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Políticas de Segurança e Guerra aos Pobres: o Caso da Praça Sete Jovens

Security Policies and War on the Poor: The Case of “Sete Jovens” Square

Políticas de Seguridad y Guerra a los Pobres: el Caso de la Plaza Siete Jóvenes

Resumo

O presente artigo pretende contribuir para o debate sobre segurança pública a partir da análise do caso da Praça Sete Jovens, situada na periferia da região Norte do município de São Paulo. A Praça é arena de disputa de sentidos na produção do espaço público e da memória coletiva e foi palco de uma chacina contra jovens da região em 2014. O nome da Praça é uma homenagem a sete jovens atingidos por outra chacina ocorrida em 2007 na mesma região. Esta pesquisa produziu uma narrativa da história das lutas pela ocupação da Praça tendo como objeto a trama discursiva relativa à chacina e como eixo analítico a problematização dos regimes de verdade, na perspectiva de Foucault. Para a construção desta narrativa, realizamos, durante o ano de 2016, entrevistas com nove moradores com base na metodologia da história oral e experimentações etnográficas na região, especialmente em torno da Praça. Tais incursões foram registradas em diário de campo. Neste percurso, foi identificado um conjunto de medidas de segurança para o controle da população pobre, principalmente negra, e da sua circulação, especialmente na forma de “operações urbanas” e “projetos sociais” que articulam “segurança e cidadania” e realizam o controle a céu aberto. Tais “operações” são objeto de discussão no artigo que articula as disputas locais à intersecção historicamente construída no Brasil entre periculosidade, raça e pobreza, e entre controle social e discurso do crime.

Mecanismos de Segurança; Juventude; Drogas

Abstract

Based on the analysis of the case of Sete Jovens Square, located on the outskirts of the northern São Paulo city, this paper aims at contributing to the debate on public security. The Square, which was the stage of a massacre against local young people in 2014, is an arena of a dispute of senses associated to the production of public space and collective memory. The name of the Square is a tribute to the seven young people hit by another slaughter, in 2007, in the same neighborhood. This research produced a narrative of the struggle history for the occupation of the Square, having the discursive plot related to the slaughter as its object and the problematization of the regimes of truth, in Foucault’s perspective, as its analytical axis. For the construction of this narrative, we conducted interviews with nine residents based on the methodology of oral history and ethnographic experiments in the region, especially in the surroundings of the Square, during 2016. These incursions were recorded in field journals. In this journey, a set of security measures for the control of the poor population, preponderantly black, and for its circulation, were observed, especially in the form of “urban operations” and “social projects” which articulate “security and citizenship” and open air control. Such “operations” are the subject of consideration in the article that articulates the local disputes to the historically built intersection in Brazil between dangerousness, race and poverty, and between social control and crime discourse.

Security Mechanisms; Youth; Drugs

Resumen

El presente artículo pretende contribuir al debate sobre seguridad pública a partir del análisis del caso de la Plaza Sete Jovens, situada en la periferia de la región Norte del municipio de São Paulo. La plaza es una arena de disputa de sentidos en la producción del espacio público y de la memoria colectiva y fue escenario de una matanza contra jóvenes de la región en 2014. El nombre de la Plaza es un homenaje a siete jóvenes afectados por otra matanza ocurrida en 2007 en la misma región. Esta investigación produjo una narrativa de la historia de las luchas por la ocupación de la Plaza teniendo como objeto la trama discursiva relativa a la matanza y como eje analítico la problematización de los regímenes de verdad desde la perspectiva de Foucault. Para la construcción de esta narrativa, realizamos, durante el año 2016, entrevistas con nueve residentes locales con base en la metodología de la historia oral y experimentaciones etnográficas en la región, especialmente en torno a la Plaza. Tales incursiones fueron registradas en diario de campo. Se identificaron un conjunto de medidas de seguridad para el control de la población pobre, principalmente negra, y de su circulación especialmente en la forma de “operaciones urbanas” y “proyectos sociales” que articulan “seguridad y ciudadanía” y realizan el control a cielo abierto. Tales “operaciones” son objeto de discusión en el artículo que articula las disputas locales a la intersección históricamente construida en Brasil entre peligrosidad, raza y pobreza y entre control social y discurso del crimen.

Mecanismos de Seguridad; Juventud; Drogas

Introdução

Precisamos contar uma parte da nossa história recente e que provavelmente você não ficou sabendo, ou se ouviu falar foi de longe através de quem pouco ou nada sabe pra dizer a respeito […]. No começo da madrugada do dia 16 de abril de 2014, longe da imprensa, longe das câmeras de vigilância, seja dos condomínios de luxo ou dos centros comerciais, longe das câmeras de televisão, quatro jovens foram mortos, (ASSASSINADOS) em nossa quebrada. Estes jovens estavam no lugar construído para eles [Praça Sete Jovens], lugar onde costumavam estar. Durante o dia ali brincam crianças, e agora vão brincar onde há sangue derramado. Mais um sangue preto, jovem e da periferia. Sangue como o de Amarildo, Cláudia, Douglas e Zumbi. Sangue de quem morreu sob o castigo do “tronco” e “vira mundo” contemporâneos.

(Observatório da Juventude da Zona Norte, 2014Observatório da Juventude da Zona Norte. (2014). Manifesto contra a chacina de jovens na Brasilândia [Facebook]. Recuperado de https://www.facebook.com/ObservatorioDaJuventudeCCJ/videos/411446282330219/
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, Manifesto Contra a Chacina de Jovens)

O presente artigo baseia-se em uma pesquisa que busca problematizar as produções de verdade em crimes cometidos contra a vida de jovens, tendo como foco a trama discursiva em torno de como foi tornar pública uma chacina ocorrida em 16 de abril de 2014, na Praça Sete Jovens, Brasilândia, São Paulo.

A violência letal contra jovens no Brasil vem sendo identificada por estudos epidemiológicos, mais especialmente pelos Mapas da Violência, como um problema de saúde pública e de grave violação de direitos, pautando políticas de Direitos Humanos, ganhando certas visibilidades e configurando regimes de verdade (Foucault, 2008Foucault, M. (2008). Microfísica do poder. Rio de Janeiro, RJ: Graal.).

Para Foucault (2008)Foucault, M. (2008). Microfísica do poder. Rio de Janeiro, RJ: Graal., a verdade é produzida historicamente e os seus modos de produção põem em evidência as articulações entre saber e poder; não havendo “exercício de poder sem uma certa economia dos discursos de verdade que funcionam nesse poder, a partir e através dele” (Foucault, 2010Foucault, M. (2010). Em defesa da sociedade. São Paulo, SP: Martins Fontes., p. 22).

Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua “política geral” de verdade: isto é, os tipos de discursos que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros; as técnicas e os procedimentos que são valorizados para a obtenção da verdade; o estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona como verdadeiro (Foucault, 2008Foucault, M. (2008). Microfísica do poder. Rio de Janeiro, RJ: Graal., p. 12).

Assim, exatamente onde alguns saberes se impõem, outros não são reconhecidos ou são silenciados por diversos mecanismos: as políticas de verdade.

