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Juventudes e Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida: Tramas e Versões de Existir

Youths and Socio-educational Measure of Assisted Freedom: Plots and Versions of Existing

Juventud y Medida Socioeducativa de Libertad Asistida: Tramas y Versiones de Existir

Resumo

O percurso experimentado por jovens que praticam atos infracionais está longe de ser aquele explorado pelos discursos menoristas e culpabilizantes, isto é, de uma vida perversa e perigosa. Com efeito, muitos fatores entram em jogo, a exemplo da vida familiar, dos vínculos afetivos que, na situação de marginalidade, medeiam sua relação com as drogas e com o crime, mas também permitem novas conexões e um contínuo florescer. A partir dos pressupostos teóricos e metodológicos da Teoria Ator-Rede e da Cartografia, ampliando a visão estatístico-jurídica das infrações juvenis e obsoletando as lógicas individualizantes e causais, este artigo pretende discutir juventude e ato infracional, sua relação com as Medidas Socioeducativas (MSE) de Liberdade Assistida (LA) e dar visibilidade aos atores que compõem as redes historiais desses sujeitos, bem como dar mais atenção aos meandros que compõem essas conexões e seus coengendramentos. A história de vida singular de Yasmim exemplificará, de certo modo, os obstáculos e agruras que estão emaranhadas na rede estabelecida pelos adolescentes em cumprimento de LA, bem como as tentativas, os esforços e as resistências que se engendram numa constante (re)construção de vida. Este estudo possibilitou uma melhor compreensão dos processos que se tecem para a configuração do ato considerado ilícito.

Palavras-chave:
Juventudes; Liberdade assistida; Teoria ator-rede; Ato infracional

Abstract

The journey of young people who practice infractions experience is far from being that exploited by discourses of the minor and the guilty, of a perverse and dangerous life. In fact, many factors come into play, like family life, affective bonds that, in a marginal situation, mediate their relationship with drugs and crime, but also allow new connections and a continuous flourishing. Based on the theoretical and methodological assumptions of the Actor-Network Theory and Cartography, expanding the statistical-legal view of juvenile infractions and making obsolete the individualizing and causal logics, this article intends to discuss youth and infractions act, their relationship with the Socio-educational Measures (MSE) of Assisted Freedom (AF) and give visibility to the actors that make up these subjects’ historical networks, as well as shine a light on the intricacies that make up these connections and their engenderings. Yasmim’s singular life history will exemplify, in a certain way, the obstacles and hardships that are entangled in the network established by adolescents in compliance with AF, as well as the attempts, efforts, and resistances that are engendered in a constant (re)construction of life. This study allowed a better understanding of the processes that are woven to configurate the act considered illicit.

Keywords:
Youth; Assisted Freedom; Actor-Network Theory; Infraction Act

Resumen

El recorrido que experimentan los jóvenes que practican infracciones está lejos de ser el utilizado por los discursos minoristas y culpables, es decir, aquel de una vida perversa y peligrosa. De hecho, entran en juego muchos factores, como el de la vida familiar, los lazos afectivos que, en una situación marginal, median su relación con las drogas y la delincuencia, pero también permiten nuevas conexiones y un florecimiento continuo. A partir de los supuestos teóricos y metodológicos de la Teoría Actor-Red y Cartografía, que amplían la visión estadístico-jurídica de las infracciones juveniles y dejan obsoletas las lógicas individualizadoras y causales, este artículo pretende discutir la juventud y el acto infraccional, su relación con las Medidas Socioeducativas (MSE) de Libertad Asistida (LA), además de dar visibilidad a los actores que conforman las redes históricas de estos sujetos y los meandros de estas conexiones y sus engendraciones. La historia de vida singular de Yasmin puede ejemplificar y exponer, en cierto modo, los obstáculos y dificultades que se enredan en la red establecida por los adolescentes en cumplimiento de LA, así como los intentos, esfuerzos y resistencias que se engendran en una (re)construcción constante de la vida. Este estudio propició una mejor comprensión de los procesos que se tejen para configurar el acto considerado ilícito.

Palabras clave:
Juventud; Libertad Asistida; Teoría Actor-Red; Acto Infracional

Introdução

Jovens que praticam atos infracionais, em sua maioria, partilham histórias de vida densamente associadas à ausência de políticas de Estado que favoreçam seu desenvolvimento integral enquanto sujeitos. No entanto, o percurso que experimentam está longe de ser aquele explorado pelos discursos causais, de uma vida sucessiva de crimes. Com efeito, muitos fatores entram em jogo, a exemplo da vida familiar, dos vínculos afetivos que, na situação de marginalidade, medeiam sua relação com as drogas e com o crime, e outras experiências por meio dos quais os sujeitos se engendram. É importante observar, por meio de um referencial teórico e metodológico que vise essa multiplicidade de fatores, como os percursos singulares se conectam.

O que leva o adolescente ou jovem1 1 A adolescência é tida como dos 12 aos 18 anos segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (Brasil, 1990). Já a ideia de “jovem” é categorizada como um sujeito entre 15 a 29 anos pelo Estatuto do Jovem (Brasil, 2013) Portanto, são faixas de idade diferentes, mas que serão utilizadas como sinônimos nesse escrito, pois uma Medida Socioeducativa pode ser cumprida dos 12 aos 21 anos o que abarca ambas as classificações etárias. a praticar o ato infracional? Trata-se de uma escolha individual baseada na ideia de autonomia? Questionamentos esses torrenciais, calcados em pressupostos muito apreciados pela ciência tradicional, como a ideia de causalidade ou de efeitos dialéticos. No entanto, é necessário considerar a complexidade que envolve tanto a produção de sujeito quanto do ato, o que implica um plano coletivo de forças que estão em movimento, agenciando e conectando atores heterogêneos em diversas redes sociotécnicas. Tais elos produzem ações, sujeitos e modos de estar no mundo. Nessa direção, trata-se de fazer outros questionamentos: quem são esses sujeitos? A quais redes estão vinculados? Que elos os vinculam a outros atores e rede? O que os faz agir?

A contemporaneidade se mostra como a vivência da justaposição, do simultâneo e, de acordo com Parente (2013Parente, A. (2013). Enredando o pensamento: Redes de transformação e Subjetividade. Parente A. (Org.). Tramas da Rede: novas dimensões filosóficas, estéticas e políticas da comunicação. Sulina.), como uma época em que as relações estão emaranhadas ou tramadas em rede. Assim posto, quanto mais complexos os fenômenos, mais demandam um pensamento enredado para a compreensão dos múltiplos fatores que neles intervêm. Por isso, os pressupostos da Teoria Ator-Rede (Latour, 1994Latour, B. (1994). Jamais fomos modernos. Editora 34., 2001">Latour, B. (2001). A Esperança de Pandora. EDUSC., 2012">Latour, B. (2012). Reagregando o social: Uma introdução à Teoria do Ator-Rede. EDUSC.) somados ao método da Cartografia (Passos, Kastrup, & Escóssia, 2009Passos, E., Kastrup, V., & Escóssia, L. (2009). Pistas do método da cartografia 1: pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Sulina.) nos pareceram os mais adequados e, portanto, orientaram nosso processo de pesquisa e escrita.

Nesses meandros, pretendemos discutir juventude e ato infracional, sua relação com as Medidas Socioeducativas (MSE) de Liberdade Assistida (LA) e dar visibilidade a atores que compõem as redes historiais desses sujeitos, os quais, de certa maneira, apresentam conexões similares em seus engendramentos. Recusando qualquer pretensão de generalização, porém, será dada visibilidade para uma vida em afetação: a da jovem Yasmim. “Yasmim” é o nome fictício da jovem de 16 anos que cumpria tal medida socioeducativa e que fez diversos movimentos para viver.

