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Relações Pessoa-Cidade: Mobilidade Urbana e Qualidade de Vida em Porto Alegre (RS)

Person-City Relationships: Urban Mobility and Quality of Life in Porto Alegre (RS)

Relaciones Persona-Ciudad: Movilidad Urbana y Calidad de Vida en Porto Alegre (RS)

Resumo

A estrutura e o planejamento dos espaços urbanos influenciam a relação pessoa-cidade, na qual a mobilidade urbana representa um importante fator, que impacta diretamente a qualidade de vida dos habitantes, pois implica acesso aos bens e serviços da cidade. Este estudo transversal buscou avaliar os preditores de percepção de qualidade de vida em três grupos de usuários, de acordo com seu modal de transporte prioritário (G1 - veículo particular/aplicativo de carros, G2 - transporte público coletivo e G3 - bicicleta/caminhada). Os participantes foram 417 moradores da cidade de Porto Alegre (RS), com idade entre 18 e 60 anos, pedestres ou que se utilizem de equipamentos de transporte urbano em sua rotina semanal. Os instrumentos contemplaram os blocos: dados sociodemográficos; percepção de qualidade de vida; meios de transporte e avaliação objetiva e afetiva da cidade. A análise de dados foi realizada utilizando-se regressão linear múltipla. Como resultados, foram obtidos três modelos, um para cada grupo. Todos apresentaram, como preditores de percepção de qualidade de vida, motivos para o uso do transporte prioritário e avaliação objetiva da cidade. Os preditores diferentes entre os grupos foram a idade mais elevada (G1); o fato de ter nascido na cidade e uma avaliação afetiva positiva da cidade (G2); e a experiência de relacionamento social devido ao meio de transporte (G3). O estudo contribuiu para um melhor entendimento dos fatores relacionados à mobilidade urbana que influenciam a percepção de qualidade de vida em centros urbanos.

Palavras-chave:
Mobilidade Urbana; Psicologia Ambiental; Qualidade de Vida; Sustentabilidade

Abstract

The structure and planning of urban spaces influence the person-city relationship, in which urban mobility represents an important factor, which directly impacts the quality of life of the inhabitants, since it implies access to the city’s goods and services. This cross-sectional study sought to assess the predictors of quality of life perception in three groups of users, according to their priority transportation modal (G1 - private vehicle/ride sharing apps, G2 - public transportation, and G3 - bicycle/walking). The participants were 417 residents of the city of Porto Alegre (state of Rio Grande do Sul - RS), aged between 18 and 60 years, pedestrians or who use urban transport equipment in their weekly routine. The instruments included: sociodemographic data; perception of quality of life; means of transportation; and objective and affective assessment of the city. Data analysis was performed using multiple linear regression. As a result, three models were obtained, one for each group. All of them presented reasons for using the priority transportation and objective assessment of the city as predictors of quality of life perception. The different predictors between the groups were the highest age (G1); the fact of being born in the city and a positive affective evaluation of the city (G2); and the experience of social relationships due to the means of transportation (G3). The study contributed to a better understanding of the factors related to urban mobility that influence the quality of life perception in urban centers.

Keywords:
Urban Mobility; Environmental Psychology; Quality of Life; Sustainability

Resumen

La estructura y la planificación de los espacios urbanos influyen en la relación persona-ciudad, en la que la movilidad urbana representa un factor importante, que tiene un impacto directo en la calidad de vida calidad de vida de los habitantes, ya que implica el acceso a los bienes y servicios de la ciudad. Este estudio transversal buscó evaluar los predictores de la percepción de calidad de vida en tres grupos de usuarios, de acuerdo con su modalidad de transporte prioritario (G1 - vehículo privado, aplicación de automóvil, G2 - transporte público colectivo y G3 - bicicleta/caminar). Los participantes fueron 417 residentes de la ciudad de Porto Alegre (RS), con edades entre 18 y 60 años, peatones o que utilizan equipos de transporte urbano en su rutina semanal. Los instrumentos incluyeron los bloques: datos sociodemográficos; percepción de calidad de vida; medios de transporte y evaluación objetiva y afectiva de la ciudad. El análisis de los datos se realizó mediante regresión lineal múltiple. Como resultado, se obtuvieron tres modelos, uno para cada grupo. Todos ellos presentaron, como predictores de percepción de calidad de vida, razones para usar el transporte prioritario y evaluación objetiva de la ciudad. Los predictores distintos entre los grupos fueron la edad más alta (G1); el haber nacido en la ciudad y una evaluación afectiva positiva de la ciudad (G2); y la experiencia de relaciones sociales debido al transporte (G3). El estudio contribuyó a una mejor comprensión de los factores relacionados con la movilidad urbana que influencian la percepción de calidad de vida en los centros urbanos.

