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editorial

EDITORIAL

Maria Lúcia Boarini

Finalmente atravessamos a soleira do século. Está encerrada a polêmica sobre quando seria o término de um e o início do outro. Esquecidos os mal entendidos, cá estamos e nos tornamos Homens do Século XXI. À parte o significado que este fato tem para a Astronomia, a Geografia e áreas afins, e observando mais detidamente o microcosmo do nosso cotidiano, aparentemente nada se alterou. Continuamos levantando cedo ou mais tarde, partindo para o trabalho ou em busca dele, voltando cansados e refazendo-nos para o próximo dia. E, como diz a iluminada literata Clarice Lispector, "a gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta de tanto se acostumar..."

Mas a crueza do cotidiano não desfaz o clima que se instala na proximidade de uma data comemorativa, principalmente quando se trata da transição do século. Que se dirá do milênio! Realmente, desta situação não saímos ilesos. É inegável o reavivar das esperanças, a necessidade estimuladora da definição de rumos, a preparação para uma nova viagem. E nós, por opção, para esta viagem nos inscrevemos.

Para tanto, preparamos nossa revista Psicologia em Estudo. Novo design, nova diagramação, mais cores, e, como sempre, novos e bons companheiros. Aliás, nem sempre tão novos. O Dr. Di Loreto, novamente e para nossa delícia, traz uma reflexão sobre uma importante faceta de sua experiência profissional: o abandono do atendimento psicológico. Para os profissionais da área, principalmente para os iniciantes, este tema provoca arrepios. É uma "faca de dois gumes", como diz a sabedoria popular. Ao abandonar o atendimento, o cliente, que foi em busca de solução de um problema, cria outro, para o terapeuta: a culpa e o sentimento de incompetência que a acompanha. O artigo intitulado Cartório de Freud, de autoria de Oswaldo Dante Milton di Loreto, seguramente traz um alento para esta dor.

Observada sob outro prisma, a categoria problema também é avaliada. Fundamentando-se nas contribuições teóricas de Gilles Deleuze e Félix Guattari, Virginia Kastrup, através do artigo Aprendizagem, arte e invenção nos oferecem uma interessante forma de apreender o significado do fenômeno aprendizagem, que não é uma mera passagem do não-saber ao saber, mas uma "invenção de problemas". E, como tal, é denominada "aprendizagem inventiva". Neste processo, os signos (e aqui se destaca a linguagem) têm uma função muito importante.

Para discutir a linguagem e seu estilo comparece à "nossa roda" Silvia Tedesco, com seu trabalho Estilo-subjetividade: o tema da criação nos estudos da psicologia da linguagem. É também no terreno da subjetividade que José Novaes incide sua análise, e através do seu artigo Um episodio de produção de subjetividade no Brasil de 1930: Malandragem e Estado Novo nos aponta a força política como determinante na criação de novas mentalidades, e da subjetividade da cultura.

Movendo-se para o terreno da objetividade, Claudia Cunha, em seu artigo Padrões de condutas de aprendizagem por conflitos sócio-cognitivos assinala, entre outras questões, a eficácia do conflito sócio-cognitivo na promoção da aprendizagem. Ainda tratando de aprendizagem, Maria Aparecida Trevisan Zamberlan e Vanessa Alessandra Thomaz Boiko, adotando como lente teórica os estudos de Vygotsky, ressaltam a importância do lúdico no trabalho pedagógico na pré-escola. Tais idéias podem ser conferidas no artigo A perspectiva sócio-construtivista na Psicologia e na Educação.

Em tempos de tantas queixas de violência e indisciplina escolar, o artigo Construção e validação de conteúdo da escala de percepção de professores dos comportamentos agressivos de crianças na escola, de autoria de Silvia Helena Koller e Carolina Saraiva de Macedo Lisboa, traz a público a construção e a validação de um instrumento que possibilita avaliar a percepção dos professores, no que se refere a comportamentos agressivos de crianças na escola. Refletindo sobre comportamento infantil e acidentes nesta faixa etária, Sarah Anna Macieira e Hellen Carla Rickli apresentam suas reflexões sob o título Morbidade na criança e lesões irreversíveis ocasionadas por material de limpeza.

E neste mundo onde a forma de trabalho altera-se em progressão geométrica e o não-trabalho é uma constatação, Jorge Castellá Sarriera e Sheila Gonçalves Câmara trazem os resultados de sua investigação, que avaliou os critérios que os empregadores adotam para a seleção de candidatos adolescentes. Tais resultados podem ser conferidos no artigo Critérios de seleção para o trabalho de adolescentes-jovens.

Temos também presentes nesta edição Rodrigo Sanches Peres, apresentando a resenha O papel das representações psíquicas no processo de somatizaçao; Rita de Cássia Ramos Louzada, com a resenha Captação de contratos: atividade informal entre pesquisadores contratado; e Juliano Correa da Silva, com a resenha Indisciplina escolar: a queixa da atualidade. Na seção Resumos de Teses e Dissertações temos as indicações de leitura do trabalho de pós-doutorado Estudo do Burnout em um grupo de psicólogos que trabalham no município de Madrid, de autoria de Ana Maria Teresa Benevides Pereira e das seguintes dissertações de mestrado: As narrativas de crianças em interação na pré-escola: uma investigação de seus conhecimentos, de autoria de Elizabeth Lima; Vida no campo: trabalho e sofrimento dos rurícolas, de autoria de Jorge Manoel Mendes Cardoso; Cooperativas de trabalho: um estudo sobre as competências pessoais e profissionais dos associados, de autoria de Paulo Cesar Seron; A figura humana na pintura moderna: alternativa para a Psicologia e a Educação entenderem o homem, de Sonia Mari Shima Barroco.

Por fim,Maria Amélia Azevedo comparece nesta edição com o relato de experiência Educação à distancia: o combate à violência doméstica contra crianças e adolescentes – uma experiência bem-sucedida. Compõem ainda esta edição a publicação da Resolução CFP n. 016/2000, de 20 de dezembro de 2000, que dispõe sobre a realização de pesquisa em Psicologia com seres humanos.Tal inclusão se justifica pela necessidade de "expandir os artigos referentes à ética na pesquisa", como salienta o Conselho Federal de Psicologia. Como disse o grande pensador brasileiro Milton Santos (1927-2001), a quem saudosamente dedicamos a nossa homenagem, "cada época tem suas verdades e cria os seus mitos. A época atual é, por definição, mitológica, e dificulta o encontro da verdade"1 1 Santos, Milton - Guerra dos lugares. Folha de S.Paulo. Caderno Mais! 8 de agosto de 1999. p. 3 . A concordar com Milton Santos, a nossa empolgação própria do início de uma nova era não exclui a necessidade de manter vivo o discernimento.

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    Santos, Milton - Guerra dos lugares. Folha de S.Paulo. Caderno Mais! 8 de agosto de 1999. p. 3
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Fev 2011
    • Data do Fascículo
      Jun 2001
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