A discussão deste artigo está baseada na pesquisa de mestrado intitulada Adolescência e Ato Infracional: cartografias de processos de subjetivação de adolescentes em Medida de Liberdade Assistida, finalizada em 2017 e vinculada ao Programa de Pós-graduação stricto sensu em Políticas Sociais e Dinâmicas Regionais da Universidade Comunitária da Região de Chapecó - Unochapecó, com apoio do Programa de Bolsas de Pós-Graduação Uniedu e Fundo de Apoio à Manutenção e ao Desenvolvimento da Educação Superior (Fumdes). Tal pesquisa tinha como objetivo principal “analisar processos de subjetivação que se configuram no cumprimento de medida de Liberdade Assistida por adolescentes”2 2 Parecer Consubstanciado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, número do CAAE: 55241416.6.0000.0116. . Nesse processo, travamos contato com histórias e modos de vida que se apresentam relevantes para o atual trabalho.

Considera-se que escrever sobre modos de existir de jovens em cumprimento de Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida é um dos modos de reafirmar falas desses sujeitos e expor experiências de seu cotidiano, dando visibilidade às suas experiências, às redes a que se vinculam, possibilitando reflexões acerca de suas necessidades, de maneira que possam contribuir para pensar realidades e a construção de políticas públicas que levem em conta singularidades de pessoas e o contexto em que vivem.

Na primeira parte deste artigo, vamos apresentar rapidamente caminhos teóricos e metodológicos assumidos; já na segunda parte abordaremos fragmentos das vivências singulares de Yasmim, a qual se estabelece como um modo para pensar as histórias de outros jovens em LA, bem como os agenciamentos e redes que se perfazem na produção de sujeitos em situação de ato infracional e, para finalizar, teceremos algumas considerações, retomando pontos nodais que se destacam no texto.

Os caminhos e as teorias substanciais da pesquisa

Afetar, vincular, conectar são verbos que expressam uma possibilidade outra de produção de conhecimento que escapa das formas tradicionalistas e engessadas, indicando um movimento capaz de performar em um campo de pesquisa pautado pelo encontro, nos ensina Favret-Saada (2005Favret-Saada, J. (2005). Être Affecté. Gradhiva: Revue d’Histoire et d’Archives de l’Anthropologie, 8(13), 3-9. Disponível em: https://www.persee.fr/doc/gradh_0764-8928_1990_num_8_1_1340
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). Vínculos foram tecidos para que fosse mobilizada a possibilidade dessa escrita, isto significa apontar que as afetações movimentaram saberes, corpos, práticas, produzindo uma rede que faz-fazer (Latour, 2015">Latour, B. (2015). Faturas/fraturas: Da noção de rede à noção de vínculo. Ilha.). Conforme afirmam Miranda e Mourão (2016Miranda, L. L., & Mourão, L. C. C. (2016). Escrever COM: o que isso (re)significa? Rev. Polis e Psique. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rpps/v6n1/n6a13.pdf
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), a pesquisa se forma no entre (pesquisadora - jovens), um entre composto por práticas discursivas e não discursivas não estabelecendo uma totalidade fechada, colocando em evidência alguns dos “entrecruzamentos”, algumas afetações que emergem numa dimensão processual.

Pesquisar pressupõe desejos, encontros ou mesmo a experiência de disponibilidade como trata Despret (2011Despret, V. (2011). Os dispositivos experimentais. Fractal: Revista da Psicologia, 23(1), 43-58. https://doi.org/10.1590/S1984-02922011000100004
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), isso significa estar disposto a se vincular; como diria Latour (2012">Latour, B. (2012). Reagregando o social: Uma introdução à Teoria do Ator-Rede. EDUSC.), aplainar o campo para que os atores possam desenhar o relevo. Devido à possibilidade de acompanhamento dos sujeitos de pesquisa - por uma das autoras deste artigo - como psicóloga do Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e Prestação de Serviços à Comunidade (PSC) de um município de grande porte3 3 Tal Serviço é oferecido sob responsabilidade do governo municipal por meio dos Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) como um serviço de média complexidade do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e que tem como propósito contribuir, por meio das Medidas Socioedeucativas, para o acesso à direitos e para a mudança de valores pessoais e sociais de adolescentes em situação de ato infracional. O Art. 103 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Brasil,1990, p. 33) considera “ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal” e as medidas aplicadas podem ser de advertência, reparação do dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semiliberdade e internação. e, por já conhecer minimamente alguns contextos, a Cartografia se apresentou como um método de pesquisa coerente e potencializador.

Proposta por Deleuze e Guattari (1995Deleuze, G.; & Guattari, F. (1995). Introdução: Rizoma. In Deleuze, G.; & Guattari, F. Mil platôs: Capitalismo e esquizofrenia. Editora 34.), a Cartografia se estabelece como um modo de pesquisa-intervenção que tem como objetivo a desnaturalização das práticas, dos conceitos, dos olhares, tendo a mudança como consequência do estabelecimento de uma outra relação entre sujeito e objeto do conhecimento e não busca pelo desvelar de uma natureza preexistente.

Kastrup e Passos (2013Kastrup V.; & Passos, E. (2013). Cartografar é traçar um plano comum. Fractal: Revista de Psicologia, 25(2), 263-280. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/fractal/v25n2/04.pdf
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); Barros e Kastrup (2010Barros, L. P., & Kastrup, V. (2010). Cartografar é acompanhar processos. In Passos, E.; Kastrup, V., & Escóssia, L (Orgs.). Pistas do método da cartografia: pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina.); Romagnoli (2009Romagnoli, R. C. (2009). A Cartografia e a Relação Pesquisa e Vida. Psicologia & Sociedade. 21(2), 166-173. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/psoc/v21n2/v21n2a03.pdf
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) destacam que conhecer é intervir processualmente, é ter um compromisso ético-político com a realidade. Por isso, a atenção do cartógrafo está para o plano de forças existentes, exigindo dele habitar o lugar de pesquisa, tornando-o familiar. Conhecer é participar do processo de construção dessa realidade, em um mesmo movimento, e por isso a pesquisa inicia pelo meio, a partir dos processos em curso, acompanhando os sujeitos, compreendendo aspectos históricos, sociais, políticos que envolvem a temática.

Marcar atendimentos, esperar o adolescente ou a família, receber, ouvir, inquirir para que falem mais, dar algumas devolutivas no intento de produzir reflexões e potencializar saberes, seguir fios condutores, encontrar atores, produzir-se em afetação, faz parte do acompanhamento de uma LA e constituiu o processo de pesquisa em uma construção coletiva, fomentando o caráter participativo e o protagonismo de Yasmim.

Além do método da Cartografia, a Teoria Ator-Rede (TAR) com suas noções e pressupostos também potencializou o estudo, uma vez que permitiu olhar para os elementos e nuances imbricados em rede na produção do adolescente em situação de ato infracional. Proposta por Latour (2006">Latour, B. (2006). Como terminar uma tese de sociologia: pequeno diálogo entre um aluno e seu professor (um tanto socrático). Cadernos de Campo.), a TAR entende a rede como composta por um conjunto de fenômenos heterogêneos, isto é, atores humanos e não humanos que estão em interação e formam conexões. Tais atores, ou actantes, são todos os elementos capazes de produzir uma diferença em uma rede, isto é, têm agência.

A rede, portanto, não é hierarquizada e é definida por suas ligações ou elos, também reconhecidos como “nós”, que se constituem dos encontros e, à medida que mudam de direção, aumentam as conexões e dá à rede uma configuração temporária sem limites externos. Para Latour (2006">Latour, B. (2006). Como terminar uma tese de sociologia: pequeno diálogo entre um aluno e seu professor (um tanto socrático). Cadernos de Campo.) a TAR se estabelece como um método que não dispõe de ferramentas prontas para serem aplicadas, pois, à medida que os envolvidos atuam, podem mudar o curso da busca ou mesmo os objetivos.

Dessa maneira, compreende-se que a produção da subjetividade se dá em rede, nas intersecções. Nas palavras de Parente (2013Parente, A. (2013). Enredando o pensamento: Redes de transformação e Subjetividade. Parente A. (Org.). Tramas da Rede: novas dimensões filosóficas, estéticas e políticas da comunicação. Sulina., p. 95): “Quando falamos e pensamos, nossas falas e pensamentos já não exprimem uma essência que neles se exterioriza: eles são como colagens que apenas indicam os padrões das redes que nossas articulações tecem”.

