rio de Janeiro, RJ: Companhia de Freud.) destaca que, ainda que na esfera da construção do projeto adotivo por um casal o projeto seja construído em conjunto, é essencial que cada membro possa ser escutado de forma individualizada, uma vez que cada um dos postulantes é marcado de forma diferente pelo desejo de adotar, incluindo aí expectativas. A esse respeito, Hueb e Cecílio (2015Hueb, M. F. D., & Cecílio, M. S. (2015). A preparação dos postulantes à adoção é (in) suficiente? A experiência de uma adoção inter-racial de grupo de irmãos. In: F. Scorsolini-Comin, A. K. Pereira, & M. L. T. Nunes. Adoção: legislação, cenários e práticas (p. 161-184). São Paulo, SP: Vetor.) pontuam que, ao longo da construção da parentalidade adotiva, os desejos de cada membro do casal podem ser diferentes ou apresentar desencontros em relação à construção do projeto adotivo. Tal visão ratifica os apontamentos de Schettini, Amazonas e Dias (2006Schettini, S. S. M., Amazonas, M. C. L. A., & Dias, C. M. S. B. (2006). Famílias adotivas: identidade e diferença. Psicologia em Estudo, 11(2), 285-293. DOI: https://doi.org/10.1590/S1413-73722006000200007.
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) e Hamad (2002)Hamad, N. (2002). A criança adotiva e suas famílias. Rio de Janeiro, RJ: Companhia de Freud., que ponderaram que cada membro do casal tinha em sua história particular seus desejos e fantasias, nem sempre coincidentes, em relação ao filho esperado.

Do ponto de vista das crianças e/ou adolescentes, a Lei nº 12.010 (2009Lei nº 12.010, de 03 de agosto de 2009. (2009). Dispõe sobre adoção; altera as Leis nos 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente, 8.560, de 29 de dezembro de 1992; revoga dispositivos da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, e da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943; e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República.), art. 28, parágrafo 5º, alterou a redação do ECRIAD (Lei nº 8.069, 1990Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. (1990). Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República.) e instituiu como obrigatória a preparação gradativa de crianças e adolescentes que vivem em instituições de acolhimento nos casos de inserção numa nova família por meio da adoção. Considerando o contexto da adoção e seu entorno, as mudanças no marco regulatório refletem aumento da percepção de que é muito importante ouvir as crianças e adolescentes sobre suas necessidades e receios, no intuito de construir com eles um projeto adotivo gradativo. Pressupõe-se, assim, que a construção da nova família seja marcada pelo amadurecimento de uma escolha não só dos adultos, como também da criança e/ou adolescente envolvidos (Guimarães, 2015Guimarães, L. A. (2015). Escuta da criança no processo de adoção: procedimentos e direitos. In: F. Scorsolini-Comin, A. K. Pereira, & M. L. T Nunes.. Adoção: legislação, cenários e práticas(p. 125-147). São Paulo, SP: Vetor.; Hueb & Cecílio, 2015Hueb, M. F. D., & Cecílio, M. S. (2015). A preparação dos postulantes à adoção é (in) suficiente? A experiência de uma adoção inter-racial de grupo de irmãos. In: F. Scorsolini-Comin, A. K. Pereira, & M. L. T. Nunes. Adoção: legislação, cenários e práticas (p. 161-184). São Paulo, SP: Vetor.).

Nesse mesmo sentido, Gomes e Levy (2016Gomes, I. C., & Levy, L. (2016). A Psicanálise vincular e a preparação de crianças para a adoção: uma proposta terapêutica e interdisciplinar. Contextos Clínicos, 9(1), 109-117. DOI: http://dx.doi.org/10.4013/ctc.2016.91.09.
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) realçam que, em se tratando da construção dos laços afetivos, é indispensável que haja espaço para edificação de um projeto adotivo tanto por parte dos pais quanto da criança e/ou adolescente. Mas, em que consistiria essa construção por parte da criança e/ou adolescente? Segundo as autoras, deve ser permitido que a criança e/ou adolescente, para a qual se encontrou uma nova família, desenvolva um processo de ressignificação de sua história de vida. Afinal, como já foi pontuado, essa criança e/ou adolescente vivenciou outras ligações afetivas, outras dores e alegrias, antes de estar frente a frente com uma nova família. Portanto, a construção do projeto adotivo pela criança e/ou adolescente está relacionada à oferta de um espaço de escuta e acolhimento no qual ela possa externar seus sentimentos, medos e expectativas em relação à nova família.

Além do exposto, partindo do pressuposto de que toda relação afetiva é bidirecional, no caso da construção de uma família pela via adotiva, é essencial que se conceda à criança e/ou adolescente a oportunidade de ter voz ativa em relação a desejar, ou não, iniciar uma vinculação com uma determinada família, embora o ECRIAD (Lei nº 8.069, 1990Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. (1990). Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República.) só conceda esse direito formal às crianças com idade superior a 12 anos (art. 45, parágrafo 2). Estudos sugerem ainda que aqueles que aguardam pela adoção possam ser informados sobre características que vão compor sua nova realidade de vida, começando por informações relativas aos aspirantes a pais, passando por informações relativas à casa e ao ambiente comunitário (Alvarenga & Bittencourt, 2013Alvarenga, L. L., & Bittencourt, M. I. G. F. (2013). A delicada construção de um vínculo de filiação: o papel do psicólogo em processos de adoção. Pensando Famílias, 17(1), 41-53.; Contente et al., 2013Contente, S. R., Cavalcante, L. I. C., & Silva, S. S. C. (2013). Adoção e preparação infantil na percepção dos profissionais do juizado da infância e juventude de Belém/PA. Temas em Psicologia, 21(2), 317-33. DOI: http://dx.doi.org/10.9788/TP2013.2-02
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).