Considerando esta perspectiva –que posiciona as práticas discursivas em sua relação com a produção da verdade e com o exercício do poder –nos interessou sobremaneira uma mirada metodológica que não se furtasse a pensar a política de narratividade da pesquisa (Passos, & Benevides, 2009Passos, E., & Benevides, R. (2009). Por uma política da narratividade. In E. Passos, V. Kastrup, & L. Escócia (Orgs.), Pistas do método da cartografia: Pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre, RS: Sulina.). Nos pautamos, assim, na perspectiva construtivista de uma certa prática em História Oral, abordada por Rodrigues (2011)Rodrigues, H. B. C. (2011). Intercessores e narrativas: por uma dessujeição metodológica em pesquisa social. Pesquisas e Práticas Psicossociais, 6(2), 234-242. Recuperado de: http://www.ufsj.edu.br/portal2repositorio/File/revistalapip/volume6_n2/Rodrigues.pdf
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enquanto um dispositivo epistemológico-político-narrativo que tem na memória seu tema central e na narrativa seu campo de expressão por excelência. Rodrigues (2005)Rodrigues, H. B. C. (2005). Alucinando Portelli: Celebração do amor entre um historiador (oral) e seu leito. Mnemosine, 1(1), 153-195. Recuperado de http://www.mnemosine.com.br/ojs/index.php/mnemosine/article/view/49/pdf_35
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destaca, a partir das contribuições críticas de Alessandro Portelli, que a memória é um processo de criação de sentidos, um espaço de lutas, cuja compreensão se relaciona com dispositivos de saber, poder e subjetivação, tais como propostos por Foucault (2008)Foucault, M. (2008). Microfísica do poder. Rio de Janeiro, RJ: Graal.. Portelli (2009)Portelli, A. (2009, 13 jul.). História oral e poder (L. H. S. Blume, & H. B. C. Rodrigues, Trad.). Conferência no XXV Simpósio Nacional da ANPUH, Fortaleza, CE, Brasil. Recuperado de https://www.academia.edu/29624274/Tradu%C3%A7%C3%A3o_de_H_Oral_e_poder_de_Alessandro_Portelli
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defende as fontes orais por serem “um meio de comunicação que todos os seres humanos possuem e, de alguma maneira, controlam” (p. 2). Além disso, ao considerar que a oralidade é uma forma de comunicação de todos aqueles que estão “marginalizados” ou “excluídos” no discurso público e na mídia, propõe o autor: “Buscamos fontes orais porque queremos que essas vozes [...] tenham acesso à esfera pública, ao discurso público, e o modifiquem radicalmente” (Portelli, 2009, pPortelli, A. (2009, 13 jul.). História oral e poder (L. H. S. Blume, & H. B. C. Rodrigues, Trad.). Conferência no XXV Simpósio Nacional da ANPUH, Fortaleza, CE, Brasil. Recuperado de https://www.academia.edu/29624274/Tradu%C3%A7%C3%A3o_de_H_Oral_e_poder_de_Alessandro_Portelli
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, p. 2).

Ainda, tendo em vista, especialmente, as falas de dor e de sofrimento, buscamos seguir as pistas de Farge (2011)Farge, A. (2011). Lugares para a história. Belo Horizonte, MG: Autêntica.. Estas falas devem produzir “fraturas no campo social”, revelando a “formidável tensão que faz com que se confrontem a ordem e sua negação, a violência e o sentimento vitimário, o ódio e o desejo” (Farge, 2011Farge, A. (2011). Lugares para a história. Belo Horizonte, MG: Autêntica., p. 16-17). Estas fraturas devem ser compreendidas como “algo que inflecte as formas retóricas e conceituais” (p. 72).

Violência, barbárie e crueldade são organizações de poder que se inscrevem em enunciações políticas: nada é fatal nem mesmo obrigatório em sua aparição, uma vez que todo mecanismo é um jogo que se desmonta, e por vezes mesmo se abole, num outro jogo (Farge, 2011Farge, A. (2011). Lugares para a história. Belo Horizonte, MG: Autêntica., p. 39).

Para a construção da narrativa que apresentamos, realizamos, no ano de 2016, entrevistas com nove moradores com base na metodologia da história oral e em experimentações etnográficas na região, especialmente em torno da Praça. No primeiro semestre, frequentamos a Praça semanalmente e durante o ano, a cada primeiro domingo do mês, dia em que ocorre uma série de atividades esportivas e culturais. Este material foi registrado em diário com base nos aportes da análise institucional (Lourau, 1993Lourau, R. (1933). A análise institucional e as práticas de pesquisa. Rio de Janeiro, RJ: UERJ.). Também realizamos a busca de documentos de domínio público sobre a chacina e a história da Praça, bem como de notícias em blogs organizados por moradores, além da imprensa escrita e eletrônica. Por fim, acompanhamos a Audiência da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara sobre o Extermínio de Jovens Negros no Brasil, realizada em São Paulo no ano de 2015.

Assim, esta narrativa buscou conectar o material acima referido com os elementos de revisão de literatura. Esta revisão teve como principais referências os trabalhos de Michel Foucault sobre biopolítica e estudos brasileiros que abordam mais especificamente os temas da juventude, da violência de Estado e do governo da vida. Aportes da criminologia crítica e de elementos sobre a história das cidades no Brasil permitiram problematizar as associações e interseções entre periculosidade, pobreza e raça, bem como sobre o controle social com base no discurso do crime.

Muito além do Panóptico, a Praça Sete Jovens, sob controle a céu aberto, é palco da luta de frequentadores, especialmente jovens, contra a captura das lógicas históricas que produzem as classes perigosas, decidem quem pode viver e quem deve morrer (Foucault, 2010Foucault, M. (2010). Em defesa da sociedade. São Paulo, SP: Martins Fontes.) e fazem das políticas de segurança, muitas vezes, uma “guerra aos pobres”. Porém, jovens e moradores, ao criarem modos de afirmarem um espaço público e ao se afirmarem neste lugar, “forjam... uma experiência direta, concreta, dramática e corpórea da realidade[...] um modo de subjetivar-se em meio à opressão, ao estigma e à violência” (Vicentin, 2011Vicentin, M. C. G. (2011). Corpos em rebelião e o sofrimento-resistência. Adolescentes em conflito com a lei. Tempo Social Revista de Sociologia, 23(1), 97-113. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-20702011000100005
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, pp. 102-103). São vidas que se arriscam à prisão ou à morte, tal qual uma rebelião.

A Brasilândia e o Jardim Elisa Maria

O município de São Paulo é composto por 96 distritos, com trinta e duas subprefeituras. A Brasilândia situa-se na zona noroeste da cidade de São Paulo, abrangendo uma área de 21 km2, com uma população local atualmente estimada em 264.918 habitantes (Rosa, 2016Rosa, E. Z. (2016). Por uma reforma psiquiátrica antimanicomial: O papel estratégico da atenção básica para um projeto de transformação social (tese de doutorado). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.).

Segundo o Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo –LabHab (Universidade de São Paulo – USP, 2003Universidade de São Paulo - USP, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, & Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos. (2003). Programa Bairro Legal. Plano de Ação Habitacional e Urbanismo. São Paulo, SP: USP. Recuperado de http://ispcv.org.br/store/Bairro_Legal__Relatorio_de_Diagnostico11113028994.%20Jardim%20Angela
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), a cidade de São Paulo combina a herança colonial de arcaicas relações de trabalho e de posse de terra com a modernidade: o fim da mão de obra escrava significou o estabelecimento do trabalho assalariado marcado pela “dominação pessoal” e pela “troca de favores”; o fim do tráfico negreiro, com a Lei de Terras, ao instituir a propriedade das terras mediante compra e venda, afastou qualquer possibilidade de imigrantes e de negros até então escravizados se tornarem proprietários: essas condições foram historicamente consolidadas “ por um aparato legal e um mercado imobiliário controlado pelas elites [...]” (pp. 12-13).

Nesta perspectiva, o LabHab (USP, 2003Universidade de São Paulo - USP, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, & Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos. (2003). Programa Bairro Legal. Plano de Ação Habitacional e Urbanismo. São Paulo, SP: USP. Recuperado de http://ispcv.org.br/store/Bairro_Legal__Relatorio_de_Diagnostico11113028994.%20Jardim%20Angela
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) aponta que o crescimento periférico de São Paulo se dá por ações deliberadas do Estado: “terra e trabalho sempre segregaram na cidade as classes populares” (p. 14). O resultado desta ação deliberada são as periferias da cidade de São Paulo: “assentamentos humanos excluídos do mercado formal” (p. 14), onde predominam a casa autoconstruída, favelas ou apartamentos precários nos conjuntos habitacionais que tiveram início a partir, especialmente, dos anos 1950.

Foi nesta época que começaram os loteamentos no território da Brasilândia, até então constituído por inúmeros sítios e chácaras que pertenciam às famílias descendentes de portugueses e italianos (Associação Cantareira, 2012Associação Cantareira. (2012). Série De olho na história. Jornal Cantareira, Noticias. Recuperado de http://www.cantareira.org/noticias/periferia-brasilandia-vila-brasilandia
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).

Além da população que foi sendo expulsa do centro da cidade de São Paulo por causa da especulação imobiliária, a região recebeu um grande fluxo de migrantes do nordeste do país, que fugiam da seca em seus estados, e de famílias vindas do interior do estado de São Paulo, em busca de oportunidades de trabalho (Rosa, 2016Rosa, E. Z. (2016). Por uma reforma psiquiátrica antimanicomial: O papel estratégico da atenção básica para um projeto de transformação social (tese de doutorado). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.).

Aqueles que não tinham dinheiro para comprar os lotes ocupavam. Segundo Hughes (2003)Hughes, P. J. A. (2003). Periferia: Um estudo sobre a segregação socioespacial na cidade de São Paulo (Tese de doutorado). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil., a ocupação foi crescendo nas imediações da Serra da Cantareira, fazendo com que tanto as moradias quanto os equipamentos públicos fossem instalados em áreas de risco de inundações e deslizamentos.