Nesse sentido, o ato infracional pode ser concebido como efeito de um processo e não como causa, configurado por ações de diferentes atores que constroem e reconstroem práticas e discursos pautados na cultura, no ambiente, na historicidade, entre outros aspectos - há uma rede de fatores e eventos para seu desencadeamento e por isso o ato infracional precisa ser entendido como uma produção. Tais fatores também definem a subjetividade desse sujeito, o qual se redefine de acordo com as mudanças que a rede produziu e produz. É importante apontar que não se trata de eximir a responsabilidade desse adolescente, mas compreender a trama envolvida nesse processo.

Estabelecer um espaço para que adolescentes em situação de ato infracional se expressassem, falassem de suas relações, de suas redes, foi uma possibilidade de identificar os atores envolvidos para o cumprimento de Medida Socioeducativa de LA e examinar as subjetividades produzidas ou fortalecidas com essa Medida. Ressalta-se que a LA pressupõe acompanhamento sistemático do adolescente, da família e da sua vida em comunidade pelo prazo mínimo de seis meses, podendo ser prorrogada, revogada ou substituída conforme determinação judicial. Em sua gênese, tem um caráter socializador, educador e de responsabilização do adolescente pelo ato, mas para isso precisa considerar o momento de vida, assegurando-lhe alguns direitos, o que demanda a implicação de outras políticas públicas como Educação, Saúde, Trabalho, Emprego e renda, por exemplo. (Brasil, 2012Brasil . (2012). Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA). SINASE - Sistema Nacional De Atendimento Socioeducativo. CONANDA. Disponível em: http://www.conselhodacrianca.al.gov.br/sala-de-imprensa/publicacoes/sinase.pdf.
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).

Com essa configuração, a observação participante e a entrevista emergiram como instrumentos de pesquisa que permitiram um olhar ampliado e a função cartográfica na construção dos resultados. Juntamente as observações, as entrevistas foram realizadas com Yasmin, que estava em cumprimento da medida de Liberdade Assistida (LA) em um dos Centros de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) do município, bem como com seu namorado e uma ex-cunhada, tais informações deram elementos para a construção deste artigo. Importante ressaltar que ela definiu seu nome e de seus pares para compor o estudo - essa é uma estratégia para manter resguardada a sua identidade no processo de escrita.

Os conteúdos, assim como as afetações, foram registrados em Diários de Campo (DC) como uma memória material do vivido: das interações dadas nas visitas domiciliares e comunitárias e dos grupos realizados com tal adolescente no espaço do Creas. Esse é um instrumento que traz à análise os sentimentos, percepções, ações, acontecimentos até então ignorados ou vistos como desvios de uma neutralidade almejada num fazer pesquisa tradicional (Nascimento & Coimbra, 2008Nascimento, M. L.do, & Coimbra, C. (2008). Análise de implicações: desafiando nossas práticas de saber/poder. In: Geisler, A. R. R., Abrahão, A. L., & Coimbra, C. (Org.). Subjetividade, violência e direitos humanos: produzindo novos dispositivos na formação em saúde. EDUFF. Disponível em: http://www.infancia-juventude.uerj.br/pdf/livia/analise.pdf
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). Trata-se de um novo modo de fazer ciência que inclui a Análise de Implicação, a qual para Paulon (2005Paulon, S. M. (2005). A análise de implicação com ferramenta na pesquisa-intervenção. Psicologia e Sociedade online, 17(3), 18-25. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/psoc/v17n3/a03v17n3.pdf
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) é sempre micropolítica, uma vez que, deixa visível e audível os fenômenos ocorridos no plano do cotidiano.

Autores e autoras como Aguiar e Lima (2012Aguiar, K., & Lima, S. M. (2012). Observar. In Fonseca, T. M. G.; Nascimento, M. L. & Maraschin, C. Pesquisar na Diferença: Um Abecedário. Sulina); Passos, Kastrup, & Escóssia (2009Passos, E., Kastrup, V., & Escóssia, L. (2009). Pistas do método da cartografia 1: pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Sulina.) destacam que observar é integrar, habitar e vivenciar a realidade social. As conversas no balcão de bar, nas rodas de chimarrão ou de uso de maconha; que ora bem recebida, ora não atendida ao bater na porta, ou mesmo impedida de acessar a rua devido ao assassinato ocorrido na noite anterior (diário de campo, jul. 2016): ali, aqueles (des)encontros registrados possibilitaram conhecer minimamente a realidade da adolescente e seus pares, estabelecer um olhar diferente para situações engessadas no cotidiano, ver algumas contradições e os conflitos que permeiam, captar aquilo que se dava no plano dos afetos, vivenciar as intensidades e permitir verificar a polifonia imbricada nos processos de reflexão, percebendo uma coletividade como produtora de conhecimento.

A análise das informações, além da TAR, se deu também com base na Esquizoanálise, que valoriza os encontros, o ato da criação, a vida em sua forma mais pulsante e vibrátil, que defende as infinitas formas de compor a existência, questionando os dualismos como certo/errado, bom/mau, conforme descrevem Peres, Borsonello, & Peres (2000Peres, R. S.; Borsonello, E. C., & Peres, W. S. (2000). A Esquizoanálise e a produção da subjetividade: Considerações práticas e teóricas. Psicologia em Estudo, 5(1), 35-43. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/pe/v5n1/v5n1a03.pdf
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).

O vínculo, a disponibilidade para conversas informais, estar em cumprimento de MSE de LA e posteriormente o aceite, fez de Yasmim uma das participantes da pesquisa de mestrado. No entanto, descrever sujeitos e suas histórias é perceber que não há uma linha do tempo factual, pois muitas vezes as situações narradas não compreendem uma regularidade no tempo e espaço, podendo apresentar sentido e significado apenas para seu relator. Organizar uma ordem de acontecimentos demanda tecer tramas, buscando entendê-las em sua processualidade, considerando o risco da ausência dos “não ditos” e as vicissitudes dos agenciamentos céleres. Afirma Deleuze (2001, p. 3): “a história é o arquivo, o desenho daquilo que nós somos e que paramos de ser, enquanto que o atual é o esboço daquilo que nós nos tornamos.”

No entanto, deter-se numa narrativa pode tornar este material mais corpóreo e por isso opta-se por descrever um pouco sobre a história de Yasmim, a qual possuía um vínculo importante com a equipe de atendimento do Serviço de Proteção a Adolescentes em cumprimento de LA e PSC. A história exemplifica e expõe, de certo modo, os obstáculos e agruras que estão emaranhadas na rede estabelecidas pelos adolescentes em cumprimento de LA, bem como os esforços e as resistências que se engendram na construção da vida desses sujeitos.

Yasmim: uma flor a (re)brotar-se?

Condensar histórias em poucas linhas é tarefa laboriosa e que sempre deixa escorrer situações e informações importantes que, por outro lado, podem fazer despertar curiosidades e novas buscas. Segundo Romagnoli e Magnani (2012Romagnoli, R. C. & Magnani, N.R. (2012). Nós e linhas: pesquisando a relação família-equipe. Fractal: Revista de Psicologia , 24(2), 287-306. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/fractal/v24n2/a06v24n2.pdf
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, p. 290), é importante destacar que o caminho escolhido para apresentar o percurso “com certeza contém lacunas e endurecimentos no propósito de cartografar”.

De toalha na cabeça e pés descalços sobre a terra, de ideia fixa e com muitas histórias para contar, Yasmim escolheu esse nome para compor seus relatos, pois - além de se tratar do nome de uma de suas irmãs, que já não vivia mais -, para ela, “parece nome de flor”. Talvez uma flor com notas de um perfume trágico, uma flor que é podada antes do tempo, que enfrenta condições precarizadas de vida, adversidades no solo em que habita, perdas, mas que tem uma potência no existir, no produzir conexões e isso a permite de novo florescer - assim talvez pudesse ser resumida sua história.

Yasmim, 16 anos. Desde muito pequena foi cuidada pelos avós paternos, tem em seu histórico diversos atendimentos pelo Conselho Tutelar e serviços socioassistenciais, incluindo um período de abrigamento institucional e percursos na casa de outros familiares envolvidos no amparo à primeira infância - esse, curiosamente, um elemento também observado no percurso dos demais participantes da pesquisa.