O ECRIAD (Lei nº 8.069, 1990Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. (1990). Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República.) coaduna com tais estudos, ao destacar que o objetivo da adoção é garantir o direito universal da criança e do adolescente à convivência familiar, deslocando, portanto, a centralidade da atenção do postulante para a criança e/ou adolescente. Contente et al. (2013Contente, S. R., Cavalcante, L. I. C., & Silva, S. S. C. (2013). Adoção e preparação infantil na percepção dos profissionais do juizado da infância e juventude de Belém/PA. Temas em Psicologia, 21(2), 317-33. DOI: http://dx.doi.org/10.9788/TP2013.2-02
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), entretanto, lamentam que, quando o assunto é habilitação para adoção, o sistema de justiça não tem demonstrado com a criança e/ou adolescente que está à espera de uma adoção, a mesma atenção que dedica aos postulantes. As autoras atribuem tal posicionamento ao fato de que há uma sobreposição dos desejos dos postulantes que estão na fila da adoção sobre os das crianças e adolescentes que estão nas instituições aguardando por uma família. Assim, defende-se que a construção do projeto adotivo, tanto pelos postulantes quanto pelos adotantes, está relacionada a ações que deveriam ocorrer no momento pré-adoção e é essencial à aproximação, interação e vinculação entre os membros da nova família no contexto adotivo (Guimarães, 2015Guimarães, L. A. (2015). Escuta da criança no processo de adoção: procedimentos e direitos. In: F. Scorsolini-Comin, A. K. Pereira, & M. L. T Nunes.. Adoção: legislação, cenários e práticas(p. 125-147). São Paulo, SP: Vetor.). Tal planejamento inclui contatos entre os futuros pais e filhos, em diferentes contextos, até que ambos se sintam à vontade para passar finais de semana juntos no lar que abrigará a família estendida e possam, finalmente, estar juntos de forma definitiva. A pré-adoção envolve momentos nos quais a criança e/ou adolescente possa conhecer um pouco da nova realidade que vivenciará e os pais possam, por sua vez, conhecer um pouco da realidade atual da criança e/ou adolescente.

Tal aproximação é defendida como essencial ao amadurecimento do projeto adotivo de ambos os lados, como defendem estudos sobre a temática (Gomes & Levy, 2016Gomes, I. C., & Levy, L. (2016). A Psicanálise vincular e a preparação de crianças para a adoção: uma proposta terapêutica e interdisciplinar. Contextos Clínicos, 9(1), 109-117. DOI: http://dx.doi.org/10.4013/ctc.2016.91.09.
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; Guimarães, 2015Guimarães, L. A. (2015). Escuta da criança no processo de adoção: procedimentos e direitos. In: F. Scorsolini-Comin, A. K. Pereira, & M. L. T Nunes.. Adoção: legislação, cenários e práticas(p. 125-147). São Paulo, SP: Vetor.; Morelli et al., 2015Morelli, A. B., Scorsolini-Comin, F., & Santeiro, T. V. (2015). O "lugar" do filho adotivo na dinâmica parental: revisão integrativa de literatura. Psicologia Clínica, 27(1), 175-194. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-56652015000100010.
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; Peiter, 2011Peiter, C. (2011). Adoção: vínculos e rupturas do abrigo à família adotiva. São Paulo, SP: Zagodoni.). Assim, os postulantes, em processo de aproximação com a criança e/ou adolescente, seriam incentivados, com consentimento judicial, a visitarem a escola na qual a criança e/ou adolescente estuda, o pediatra habitual, a pracinha onde costuma brincar ou jogar. À criança e/ou adolescente por sua vez, seria possibilitado o conhecimento de sua nova casa, da nova comunidade, de alguns membros da família extensa e outros aspectos da nova vida que lhe interessassem. De modo que ambos os lados, no contato gradual com a realidade que se apresenta, possam amadurecer os projetos adotivos que já traziam consigo antes do encontro real possibilitado pelo início da convivência (Guimarães, 2015Guimarães, L. A. (2015). Escuta da criança no processo de adoção: procedimentos e direitos. In: F. Scorsolini-Comin, A. K. Pereira, & M. L. T Nunes.. Adoção: legislação, cenários e práticas(p. 125-147). São Paulo, SP: Vetor.; Valério & Lyra, 2016Valério, T. A. M., & Lyra, M. C. D. P. (2016). Significados ambivalentes no processo de adoção: um estudo de caso. Psicologia em Estudo, 21(2), 337-348. DOI: https://doi.org/10.4025/psicolestud.v21i2.28460 .
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).

Tendo em vista o exposto, esse trabalho buscou conhecer como ocorreu a construção do projeto adotivo sob a perspectiva dos pais que realizaram uma adoção de quatro irmãos simultaneamente e também sob a perspectiva dos filhos que estavam vivenciando a inserção em uma nova família.