O bairro Jardim Elisa Maria formou-se na década de 1980, no contexto do recrudescimento da crise econômica brasileira: com os lotes comprados ou ocupados teve início as reivindicações por luz, água, esgoto, asfalto e tantas outras coisas que viriam com o tempo.

Contam-nos os moradores que foi a prefeitura de Luiza Erundina que possibilitou a participação de lideranças da região, principalmente de esquerda, nos processos decisórios da administração pública da região. Na época, os moradores combinaram que apoiariam a candidatura de Erundina para as eleições municipais de 1988, caso pudessem escolher os nomes das ruas. E assim foi: rua Carlos Lamarca, rua Patrice Lumumba, rua Pedro Pomar, escadão Olga Benário, rua Carlos Marighella, entre outros.

Exatamente entre os bairros Jardim Elisa Maria e Jardim Teresa havia um terreno de aproximadamente 22.000 m2 chamado de Pastão. Era um matagal, onde as pessoas jogavam bola, mas onde também desovavam corpos e entulhos.

O Pastão situava-se na Rua Pedro Pomar e foi motivo de muitas disputas na região. Investidas do governo e dos próprios moradores atribuíam-lhe variados projetos: hospital, escola, campo de futebol, etc. Alvo de muitas tentativas de ocupação, o Pastão era defendido pelos moradores mais antigos porque queriam que ali fosse o espaço de lazer da região. Foi assim que surgiu a ideia de transformá-lo em uma praça pública.

A sustentação de um espaço público para o lazer foi e continua sendo, para alguns moradores do bairro, razão de muita luta. Podemos dizer que se trata de uma luta histórica no Brasil: a circulação e o lazer das classes populares nos espaços públicos. Circulações que foram tornadas temidas. Acompanhar esse temor é dar visibilidade à construção de controles sobre a população pobre e sua circulação por meio da intersecção entre periculosidade, pobreza e raça, ao longo da história do Brasil. É também seguir a pista dos nomes das ruas da região.

Sobre o perigo das ruas

A partir da segunda metade do século XIX as ruas se tornaram espaços temidos. Temidos porque, como aponta Augusto (2013)Augusto, A. (2013). Política e polícia: Cuidados, controles e penalizações de jovens. Rio de Janeiro, RJ: Lamparina., eram ocupados por negros fugitivos das senzalas, revoltosos dos quilombos, capoeiristas. Nas ruas circulavam desajustados, vadios, ociosos, revolucionários, rebeldes, insurgentes. O medo e o perigo estavam associados à presença dos negros e à prática da capoeira, o que passou a justificar a contenção e o encarceramento dos habitantes destas ruas (p. 43).

De fato, a produção do medo foi uma importante chave de manutenção e fortalecimento dos interesses da classe senhorial brasileira, em detrimento daqueles que passaram a ser considerados perigosos, conforme discute Batista (2003)Batista, V. M. (2003). Difíceis ganhos fáceis: Drogas e juventude pobre no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ: Revan.. Um grande temor tomou conta dos proprietários de terra quando os levantes e as revoltas urbanas se multiplicaram em todo o país: a Cabanagem, no Pará (1831); os Malês, na Bahia (1835); a Farroupilha, no Sul (1835); a Sabinada, na Bahia (1837); entre outros. Explica Batista (2003)Batista, V. M. (2003). Difíceis ganhos fáceis: Drogas e juventude pobre no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ: Revan.: as oligarquias temiam principalmente os abolicionistas.

Depois da abolição, “o negro, como liberto, continuou a ser alvo do poder, não mais como escravo, mas como segmento preferencial da massa disforme que se convencionou denominar, no século XIX, de classes perigosas” (Azevedo, 2003Azevedo, J. E. (2003). Policia Militar: Procedências políticas de uma vigilância acentuada (Tese de doutorado). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil., p. 92).

Chalhoub (2006)Chalhoub, S. (2006). Cidade febril: Cortiços e epidemias na corte imperial. Rio de Janeiro, RJ: Companhia das Letras. destaca que a expressão “classes perigosas” surgiu na primeira metade do século XIX, designando um “grupo social formado à margem da sociedade”, ou ainda “indivíduos que já haviam abertamente escolhido uma estratégia de sobrevivência que os colocava à margem da lei” (p. 20). Esta expressão aparece como eixo importante no debate parlamentar ocorrido na Câmara dos Deputados do Império do Brasil em maio de 1888. Temerosos “com as consequências da abolição para a organização do trabalho” (p. 20), entrou na pauta um projeto de lei que pretendia reprimir a ociosidade dos libertos, considerados potencialmente criminosos. Esse projeto amalgamou a ideia de ócio à de crime1 1 Foucault (2015) discute como a vagabundagem a partir do século XVIII será “a matriz geral do crime”. O que deve ser punido é a vagabundagem: “o ingresso no mundo da delinquência está no fato de vaguear, de não estar fixo a uma terra, de não ser determinado por um trabalho” (p. 43). .

Como livrar as ruas dos ociosos agora tornados criminosos?

Segundo Coimbra (2001)Coimbra, C. M. B. (2001). Operação Rio: O mito das classes perigosas. Rio de Janeiro, RJ: Oficina do Autor., um conjunto de teorias científicas referidas, principalmente, na ciência que emerge na Europa no século XIX irá embasar a periculosidade das consideradas classes perigosas. Estas teorias científicas, especialmente as de caráter biológico, estão intimamente ligadas ao movimento eugênico brasileiro, cujo “coroamento” encontra-se no movimento higienista (Coimbra, 2001Coimbra, C. M. B. (2001). Operação Rio: O mito das classes perigosas. Rio de Janeiro, RJ: Oficina do Autor., pp. 88-89)2 2 Azevedo (2003) discute como o surgimento das cidades brasileiras foi marcado por dois padrões: Primeiro, o padrão centro/periferia: o centro, reservado para as classes médias burguesas, e a periferia para os pobres, empurrados para as favelas. Segundo, o padrão da guerra de raças, brancos e negros: foco de doenças, os cortiços passaram a ser destruídos pelas brigadas demandadas pelos “racialmente puros” (pp. 102-103). .

Além da ociosidade, as classes pobres passam a ser vistas como perigosas também porque ofereciam o perigo do contágio: suas habitações, seus modos de se relacionar, enfim, seus modos de estar no mundo tornavam-se riscos de transmissão de doenças contagiosas (Coimbra, 2001Coimbra, C. M. B. (2001). Operação Rio: O mito das classes perigosas. Rio de Janeiro, RJ: Oficina do Autor.).

Na passagem do Império para a República, as ruas eram também palco das revoltas de operários imigrantes que chegaram ao Brasil fugindo da miséria ou de perseguições dos governos europeus, tais como os anarquistas. Com a chegada destes imigrantes, o número de habitantes da cidade de São Paulo cresceu consideravelmente. Eles trabalhavam nas fábricas e moravam geralmente em cortiços e vilas operárias. Crianças e jovens também trabalhavam nas fábricas, mas alguns ocupavam as ruas, fugiam e eram perseguidos, considerados desordeiros e ladrões (Augusto, 2013Augusto, A. (2013). Política e polícia: Cuidados, controles e penalizações de jovens. Rio de Janeiro, RJ: Lamparina.).

Assim os espaços públicos onde circulavam estas crianças e jovens passaram a ser cada vez mais desqualificados e o controle sobre a população pobre foi se intensificando. Tratava-se de limpar as ruas, de tirar das ruas crianças e jovens, os insubordinados em geral. (Coimbra, 2001Coimbra, C. M. B. (2001). Operação Rio: O mito das classes perigosas. Rio de Janeiro, RJ: Oficina do Autor.).

Os pobres que trabalhavam e mantinham a “família unida” eram os “pobres dignos”, cujos filhos deveriam ser afastados de “ambientes viciosos”. Porém, aqueles que não trabalhavam eram os “viciosos”: portadores de delinquência e libertinos, encarnação do “perigo social” que deveria ser erradicado (Coimbra, 2001Coimbra, C. M. B. (2001). Operação Rio: O mito das classes perigosas. Rio de Janeiro, RJ: Oficina do Autor., p. 91).