Vinda da pobreza e de um contexto em que o tráfico de drogas se fazia presente, no sentido transgeracional, a adolescente retrata sua história como sendo a de muitas dificuldades materiais, faltas afetivas e outras violações de direito. Conta que sua mãe, usuária de drogas, foi morta pela violência do tráfico; sua avó materna, sem condições de pagar as dívidas dessa atividade deixada pela filha, também perdeu sua vida. Sente saudade dos irmãos de sangue: daqueles que já se foram (dois irmãos falecidos, ambos de forma violenta), mas também dos que estão vivos e que não sabe por onde andam. Não se trata de forçar uma descrição de acontecimentos funestos, mas apontá-los aqui, pois se apresentam como situações importantes na sua constituição enquanto sujeito:

Mataram ela [a mãe]. Eu sei quem foi, mas a pessoa já tá no inferno, mataram ele também. [E você sabe por quê?] Porque ela usava crack. Ela comprou e no dia que era para pagar, ela tinha dinheiro só que ela preferiu ir comprar bagulho para as crianças. Sabe, ela estava voltando do mercado e mataram ela, ela tava devendo. Eu era pequena e dizem que mataram minha avó por isso, tipo, tudo envolvimento. (Yasmim, 2016)

“E seu pai?” foi a pergunta feita na sequência. Ela continua: “Meu pai está preso por assassinato”. Foi lhe perguntado se “Ele matou uma pessoa?” e ela respondeu prontamente: “várias”. E complementa:

Ele tá enrolado com vários bagulhos, droga, melhor nem falar. Ele estava preso desde que nasci. Ano passado estava morando aí, ele fugiu lá do Rio Grande do Sul e veio para cá. Aí o homem, em vez de ficar de boa em casa, começou a fragantiá4 4 Para Yasmim fragantiá é: “Sair, fazer coisas que não deve. Tipo assim, sair e não deixar a gente em paz, ficar incomodando, fazendo coisa errada”. . Na verdade, ele foi preso como foragido do Rio Grande do Sul, pegaram ele lá na Fernando [Rua] com umas pedras de crack. Os policiais deixaram ele uns dias no castigo aqui em [cita a cidade], aí como nós somos de lá e os papéis dele são de lá também, levaram para lá. Nem sei mais nada dele. (Yasmim, 2016)

Yasmim relatou que ele estaria preso há mais de 15 anos por homicídio e tráfico de drogas e que não possui nenhum vínculo ou afeto para com ele. Sem muita certeza, conta que ele empreendeu fuga algumas vezes e que ela teve notícias após ele ser preso novamente.

Mãe, pai, irmãos que se tornaram ausentes. Law (1992Law, J. (1992). Notas sobre a teoria do ator-rede: ordenamento, estratégia e heterogeneidade. Disponível em: http://www.necso.ufrj.br/Trads/Notas%20sobre%20a%20teoria%20Ator-Rede.htm
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) considera “ausência” como algo que está na rede, no cenário como uma invisibilidade, como uma co-presença. A família pode ocupar o lugar de atenção, de intimidade, de expressão de sentimento, de encontro, de tradução, de produção de história de vida; é o lugar em que se expõem (e se produzem) os sofrimentos psíquicos, mas também de recomposição diante das exigências do cotidiano, sendo ela que processa as relações necessárias à socialização, que medeia inicialmente a relação entre sujeito e sociedade, e em que se pode desenvolver um sentimento de pertença. (Carvalho, 2014Carvalho, M. do C. (2014). Gestão Social e Trabalho Social: desafios e percursos metodológicos. Cortez.).

É nesse cenário que as famílias são percebidas como únicas responsáveis pelos adolescentes em situação de ato infracional e, geralmente, como garantidora da ordem social pelo disciplinamento de seus descendentes. Scheinvar (2006Scheinvar, E. (2006). A família como dispositivo de privatização do social. Arquivos Brasileiros de Psicologia , 58(1), 48-57. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/arbp/v58n1/v58n1a06.pdf
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) descreve que se criaram equipamentos sociais que “diagnosticam” as incapacidades nas famílias, desqualificam suas ações e saberes e dão a ela o título de “desestruturada”. Incapaz de cuidar, de gestionar seus membros, o Estado passa, por meio de políticas, a exercer um controle extremado sobre ela, como forma de eliminar as situações “irregulares”. Para a autora, trata-se de um modo de operar que insiste na privatização do conflito, na individuação dos problemas.

Castro e Bicalho (2013Castro, A. C. de., & Bicalho, P. P.G. (2013). Juventude, território, Psicologia e política: intervenções e práticas possíveis. Psicologia Ciência e Profissão. 33, 112-123. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/pcp/v33nspe/v33speca12.pdf
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) também apontam que esses dispositivos de saber-poder têm como função ordenar e produzir afetos que se integrarão em comportamentos devidamente normatizados. Cabe especificar que o controle social dessas famílias se instaurou por meio dos saberes, da produção de discursos da responsabilidade, do cuidado e respeito, mas por outro lado disseminou a desconsideração pelos desejos e sonhos e o desrespeito às condições mínimas de vida daqueles que não fazem parte da classe dominante (Scheinvar, 2006Scheinvar, E. (2006). A família como dispositivo de privatização do social. Arquivos Brasileiros de Psicologia , 58(1), 48-57. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/arbp/v58n1/v58n1a06.pdf
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).

Lisboa (2018Lisboa, F. de A. (2018). Do conflito com a lei ou da lei em conflito? Na privação de liberdade, outro estatuto (re)existe. Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.) chama atenção para as concepções individualizantes e culpabilizantes tanto do sujeito quanto da família que emergem nesse limiar, no qual o Estado se exime da responsabilidade não sendo considerado um ator nessa rede de produção à medida que não garante direitos fundamentais.

Soma-se a essa ideia o fato de que Dimenstein, Zamora, & Vilhena (2004Dimenstein, M.; Zamora, M. H.; & Vilhena, J. de. (2004). Da vida dos jovens nas favelas cariocas: drogas, violência e confinamento. Revista do Departamento de Psicologia, 16(1):24-39. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/268924221_Da_vida_dos_jovens_nas_favelas_cariocas_Drogas_violencia_e_confinamento
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) sustentam que tal processo produz subjetividades, modos de vida e diferentes estratégias de sobrevivência, estas nem sempre condizentes com a Lei, que em geral ficam à mercê de situações violentas - as quais podem perdurar por gerações. Percebem-se, para tanto, fenômenos complexos que se agenciam numa tessitura que exige um olhar ampliado para não se cair no ciclo vicioso dos discursos hegemônicos, preconceituosos e causais.

Nesse sentido, não se pode negar, conforme aponta Cardoso (2013Cardoso, A. M. R. (2013). Um olhar sobre o contexto familiar do adolescente em cumprimento de medida socioeducativa de semiliberdade. [Dissertação de Mestrado, Universidade de Brasília]. Respositório Institucional UnB. Disponível em: https://repositorio.unb.br/handle/10482/14715
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, p. 14), envolvem vulnerabilidades5 5 Assim como Guareschi et al. (2007, p. 17), consideramos “vulnerabilidade social como uma posição de desvantagem diante do acesso às condições de promoção e garantia dos direitos de cidadania de determinadas populações.” das famílias e que “podem favorecer a sua desproteção, aumentar a exposição às diversas formas de violência entre seus membros e contribuir para o uso de drogas na adolescência e o envolvimento em atos infracionais.”. Foi o que aconteceu com a jovem Yasmim.

Yasmim se reconhece por ser “a dona do seu nariz”, afinal ela é, somente a Lei (Brasil, 1990Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. (16 jul. 1990). Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm. Chamada: (Lei n. 8.069, 1990).
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) lhe diz o contrário, pois ainda não tinha alcançado a maioridade. Vivendo em um território irregular e de disputas - que por si só dizem muito sobre suas condições precárias de vida - somada à conturbada relação com os avós paternos, por ela questionar uma série de acontecimentos e regras familiares, a jovem constituiu outras redes e viu na rua um lugar de liberdade e descobrimentos. Envolveu-se com drogas e em um relacionamento amoroso e logo foi morar com esse novo companheiro. Yasmim foi violentada física e psicologicamente por ele, e ao buscar a sua defesa foi acusada de tentativa de homicídio. Tal ato culminou em uma Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida - o que permitiu conhecê-la e produzir uma descrição sutil da sua história nessas linhas.