Método

O presente estudo teve cunho qualitativo, por permitir que fosse analisada a perspectiva dos participantes sobre determinado fenômeno (Flick, 2013Flick, U. (2013). Introdução à metodologia de pesquisa: um guia para iniciantes. Porto Alegre, RS: Penso.). Optou-se pelo estudo de caso como estratégia metodológica, por “[...] sua capacidade de lidar com uma ampla variedade de evidências - documentos, artefatos, entrevistas e observações - além do que pode estar disponível no estudo histórico convencional” (Yin, 2001Yin, R. K. (2001). Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre, RS: Bookman., p. 27). Os participantes foram um casal, Cláudia e Antônio, que adotou legalmente um grupo de quatro irmãos, e seus três filhos mais velhos, Lara com 11 anos, Gustavo, com oito anos e Lucas, com cinco anos de idade. A filha mais nova tinha apenas um ano de idade na ocasião da pesquisa, o que impossibilitou que respondesse às questões propostas pelos instrumentos do presente trabalho. As crianças estavam inseridas na nova família há um ano e três meses e o processo jurídico da adoção ainda estava tramitando, ou seja, na ocasião da pesquisa os pais detinham a guarda provisória de cada uma das crianças.

O material apresentado compõe dados parciais de uma dissertação de mestrado já defendida. A coleta de dados foi realizada na casa dos participantes a partir de seis encontros com a família, com duração de 04 horas cada. Foram utilizados roteiros semiestruturados de entrevistas, realizadas junto aos pais e aos filhos, além de observações durante as visitas que foram registradas em diário de campo. Para este trabalho foram utilizadas questões direcionadas aos pais a respeito do planejamento, motivação, expectativas e preparação para adoção. Quanto às crianças, as questões abordaram se elas foram informadas sobre a possibilidade da adoção, o que pensaram e sentiram a esse respeito e os primeiros contatos com a nova família. O processo de análise de dados foi fundamentado pela Análise Temática, proposta por Braun e Clark (2006Braun, V., & Clarke, V. (2006). Using thematic analysis in psychology. Qualitative Research in Psychology, 3(2), 77-101.). Os autores detalharam os passos dessa modalidade de análise em psicologia e têm sido indicados como referência para pesquisadores que buscam utilizar essa metodologia (Joffe, 2011Joffe, H. (2011). Thematic analysis. In D. Harper, & A. R. Thompson (Eds.), Qualitative methods in mental health and psychotherapy: a guide for students and practitioners (p. 209-224). Chichester, UK: John Wiley & Sons.).

Este estudo seguiu as recomendações éticas para a realização de pesquisas com seres humanos, de acordo com as orientações da Resolução nº 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde, e foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal do Espírito Santo sob o número 1.579.323. Os nomes dos participantes apresentados no estudo são fictícios.

Resultados

A construção do projeto adotivo: ponto de vista dos pais

Cláudia e Antônio iniciaram o processo adotivo após 22 anos de união. Antônio, 42 anos, exercia a profissão de mestre de obras e enfatizou que ele mesmo construiu a casa na qual a família residia no momento da pesquisa. Cláudia, 38 anos, era professora do ensino fundamental I. A família não contatava com uma auxiliar de serviços domésticos e Cláudia era quem se encarregava das tarefas principais da casa. Ela trabalhava no turno vespertino, mesmo turno no qual as crianças estudavam, e Antônio trabalhava nos dois turnos.

No que se refere à construção do projeto adotivo, foi relatado por Cláudia que transcorridos 15 anos de casamento, surgiu o desejo de ser mãe. Contudo, após o casal realizar uma série de exames médicos, foi atestada a impossibilidade de que ocorresse uma gravidez sem que recorressem a realização de uma FIV (fertilização in vitro). De acordo com relato de Antônio, a descoberta da impossibilidade de ter um filho pela via biológica não foi algo simples: “A médica falou que ela não poderia engravidar, aí Cláudia me falou por telefone e ficou chorando e eu me lembro até hoje. Tipo assim, não foi tranquilo para mim, entendeu? Quando ela me ligou assim chorando, mas o resto depois foi tudo tranquilo. Na verdade, no decorrer do tempo a gente foi descobrindo que o problema não era nem com ela. A gente foi fazer exame e o problema era comigo”.

Cláudia disse que foi um choque descobrir que não poderia engravidar, pois havia grande expectativa familiar sobre sua maternidade, tendo salientado de forma emocionada: “Você não pode engravidar, quando você descobre um troço desse você quer sumir (chorando). A família te cobra o tempo inteiro, as pessoas te cobram, eu venho de uma família grande, sabe aquela coisa “nem para ter filho você serve?”.