A virada do século XIX ocorreu com turbulentas lutas sindicais, fato que, como explica Batista (2003)Batista, V. M. (2003). Difíceis ganhos fáceis: Drogas e juventude pobre no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ: Revan., fez com que a burguesia precisasse “equipar o sistema penal com medidas que punissem além do crime” (p. 68). É neste contexto que surgem as medidas de segurança. A Justiça de Menores instituída em 1923, criando o Juizado de Menores e, posteriormente, o Código de Menores (promulgado em 1927), se pautou por estas ideias (Batista, 2003Batista, V. M. (2003). Difíceis ganhos fáceis: Drogas e juventude pobre no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ: Revan.).

Aponta Batista (2003)Batista, V. M. (2003). Difíceis ganhos fáceis: Drogas e juventude pobre no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ: Revan. que foi neste momento que a palavra menor ganhou sua associação definitiva com a criança pobre, a ser tutelada pelo Estado. A Justiça de Menores enfatiza “histórias de miséria e exclusão em que pequenas infrações introduzem crianças e jovens pobres a um processo de criminalização que apenas reedita o processo de marginalização a que estavam submetidos” (pp. 133-134).

Augusto (2013)Augusto, A. (2013). Política e polícia: Cuidados, controles e penalizações de jovens. Rio de Janeiro, RJ: Lamparina. chama a atenção para o “princípio preventivo” do que se institui neste momento: a indistinção entre jovem infrator e o jovem considerado carente torna este último um ator potencial de infração da lei. Ambos, agora em nome da prevenção, deverão ser recolhidos (pp. 58-59).

No Estado Novo esse investimento governamental foi ampliado, combinando “repressão policial com assistência social”, anunciando o surgimento da “cidade carcerária em São Paulo”, construída em torno do problema das crianças e adolescentes, e também da repressão aos trabalhadores rebeldes (Augusto, 2013Augusto, A. (2013). Política e polícia: Cuidados, controles e penalizações de jovens. Rio de Janeiro, RJ: Lamparina., p. 61).

Tirar das ruas consiste na configuração da cidade carcerária, enviá-los para dentro de escolas, prisões e instituições de recolhimento. Educar para a obediência crianças e jovens é uniformizá-los em instituições estatais de ensino; quando eles se desviam deste objetivo, são confinados em instituições austeras para garantir a ordem pública com segurança (Augusto, 2013Augusto, A. (2013). Política e polícia: Cuidados, controles e penalizações de jovens. Rio de Janeiro, RJ: Lamparina., p. 62)3 3 Em 1940, edita-se o Código Penal Brasileiro, e a idade para a imputabilidade penal se define aos 18 anos. Em 1942 se cria o SAM (Serviço de Assistência ao Menor) no Rio de Janeiro, órgão do Ministério da Justiça, de orientação correcional-repressiva. O SAM se estruturou sob a forma de reformatórios, casas de correção, patronatos agrícolas e escolas de aprendizagem de ofícios urbanos (Batista, 2003). Em São Paulo, o correlato ao SAM foi instituído em 1954: Recolhimento Provisório de Menores (RPM), para os então considerados infratores, entre 14 e 18 anos (Augusto, 2013). .

Com as políticas trabalhistas fomentadas por Getúlio Vargas, Coimbra (2001)Coimbra, C. M. B. (2001). Operação Rio: O mito das classes perigosas. Rio de Janeiro, RJ: Oficina do Autor. destaca um outro grupo que passa a compor as chamadas classes perigosas: os que “não têm carteira de trabalho”, em contraposição aos que “têm carteira de trabalho”, considerados os “pobres decentes”. Os demais, sejam eles desempregados, subempregados, informais, passam a compor as classes perigosas, em sua maioria moradores das favelas e periferias (pp. 111-112).

Décadas depois, os migrantes também irão engrossar as classes perigosas. Por volta dos anos 1970, vindos de zonas rurais, inicialmente dos estados do Norte e Nordeste, foram considerados “despreparados e incapazes para se adaptar à vida urbana” (Coimbra, 2001Coimbra, C. M. B. (2001). Operação Rio: O mito das classes perigosas. Rio de Janeiro, RJ: Oficina do Autor., p. 114).

Ao produzir um novo pacto político-social, Batista (2003)Batista, V. M. (2003). Difíceis ganhos fáceis: Drogas e juventude pobre no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ: Revan. ressalta que o golpe militar de 1964 aprofunda o caráter autoritário do Estado brasileiro, de acordo com a doutrina de segurança nacional. Cria-se a Política Nacional de Bem-Estar do Menor e, com a expansão dos controles regulatórios, um novo Código de Menores é instituído em 1979, dirigido aos menores “em situação irregular”. São também criadas a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem) e a Fundação Estadual para o Bem-Estar do Menor (Febem), executoras estaduais4 4 Destaca Batista (2003) que a Funabem “passa a atuar como propagadora de ideologia, com discurso fortalecedor das representações negativas da juventude pobre, prenhe dos discursos darwinistas sociais e dos determinismos da virada do século” (p. 78). .

Logo após o período da ditadura civil-militar, Coimbra (2001)Coimbra, C. M. B. (2001). Operação Rio: O mito das classes perigosas. Rio de Janeiro, RJ: Oficina do Autor. chama a atenção para o fato de que a violência se tornou uma questão/tema nacional. Ressalta a forma com que determinadas “ondas de violência” foram veiculadas pela mídia: produzindo medo e pânico nas classes médias e altas, alimentando o investimento na segurança pública e privada. Esses crimes e ondas de violência estavam referidos aos marginais: aos pobres que atingiam as áreas nobres da cidade –uma atualização dos perigosos. Com o fundamental apoio da mídia e dos políticos, a violência passou a ser o tema nacional, juntamente com a questão da segurança pública, e simultaneamente com a crise do regime militar.

Caldeira (2011)Caldeira, T. P. R. (2011). Cidade de muros: Crime, segregação e cidadania em São Paulo (3a ed.). São Paulo: Editora 34., ao pesquisar o aumento do crime violento no Brasil, afirma que ele está associado à reação negativa de determinados “grupos sociais” à “ampliação da arena política” e à consolidação da democracia do país: “Esses grupos encontraram no problema do crime uma forma de articular sua oposição” (p. 55).

Em tempos de democracia5 5 Cabe sinalizar que, com a constituição de 1988 e a promulgação do ECA em 1990, outra lógica passa a regular o governo da vida de crianças e adolescentes: a passagem da categoria “menor” para a de sujeito de direitos. Crianças e adolescentes, sujeitos de direitos, são agora compreendidos enquanto sujeitos em desenvolvimento. Coimbra e Nascimento (2005) esclarecem que o ECA preconiza a lógica da “proteção integral”, “retirando o princípio da ‘situação irregular’ recusando a prática da internação como primeiro e principal recurso das medidas chamadas de assistência à infância e à adolescência”. Porém, como alertam as autoras, a condição de “menor”, construída historicamente e muito presente na subjetividade dos brasileiros, ainda se impõe na prática cotidiana (pp. 4-5). , será na relação com as drogas tornadas ilícitas que os “novos perigosos” serão construídos, não apenas eles, mas o espaço que habitam também. Seus destinos estarão atrelados à guerra às drogas (Aguiar, 2017Aguiar, C. C. T. (2017). A Praça Sete Jovens e a expansão do poder punitivo (Dissertação de mestrado), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.).

Esta guerra foi oficialmente declarada por Richard Nixon em 1971 e configura-se uma expansão do poder punitivo sem precedentes, no qual se explicita, segundo Karam (2013)Karam, M. L. (2013). Proibição às drogas e violação a direitos humanos. Recuperado de http://www.leapbrasil.com.br/textos
http://www.leapbrasil.com.br/textos...
, a associação entre guerra e sistema penal. As políticas de drogas ampliam sobremaneira as intervenções do sistema penal, instrumento central no controle dos considerados perigosos. É por meio da política de drogas que as leis de exceção se fazem presentes no período pós-ditadura.

Batista (2003)Batista, V. M. (2003). Difíceis ganhos fáceis: Drogas e juventude pobre no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ: Revan. problematiza que a política de drogas provocou a passagem de um modelo sanitário, em vigor desde 1914, para um modelo bélico, instaurado em 1964. Na transição da ditadura civil-militar para a democracia:

O inimigo, antes circunscrito a um pequeno grupo, se multiplicou nos bairros pobres, na figura do jovem traficante. Este jovem traficante, vítima do desemprego e da destruição do Estado pelo aprofundamento do modelo neoliberal, é recrutado pelo poderoso mercado de drogas. (Batista, 2003Batista, V. M. (2003). Difíceis ganhos fáceis: Drogas e juventude pobre no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ: Revan., p. 40).