Apesar de muita dificuldade em aceitar tal aplicação judicial, Yasmim comprometeu-se em cumprir a Medida como forma de finalizar o processo pelo qual passava. É importante esclarecer que o cumprimento da Medida prevê o atendimento do núcleo familiar como forma de auxiliar a jovem a construir vinculações mais profícuas e saudáveis, que não envolvam situações como aquela pela qual estava respondendo. A participação dos familiares de Yasmim no decorrer dos atendimentos foi muito reduzida. Quem lhe deu suporte legal por mais tempo foi o avô paterno, que faleceu ainda no final daquele ano de 2016; os demais familiares a viam como causadora de problemas e por isso não se apresentavam como responsáveis, negando, inclusive, a participação na entrevista de pesquisa.

Alguns meses antes de iniciar o estudo, Yasmim conheceu Junior (nome também meramente fictício escolhido por ela) de 18 anos, com quem foi morar e constituiu uma união. Junior passou a acompanhá-la nos atendimentos e se apresentou como responsável legal pela adolescente na elaboração do Plano Individual de Atendimento (PIA)6 6 O PIA é um instrumento de “previsão, registro e gestão das atividades a serem desenvolvidas com o adolescente” que, sob responsabilidade da Equipe técnica e validação pelo Juiz, deve contemplar a participação da família como contribuinte com o processo chamado de “ressocialização”. (Brasil, 2012). , quando ela precisou dar início a mais uma Medida Socioeducativa: desta vez uma Prestação de Serviços à Comunidade por tráfico de drogas. Junior a trazia até o Creas, a acompanhava em consultas médicas, fiscalizava a quantidade e o tipo de droga utilizada por ela - pois havia tornado-se também uma usuária - mostrando-se como um apoio. Yasmim dizia sentir-se cuidada como nunca fora.

No entanto, meses depois, Junior e Yasmim tiveram a casa invadida por policiais que, mediante violências, revistaram e encontraram drogas ilegais e anotações que julgaram ser da comercialização, o que se constituiu como provas de atividade ilícita que estavam realizando. Yasmim destacou que esse trabalho garantia subsistência de ambos, bem como de dois irmãos e da mãe de Junior, que se encontrava adoentada na época. A adolescente estava convicta de que tal ocorrido se deu por denúncias de seu tio paterno, pois ele constituía união estável com sua atual sogra e, por não ter dado certo aquele relacionamento, o tio teria nesta atuação “vingado-se” ao denunciá-los7 7 Ests passagem se torna importante para pensar que, diante de uma atividade que é considerada ilegal, qualquer amigo pode se tornar moralmente um inimigo - a lei cria tais inimigos. .

Isso ocorrido, Junior foi preso e Yasmim relata “Eu fiquei sem chão”; ficou sem referências simbólicas e reais, indo morar com a cunhada, irmã de Junior. Essa, por sua vez, expressou que a acolhida era provisória e emergencial. Sua avó foi acionada novamente pela equipe, com o intuito de auxiliar a jovem. No entanto, recebeu em casa seu filho - o referido tio, pelo qual a adolescente expressava ódio e evitava todo contato. Importante destacar que a avó também se encontrava em uma situação vulnerável, haja vista seu envelhecimento, suas precárias condições financeiras, de moradia etc. O retorno de um filho oferecia-lhe um pouco de conforto.

Uma tia de Yasmim também foi procurada e demonstrou-se disposta a acolhê-la. Assim, a equipe de Medidas interveio no sentido de acompanhar essa possibilidade e, em comum acordo, foram feitos encaminhamentos para a Defensoria Pública, uma vez que precisava de processo legal para regularização de guarda. O termo de aguarda se fazia urgente e necessário, pois Yasmim não possuía Cadastro de Pessoa Física (CPF), o qual necessitava de responsável para a emissão, bem como estava em situação de evasão escolar e com problemas de saúde, sendo necessário o redirecionamento para outros Serviços públicos, mas que, sem a documentação básica e acompanhamento de responsável, o acesso a alguns de seus direitos não lhe era facultado. Dada entrada no processo de legalização dessa situação, poucos dias se passaram e a tia informou que a adolescente havia evadido de sua casa, que não respeitou as regras e que naquele momento não saberia dizer em que lugar ela estava afirmando que não mais se responsabilizaria por ela. Yasmim retornou a morar com a cunhada, que, por ser profissional do sexo - uma profissão considerada de muitos riscos - incitava preocupações na equipe, pois ela enfrentava dificuldade de subsistência e essa poderia vir a ser uma fonte de renda.

A jovem e a cunhada passaram a ser atendidas incisivamente, em termos de periodicidade, como forma de oferecer-lhes escuta, orientação e encaminhamentos para a rede de serviços municipais. Via-se ali uma potência no vínculo constituído. Em um desses atendimentos, Yasmim solicitou com afogo internação para suspender o uso de drogas. Dizia estar viciada em álcool e maconha. O uso era fato e, portanto, percebeu-se essa solicitação como um pedido urgente de guarida. Estava ela sozinha novamente, como uma flor podada. Entendida a situação, deu-se espaço para ela nomear os sentimentos, feitas orientações, e articulado atendimento especializado por meio do Centro de Atenção Psicossocial Infantil (CAPS Infantil).

Tal cenário a associou ainda mais solidamente com as redes do tráfico de drogas, e ali, em meio às pessoas que trabalhavam com a venda, outras situações ilícitas foram requisitando-a, o que a levou a abandonar aquele convívio com a cunhada em poucos dias. Como uma rede que faz-fazer, a jovem foi engendrada e engendrou outro modo momentâneo de vida, agora relacionado ao tráfico.

As drogas tornaram-se um ator-chave nessa rede, entendendo que a vinculação com a comercialização, tal como o uso fragiliza ou rompe, muitas vezes, com laços familiares - assim como a recíproca é autêntica: vínculos ruins proporcionam uso, mas deve-se atentar para as inúmeras conexões e não para uma relação de causa-efeito, mas medeia a interação com outras pessoas, possibilitando a constituição de novos vínculos e expandindo as redes. Atributos como confiança, lealdade, honradez, responsabilidade permeiam esse lugar, produzem regras e uma moralidade a ser preservada; a “rede de compra e venda de drogas ilegais, pode se apresentar como um lugar não só de riscos, mas também de providência, de cuidado, de irmandade, de proteção” (Dameda & Bonamigo, 2018Dameda, C; & Bonamigo, I. S. (2018). Adolescentes, infração e drogas: cartografando tessituras de redes sociotécnicas. Arquivos Brasileiros de Psicologia; 70(3), 5-20. Rio de Janeiro. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/arbp/v70n3/02.pdf
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, p. 10).

Identifica-se que foram constituídas redes que vincularam Yasmim a amigos, ao consumo de drogas, ao comércio de drogas, as armas e a outras situações ilegais e, como consequência, vinculou-a às Leis e às Medidas Socioeducativas. Por sua vez, as tais Medidas vincularam-na à família, aos profissionais, à protocolos, às políticas públicas e ao Poder Judiciário, por exemplo, engendrando um jogo de forças que cria, estabiliza e desestabiliza configurações e situações, provocando movimentos e efeitos no sujeito e mundo (Latour, 2012">Latour, B. (2012). Reagregando o social: Uma introdução à Teoria do Ator-Rede. EDUSC.).

Nessa mesma esteira das redes de pertencimento, de afetos e sociabilidade disponíveis, o tráfico de drogas se apresentou para Yasmim como esse lugar, mas é necessário tomar o cuidado para não romantizar situações como essa, já que os modos organizativos do tráfico produzem sofrimentos ao cercearem as liberdades, produzirem exploração do trabalhador principalmente infanto-juvenil, bem como utilizam-se, como armas, da precocidade dos sujeitos para manter os fluxos, recorrendo também à violência, a intimidações para impor suas regras internas, alterando a realidade das localidades em que se faz presente, como aponta Schabbach (2011Schabbach, L. (2011). Pesquisando o crime organizado no Rio Grande do Sul. In Santos, J., Teixeira, N., & Russo, M (Orgs). Violência e cidadania: práticas sociológicas e compromissos sociais. Sulina.).

