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Inventando o prazer de trabalhar na escola<a name=n1></a>

RESENHAS

Inventando o prazer de trabalhar na escola1 1 Brito, J., Barros, M. E., Neves, M. Y.& Athayde, M.(Orgs) (2001) Trabalhar na escola? "Só inventando o prazer". Rio de Janeiro: Edições IPUB/UFRJ.

Rita de Cássia Ramos Louzada

Professora do Departamento de Psicologia Social e do Desenvolvimento-UFES. Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Psiquiatria e Saúde Mental - IPUB/UFRJ

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Rita de Cássia Ramos Louzada Av Venceslau Braz, 71 fundos. Botafogo. Rio de Janeiro. E-mail: ritacrl@uol.com.br

Funcionários-residentes, merendeiras, professoras. Em meio a esses trabalhadores, os autores deste livro circulam e terminam por produzir um saber específico, construído a partir de um volume de informações sobre o mundo escolar raramente encontrado.

O livro apresenta em seu subtítulo a fala de uma entrevistada - “Só inventando o prazer” - o quea partir daí já deixa claro o caminho escolhido para a construção desse saber: a parceria constante com os próprios trabalhadores, com os quais os autores constituem uma “comunidade ampliada de pesquisa”.

O livro está organizado em três partes, com artigos que abordam a formação em educação, a importância do grupo como dispositivo de produção de conhecimento na escola e, por último, pesquisas que abordam a saúde dos trabalhadores.

A formação é discutida nas suas relações com o processo de precarização do trabalho. Neves e Seligmann-Silva, por exemplo, ouvindo as falas da professora, puderam mostrar quanto a idéia de “vocação” para a atividade é inadequada. Ressaltam a teia de relações, trajetórias de vida e trabalho que promove um processo que chamam “tornar-se professora”.

Num outro texto, o processo ensino-aprendizagem é pensado por Nunes, Brito e Athayde, com foco nas atividades de merendeiras-serventes. Na certeza de que aquele processo é muito mais amplo do que as disciplinas dadas em sala de aula, incluem o fazer dessas trabalhadoras nas atividades educativas. Assim, é interessante notar que, através dos relatos, foi possível aos autores perceber que essas funcionárias conhecem cada um dos alunos por elas atendidos, identificam seus hábitos alimentares, constroem formas lúdicas de servir a refeição, identificam as necessidades de adaptar o cardápio etc. Apesar do reconhecimento de que desenvolvem atividades educativas, os autores constatam que “tanto merendeiras como serventes percebem várias coisas que acontecem com os alunos e não têm espaço para falar, um espaço de troca quanto ao que é necessário ao trabalho” (p. 58).

Numa outra perspectiva, Barros reflete teoricamente sobre a formação através da constituição de grupos. Considerando as mudanças no mundo do trabalho, elabora um histórico dos grupos nas organizações e identifica os autores que trabalharam o tema (Lewin, Mayo etc). Diferentemente desses autores, em sua visão o grupo deve ser tomado como dispositivo e não como mais uma técnica. A formação deve ser entendida como prática, heterogênea, “produto de forças em luta permanente”, que só podem ser abordadas a partir da interface formação/subjetividade/trabalho.

Pensando os processos que constituem o homem na contemporaneidade, Heckert e colaboradores estudam as “sutilezas dos processos de grupo e a formação” no contexto das escolas públicas de Vitória – ES. Ressaltam que privilegiar o grupo para a análise tem relação com uma recusa dos processos de formação da “forma-sujeito-capitalista”. Ao fazer pensar sobre as “novas formas de gerenciamento das políticas educacionais”, as autoras nos alertam para uma certa confusão entre as estratégias de “formação permanente” e a garantia da produtividade na escola (através de índices de aprovação, evasão etc). Contrárias a essa tendência, as autoras sublinham a necessidade de processos de formação que considerem os movimentos de invenção permanentes na escola.

Num outro artigo são abordadas as oficinas de saúde do SEPE (Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro), que são realizadas com o objetivo de construção de conhecimento em saúde. Aqui o referencial é Gramsci e o modelo operário italiano. O processo educativo que se realizou nesse tipo de grupo de discussão (com sindicalistas, merendeiras e serventes) relacionou-se com a possibilidade de produzir, dialogicamente, um conhecimento sobre as relações entre saúde e trabalho e as defesas possíveis.

A articulação entre gestão administrativa e a saúde dos docentes no município de Vitória – ES é feita por Heckert e colaboradores. Comparando duas gestões distintas (89/92 e 95/97) e entrevistando educadores do ensino fundamental, as autoras chegaram a resultados que ratificam as inquietações iniciais da pesquisa: os “novos” modos de gestão dos sistemas públicos de educação têm produzido impactos na saúde dos profissionais. Como conseqüência desse achado, os autores se perguntam sobre a função da licença médica nesse quadro de mudanças.

A questão da readaptação profissional também é abordada em dois outros capítulos que, de uma maneira ou de outra, retratam a dificuldade em efetivamente rearranjar as atividades das trabalhadoras adoecidas na escola, o que envolve a atuação de peritos, diretores de escola e colegas de trabalho. Além disso, pela via dos readaptados, é possível ver o que faz adoecer: os estudos revelam claramente quão comprometidos se encontram os trabalhadores da educação, incluindo avaliações bastante pessimistas do tempo de atividade em determinadas categorias.

De maneira geral a leitura do livro nos demonstra a riqueza existente nas atividades cotidianas da escola e as vicissitudes desse trabalho dos que “inventam o prazer”. Demonstra também que é possível criar, resistir e continuar lutando, pois, em tempos de cobrança de produtividade e supervalorização de avaliações estanques no mundo escolar, nada como voltar ao mundo real e olhar os processos.

Recebido em 23/09/2003

Aceito em 30/10/2003

  • Endereço para correspondência

    Rita de Cássia Ramos Louzada
    Av Venceslau Braz, 71 fundos. Botafogo. Rio de Janeiro.
    E-mail:
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    Brito, J., Barros, M. E., Neves, M. Y.& Athayde, M.(Orgs) (2001) Trabalhar na escola? "Só inventando o prazer". Rio de Janeiro: Edições IPUB/UFRJ.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Mar 2004
    • Data do Fascículo
      Dez 2003
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