Das minorias perigosas ao jovem traficante. Na mão inversa, o jovem traficante, por meio de uma atualização, faz ver o negro feito escravo, o imigrante, o anarquista, o marginal, o bandido. Na construção deste “inimigo” a ser combatido, Batista (2003)Batista, V. M. (2003). Difíceis ganhos fáceis: Drogas e juventude pobre no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ: Revan. evidencia a seletividade do sistema penal, no qual os jovens de classe média que fazem uso de drogas são considerados doentes, dependentes químicos, e os jovens pobres são criminosos: “o problema do sistema não é a droga em si, mas o controle específico da juventude considerada perigosa” (Batista, 2003Batista, V. M. (2003). Difíceis ganhos fáceis: Drogas e juventude pobre no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ: Revan., pp. 134-135).

Tal partição dos ilegalismos foi sinalizada por Foucault (2012)Foucault, M. (2012). Estratégia, poder-saber. Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária.. Os ilegalismos não são “um acidente” ou “uma imperfeição”, mas um elemento “positivo” que faz parte do funcionamento da sociedade: “Todo dispositivo legislativo providenciou espaços protegidos e aproveitáveis em que a lei pode ser violada, outros em que ela pode ser ignorada, outros, por fim, em que as infrações são sancionadas” (p. 35). Deste modo, no limite, considera o autor que a lei não foi feita para impedir tal ou tal tipo de comportamento, mas para diferenciar as maneiras de dobrar a própria lei. Isto se aplica ao comércio de drogas:

O tráfico de drogas se estende sobre uma espécie de tabuleiro de xadrez, com casas controladas e casas livres, casas proibidas e casas toleradas, permitidas a alguns, proibidas a outros. Apenas os pequenos peões são colocados e mantidos nas casas perigosas. Para os grandes lucros, a via está livre (Foucault, 2012Foucault, M. (2012). Estratégia, poder-saber. Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária., p. 35).

Do Pastão à Praça: uma guerra aos pobres

Voltemos à transformação do Pastão em Praça Pública, marcada por intensos acontecimentos, configurando uma guerra aos pobres.

Lima (2010)Lima, A. (Org.). (2010). Nossas memórias. São Paulo, SP: Coletivo Literatura Suburbana., em pesquisa sobre o surgimento dos bairros Jardim Teresa e Elisa Maria (bairros vizinhos), conta-nos que os moradores consideravam a falta de segurança como um dos principais problemas dos bairros periféricos, e que o Elisa Maria e o Jardim Teresa já foram considerados “um dos bairros mais violentos do mundo”, tendo em vista o número de homicídios: “O número de óbitos por homicídio de jovens do sexo masculino de 15 a 29 anos, por cem mil habitantes dessa faixa etária e sexo em 2007 foi de 87,79 homicídios. Esses dados são referentes à região da subprefeitura Freguesia/Brasilândia” (Lima, 2010Lima, A. (Org.). (2010). Nossas memórias. São Paulo, SP: Coletivo Literatura Suburbana., p. 11).

Ressalta-se que se, por um lado, os dados referentes aos homicídios de jovens trouxeram visibilidade para aspectos importantes sobre a Brasilândia, por outro, trouxeram políticas de segurança cujos efeitos serão abordados a seguir. Elemento fundamental das tecnologias de poder, como aponta Foucault (2010)Foucault, M. (2010). Em defesa da sociedade. São Paulo, SP: Martins Fontes., as estatísticas servem para estabelecer mecanismos reguladores sobre a população e constituem elemento central nas definições, monitoramentos e avaliações de políticas públicas, evidenciando um campo de disputas e de decisões.

Para os moradores o pico desta violência foi a chacina dos sete jovens.

Às 20h30 do dia 1o de setembro de 2007, próximo ao escadão Olga Benário no Jardim Elisa Maria, quatro encapuzados armados desceram gritando de um gol: “polícia, polícia, de costas na parede!” Em seguida começaram a atirar nos sete jovens que estavam por ali. Apenas um sobreviveu: ficou cego e paralítico. Os jovens estavam em frente à casa de um deles, na rua Carlos Marighella, local em que costumavam ficar6 6 Esta narrativa foi construída a partir das entrevistas realizadas com moradores do bairro. .

Os jovens assassinados foram: Damião Silva de Freitas, de 18 anos, Rafael Jesus da Rocha, de 20 anos, Douglas Ribeiro Francelino, de 17 anos, Robson Oliveira Novais Cavalcante, de 16 anos, os irmãos Francisco Itamar Lima da Silva, de 17 anos e Antônio Elias Lima da Silva, 27 anos. Leandro Siqueira, o Mineirinho, ainda está vivo, tinha 19 anos na época.

Segundo reportagem da Folha de São Paulo, de 3 de fevereiro de 2007Folha de São Paulo. (2007, 3 de fevereiro). 6 são mortos em chacina na zona norte de São Paulo. Folha de São Paulo, Cotidiano. Recuperado de https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0302200716.htm
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, nenhum dos mortos tinha antecedente criminal ou passagem na Febem.

Praticamente um mês depois deste crime, o governo do Estado de São Paulo, por meio da polícia, foi combater a violência na Brasilândia e pacificar o Elisa Maria, com a Operação Saturação. Segundo a página de notícias do Portal da Secretaria de Desenvolvimento Social do Estado de São Paulo –SEDS (Estado de São Paulo, 2008), foram mais de 600 policiais militares das Tropas Especiais de Choque que ocuparam o Pastão e imediações, a pedido do governador José Serra, por aproximadamente três meses. Esta ação deveria culminar em outra, a Virada Social, que reuniria órgãos públicos do estado e da prefeitura da capital, além de parceiros da sociedade civil, em prol da “promoção de segurança com bem-estar social” (Estado de São Paulo, 2008Estado de São Paulo, Secretaria de Desenvolvimento Social. (2008, 1 agosto). Virada social dá cara nova ao Jardim Elisa Maria. Portal do Governo, Últimas notícias. Recuperado de http://www.desenvolvimentosocial.sp.gov.br/lenoticia.php?id=573
http://www.desenvolvimentosocial.sp.gov....
).

Na página de notícias do Portal do Governo do Estado de São Paulo encontramos:

A “Virada Social” nasceu a partir de uma demanda do Programa de Governo do Estado para “criar condições à promoção da segurança por meio da inclusão e da cidadania”. O projeto foi idealizado pela Secretaria de Segurança Pública para atuar em regiões que registram altos índices de criminalidade. O Jardim Elisa Maria foi escolhido porque no local ocorreram três chacinas nos primeiros meses de 2007 [...]. No período em que o Choque permaneceu na região, do dia 13 de março a 1º de junho, além das ações de segurança, a Polícia Militar montou tendas com dentistas e médicos de seu corpo clínico, que realizaram a triagem, o atendimento odontológico e a prevenção de doenças bucais, além de palestras sobre gravidez precoce e doenças sexualmente transmissíveis. Os policiais deram dicas sobre combate a incêndios e primeiros-socorros, palestras sobre educação ambiental, advertência sobre os males ocasionados pelo consumo de drogas, promoveram recreação com as crianças e fizeram apresentações do canil, da cavalaria e do Corpo de Bombeiros (Estado de São Paulo, 2007Estado de São Paulo, Secretaria de Desenvolvimento Social. (2007, 6 setembro). Virada social: Nasce um novo Jardim Elisa Maria. saopaulo.sp.gov.br, SP Notícias. Recuperado de http://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/lenoticia.php?id=87524
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).

Por meio de ampla divulgação de dados referentes à criminalidade e do discurso do crime7 7 Ressaltamos aqui a ideia defendida por Caldeira (2011) de que os discursos praticados sobre os crimes geralmente tendem a reduzir sua complexidade, banalizando e atualizando mecanismos de apartação social e criminalização da pobreza, produzindo verdades em relação a certas lógicas de poder. , construiu-se um regime de verdade (Foucault, 2008Foucault, M. (2008). Microfísica do poder. Rio de Janeiro, RJ: Graal.) sustentado no argumento de que ali era um dos bairros mais violentos do mundo e de que os sentimentos de insegurança dos moradores deviam-se ao crime, aos homicídios a ele associados. Uma população insegura, vivendo em um bairro muito violento: eis o cenário para a instauração de uma política de governo, por meio de um plano local de promoção de segurança. O medo tomou conta da região e sua difusão faz parte de uma política de controle social (Batista, 2001).

A segurança se fez pela pacificação. Uma pacificação que instituiu discursos estratégicos na regulação de condutas.