Latour (2001">Latour, B. (2001). A Esperança de Pandora. EDUSC.), com sua proposta de uma antropologia simétrica, aponta para a importância de acompanhar os actantes, isto é, pessoas, organizações ou objetos - atores humanos e não humanos - que constituem essas redes e, igualmente, chama a atenção para o fato de que “não temos mais que distinguir os vinculados e os liberados, mas aqueles que são bem vinculados daqueles que o são mal” (Latour, 2015">Latour, B. (2015). Faturas/fraturas: Da noção de rede à noção de vínculo. Ilha., p. 130). Nesse sentido, entre desvios e composições, os elos construídos, principalmente de amizade de Yasmim, com jovens que passavam por situações semelhantes, por exemplo, possibilitou-lhe criar referenciais de uma rede de sustentação que lhe permitiu a vida. Obviamente que uma intensa movimentação de produção de elos permitia, muitas vezes, a substituição de “laços mórbidos” por outros mais salutares, como indica o autor.

Vigorosamente, as violações de direitos, tais como as práticas violentas, uniões (in)estáveis, faltas afetivas e materiais, as mortes, o tráfico e uso abusivo de drogas têm um espaço significativo e geracional na história de Yasmim como antigos atores na rede. A inserção dela em outros caminhos, considerados pelo viés legislativo ainda mais tortuosos, fortaleceram sua labuta ilegal e produziram perdas diretas e irreparáveis, inclusive de ente queridos. Mostra-se importante ainda inquirir: que outras possibilidades ou habilidades foram ou são capazes de emergir nessa tessitura? Que conexões a permitiram a vida diante dessa configuração? Quais outros potenciais do território onde morava? Como agregar novos atores na rede de Yasmim, ou de outras jovens em condições similares, para que se possam produzir outros sentidos, outros modos de vida?

Yasmim passou por muitas famílias, mas talvez não tivesse nenhuma. Viveu com avós, tios e outras pessoas com grau de parentesco, em abrigo institucional quando criança, com companheiros e, naquele momento passou a residir com amigos em diferentes bairros e cidades por curto tempo. Por onde passava construía relações de confiança e permanecia até que lhe fosse permitido ou entendia ser pertinente - mais uma vez as decisões estavam em suas mãos, quer dizer, mais uma vez estava ela a atuar de acordo com uma rede de atores agenciados num processo que a fazia agir de acordo com o que se apresentava, ao que ela e a ela se vinculava.

Numa perspectiva latouriana, entende-se a família como uma rede em uma rede de redes em que, vista de perto, se vislumbram as conexões de rede, mas, vista de longe, pode-se vê-la como um ator de uma rede maior: a que produz os adolescentes pesquisados.

Além da instabilidade de moradia, toda essa configuração refletia no cumprimento da sua MSE: Yasmim não comparecia mais ao Serviço para atendimentos individual ou grupal como vinha fazendo, não retornou à escola, não foi aos atendimentos do CAPS Infantil e não conseguiu fazer documentos pessoais, consequentemente, não foi possível reestabelecer alguns de seus direitos violados - objetivo primário das Medidas Socioeducativas.

Neste percurso de “acompanhamento sistematizado da LA”, com indicações de outros adolescentes sobre seu paradeiro, muitas visitas ou “tentativas de” foram feitas à procura dela. Algumas vezes Yasmim foi encontrada na companhia de outras pessoas que estavam vendendo drogas ou já estavam sob o efeito delas, que não se sentiam intimidados com a visita, pelo contrário, ofereciam assento e davam abertura para a integração na roda de consumo - o que constituía um limite tênue entre profissionalismo e uma relação amigável. Todavia, relatava a adolescente o quanto se sentia bem com aquelas pessoas, expressando a existência de uma relação de afeto e pertencimento - a flor criando galhos. Nesses encontros Yasmim sempre foi ouvida e orientada. No entanto, ao retornarmos a esses lugares, às vezes, não podíamos encontrá-la.

Quando Junior teve determinada sua liberdade, Yasmim foi morar novamente com ele e retomou os atendimentos no Creas. Em síntese, ela fez movimentos contínuos de rebrotar, reverdecer: conseguiu fazer o Comprovante de Pessoa Física (CPF) e foi às consultas na Unidade Básica de Saúde, transcorrendo assim o prazo das Medidas que foram aplicadas, o Poder Judiciário as entendeu como concluídas. Posterior a isso, Yasmim foi encaminhada para a continuidade de acompanhamento pela Proteção Social Básica do Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) de referência do território em que estava residindo - conduta essa preconizada pelo município e estabelecida pelo ordenamento da Política Nacional de Assistência Social (Brasil, 2004Brasil(2004). Política Nacional de Assistência Social. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Secretaria Nacional de Assistência Social.). Depois disso não se teve mais notícias dela.

É possível observar que a vivência individual de Yasmim, de certo modo, assemelha-se a de outros adolescentes em cumprimento de MSE quando vistos de uma perspectiva rizomática8 8 Deleuze e Guattari (1995) abordam o termo rizoma como uma analogia a um sistema aberto, sem uma unidade pivô, é constituído por linhas que se conectam, multiplicam e rompem, produzindo ramificações capazes de ampliar a rede de forma ilimitada e sem uma direção clara e definida. , isto é, de agenciamentos de múltiplos atores heterogêneos que se conectam e perfazem uma rede capaz de produzir sujeitos que se envolvem em ato infracional.

Considerar o cenário sócio-histórico, econômico, político e cultural, suas diversidades e desigualdades é crucial para perceber a existência desta rede de engendramentos. Avritzer (2012Avritzer, L. (2012). Sociedade civil e Estado no Brasil: da autonomia à interdependência política. Opinião Pública, 8(2), 383-398. https://doi.org/10.1590/S0104-62762012000200006
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) e Castro e Bicalho (2013Castro, A. C. de., & Bicalho, P. P.G. (2013). Juventude, território, Psicologia e política: intervenções e práticas possíveis. Psicologia Ciência e Profissão. 33, 112-123. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/pcp/v33nspe/v33speca12.pdf
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) dão elementos para pensar essas conjecturas que a maioria desses sujeitos advém, que os limitam na ocupação de certos espaços, empurrando-os para outros, efetivando as desigualdades e a exclusão. Os autores discorrem que esse processo é histórico e que, mais intensamente desde a Reforma Urbana dada a partir do paradigma higienista, compulsoriamente foram deslocados os pobres, considerados possuidores de caráter duvidoso para lugares sem nenhum tipo de serviço público, áreas marginalizadas da cidade - as favelas.

Destituídas de infraestrutura necessária, as áreas periféricas são vistas como o lugar das ausências, seja de serviços públicos, espaços de esporte e lazer, ou ainda de uma não civilidade. Seria um lugar de “construção subjetiva marginalizada. ... A subjetividade, portanto, produzida, construída e constituída no espaço da favela, carrega consigo o processo de segregação trazido pelo território que a atravessa.” (Castro & Bicalho, 2013Castro, A. C. de., & Bicalho, P. P.G. (2013). Juventude, território, Psicologia e política: intervenções e práticas possíveis. Psicologia Ciência e Profissão. 33, 112-123. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/pcp/v33nspe/v33speca12.pdf
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, p. 116).

Nessa perspectiva, ao olhar para os eventos considerados importantes por Yasmim, não há como negar ou mesmo mensurar as dificuldades pelas quais passou: materiais, de moradia, de infraestrutura urbana, de acesso e de atendimento do setor público, bem como as inúmeras exposições dessa adolescente às drogas, às situações de risco ou mesmo à fragilidade dos vínculos familiares e sociais que faziam-na circular em diferentes casas, buscando encontrar o seu lugar. Esses elementos exigem reflexões mais complexas, principalmente quanto à agência dos não humanos (como as drogas) nessa rede que faz-fazer. Para tanto, objetivar que ela não mais se envolva com atos contrários à Lei é considerar aspectos que possam promover sua vida: não se trata de corrigir condutas, é preciso envolver a dimensão do cuidado.