Palabras clave:
Movilidad Urbana; Psicología Ambiental; Calidad de Vida; Sostenibilidad

Introdução

A expansão das cidades demonstra que os espaços urbanos representam, para grande parte da população, um ambiente de busca por oportunidades e diferentes possibilidades de vida, o que acarreta constante crescimento e diversificação das demandas populacionais (Terán, 2013Terán, J. A. (2013). Mobilidade urbana. Scortecci.). Atualmente, mais da metade da população mundial reside em espaços urbanos (World Health Organization [WHO], 2016World Health Organization & UN-Habitat. (‎2016)‎. Global report on urban health: Equitable healthier cities for sustainable development. https://bit.ly/3VcGp0k
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) e, no Brasil, esse número já passa de 80% (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2010Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2010). Censo demográfico 2010. https://bit.ly/3fMv86B
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). No contexto brasileiro, o crescimento das cidades foi acelerado, passando de 82 milhões para 160 milhões de pessoas residentes em áreas urbanas em apenas 30 anos, o que tornou o planejamento insuficiente e a organização destes espaços uma problemática em constante análise (IBGE, 1980Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (1980). Censo demográfico 1980: Dados gerais, migração, instrução, fecundidade, mortalidade. https://bit.ly/3Tc4Qt7
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, 2010Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2010). Censo demográfico 2010. https://bit.ly/3fMv86B
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; Vasconcellos, Carvalho, & Moraes, 2011Vasconcellos, E. A., Carvalho, C. H. R., & Pereira, R. H. M. (2011). Transporte e mobilidade urbana [Texto para discussão, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada]. Repositório institucional Ipea. https://bit.ly/3fVF11R
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).

A cidade pode ser vista como um sistema complexo e dinâmico, que funciona através de redes e relações, assim como um organismo, que vive a partir de conexões internas e externas (Prytherch & Cidell, 2015Prytherch, D., & Cidell, J. (2015). Transportation, mobilities, and rethinking urban geographies of flow. In J. Cidell & D. Prytherch (Eds.), Transport, mobility, and the production of urban space (pp. 19-41). Routledge.). A mobilidade urbana é o processo de comunicação e de deslocamento nas cidades, garantindo o fluxo e o movimento necessário para a funcionalidade do espaço urbano (Sheller, 2015Sheller, M. (2015). Mobilizing transportation, transporting mobilities. In J. Cidell & D. Prytherch (Eds.), Transport, mobility, and the production of urban space (pp. 11-18). Routledge. https://doi.org/10.4324/9781315709680-2
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). Dentre os elementos que constituem a mobilidade urbana, há os meios de transporte, responsáveis por proporcionar o deslocamento das pessoas e das mercadorias pelo espaço. Eles possibilitam o acesso aos dispositivos de saúde, educação, consumo, lazer e trabalho, e, por outro lado, quando não disponíveis e acessíveis, limitam o direito à cidade e criam desigualdades sociais (Cao & Wang, 2016Cao, J., & Wang, D. (2016). The association between travel and satisfaction with travel and life: Evidence from the Twin Cities. In D. Wang & S. He (Eds.), Mobility, sociability and well-being of urban living (pp. 151-168) Springer. https://doi.org/10.1007/978-3-662-48184-4_8
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; Soares & Oliveira, 2017Soares, M. Q., & Oliveira, F. S. (2017). Mobilidade urbana e comportamento. Disciplinarum Scientia, 18(1), 181-190.). Representam, também, importantes mediadores da relação com a cidade, pois modificam o ponto de vista e a experiência da pessoa que se locomove (Terán, 2013Terán, J. A. (2013). Mobilidade urbana. Scortecci.).