A decisão pela adoção, após a revelação de que não poderiam ter filhos pela via biológica, também foi motivada pelo fato de que Cláudia não recebeu bem a ideia de ter que fazer intervenções médicas (fertilização in vitro) para ter um filho biológico: “não me imaginei em cima de uma cama, aí sim, eu descobri que eu não queria engravidar, eu queria ter filhos”. Acrescentou: “Eu estava enfrentando os exames, mas a ideia da adoção foi nascendo naquele momento, eu pensava ‘poxa, e se eu não engravidar, né?’. Aí fui descobrindo que eu não tinha desejo de ter barriga, tinha de ser mãe”. O casal contou que se habilitou à adoção quatro anos após terem pensado inicialmente no assunto. A perda do pai de Cláudia foi avaliada como uma circunstância decisiva para que ela reavaliasse sua vida e não se dedicasse somente ao trabalho, finalmente tomando a iniciativa de iniciar os procedimentos formais para que pudessem ser pais, pela via adotiva.

Desde o início, habilitaram-se para uma adoção tardia, sendo que o perfil inicial para o qual foram judicialmente habilitados era para um grupo de irmãos composto por até três crianças, sem definição de etnia, nem gênero. Quanto à idade, inicialmente, Cláudia queria adotar crianças que estivessem na faixa etária dos cinco aos dez anos de idade e Antônio queria na faixa etária que ele intitulou de “menorzinho, logo que nascesse”. Após chegarem a um consenso decidiram adotar um grupo de irmãos composto por crianças que tivessem de zero a oito anos de idade.

Cinco meses após o início dos procedimentos, o casal estava devidamente habilitado - no ano de 2014. Logo após, Cláudia realizou uma busca ativa nos grupos de apoio à adoção e encontrou aqueles que seriam seus filhos. Descreveu esse momento dizendo que estava no trabalho, utilizando o computador, quando se deparou com a descrição da idade de um grupo de três irmãos precisando de uma família. Então, ela falou para sua colega “oh, achei meus filhos!”. Contou que durante a conversa com a colega acrescentou “são esses aqui, a diferença de idade é de três anos de um para outro, então não tem aquela demanda igual, uma diferença boa”. Contudo, só depois foi informada que eram quatro crianças e não três, como havia solicitado, pois havia uma criança pequena que não estava incluída na descrição inicial. Assim, Cláudia relatou que ligou para o marido e disse: “aí meu bem, tem quatro irmãos para mim” e que ele retrucou, “mas, não eram três?”. Os dois riram na entrevista ao relembrarem esse momento.

No dia 29 de novembro de 2014, realizaram a primeira visita àqueles que seriam seus filhos - no estado de origem das crianças. Após mais dois encontros realizados durante os meses de novembro e dezembro, eles receberam a guarda provisória e levaram para casa as quatro crianças, que na ocasião da adoção tinham dez, sete, quatro e um ano de idade. Assim, do ponto de vista cronológico, os primeiros contatos com as crianças foram propiciados pela equipe da Instituição de Acolhimento e ocorreram em novembro e dezembro de 2014, respectivamente, na própria cidade onde as crianças residiam. Após iniciar o processo de adoção das crianças, Cláudia e Antônio obtiveram autorização para dar início ao estágio de convivência no mês de dezembro, que durou cinco dias, período em que o casal se instalou num hotel da cidade com as crianças e o devido acompanhamento da equipe técnica. Após esse período, no dia dez de fevereiro de 2015, puderam trazer as crianças para casa com eles, obtendo a guarda provisória com fins de adoção.

No que tange às expectativas, Cláudia explicou que desde o momento em que se habilitou não teve preferência em relação às características físicas das crianças esperadas: “Eu não buscava um rosto, eu não buscava uma cor. Eu sabia que eles estavam em algum lugar e eu sabia que eles seriam maiores. Então, não tinha expectativas específicas, tinha o desejo de ser mãe, mas a cara desses filhos, não existia. Não dá para explicar”. Antônio, por sua vez, demonstrou um pouco de dificuldade para falar sobre suas expectativas, destacando as questões práticas, como a preocupação com o preparo da casa e do espaço adequado para receber os futuros filhos, atribuindo isso a sua atuação profissional.

A construção do projeto adotivo: ponto de vista das crianças

Ao apresentar sua perspectiva sobre como se deu seu processo adotivo, a filha mais velha, Lara, enfatizou que se sentiu “muito, muito, muito, muito, alegre”. Não soube detalhar a forma como recebeu a notícia de que havia uma família que gostaria de conhecê-la, mas explicou que morava na casa da família acolhedora quando a psicóloga do abrigo a procurou para falar sobre a possível adoção. Lara contou que falou para a psicóloga “está bom” e que ao vivenciar esse momento se sentiu “normal”, não se estendendo para falar mais sobre tal sentimento. Ao ser perguntada se quis saber detalhes sobre os pais, ela respondeu que “Eu não sou muito de entrar no histórico não, de saber muito não”. Disse que não pensou muito sobre sua nova família, que apenas viu a foto de Cláudia e Antônio em preto e branco e a palavra que utilizou para nomear o que achou deles foi “normal”. Lara detalhou isso dizendo que “eles eram... normal, só que minha mãe (se referindo à Cláudia) tinha o cabelo maior, normal. E meu pai estava normal” e disse que quando viu a foto sentiu a mesma coisa “normal”. Ao responder se gostaria de deixar alguma mensagem às pessoas que desejam adotar, Lara pediu licença, foi ao seu quarto e voltou com uma camiseta. Respondeu à questão lendo a frase escrita na camiseta, de forma sorridente e emocionada: “A mensagem que eu quero deixar é essa frase: ‘Filho adotivo não vem de fora, vem de dentro’. Isso significa que, mesmo se o filho não é seu biológico, mesmo assim você ama ele do mesmo jeito que você amaria seu filho”.