Ainda, as vivências relatadas pela participante desmedem a ideia de “dar conta de si”, afinal, do seu jeito, Yasmim buscou um modo de sobrevivência por meio de que, apesar de não cumprir com algumas responsabilidades legais, cuidou de si a ponto de não esmorecer, mostrou-se criativa nas estratégias, vinculou-se a diversos atores que a permitiram certas condições de vida, engendrando formas inéditas de viver.

Ainda Lisboa (2018Lisboa, F. de A. (2018). Do conflito com a lei ou da lei em conflito? Na privação de liberdade, outro estatuto (re)existe. Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.) nos provoca a pensar: a quais juventudes as legislações se referem e as práticas operam em Medida Socieoducativa? E os adolescentes transgridem que leis, considerando que as leis do tráfico, por exemplo, são muito claras e duras? Estaria o Estado a definir e executar as classes perigosas (preta-pobre-favelada) em nome da manutenção dos privilégios das elites?

Destacam Feffermann (2018Feffermann, M. (2018). O jovem/adolescente “trabalhador” do tráfico de drogas. Cadernos da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. EDEPE.); Waiselfisz (2014Waiselfisz, J. J. (2014). Mapa da Violência: Os Jovens do Brasil. FLACSO., 2016Waiselfisz, J. J. (2016). Mapa da Violência: Homicídios por Armas de Fogo no Brasil. FLACSO.), inclusive, que as políticas de repressão têm provocado diversas mortes, sendo jovens negros, moradores das periferias as principais vítimas, isto porque são esses os principais envolvidos na distribuição das drogas. É urgente dar visibilidade ao fato de que a pobreza, a falta de emprego, a baixa escolaridade, a exploração do trabalho infantil e principalmente a inexistência de programas sociais de promoção e inclusão social produzem lugares específicos, modos laborativos e de sobrevivência, produzem subjetividades, produzem juventudes em situação de ato infracional.

Torna-se necessário pensar as diferentes formas de vida, as desigualdades que ali operam, as redes que os fazem-fazer - pensar as juventudes na sua pluralidade, conforme apontam Coimbra e Nascimento (2015Coimbra, C., & Nascimento, M. L. do. (2015). Transvalorando os conceitos de juventude e Direitos Humanos. Guareschi, N., & Scisleski, A (Orgs.). Juventude, Marginalidade social e Direitos Humanos: da Psicologia às Políticas Públicas. EDIPUCRS.); Anhas e Castro-Silva (2018Anhas, D. D. M., & Castro-Silva, C. R. (2018). Potência de ação da juventude em uma comunidade periférica: enfrentamentos e desafios. Ciência & Saúde Coletiva, 23(9), 2927-2936. https://doi.org/10.1590/1413-81232018239.16522018
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). Os jovens das comunidades carregam “as marcas perversas dessa desigualdade, sendo vistos pelo conjunto da sociedade como menos gente. Situações constrangedoras de enquadramento pela polícia são comuns e bastante vividas por esses indivíduos, das quais sempre esperam o pior” (Anhas & Castro-Silva, 2018, p. 2933).

O entendimento de que a adolescência e juventude são fases fixas e consecutivas do desenvolvimento, que envolvem maturação e um espectro de desafio, de risco e de vulnerabilidade homogeneíza uma noção de sujeito presente nas leis, nas políticas públicas que, em geral, tratam a juventude no âmbito da tutela e do controle, requerendo docilidade.

Anhas e Castro-Silva (2018Anhas, D. D. M., & Castro-Silva, C. R. (2018). Potência de ação da juventude em uma comunidade periférica: enfrentamentos e desafios. Ciência & Saúde Coletiva, 23(9), 2927-2936. https://doi.org/10.1590/1413-81232018239.16522018
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) propõem que tais noções são permeadas de uma ideia de necessidade de proteger e junto a ela está explicita a ideia de incompletude, como se tais sujeitos não tivesses prontos para exercer a cidadania e, se, “por um lado a proteção garante responsabilidades do Estado, família e sociedade, por outro, retira direitos e oblitera a capacidade de crianças e jovens agirem por si próprios. São sempre mantidos em regime de tutela e controle.” (p. 2932).

Lisboa (2018Lisboa, F. de A. (2018). Do conflito com a lei ou da lei em conflito? Na privação de liberdade, outro estatuto (re)existe. Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.); Anhas e Castro-Silva (2018Anhas, D. D. M., & Castro-Silva, C. R. (2018). Potência de ação da juventude em uma comunidade periférica: enfrentamentos e desafios. Ciência & Saúde Coletiva, 23(9), 2927-2936. https://doi.org/10.1590/1413-81232018239.16522018
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); Paiva e Oliveira (2015Paiva, I. L., & Oliveira, I. F. de. (2015). Juventude, violência e Políticas sociais: Da criminalização à efetivação de Direitos Humanos. Guareschi, N., & Scisleski, A. (Orgs.). Juventude, Marginalidade social e Direitos Humanos: da Psicologia às Políticas Públicas. EDIPUCRS.) sustentam que as concepções tradicionalistas e enviesadas sobre juventude - tida como naturalmente violenta e somada ao sensacionalismo midiático - criam discursos de que a única maneira de superar, por exemplo, o fenômeno da “marginalidade” são práticas punitivas, também com o encarceramento dos jovens pautados ainda na doutrina da situação irregular. Como uma constante de agenciamentos, práticas e discursos criam perfis e estes são o estereótipo do medo, isto é, cria-se uma natureza, uma homogeneização desse jovem e esses elementos o produzem enquanto tal. Por outro lado, esse jovem, de modo inventivo, também fabrica sua rede cujos vínculos estabelecidos podem ser propulsores de vida, de modos singulares de ser e estar no mundo. Torna-se importante, pois, reconhecer “as práticas de resistência juvenis às violências em curso nas margens urbanas, que apostam na invenção de outros modos de habitar a cidade” (Benicio et al., 2018Benicio, L. S. F., Rodrigues, J. S., Leonardo, C. S., Barros, J. P. P., Silva, D. B., & Costa, A. F. (2018). Necropolítica e Pesquisa-Intervenção sobre Homicídios de Adolescentes e Jovens em Fortaleza, CE. Psicologia: Ciência e Profissão, 38(2), 192-207. https://doi.org/10.1590/1982-3703000212908
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, p. 204), permitem vislumbrar possibilidades outras que se contraponham às concepções e práticas higienistas e segregacionistas ainda predominantes na relação com jovens das periferias.

Diversas iniciativas apontam para um retrocesso no campo dos direitos humanos, tal como a Proposta de Emenda Constitucional n. 171 (PEC 171/93PEC 171/93 - Proposta de Emenda Constitucional nº 171 (16 mar. 2015). Proposta de Emenda à Constituição - Câmara dos Deputados. Diário Oficial da União. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1309494
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), que propõe a alteração da redação do art. 228 da Constituição Federal sobre a imputabilidade penal, visando reduzir a maioridade penal de 18 para 16 anos - a qual lacera os direitos fundamentais do adolescente. Contudo, as teorias e práticas científicas têm, com fervor, demonstrado que as concepções tradicionalistas focadas na culpabilização do sujeito “infrator” não dão respostas a complexa questão do ato infracional.

Para tanto, destaca-se que, apesar de um caráter socializador e humanitário, a LA ainda carrega um viés disciplinador, que precisa ser modificado. No entanto, é importante atentar-se ao fato de que permite olhar para a singularidade e potenciais dos sujeitos, amparando e proporcionando mudanças substanciais na vida desses adolescentes, como no caso de Yasmim. E à Psicologia como um saber que está nesse espaço concerne combater as violações de direito, promover a liberdade, integridade, a qualidade de vida dos adolescentes, construindo práticas que fomentem a reflexão, que sejam capazes de produzir possibilidades de ramificação nessa rede dos adolescentes e transformem mentalidades e instituições ainda pautadas na doutrina da situação irregular. (Crepop, 2012CREPOP - Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas. (2012). Referência Técnica para Atuação de Psicólogas(os) em Programas de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto. Conselho Federal de Psicologia (CFP).).