A dinâmica dos transportes e como estes se relacionam e modificam a estrutura da cidade configura uma disputa social e territorial. Os aspectos econômicos e políticos interagem com aspectos sociais, populacionais e simbólicos, os quais são muitas vezes antagônicos e entram em embate. Esta disputa resulta na sempre inacabada construção, negociação e planejamento da dinâmica da mobilidade no espaço urbano, elemento que tem impacto direto na vida de todas as pessoas que residem na cidade (Araújo et al., 2011Araújo, M. R. M., Oliveira, J. M., Jesus, M. S., Sá, N. R., Santos, P. A. C., & Lima, T. C. (2011). Transporte público coletivo: Discutindo acessibilidade, mobilidade e qualidade de vida. Psicologia & Sociedade, 23(3), 574-582. https://dx.doi.org/10.1590/S0102-71822011000300015
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; Soares & Oliveira, 2017Soares, M. Q., & Oliveira, F. S. (2017). Mobilidade urbana e comportamento. Disciplinarum Scientia, 18(1), 181-190.). Os resultados, manifestos através de políticas de transporte urbano, demonstram a priorização e o incentivo aos meios de transporte individuais e motorizados, que geram maior lucro, em detrimento das demandas por transportes acessíveis e de qualidade para a população (Hanson, 2015Hanson, S. (2015). Transportation geographies and mobilities studies: Toward collaboration. In J. Cidell & D. Prytherch (Eds.), Transport, mobility, and the production of urban space (pp. 3-11). Routledge. https://doi.org/10.4324/9781315709680-1
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; Sheller, 2015Sheller, M. (2015). Mobilizing transportation, transporting mobilities. In J. Cidell & D. Prytherch (Eds.), Transport, mobility, and the production of urban space (pp. 11-18). Routledge. https://doi.org/10.4324/9781315709680-2
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).

Desde os anos 1950, no Brasil, é priorizado o investimento em indústrias automobilísticas e em veículos terrestres motorizados, lançados como melhor alternativa para o transporte da população e de mercadorias (Soares & Oliveira, 2017Soares, M. Q., & Oliveira, F. S. (2017). Mobilidade urbana e comportamento. Disciplinarum Scientia, 18(1), 181-190.). A frota de carros aumentou 136% em 10 anos em comparação ao crescimento de 12% da população nesse mesmo período (Rubim & Leitão, 2013Rubim, B., & Leitão, S. (2013). O plano de mobilidade urbana e o futuro das cidades. Estudos Avançados, 27(79), 55-66. https://dx.doi.org/10.1590/S0103-40142013000300005
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). Apesar de servirem apenas 20% da população urbana, os carros ocupam cerca de 80% do espaço de trânsito das cidades (Cavalcante et al., 2012Cavalcante, S., Elali, G., Elias, T. F., Pinto, H. S. B. S., Araújo, Â. M. C., Carvalho, M. P., & Souza, O. D. N. (2012). O significado do carro e a mobilidade cotidiana. Revista Mal-Estar e Subjetividade, 12(1-2), 359-388.). Embora tenham facilitado a vida cotidiana de parte da população, têm contribuído, de forma significativa, para a emissão de gases estufa, agravando as condições ambientais (Rubim & Leitão, 2013Rubim, B., & Leitão, S. (2013). O plano de mobilidade urbana e o futuro das cidades. Estudos Avançados, 27(79), 55-66. https://dx.doi.org/10.1590/S0103-40142013000300005
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; Vasconcellos et al., 2011Vasconcellos, E. A., Carvalho, C. H. R., & Pereira, R. H. M. (2011). Transporte e mobilidade urbana [Texto para discussão, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada]. Repositório institucional Ipea. https://bit.ly/3fVF11R
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).