Ao discorrer sobre sua percepção sobre a adoção, Gustavo relatou que não se lembrava do que sentiu quando soube que seria adotado, apenas disse ter sentido medo de ser adotado sozinho e não com seus irmãos. Semelhante à irmã, ele não se lembrava de detalhes de como foi trabalhado com ele as ações ligadas à pré-adoção. Afirmou que a primeira coisa que pensou sobre sua nova família é que “ela morava pertinho da praia” e que ficou muito feliz quando seus pais o levaram à praia pela primeira vez.

Especificamente sobre a percepção que construiu sobre Cláudia, disse que “pensei que ela era do jeito que ela era mesmo, quando ela visitou a gente (sorrindo). Ela era nossa tia, mas virou mãe e com meu pai também, foi do mesmo jeito”. Ao responder se gostaria de deixar alguma mensagem às pessoas que desejam adotar, Gustavo disse “Adoção é boa. Adotar é porque .... porque nunca teve um filho na vida. Os pais ficam feliz, a criança fica feliz.... Por que estava no orfanato há muito tempo, quando ela é adotada, ganha alegria e alegria é muito bom”.

Lucas demorou um pouco para compreender o motivo da entrevista, mas no intuito de oferecer uma pequena explicação adicional sobre a pesquisa, foi dito a ele “Então, qual é o nome disso que seus pais fizeram quando eles foram lá te buscar e disseram: vocês são nossos filhos agora! Agora eu vou levá-los para casa para ficar comigo. É a.....? Ele completou perguntando “Adorar?” e riu muito.

Embora Lucas tenha expressado intenso desejo em se aproximar da pesquisadora, não demonstrou muito interesse em responder às perguntas e empenhou-se em explorar a caixa com itens para desenho. Diante das questões que exploravam sua percepção sobre a adoção, muitas vezes ele respondeu apenas com o silêncio. Mas, conseguiu expor um pouco seus pensamentos sobre o que estava vivenciando no novo lar. Ao ser perguntado sobre quando ficou sabendo que seria adotado, ele fez uma pausa silenciosa e depois se apresentou o seguinte diálogo: Pesquisadora: Quando soube que seria adotado com seus irmãos? Lucas: “Ninguém me falou nada que eu teria uma nova família. Eu morava com minha mãe Luísa”. Pesquisadora: Quem é Luísa, Lucas? Lucas: “Luísa é minha outra mãe, minha mãe, outra”. (Silêncio, ele não quis mais conversar muito sobre o assunto). Pesquisadora: Mas, você não estava com ela quando você veio para cá, né? Lucas: “Não. Eu estava na casa abrigo mesmo”. Pesquisadora: Como você soube que Cláudia viria te conhecer? Lucas: “Eu sinto muita saudade da..... Luísa”. Pesquisadora: É? E você fala isso para alguém? Lucas: “Nunca” (respondeu com expressão triste). A partir desse momento, ele silenciou-se e passou a se envolver em atividades lúdicas, o assunto foi temporariamente deixado de lado. Apenas acrescentou que sua lembrança sobre a primeira vez em que viu Cláudia e Antônio foi relacionada à ideia de que “eles me levaram para lugares muito legais”. Explicando que sua primeira lembrança se referia aos momentos nos quais os pais o levaram para passear no parque e na praia.

Acrescenta-se que, durante as visitas à casa da família, observou-se também que os pais falavam sobre a adoção na frente das crianças e com as crianças, expressando naturalidade a respeito da questão e que a família acolhia as lembranças sobre a mãe biológica. Foi percebido que a mãe se mostrou muito implicada em relação à adoção, relatando sentir-se uma militante nessa causa, falando com convicção sobre o quanto não tolerava preconceitos e considerava a adoção uma via legítima para se constituir uma família. Foi observada também a interação entre os pais e as crianças, tendo ficado evidente, já no primeiro dia da coleta de dados, que Cláudia e Antônio se apresentavam como referência para as quatro crianças, tanto no que se diz respeito aos aspectos ligados aos cuidados práticos quanto aos afetivos.

Discussão

Cecílio e Scorsolini -Comin (2016Cecílio, M. S., & Scorsolini-Comin, F. (2016). Parentalidades adotiva e biológica e suas repercussões nas dinâmicas conjugais. Psicologia: Ciência e Profissão, 36(1), 171-182. DOI: https://doi.org/10.1590/1982-3703003832015
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) destacaram em seu estudo que em se tratando da construção do projeto adotivo realizados por casais, o desejo pela adoção deve ser partilhado entre os dois membros do casal e deve estar consolidado antes mesmo da chegada da criança. Notou-se que no caso de Antônio e Cláudia, eles vivenciaram o projeto adotivo de formas diferentes, o que é analisado por Hamad (2002Hamad, N. (2002). A criança adotiva e suas famílias. Rio de Janeiro, RJ: Companhia de Freud.), ao salientar que apesar de a conjugalidade se sustentar a partir de projetos em comum, não é possível considerar o casal como uma ‘unidade diática’. Schettini et al. (2006Schettini, S. S. M., Amazonas, M. C. L. A., & Dias, C. M. S. B. (2006). Famílias adotivas: identidade e diferença. Psicologia em Estudo, 11(2), 285-293. DOI: https://doi.org/10.1590/S1413-73722006000200007.
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) complementaram essa ideia mencionando que cada cônjuge tem sua história particular, suas expectativas e fantasias em relação ao filho esperado.