As relações estabelecidas pelo jovem com as instituições formais e informais, com as pessoas próximas, passam, portanto, pelas condições financeiras, pelo momento histórico, pela geografia local, pela política, pela governamentabilidade (Castro & Bicalho, 2013Castro, A. C. de., & Bicalho, P. P.G. (2013). Juventude, território, Psicologia e política: intervenções e práticas possíveis. Psicologia Ciência e Profissão. 33, 112-123. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/pcp/v33nspe/v33speca12.pdf
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) e se constituem atores de uma rede complexa que produzem o adolescente em situação de ato infracional. Por outro lado, é preciso considerar que a agregação de outros atores a essa rede possibilita ao adolescente expandi-la constituindo outros modos de vida mais benéficos para si.

Considerações finais

Estar de permeio no campo de pesquisa como profissional do Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida Socioeducativa de LA e PSC facilitou o acesso aos adolescentes e as suas histórias. Participar cotidianamente de atendimentos dos jovens em Medida de Liberdade Assistida foi uma possibilidade de perceber ainda mais os acontecimentos, as pessoas e a criação de um plano comum com tais jovens. O encontro com eles, principalmente com Yasmim, produziu afetação e conhecimento: a vivência dos atendimentos e da construção de fatos criou e potencializou vínculos, bem como permitiu atenção à voz dos envolvidos, fazendo conhecer o que os move e acessar as suas experiências, além disso, deu margem para pensar novas práticas no âmbito daquele serviço.

As teorias, os discursos menoristas, as práticas punitivas ou burocratizadas, as desigualdades e a omissão de políticas públicas, por exemplo, engendram a ocorrência dos atos infracionais. Yasmim nos fornece alguns elementos para pensar como esse jogo de forças incide sobre os modos de vida e o quanto a LA pode ser um espaço de produção de cuidado. A partir da perspectiva da TAR, pode-se analisar que o Serviço de MSE, a família, o tráfico de drogas são instituições produzidas por redes compostas de agenciamentos de atores e constantemente podem ser redefinidas ao tecer novas teias, novos arranjos e modos de se gerir. E como rede, dependendo da configuração e dos jogos de força em ação, há momentos de estabilidade e momentos de instabilidade resultantes de associações contingentes, heterogêneas e provisórias.

É importante salientar que a partir da perspectiva das ausências, as potências do território, dos sujeitos e suas estratégias “criativas” de vida muitas vezes são invisibilizadas. Yasmim, tal qual uma flor a (re)brotar-se diante das adversidades, privações e violências, engendrou e foi engendrada em uma rede de apoio que a possibilitou resistir e (re)inventar a sua história, produzindo novas tramas que permitem pensar o ato infracional como efeito de uma rede muito mais complexa do que parece envolvendo violências, família, territórios, drogas e tráfico de drogas, dinheiro, leis, políticas públicas, protocolos, amigos, profissionais, documentos entre outros atores que produzem movimentos na rede e efeito nos sujeitos.

Embora óbvio, é crucial ressaltar que jovens moradores de periferias - contextos esses produtores de diversas vulnerabilidades - enfrentam situações muito distintas de outros jovens que possuem acesso a direitos e vivencias cotidianas diferentes. Há efeitos no processo de subjetivação, produzida a partir de conexões outras: trata-se de uma rede que faz-fazer, de juventudes em suas pluralidades. Ainda, atente-se para os modos criativos, potentes, que se configuram como processos de autonomia - não no sentido estrito ou individualizante do termo, mas de elos que permitem a subsistência, certo cuidado de si e até mesmo do outro. Tais adolescentes, como bem mostra a história de Yasmim, são sujeitos que, apesar das massivas violações, são capazes de gerir a própria vida e dar devolutivas importantes para os modos de fazer das políticas públicas, principalmente quando se fala em acompanhamento “sistematizado” de Liberdade Assistida.

Yasmin com sua experiência de vida nos oferece materialidade para discutir juventude e ato infracional, sua relação com as MSE de Liberdade Assistida (LA) e possibilita visibilidade a atores que compõem as redes historiais desses sujeitos, os quais, de certa maneira, configuram conexões similares em seus engendramentos. Para tanto, finda como ponto nodal do artigo, a importância de um olhar para as complexidades existentes em relação à jovens em situação de ato infracional, entendendo que há diversos atores humanos e não humanos envolvidos. Portanto, não se trata de uma relação de causa e efeito, que restrinja apenas ao sujeito a “responsabilização”, mas de analisar os atores e as redes que configuram a infração e de propor outros mecanismos que possibilitem novos modos de ser e de viver.

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  • Waiselfisz, J. J. (2016). Mapa da Violência: Homicídios por Armas de Fogo no Brasil. FLACSO.
  • 1
    A adolescência é tida como dos 12 aos 18 anos segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (Brasil, 1990). Já a ideia de “jovem” é categorizada como um sujeito entre 15 a 29 anos pelo Estatuto do Jovem (Brasil, 2013) Portanto, são faixas de idade diferentes, mas que serão utilizadas como sinônimos nesse escrito, pois uma Medida Socioeducativa pode ser cumprida dos 12 aos 21 anos o que abarca ambas as classificações etárias.
  • 2
    Parecer Consubstanciado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, número do CAAE: 55241416.6.0000.0116.
  • 3
    Tal Serviço é oferecido sob responsabilidade do governo municipal por meio dos Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) como um serviço de média complexidade do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e que tem como propósito contribuir, por meio das Medidas Socioedeucativas, para o acesso à direitos e para a mudança de valores pessoais e sociais de adolescentes em situação de ato infracional. O Art. 103 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Brasil,1990, p. 33) considera “ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal” e as medidas aplicadas podem ser de advertência, reparação do dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semiliberdade e internação.
  • 4
    Para Yasmim fragantiá é: “Sair, fazer coisas que não deve. Tipo assim, sair e não deixar a gente em paz, ficar incomodando, fazendo coisa errada”.
  • 5
    Assim como Guareschi et al. (2007Guareschi, N. M. F.; Reis, C. D.; Huning, S. M. & Bertuzzi, L. D. (2007). Intervenção na condição de vulnerabilidade social: um estudo sobre a produção de sentidos com adolescentes do programa do trabalho educativo. Estudos e pesquisas em psicologia, 7(1), 20-30. Disponível em: http://www.revispsi.uerj.br/v7n1/artigos/pdf/v7n1a03.pdf
    http://www.revispsi.uerj.br/v7n1/artigos...
    , p. 17), consideramos “vulnerabilidade social como uma posição de desvantagem diante do acesso às condições de promoção e garantia dos direitos de cidadania de determinadas populações.”
  • 6
    O PIA é um instrumento de “previsão, registro e gestão das atividades a serem desenvolvidas com o adolescente” que, sob responsabilidade da Equipe técnica e validação pelo Juiz, deve contemplar a participação da família como contribuinte com o processo chamado de “ressocialização”. (Brasil, 2012Brasil . (2012). Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA). SINASE - Sistema Nacional De Atendimento Socioeducativo. CONANDA. Disponível em: http://www.conselhodacrianca.al.gov.br/sala-de-imprensa/publicacoes/sinase.pdf.
    http://www.conselhodacrianca.al.gov.br/s...
    ).
  • 7
    Ests passagem se torna importante para pensar que, diante de uma atividade que é considerada ilegal, qualquer amigo pode se tornar moralmente um inimigo - a lei cria tais inimigos.
  • 8
    Deleuze e Guattari (1995)Deleuze, G.; & Guattari, F. (1995). Introdução: Rizoma. In Deleuze, G.; & Guattari, F. Mil platôs: Capitalismo e esquizofrenia. Editora 34. abordam o termo rizoma como uma analogia a um sistema aberto, sem uma unidade pivô, é constituído por linhas que se conectam, multiplicam e rompem, produzindo ramificações capazes de ampliar a rede de forma ilimitada e sem uma direção clara e definida.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    21 Jul 2020
  • Aceito
    13 Ago 2021
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