A escolha da população por meios de transporte motorizados individuais se dá não só pelo intensivo investimento em infraestrutura e pelas facilidades de compra. Existem também motivações afetivas, vinculadas à sensação de controle do tempo, de liberdade, de independência, de conforto e da adrenalina gerada pelo seu uso (Ettema, Friman, Gärling, & Olsson, 2016Ettema, D., Friman, M., Gärling, T., & Olsson, L. E. (2016). Travel mode use, travel mode shift and subjective well-being: Overview of theories, empirical findings and policy implications. In D. Wang & S. He (Eds.), Mobility, sociability and well-being of urban living (pp. 129-150) Springer. https://doi.org/10.1007/978-3-662-48184-4_7
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; Gatersleben & Uzzell, 2007Gatersleben, B., & Uzzell, D. (2007). Affective appraisals of the daily commute: Comparing perceptions of drivers, cyclists, walkers, and users of public transport. Environment and Behavior, 39(3), 416-431. https://doi.org/10.1177/0013916506294032
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). Também, no âmbito simbólico, representa status de poder e prestígio social (Araújo et al., 2011Araújo, M. R. M., Oliveira, J. M., Jesus, M. S., Sá, N. R., Santos, P. A. C., & Lima, T. C. (2011). Transporte público coletivo: Discutindo acessibilidade, mobilidade e qualidade de vida. Psicologia & Sociedade, 23(3), 574-582. https://dx.doi.org/10.1590/S0102-71822011000300015
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; Soares & Oliveira, 2017Soares, M. Q., & Oliveira, F. S. (2017). Mobilidade urbana e comportamento. Disciplinarum Scientia, 18(1), 181-190.).

Os carros e as motos são responsáveis por impactos negativos para a saúde das pessoas, pois ampliam o sedentarismo, agravam problemas no sistema respiratório, contribuem para a elevação das taxas de doenças cardíacas, causam grande quantidade de acidentes de trânsito, ampliam a poluição sonora e visual e diminuem o uso de espaços coletivos da cidade (Vasconcellos et al., 2011Vasconcellos, E. A., Carvalho, C. H. R., & Pereira, R. H. M. (2011). Transporte e mobilidade urbana [Texto para discussão, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada]. Repositório institucional Ipea. https://bit.ly/3fVF11R
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). Ainda, acabam não cumprindo plenamente sua principal utilidade, que é facilitar a mobilidade na cidade, especialmente no caso dos carros, por gerarem maior congestionamento e, consequentemente, aumento do tempo de viagem para toda a população (Araújo et al., 2011Araújo, M. R. M., Oliveira, J. M., Jesus, M. S., Sá, N. R., Santos, P. A. C., & Lima, T. C. (2011). Transporte público coletivo: Discutindo acessibilidade, mobilidade e qualidade de vida. Psicologia & Sociedade, 23(3), 574-582. https://dx.doi.org/10.1590/S0102-71822011000300015
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; Cavalcante et al., 2012Cavalcante, S., Elali, G., Elias, T. F., Pinto, H. S. B. S., Araújo, Â. M. C., Carvalho, M. P., & Souza, O. D. N. (2012). O significado do carro e a mobilidade cotidiana. Revista Mal-Estar e Subjetividade, 12(1-2), 359-388.).

Dentre os modais coletivos de transporte, o ônibus é o mais utilizado no Brasil (Silveira & Cocco, 2013Silveira, M. R., & Cocco, R. G. (2013). Transporte público, mobilidade e planejamento urbano: Contradições essenciais. Estudos Avançados , 27(79), 41-53. https://doi.org/10.1590/S0103-40142013000300004
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). No entanto, a impopularidade do ônibus como meio de deslocamento se dá por diversos fatores. Primeiramente, grande parte dos seus usuários precisa utilizar mais de um transporte para abarcar seu deslocamento diário, principalmente as populações periféricas. Este fator torna a integralidade dos sistemas de transporte público uma necessidade, porém, ainda distante de ser uma realidade na maioria das cidades (Araújo et al., 2011Araújo, M. R. M., Oliveira, J. M., Jesus, M. S., Sá, N. R., Santos, P. A. C., & Lima, T. C. (2011). Transporte público coletivo: Discutindo acessibilidade, mobilidade e qualidade de vida. Psicologia & Sociedade, 23(3), 574-582. https://dx.doi.org/10.1590/S0102-71822011000300015
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). A segmentação do transporte coletivo colabora para que as viagens sejam mais demoradas e menos agradáveis para o uso diário da população. Mesmo para os cidadãos que percorrem distâncias menores, o tempo de espera, a imprevisibilidade das viagens, o trânsito, a superlotação e os valores dos transportes públicos fazem, muitas vezes, a escolha por um meio de transporte coletivo, o qual é mais sustentável, ser, na verdade, uma falta de alternativa (Morais, 2012Morais, J. S. (2012). Proposta de método para avaliação da qualidade do transporte público urbano por ônibus utilizando a teoria das representações sociais [Dissertação de mestrado, Universidade de Brasília. Repositório institucional da UnB. https://bit.ly/3rHZtWG
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; Soares & Oliveira, 2017Soares, M. Q., & Oliveira, F. S. (2017). Mobilidade urbana e comportamento. Disciplinarum Scientia, 18(1), 181-190.; Vasconcellos et al., 2011Vasconcellos, E. A., Carvalho, C. H. R., & Pereira, R. H. M. (2011). Transporte e mobilidade urbana [Texto para discussão, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada]. Repositório institucional Ipea. https://bit.ly/3fVF11R
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).