Desse modo, a motivação para a adoção é considerada multifacetada, pois em alguns casos os postulantes iniciam um projeto adotivo a partir da descoberta da infertilidade (Giacomozzi, Nicoletti, & Godinho, 2015Giacomozzi, A. I., Nicoletti, M., & Godinho, E. M. (2015). As representações sociais e as motivações para adoção de pretendentes brasileiros à adoção. Psychologica, 58(1), 41-64. DOI: https://doi.org/10.14195/1647-8606_58-1_3 .
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; Rinaldi, 2017Rinaldi, A. A. (2017). Novos arranjos familiares e os múltiplos sentidos da adoção. Revista Antropolítica, 43(2), 101-129. DOI: https://doi.org/10.22409/antropolitica2017.0i43.a41711 .
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), enquanto em outros casos comparece como motivação principal razões altruístas ou humanitárias (Rinaldi, 2017; Young, 2012Young, A. (2012). Choosing intercountry adoption: an Australian study of the motivations and attitudes of intending and recent adoptive parents. Australian Journal of Social Issues, 47(2), 221-241. DOI: 10.1002/j.1839-4655.2012.tb00244.x.
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). A necessidade de transmitir geracionalmente o nome da família também é, para alguns postulantes, um importante componente motivacional do projeto adotivo, além da crença de que ter uma criança contribui com o sentimento de bem-estar e completude (Gibbons & Brown, 2012Gibbons, J. L., & Brown, C. (2012). Modeling adoption attitudes: recalled maternal warmth, affection for children, and parenting motivation. Adoption Quarterly, 15(2), 140-156. DOI: https://doi.org/10.1080/10926755.2012.681597.
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).

Não obstante, no que tange ao casal pesquisado, verificou-se que a principal motivação para que iniciassem um projeto adotivo era o desejo de ter filhos, poder ser pai e mãe, ou seja, derivou de uma concordância entre os cônjuges ao decidirem construir uma família com filhos, aspecto destacado por Cecílio e Scorsolini-Comin (2016Cecílio, M. S., & Scorsolini-Comin, F. (2016). Parentalidades adotiva e biológica e suas repercussões nas dinâmicas conjugais. Psicologia: Ciência e Profissão, 36(1), 171-182. DOI: https://doi.org/10.1590/1982-3703003832015
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). Embora tenha sido observado que Cláudia se mostrou sensível em relação ao histórico das crianças, o altruísmo não se destacou como elemento inicial da motivação do casal na construção do projeto adotivo. O relato da participante também mostrou que a motivação principal não foi baseada na tentativa de apagar a impossibilidade de ter filhos biológicos, mas na compreensão de que ter filhos não se resumia à consanguinidade e à gestação. Assim, pode-se concluir que o projeto adotivo do casal em questão demonstrou também influências multifacetadas, pois embora os temas relativos à infertilidade e ao altruísmo tenham sido explicitados em suas narrativas, o projeto teve como principal alicerce o desejo de ter filhos e de exercer a parentalidade.

Ainda em referência à construção do projeto adotivo por parte dos pais, observou-se que ambos convergiram em relação à definição das características da criança desejada, pois desejavam um grupo de irmãos composto por até três crianças, de qualquer etnia ou gênero. Mas, em relação à idade houve divergência, porque Cláudia expressou desejo de realizar uma adoção tardia, enquanto Antônio preferia adotar crianças menores, se possível recém-nascidas. Não obstante, conseguiram chegar a um consenso de que o desejo deles seria receber crianças que tivessem entre zero a oito anos de idade e ambos consentiram em receber Lara, que tinha idade superior a oito anos, na ocasião do início da convivência.

Hueb e Cecílio (2015Hueb, M. F. D., & Cecílio, M. S. (2015). A preparação dos postulantes à adoção é (in) suficiente? A experiência de uma adoção inter-racial de grupo de irmãos. In: F. Scorsolini-Comin, A. K. Pereira, & M. L. T. Nunes. Adoção: legislação, cenários e práticas (p. 161-184). São Paulo, SP: Vetor.) analisam que em casos em que há divergências em relação ao perfil da criança e/adolescente a ser adotada durante a construção do projeto adotivo, a participação no curso preparatório e, principalmente, a presença do respeito pelos sentimentos e desejos do outro auxilia em uma tomada de decisão conjunta que contemple as possibilidades e impossibilidades de cada um dos postulantes. Essa negociação pôde ser observada com Cláudia e Antônio, ao buscarem uma concordância em relação às suas expectativas quanto à nova família que estavam planejando.