Conta-nos um morador que os policiais ficavam nos mesmos lugares, todos os dias, e não importava quantas vezes você passasse por ali no dia, sempre era exigido um documento. Só circulava quem tinha documento! E quem não tinha? Se para ter documento, é preciso ter endereço, quem ocupa faz como? É preso?

Era tanta polícia que um dia um morador sugeriu fazer um muro de detenção em torno do Jardim Elisa Maria.

Segundo os frequentadores da Praça, o governo e a mídia disseminaram a ideia de que a chacina ocorreu porque os jovens eram do tráfico. Os discursos sobre as drogas já disputavam lugar nos discursos sobre as violências e a criminalidade, funcionando para justificar a Operação Saturação: uma ação de limpeza das ruas do Elisa Maria. Como aponta Passetti (2003)Passetti, E. (2003). Anarquismos e sociedade de controle. São Paulo, SP: Cortez., é com um novo inimigo –o narcotráfico –que as políticas penalizadoras se expandem.

Idealizado pela Secretaria de Segurança, a Operação Saturação e o Programa Virada Social buscaram atingir as áreas de vulnerabilidade tidas como violentas a partir de índices de criminalidade. Como vimos, estas áreas já faziam parte de uma política de ordenamento da cidade: foi para essas áreas que os pobres foram empurrados. Portanto, tratou-se de uma política para atingir os pobres, agora em uma ação similar à “política de tolerância zero”, na qual se busca punir pequenas infrações no espaço público para evitar os grandes crimes, tendo como efeito o alargamento do alcance e da intensidade da punição (Wacquant, 2008Wacquant, L. (2008). As duas faces do gueto. São Paulo, SP: Boitempo.).

O avesso da Virada: novos controles

No Programa Virada Social o governo passa a considerar a inclusão social como um fator de segurança pública. Com isso, uma significativa mudança se opera no tratamento dado aos perigosos, ou os suspeitos de até então: não se trata de tirá-los das ruas, mas sim de incluí-los. Mas do que se trata essa inclusão?

Com o Programa Virada Social outra iniciativa se aproximava, uma parceria com o Instituto Sou da Paz (ISP), organização da sociedade civil que surgiu com a campanha do desarmamento e que, desde 1999, realiza na cidade de São Paulo projetos voltados à prevenção da violência8 8 As citações a seguir fazem parte do material de sistematização do Projeto Praças da Paz SulAmérica, que nos foi entregue por um dos entrevistados, como parte da história da Praça. .

Em 2007 foi lançado o Praças da Paz SulAmérica, iniciativa do Instituto Sou da Paz em parceria com a Sul América Seguros. Com duração de aproximadamente três anos, o Projeto previa a construção de três praças em três distritos de São Paulo: Brasilândia (Elisa Maria), Lajeado e Jardim Ângela, com o objetivo de “interferir no fenômeno da violência”, por meio da

valorização do espaço público e de fortalecimento dos laços comunitários. O espaço público, considerado como lugar da diversidade, ao mesmo tempo em que se constitui como cenário de conflitos, proporciona o exercício da tolerância, do diálogo e do respeito à diferença, valores essenciais a uma convivência pacífica (Instituto Sou da Paz, 2011Instituto Sou da Paz. (2011). Projeto Praças da Sulamérica: Sistematização da metodologia. São Paulo, SP: Instituto Sou da Paz. Recuperado de http://www.soudapaz.org/upload/pdf/pra_as_da_paz_sulam_rica_sistematiza_o_da_metodologia.pdf
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).

De uma maneira geral, o Projeto Praças da Paz se propõe a intervir em espaços públicos, compreendidos também como “cenário de conflitos”, promovendo experiências de “participação cidadã” e envolvendo prioritariamente os jovens (Instituto Sou da Paz, 2011Instituto Sou da Paz. (2011). Projeto Praças da Sulamérica: Sistematização da metodologia. São Paulo, SP: Instituto Sou da Paz. Recuperado de http://www.soudapaz.org/upload/pdf/pra_as_da_paz_sulam_rica_sistematiza_o_da_metodologia.pdf
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). A noção de conflito com a qual trabalham foi desenvolvida pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância – Unicef (1996, apud Instituto Sou da Paz, 2011Instituto Sou da Paz. (2011). Projeto Praças da Sulamérica: Sistematização da metodologia. São Paulo, SP: Instituto Sou da Paz. Recuperado de http://www.soudapaz.org/upload/pdf/pra_as_da_paz_sulam_rica_sistematiza_o_da_metodologia.pdf
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):

O conflito é constitutivo da convivência democrática. Na democracia não existem os inimigos, mas os opositores: pessoas que pensam diferente, querem buscar os objetivos de outra forma, têm interesses distintos dos meus, que muitas vezes conflitam com eles, mas com as quais posso discutir e consensuar metas comuns, colocadas acima das divergências. A paz é o resultado de uma sociedade que é capaz de criar e aceitar regras para dirimir conflitos sem eliminar o outro nem física, nem social, nem psicologicamente (Unicef, 1996, apud Instituto Sou da Paz, 2011Instituto Sou da Paz. (2011). Projeto Praças da Sulamérica: Sistematização da metodologia. São Paulo, SP: Instituto Sou da Paz. Recuperado de http://www.soudapaz.org/upload/pdf/pra_as_da_paz_sulam_rica_sistematiza_o_da_metodologia.pdf
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, grifo nosso).

Esta noção de conflito afirma uma democracia em que não existem inimigos, mas opositores que, apesar de pensarem diferente, podem estabelecer consensos de metas. O conflito se resolveria com um consenso de metas entre aqueles que divergem, que “pensam diferente”.

Neste sentido, o jovem estava convidado a participar desde um lugar previamente definido: daquele que deveria consensuar metas. Um outro nível de pacificação parecia estar em jogo e dizia respeito a uma certa inclusão por meio de regras e condutas em torno do “pensar diferente”. Tratava-se de promover uma inclusão que pacifica.

No Elisa Maria, os jovens não foram os únicos convidados a participar, não eram os únicos que pensavam diferente: líderes sociais da comunidade fortemente engajados nas lutas políticas e entidades com potencial de articulação comunitária também foram incluídos. Assim, por meio de assembleias e reuniões, essas lideranças projetaram a construção da praça pública.

Durante este período, uma questão se colocou para as lideranças e moradores em geral: o projeto Praças da Paz tinha como um de seus eixos principais “a aproximação entre comunidade e polícia” (Instituto Sou da Paz, 2011Instituto Sou da Paz. (2011). Projeto Praças da Sulamérica: Sistematização da metodologia. São Paulo, SP: Instituto Sou da Paz. Recuperado de http://www.soudapaz.org/upload/pdf/pra_as_da_paz_sulam_rica_sistematiza_o_da_metodologia.pdf
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). Seria possível esta aproximação naquele momento, tendo em vista o desgaste produzido pela Operação Saturação e a crescente suspeita por parte de alguns moradores sobre a participação da polícia na chacina dos sete jovens?

Por outro lado, o projeto Praças da Paz previa algumas ações estratégicas com esse objetivo:

Este é um ponto delicado tratando-se de comunidades onde nem sempre os policiais agem respeitando os direitos individuais dos cidadãos e onde os laços de confiança foram quebrados. Esses vínculos precisam ser restabelecidos para reforçar a presença do Estado e fazer um contraponto ao suposto poder de grupos criminosos. Para incentivar a aproximação entre os moradores e a polícia, a equipe do projeto deve buscar, por exemplo, um contato mais institucional com o comando da região, e também no dia a dia como visitar a delegacia local e se aproximar dos profissionais da base comunitária. O educador [do Projeto] pode informar os moradores sobre alguns fóruns, como o Conselho Comunitário de Segurança, onde a comunidade poderá dialogar e até denunciar (caso avalie que seja necessário) eventuais abusos cometidos por membros da corporação local. À medida que vão acontecendo eventos na praça, o educador pode estimular uma relação mais próxima e respeitosa entre os moradores e a polícia, por exemplo, em uma das praças do projeto Praças da Paz Sul América foi organizada uma partida de futebol entre moradores e policiais que atuam na região [refere-se ao Elisa Maria] (Instituto Sou da Paz, 2011Instituto Sou da Paz. (2011). Projeto Praças da Sulamérica: Sistematização da metodologia. São Paulo, SP: Instituto Sou da Paz. Recuperado de http://www.soudapaz.org/upload/pdf/pra_as_da_paz_sulam_rica_sistematiza_o_da_metodologia.pdf
http://www.soudapaz.org/upload/pdf/pra_a...
, grifo nosso).