Como um meio de transporte não motorizado e sustentável, tem-se a bicicleta, que ainda é vista, muitas vezes, como um modal alternativo de deslocamento (Delabrida, 2004Delabrida, Z. N. C. (2004). A imagem e o uso da bicicleta: Um estudo entre moradores de Taguatinga [Dissertação de mestrado não publicada]. Universidade de Brasília.). O uso da bicicleta para a locomoção diária garante diversos benefícios pessoais e coletivos como o aumento do contato com a cidade, diminuição do trânsito, hábitos de vida mais saudáveis, elevação da mobilidade urbana, movimentação silenciosa e deslocamento rápido pelo espaço. Além disso, financeiramente, são mais acessíveis, pois não há taxas de estacionamento nem impostos, e são movidas pela energia humana (César, 2010César, Y. B. (2010). A garantia do direito à cidade através do incentivo ao uso da bicicleta nos deslocamentos urbanos [Trabalho de conclusão de curso não publicado]. Universidade de Brasília.).

A transição do sistema de mobilidade centrado nos transportes motorizados individuais depende da mudança de cultura da mobilidade, ou seja, da transformação integrada de questões estruturais, pessoais, econômicas e tecnológicas, atrelada à construção simbólica e social do fenômeno da mobilidade no coletivo (Sheller, 2015Sheller, M. (2015). Mobilizing transportation, transporting mobilities. In J. Cidell & D. Prytherch (Eds.), Transport, mobility, and the production of urban space (pp. 11-18). Routledge. https://doi.org/10.4324/9781315709680-2
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; Terán, 2013Terán, J. A. (2013). Mobilidade urbana. Scortecci.). Dentre as alternativas para o avanço em mobilidade urbana estão os investimentos em meios de transporte coletivos e em estruturas para veículos não motorizados. Esses aumentam o fluxo das cidades e diminuem os danos ambientais, além de gerarem maior contato humano (Associação Nacional dos Transportes Públicos [ANTP], 2017Associação Nacional de Transportes Públicos. (2017). Mobilidade humana para um Brasil urbano. https://bit.ly/3CbTOgw
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).

A Relação com a Cidade e a Psicologia Ambiental

A relação de constante influência entre o ser humano e o espaço físico é tema central da psicologia ambiental, que visa estudar a multifatorialidade dos fenômenos de reciprocidade pessoa-ambiente (Moser, 1998Moser, G. (1998). Psicologia ambiental. Estudos de Psicologia (Natal), 3(1), 121-130. https://doi.org/10.1590/S1413-294X1998000100008
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). Dentre os tópicos de análise desta área, a exploração do espaço tem destaque, uma vez que caminha juntamente com o desenvolvimento humano e garante progressiva conexão do sujeito com o ambiente a sua volta. Através dessa exploração, o indivíduo constrói uma percepção de autoeficácia em relação ao manejo dos recursos disponíveis no espaço, elevando sua autonomia (Günther, 2003Günther, H. (2003). Mobilidade e affordance como cerne dos estudos pessoa-ambiente. Estudos de Psicologia (Natal), 8(2), 273-280. https://dx.doi.org/10.1590/S1413-294X2003000200009
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). De maneira geral, o ser humano sempre busca manejar o seu ambiente para que tenha maior liberdade de escolha, o que também acontece para os meios de transporte (Pol, Castrechini, & Carrus, 2017Pol, E., Castrechini, A., & Carrus, G. (2017). Quality of life and sustainability: The end of quality at any price. In G. Fleury-Bahi, E. Pol, & O. Navarro (Eds.), Handbook of environmental psychology and quality of life research: International handbooks of quality-of-life (pp. 11-39). Springer. https://doi.org/10.1007/978-3-319-31416-7_2
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).