No que se refere à análise dos resultados obtidos junto às crianças, salienta-se que a concretização da adoção apresenta para a criança e/ou adolescente que está sendo adotada uma grande transição, não só do ponto de vista ambiental como também psicológico, uma vez que a criança e /ou adolescente inserida em nova família vivencia rupturas e recomeços (Guimarães, 2015Guimarães, L. A. (2015). Escuta da criança no processo de adoção: procedimentos e direitos. In: F. Scorsolini-Comin, A. K. Pereira, & M. L. T Nunes.. Adoção: legislação, cenários e práticas(p. 125-147). São Paulo, SP: Vetor.). Peiter (2011Peiter, C. (2011). Adoção: vínculos e rupturas do abrigo à família adotiva. São Paulo, SP: Zagodoni.) afirma ainda que o ingresso da criança e/ou adolescente em uma nova família introduz um tipo de descontinuidade histórica em sua vida, assim, devido a tal ruptura, considerou-se importante abordar com a criança a temática do projeto adotivo, dentro de suas possibilidades narrativas, no sentido de compreender a maneira como cada uma das crianças vivenciou a saída de seu contexto anterior para a nova família.

Em relação a esta questão, foi observado que as três crianças encontraram dificuldades para discorrer de forma detalhada sobre a maneira como vivenciaram o início do projeto adotivo. Tal tema demonstrou ser um ponto sensível para as crianças, pois elas não demonstraram as mesmas dificuldades em relação a outros questionamentos realizados durante a pesquisa.

No entanto, pode-se pontuar pelas descrições de Lara e Gustavo que ambos foram participantes da construção do projeto adotivo, ao aceitarem e expressarem de forma positiva o momento de aproximação do casal. Lara afirmou que desejou fazer parte da nova família ao relatar que se lembrava do momento de aproximação com Cláudia e Antônio e da foto que os profissionais do abrigo mostraram para ela. Suas narrativas indicaram consentimento com a adoção, pois Lara respondeu positivamente quando os profissionais do abrigo a consultaram sobre o assunto. Já Gustavo relatou sentimentos positivos em relação ao encontro ocorrido no parque com aqueles que seriam seus novos pais. Demonstrou, como a irmã, uma postura ativa na construção do projeto adotivo ao aceitar a aproximação entre ele e o casal, considerando, assim, a possibilidade de inserção nessa nova família. Contente et al. (2013Contente, S. R., Cavalcante, L. I. C., & Silva, S. S. C. (2013). Adoção e preparação infantil na percepção dos profissionais do juizado da infância e juventude de Belém/PA. Temas em Psicologia, 21(2), 317-33. DOI: http://dx.doi.org/10.9788/TP2013.2-02
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) afirmam que o fato de ser oportunizado que a criança expresse seu desejo de iniciar, por vontade própria, um novo vínculo familiar contribui com o processo de adaptação da criança à nova família e tal oportunidade é considerada muito importante em estudos sobre filiação adotiva (Fernandes & Santos, 2019Fernandes, M. B., & Santos, D. K. (2019). Sentidos atribuídos por pais adotivos acerca da adoção tardia e da construção de vínculos parento-filiais. Nova Perspectiva Sistêmica, 28(63), 67-88. DOI: https://doi.org/10.38034/nps.v28i63.433.
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; Gomes & Levy, 2016Gomes, I. C., & Levy, L. (2016). A Psicanálise vincular e a preparação de crianças para a adoção: uma proposta terapêutica e interdisciplinar. Contextos Clínicos, 9(1), 109-117. DOI: http://dx.doi.org/10.4013/ctc.2016.91.09.
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).

Sobre a participação das crianças e/ou adolescentes na construção de um projeto adotivo, é comum que, ao longo da trajetória de vida das crianças e adolescentes adotados, eles circulem de um contexto para outro, submetidos às decisões dos adultos, de maneira impotente, de forma que a criança e/ou adolescente tem pouca ou nenhuma oportunidade de construir um projeto adotivo efetivamente (Guimarães, 2015Guimarães, L. A. (2015). Escuta da criança no processo de adoção: procedimentos e direitos. In: F. Scorsolini-Comin, A. K. Pereira, & M. L. T Nunes.. Adoção: legislação, cenários e práticas(p. 125-147). São Paulo, SP: Vetor.). No que se refere às crianças em questão, pode-se constatar que a narrativa das duas crianças maiores ilustra que elas, ao menos, tiveram oportunidade de expressar o desejo de serem, ou não, adotadas. Contudo, tanto Lara quanto Gustavo trouxeram poucos elementos no que se refere a uma efetiva preparação para adoção, o que dá sinais de que, conforme estudos sobre a temática apontam, a construção do projeto adotivo é mais trabalhada com os adotantes do que com os que estão na iminência de serem adotados.

Em relação ao irmão mais novo, verificou-se que Lucas não falou abertamente sobre o momento inicial da adoção e que suas respostas relativas ao momento anterior à aproximação com a nova família foram atreladas à lembrança da mãe biológica. Entretanto, mesmo sem expressar com mais detalhes como foram as primeiras aproximações com o pai e a mãe, os relatos dele demonstraram que um ponto comum entre Lara, Gustavo e Lucas, no que se refere à percepção do processo adotivo, é que os três expressaram o quanto se sentiram acolhidos pelo casal e bem-vindos no novo lar, desde o início.