De uma maneira geral, podemos compreender que as estratégias para dirimir os conflitos entre moradores de zonas vulneráveis e a polícia foram: estabelecer laços de confiança para reforçar a presença do Estado, a partir da delegacia local, ou seja, por meio de sua polícia, devidamente justificada para fazer um “contraponto” a um “suposto poder de grupos criminosos”; estimular a participação dos moradores no Conselho Comunitário de Segurança para denunciar; e, finalmente, promover eventos na Praça entre moradores e policiais.

A confiança é convocada por apelo à suposição de grupos criminosos, por apelo à insegurança e ao medo, com objetivo de “reforçar” uma certa presença do Estado. Uma confiança que também pacifica.

Com a participação das lideranças no Conselho Comunitário de Segurança (Conseg), a dinâmica mudou:

[...] em vez de ser aquele lugar onde as pessoas decidiam –onde o comércio falava onde a polícia tinha que estar –acabou se transformando no lugar aonde a comunidade vai para denunciar a polícia militar, sua ação truculenta, para a própria polícia e exige uma resposta ali [...] A gente ia nas reuniões do Conseg e filmava e, em contraponto, a polícia militar filmava os moradores [...]. Vocês filmam de lá, a gente filma de cá. Vocês denunciam de lá, a gente denuncia daqui. Quando a gente começou a entender um pouco o movimento, a comunidade ocupou a presidência do Conseg (Diário de campo)9 9 Todas as citações não identificadas a seguir são extraídas do diário de campo. .

Apesar das tensões, o espaço considerado mais importante a ser ocupado naquele momento pelas lideranças locais foi o Conseg, e, com isso, teve início um combate de denúncias, por assim dizer, resultando numa radical associação: vigiar e denunciar para punir.

Implementou-se na região, especialmente na Praça que estava sendo construída, um modo de participação pautado na prática da denúncia, no autopoliciamento e no policiamento de outros. Um controle que vai de câmeras de monitoramento aos cidadãos-polícia (Passetti, 2003Passetti, E. (2003). Anarquismos e sociedade de controle. São Paulo, SP: Cortez.). Assim, a Praça estaria sob controle. Estaria segura?

Defende Passetti (2003)Passetti, E. (2003). Anarquismos e sociedade de controle. São Paulo, SP: Cortez. que é pela participação que o cidadão é “intimado” a denunciar e vigiar, cumprindo a função de policiar a si mesmo e aos outros (p. 157). A segurança que estava referida às instituições é substituída por um sistema de segurança tal que instaura um “sistema de visibilidades jamais alcançado pelo panóptico: o sistema funciona porque cada um também se transforma em polícia do outro” (Passetti, 2011Passetti, E. (2011). Fluxos libertários e segurança. Verve. revista semestral autogestionária do Nu-Sol, (20), 49-78., p. 71).

Porém, os conflitos se multiplicavam.... Em 2008, outro importante fato atravessou a vida dos moradores do Elisa Maria: o assassinato do responsável pela investigação da chacina dos sete jovens, o coronel José Hermínio Rodrigues. As investigações deste assassinato levaram ao reconhecimento da autoria de agentes do Estado nessa chacina da Zona Norte10 10 O Dossiê mapas do extermínio: execuções extrajudiciais e mortes pela omissão do Estado de São Paulo (Ação dos Cristãos...., 2009), ao denunciar o modus operandi das chacinas em São Paulo, bem como o descaso policial com que são tratadas, aponta que algumas delas acabam revelando seus agentes em função de outros acontecimentos, como no caso do assassinato do coronel José Hermínio Rodrigues, que investigava a chacina de 2007: “[...] a investigação [...] foi obrigada a reconhecer a autoria” de agentes do Estado nesta chacina na Zona Norte (p. 19). Recuperado em 5 de novembro de 2015, de: http://www.conectas.org/arquivos/editor/files/DOSSIE_pena%20de%20morte%20final%20ACAT%20(1).pdf . A suspeita da comunidade com relação à participação da polícia no brutal assassinato dos jovens em 2007 se confirmou e as tensões entre os moradores e a polícia se intensificaram.

Em dezembro de 2008 a Praça foi finalmente inaugurada e seu nome foi uma homenagem aos jovens assassinados: Praça Sete Jovens. Após sucessivas ações de segurança pública, o nome da Praça parece portar aqueles conflitos que não se resolvem por consenso de metas, não se pacificam.

Não vamos nos calar

A Praça Sete Jovens compreende uma área de 7.000 m2 e fica entre o Jardim Teresa e o Elisa Maria, na Brasilândia. Tem quadra de basquete, campo de futebol, parquinho e uma pista de skate muito disputada por ser uma das poucas na Brasilândia. Esta pista foi motivo de muita discussão entre os moradores durante a construção da Praça, pois temiam que ela trouxesse “as drogas para dentro da Praça”. Capturados pelo medo propagado pela guerra às drogas, o imaginário destes moradores instituiu o “espaço da droga na Praça”, atualizando o “lugar de perigo”, configuração que justifica a saturação de polícia.

Para os jovens frequentadores, a Praça Sete Jovens é um lugar de experimentações e de convivência. Quem sabe tocar violão, andar de skate, jogar basquete, futebol, ensina quem não sabe e quer aprender. Muitos desses jovens frequentam a Praça desde crianças.

Dentre as ocupações da Praça, o Samba do Bowl, evento cultural que acontece desde 2013, tem destaque. O Samba acontece dentro do bowl e reúne integrantes de outras ocupações e artistas da região, tornando-se um evento de intensa troca cultural, sustentando um espaço de prazer e de lazer.

Do outro lado da rua, em volta da Praça, encontramos uma série de casas residenciais, sendo que algumas funcionam como bar, pequeno mercado e uma igreja, a Bola de Neve.

Muitos moradores da região chamam a polícia para pôr ordem na Praça. Outro dia, duas adolescentes começaram a se bater, saindo da escola, próximo à Praça, uma puxando o cabelo da outra. A solução foi chamar a polícia.

Entre os moradores, há também os que não querem a Praça, porque acham que ali “só dá o que não presta”, referindo-se especialmente à suspeita do uso de drogas. Estes moradores produzem e reproduzem “verdades” sobre os frequentadores da Praça, principalmente os jovens: são drogados, doentes, enfim, perigosos –palavra-chave que faz instalar, entre a Praça e as casas, a ronda policial diária e, às vezes, mais de uma vez ao dia.

Para alguns jovens que frequentam a Praça: “[...] A polícia não aguenta a felicidade deles. A polícia não quer que ocupem a Praça, que se divirtam, que se encontrem”.

Pelas frestas, portas, grades e janelas, a Praça é vigiada e controlada, mas não está segura.

Por volta das duas horas da manhã do dia 16 de abril de 2014, véspera do feriado da Páscoa, várias pessoas estavam na Praça, quando dois homens encapuzados de preto chegaram andando e atiraram nos jovens sentados na mesa próxima à pista de skate. Morreram três e um sobreviveu11 11 Essa breve narrativa foi construída a partir de notícias veiculadas na internet por organizações sociais da região. .

Os jovens assassinados foram: Igor Caíque Silva, de 17 anos, Cleiton Martins de Oliveira de 18 anos e Marcos Vinícius de Oliveira, de 22 anos.

Mais uma vez, o governo e a grande mídia estiveram juntos na mesma narrativa: foi “assalto a um policial militar com troca de tiros”.

Para a rede de organizações sociais da região insiste a desconfiança quanto à participação de policiais na chacina, especialmente pelo questionamento quanto aos procedimentos policiais que sucederam este crime.

Na manhã do dia 30 de abril de 2014, quatorze dias depois da chacina, um novo crime ocorreu a 600 metros da Praça Sete Jovens: dois jovens assassinados e três gravemente feridos. O grupo de jovens estava em frente à casa de um deles, na calçada, onde costumavam ficar, quando dois homens se aproximaram e atiraram.

Os jovens assassinados foram os primos Lucas Otavio da Silva Lima e Matheus Jackson da Silva, ambos com 17 anos. Aqueles que conheciam estes jovens atestavam que eles não tinham envolvimento com o tráfico e nem com roubo.

A indignação frente aos modos pelos quais se narra e se silencia sobre o acontecido marca o enorme esforço de moradores da Brasilândia, especialmente de sua juventude, para dar visibilidade aos crimes: denunciaram e fizeram circular as palavras que não eram ditas e que se pretendia não saber, produzindo esquecimento.