Quando se analisa a rotina das pessoas a partir da perspectiva do meio de locomoção, há diferentes níveis de contato com os espaços públicos e com as outras pessoas. Os carros são os mais fechados e privativos dentre os meios de locomoção, e seu uso, desde o ponto de saída até o de chegada, é um processo individualizado (Cavalcante et al., 2012Cavalcante, S., Elali, G., Elias, T. F., Pinto, H. S. B. S., Araújo, Â. M. C., Carvalho, M. P., & Souza, O. D. N. (2012). O significado do carro e a mobilidade cotidiana. Revista Mal-Estar e Subjetividade, 12(1-2), 359-388.). O uso dos transportes coletivos envolve maior contato com outras pessoas e com a rua, por ser, geralmente, intercalado por breves caminhadas (Barros, 2014Barros, A. P. B. G. (2014). Diz-me como andas que te direi onde estás: Inserção do aspecto relacional na análise da mobilidade urbana para o pedestre [Tese de Doutorado, Universidade de Brasília]. Repositório institucional UnB. https://bit.ly/3CjECxV
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). No ciclismo, o contato com as ruas, outras pessoas e com o próprio corpo são constantes. Já para quem se locomove caminhando, o contato com a cidade e com as pessoas com as quais as vias são divididas é constante e intenso (Barros, 2014Barros, A. P. B. G. (2014). Diz-me como andas que te direi onde estás: Inserção do aspecto relacional na análise da mobilidade urbana para o pedestre [Tese de Doutorado, Universidade de Brasília]. Repositório institucional UnB. https://bit.ly/3CjECxV
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; Ettema et al., 2016Ettema, D., Friman, M., Gärling, T., & Olsson, L. E. (2016). Travel mode use, travel mode shift and subjective well-being: Overview of theories, empirical findings and policy implications. In D. Wang & S. He (Eds.), Mobility, sociability and well-being of urban living (pp. 129-150) Springer. https://doi.org/10.1007/978-3-662-48184-4_7
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).

Tendo em vista que os meios de transporte representam parte relevante do contato diário da população com o ambiente, enquanto mediadores de diversos dos comportamentos fora da residência, é importante pontuar fatores sociais envolvidos no processo de escolha e utilização dos modais de transporte. Os altos níveis de violência que acompanham o crescimento das cidades são importantes influências para a escolha de meios motorizados individuais de transporte, pois são mais protegidos e se adaptam às necessidades particulares do indivíduo (Sousa, Pitombo, Rocha, Salgueiro, & Delgado, 2017Sousa, D. C. B., Pitombo, C. S., Rocha, S. S., Salgueiro, A. R., & Delgado, J. P. M. (2017). Violência em transporte público: Uma abordagem baseada em análise espacial. Revista de Saúde Pública, 51, 127. https://doi.org/10.11606/S1518-8787.2017051007085
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). Por sua vez, o afastamento físico fomenta o medo do contato com o que é diferente de si e, por isso, gera evitação dos espaços coletivos (Andrade, Jayme, & Almeida, 2009Andrade, L. T., Jayme, J. G., & Almeida, R. C. (2009). Espaços públicos: Novas sociabilidades, novos controles. Cadernos Metrópole, (21), 131-153.). Por estas razões, estes espaços passam a ser substituídos por construções e estruturas viárias que priorizam a locomoção dos carros e tornam o contato físico com a cidade cada vez mais distante e indesejado (Soares & Oliveira, 2017Soares, M. Q., & Oliveira, F. S. (2017). Mobilidade urbana e comportamento. Disciplinarum Scientia, 18(1), 181-190.).