Em relação à menção de Lucas sobre a mãe biológica, analisa-se que ao trazer as duas referências ao mesmo tempo, da aproximação com os pais atuais e da saudade da mãe biológica, pode-se considerar que a criança estava ainda tentando integrar suas vivências pregressas com as atuais. Foi observado que ele parecia se sentir livre para falar sobre a mãe biológica quando tinha vontade, o que sinalizava um aspecto facilitador dessa integração entre passado e presente. No que se refere à questão da transição vivenciada pela criança e/ou adolescente no contexto da inserção em uma nova família, quando há aceitação do passado da criança e/ou adolescente de forma respeitosa, tal atitude parental facilita a integração da criança e/ou adolescente à nova família (Fernandes & Santos, 2019Fernandes, M. B., & Santos, D. K. (2019). Sentidos atribuídos por pais adotivos acerca da adoção tardia e da construção de vínculos parento-filiais. Nova Perspectiva Sistêmica, 28(63), 67-88. DOI: https://doi.org/10.38034/nps.v28i63.433.
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; Gomes & Levy, 2016Gomes, I. C., & Levy, L. (2016). A Psicanálise vincular e a preparação de crianças para a adoção: uma proposta terapêutica e interdisciplinar. Contextos Clínicos, 9(1), 109-117. DOI: http://dx.doi.org/10.4013/ctc.2016.91.09.
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). Verificou-se que Cláudia e Antônio acolhiam as lembranças de Lucas e respeitavam a saudade que ele mostrava do pouco que se lembrava da mãe biológica.

Destarte, observou-se que as narrativas das crianças reafirmam a importância de que na fase da pré-adoção haja maior investimento na preparação das crianças e adolescentes que estão na iminência de vivenciar a inserção em uma nova família, como apontam os pesquisadores da temática (Alvarenga & Bittencourt, 2013Alvarenga, L. L., & Bittencourt, M. I. G. F. (2013). A delicada construção de um vínculo de filiação: o papel do psicólogo em processos de adoção. Pensando Famílias, 17(1), 41-53.; Contente et al., 2013Contente, S. R., Cavalcante, L. I. C., & Silva, S. S. C. (2013). Adoção e preparação infantil na percepção dos profissionais do juizado da infância e juventude de Belém/PA. Temas em Psicologia, 21(2), 317-33. DOI: http://dx.doi.org/10.9788/TP2013.2-02
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; Guimarães, 2015Guimarães, L. A. (2015). Escuta da criança no processo de adoção: procedimentos e direitos. In: F. Scorsolini-Comin, A. K. Pereira, & M. L. T Nunes.. Adoção: legislação, cenários e práticas(p. 125-147). São Paulo, SP: Vetor.; Gomes & Levy, 2016Gomes, I. C., & Levy, L. (2016). A Psicanálise vincular e a preparação de crianças para a adoção: uma proposta terapêutica e interdisciplinar. Contextos Clínicos, 9(1), 109-117. DOI: http://dx.doi.org/10.4013/ctc.2016.91.09.
https://doi.org/10.4013/ctc.2016.91.09...
).

Considerações finais

A partir da análise dos resultados observou-se que a construção de um projeto adotivo demarca a possibilidade de que tanto os pais quanto os filhos possam ter um tempo de elaboração e preparação no que se refere ao início de uma nova convivência, marcada não só por expectativas, mas também por receios e inseguranças. Considera-se que ao buscar conhecer melhor o ponto de vista não só dos adultos, mas também das crianças, este estudo contribuiu para ampliar o conhecimento a respeito da vivência da criança no que se refere à iminência da inserção em uma nova família. Desse modo, assumiu um relevo especial a necessidade de que se priorizem ações de pré-adoção também junto a quem aguarda para ser adotado, e não apenas junto a quem deseja adotar.

Verificou-se, contudo, que apesar da revisão de literatura enfatizar a importância do espaço de preparação dos postulantes no que se refere à construção de um projeto adotivo sólido e balizado no desejo de exercer a parentalidade, o casal pesquisado não destacou a preparação para habilitação à adoção como algo que os auxiliou a desenvolver recursos emocionais para lidar com os desafios que enfrentaram ao longo da adaptação com seus novos filhos. Esses resultados despertam reflexões sobre a efetividade dos cursos de preparação para adoção na construção e concretização do projeto adotivo.

Reitera-se, assim, a importância do desenvolvimento consistente de políticas públicas que envolvam ações de preparação voltadas para toda a família, no sentido de favorecer reflexões sobre a construção de um vínculo familiar no contexto adotivo, de forma que tanto os pais quanto os filhos se sintam ajudados, por esses processos de preparação, para lidarem com os desafios que podem se apresentar durante a delicada construção do vínculo familiar.

Por se tratar de um estudo de caso qualitativo, com número reduzido de participantes, considera-se importante também que um número maior de famílias tenha a oportunidade de revelar seus sentimentos e percepções acerca do projeto adotivo, com a finalidade de obtenção de resultados que possam ampliar o conhecimento sobre o tema.

Pelo exposto, alerta-se para a relevância de que sejam realizadas mais pesquisas sobre as particularidades que permeiam a construção de um projeto adotivo, de forma a produzir subsídios aos profissionais das equipes multidisciplinares que lidam com as famílias em processo de adoção, ampliando a possibilidade de oferecer suporte aos adotantes e adotandos no momento da pré-adoção.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    23 Jul 2019
  • Aceito
    25 Jan 2021
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