Na luta para tornar públicos os crimes, a “cultura da bandidagem” foi assumida por alguns moradores como efeito de uma guerra aos pobres, que se manifesta inclusive nas tentativas de impedir que a palavra circule. Neste contexto, ressalta-se também a inviabilidade dos corpos chacinados nos registros policiais da capital paulista: no caso específico de chacinas, os registros da polícia referem-se a eventos, casos, e não a quantidade de vítimas.

Foi assim que os dramas das famílias dos jovens assassinados ganharam as ruas, a Praça, o Centro de Juventude Ruth Cardoso e o Observatório de Juventude da Zona Norte, o Movimento Mães de Maio, diversos coletivos de jovens, várias igrejas, passando pelos punks, pelos funkeiros. Do Terminal Cachoeirinha à zona sul da capital paulista, de blog em blog, de jornal a jornal. Estes crimes não são acontecimentos particulares ou isolados e torná-los públicos foi a estratégia vital de enfrentamento ao extermínio que estava em curso, ações de segurança.

Considerações finais

O trabalho empreendido pelos movimentos sociais e moradores para tornar públicos os crimes de 2014 nos levou a acompanhar um certo modo de produção de memória: a disputa por sentidos, pela produção da verdade, e pela ocupação do espaço público. Tornar pública uma chacina constitui um trabalho de arguição de certos regimes de verdade (Foucault, 2008Foucault, M. (2008). Microfísica do poder. Rio de Janeiro, RJ: Graal.), especialmente daqueles discursos que produzem, nos diferentes momentos históricos, os classificados como perigosos, numa longa história de práticas de controle e punição que operam pela associação e intersecção entre pobreza, raça e periculosidadade.

A construção do inimigo a ser eliminado, dos perigosos, a construção desta convicção, que é cotidianamente reafirmada pela grande mídia, implica todos nós, na medida em que o extermínio depende da conivência, ainda que pela indiferença, da população como um todo, e não apenas dos diretamente envolvidos. Um modo de gerir a cidade que tem transformado as periferias em campos de extermínio (Passetti, 2003Passetti, E. (2003). Anarquismos e sociedade de controle. São Paulo, SP: Cortez.).

Neste contexto, as chacinas deflagram questões e impasses políticos e sociais que dizem respeito ao conjunto da sociedade, embora sejam quase sempre noticiadas como particulares e isoladas. Apontam uma conflitividade complexa que é atravessada por discursos de resistência, de consentimento, de denegação e de desejo nos quais o extermínio, principalmente de jovens negros e da periferia, se organiza. São conflitos que não se pacificam.

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  • 1
    Foucault (2015)Foucault, M. (2015). A sociedade punitiva. São Paulo, SP: Martins Fontes. discute como a vagabundagem a partir do século XVIII será “a matriz geral do crime”. O que deve ser punido é a vagabundagem: “o ingresso no mundo da delinquência está no fato de vaguear, de não estar fixo a uma terra, de não ser determinado por um trabalho” (p. 43).
  • 2
    Azevedo (2003)Azevedo, J. E. (2003). Policia Militar: Procedências políticas de uma vigilância acentuada (Tese de doutorado). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. discute como o surgimento das cidades brasileiras foi marcado por dois padrões: Primeiro, o padrão centro/periferia: o centro, reservado para as classes médias burguesas, e a periferia para os pobres, empurrados para as favelas. Segundo, o padrão da guerra de raças, brancos e negros: foco de doenças, os cortiços passaram a ser destruídos pelas brigadas demandadas pelos “racialmente puros” (pp. 102-103).
  • 3
    Em 1940, edita-se o Código Penal Brasileiro, e a idade para a imputabilidade penal se define aos 18 anos. Em 1942 se cria o SAM (Serviço de Assistência ao Menor) no Rio de Janeiro, órgão do Ministério da Justiça, de orientação correcional-repressiva. O SAM se estruturou sob a forma de reformatórios, casas de correção, patronatos agrícolas e escolas de aprendizagem de ofícios urbanos (Batista, 2003Batista, V. M. (2003). Difíceis ganhos fáceis: Drogas e juventude pobre no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ: Revan.). Em São Paulo, o correlato ao SAM foi instituído em 1954: Recolhimento Provisório de Menores (RPM), para os então considerados infratores, entre 14 e 18 anos (Augusto, 2013Augusto, A. (2013). Política e polícia: Cuidados, controles e penalizações de jovens. Rio de Janeiro, RJ: Lamparina.).
  • 4
    Destaca Batista (2003)Batista, V. M. (2003). Difíceis ganhos fáceis: Drogas e juventude pobre no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ: Revan. que a Funabem “passa a atuar como propagadora de ideologia, com discurso fortalecedor das representações negativas da juventude pobre, prenhe dos discursos darwinistas sociais e dos determinismos da virada do século” (p. 78).
  • 5
    Cabe sinalizar que, com a constituição de 1988 e a promulgação do ECA em 1990, outra lógica passa a regular o governo da vida de crianças e adolescentes: a passagem da categoria “menor” para a de sujeito de direitos. Crianças e adolescentes, sujeitos de direitos, são agora compreendidos enquanto sujeitos em desenvolvimento. Coimbra e Nascimento (2005)Coimbra, C. M. B., & Nascimento, M. L. (2005). Ser jovem, ser pobre é ser perigoso? Universidade Federal Fluminense. Recuperado de http://www.slab.uff.br/images/Aqruivos/textos_sti/Cec%C3%ADlia%20Coimbra/texto23.pdf
    http://www.slab.uff.br/images/Aqruivos/t...
    esclarecem que o ECA preconiza a lógica da “proteção integral”, “retirando o princípio da ‘situação irregular’ recusando a prática da internação como primeiro e principal recurso das medidas chamadas de assistência à infância e à adolescência”. Porém, como alertam as autoras, a condição de “menor”, construída historicamente e muito presente na subjetividade dos brasileiros, ainda se impõe na prática cotidiana (pp. 4-5).
  • 6
    Esta narrativa foi construída a partir das entrevistas realizadas com moradores do bairro.
  • 7
    Ressaltamos aqui a ideia defendida por Caldeira (2011)Caldeira, T. P. R. (2011). Cidade de muros: Crime, segregação e cidadania em São Paulo (3a ed.). São Paulo: Editora 34. de que os discursos praticados sobre os crimes geralmente tendem a reduzir sua complexidade, banalizando e atualizando mecanismos de apartação social e criminalização da pobreza, produzindo verdades em relação a certas lógicas de poder.
  • 8
    As citações a seguir fazem parte do material de sistematização do Projeto Praças da Paz SulAmérica, que nos foi entregue por um dos entrevistados, como parte da história da Praça.
  • 9
    Todas as citações não identificadas a seguir são extraídas do diário de campo.
  • 10
    O Dossiê mapas do extermínio: execuções extrajudiciais e mortes pela omissão do Estado de São Paulo (Ação dos Cristãos...., 2009Ação dos Cristãos para a Abolição da Tortura, Associação AMPARARSP, Associação Amparo de Mães e Familiares de Vítimas da Violência, Centro de Capacitação da Juventude, Centro de Direitos Humanos de Sapopemba, Centro Santo Dias de Direitos Humanos, Comissão Teotônio Vilela, CONECTAS Direitos Humanos, Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, et al. (Orgs.). (2009). Dossiê mapas do extermínio: Execuções extrajudiciais e mortes pela omissão do Estado de São Paulo. São Paulo, SP: ACBT. Recuperado de http://www.conectas.org/arquivos/editor/files/DOSSIE_pena%20de%20morte%20final%20ACAT%20(1).pdf
    http://www.conectas.org/arquivos/editor/...
    ), ao denunciar o modus operandi das chacinas em São Paulo, bem como o descaso policial com que são tratadas, aponta que algumas delas acabam revelando seus agentes em função de outros acontecimentos, como no caso do assassinato do coronel José Hermínio Rodrigues, que investigava a chacina de 2007: “[...] a investigação [...] foi obrigada a reconhecer a autoria” de agentes do Estado nesta chacina na Zona Norte (p. 19). Recuperado em 5 de novembro de 2015, de: http://www.conectas.org/arquivos/editor/files/DOSSIE_pena%20de%20morte%20final%20ACAT%20(1).pdf
  • 11
    Essa breve narrativa foi construída a partir de notícias veiculadas na internet por organizações sociais da região.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2018

Histórico

  • Recebido
    18 Ago 2018
  • Aceito
    23 Ago 2018
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