A relação entre qualidade de vida (QV) e saúde abarca as dimensões de bem-estar e funcionalidade, sob a perspectiva do indivíduo. Nesse sentido, a percepção de QV corresponde à percepção de sáude, em termos dos aspectos físico, mental-emocional e social (Câmara & Strelhow, 2019Câmara, S. G., & Strelhow, M. R. W. (2019). Self-perceived health among school-aged adolescents: A school-based study in southern Brazil. Applied Research in Quality of Life, 14, 603-615. https://doi.org/10.1007/s11482-018-9614-3
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; Slabaugh et al., 2017Slabaugh, S. L., Shah, M., Zack, M., Happe, L., Cordier, T., Havens, E., Davidson, E., Miao, M., Prewitt, T., & Jia, H. (2017). Leveraging health-related quality of life in population health management: The case for Healthy Days. Population Health Management, 20(1), 13-22. https://doi.org/10.1089/pop.2015.0162
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). Qualidade de vida é o conceito que busca explicar o complexo resultado da relação entre elementos subjetivos, como o bem-estar, a satisfação com a vida e a percepção e o julgamento de fatores sociais e ambientais; e elementos mais objetivos, como a saúde física, a saúde mental e as condições de vida em geral (Fleury-Bahi, Pol, & Navarro, 2017Fleury-Bahi, G., Pol, E., & Navarro, O. (2017). Introduction: Environmental psychology and quality of life. In G. Fleury-Bahi, E. Pol, & O. Navarro (Eds.), Handbook of environmental psychology and quality of life research: International handbooks of quality-of-life (pp. 1-8). Springer. https://doi.org/10.1007/978-3-319-31416-7_1
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). A Organização Mundial da Saúde (OMS) define qualidade de vida como “a percepção do indivíduo de sua posição na vida no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações” (Fleck, 2000Fleck, M. P. A. (2000). O instrumento de avaliação de qualidade de vida da Organização Mundial da Saúde (WHOQOL-100): Características e perspectivas. Ciência & Saúde Coletiva, 5(1), 33-38. https://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232000000100004
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, p. 2). A promoção de QV para residentes urbanos é uma maneira significativa de avaliar o progresso social e o desenvolvimento de uma cidade (Xion & Zhang, 2016Xion, Y., & Zhang, J. (2016). The Challenges of land use and transport planning on urban residents’ quality of life: A panel data analysis. In D. Wang & S. He (Eds.), Mobility, sociability and well-being of urban living (pp. 169-185). Springer. https://doi.org/10.1007/978-3-662-48184-4_9
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).

Os determinantes da saúde podem ser classificados em sociais, econômicos e ambientais, o que indica que diversos setores da sociedade, e não apenas o setor saúde, estão implicados no processo (Carvalho, 2013Carvalho, A. I. (2013). Determinantes sociais, econômicos e ambientais da saúde. In Fundação Oswaldo Cruz, A saúde no Brasil em 2030 - Prospecção estratégica do sistema de saúde brasileiro: População e perfil sanitário (Vol. 2, pp. 19-38). https://bit.ly/3yrH04p
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). Saúde, portanto, é um conceito amplo, porém fortemente inter-relacionado/conectado com o ambiente e a forma como este é organizado e sistematizado. No Brasil, o artigo 3º da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. (1990, 19 de setembro). Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. https://bit.ly/3yqraHk
https://bit.ly/3yqraHk...
, que estabelece as diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS) afirma que “os níveis de saúde expressam a organização social e econômica do país, tendo a saúde como determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, a atividade física, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais”.

Assim, principalmente nos espaços urbanos, a questão ambiental e de acesso à mobilidade surge como um elemento-chave, que conecta as pessoas aos bens e serviços proporcionados pela cidade, o que é um direito dos cidadãos. A possibilidade ou impossibilidade de transitar pelo espaço afeta a garantia de acesso ao lazer, saúde, trabalho e educação, logo, impacta diretamente a saúde da população como um todo (Cao & Wang, 2016Cao, J., & Wang, D. (2016). The association between travel and satisfaction with travel and life: Evidence from the Twin Cities. In D. Wang & S. He (Eds.), Mobility, sociability and well-being of urban living (pp. 151-168) Springer. https://doi.org/10.1007/978-3-662-48184-4_8
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; Soares & Oliveira, 2017Soares, M. Q., & Oliveira, F. S. (2017). Mobilidade urbana e comportamento. Disciplinarum Scientia, 18(1), 181-190.). Além disso, estudos demonstram que o uso de determinado modal de transporte impacta a percepção de bem-estar e de qualidade de vida das pessoas (Araújo et al., 2011Araújo, M. R. M., Oliveira, J. M., Jesus, M. S., Sá, N. R., Santos, P. A. C., & Lima, T. C. (2011). Transporte público coletivo: Discutindo acessibilidade, mobilidade e qualidade de vida. Psicologia & Sociedade, 23(3), 574-582. https://dx.doi.org/10.1590/S0102-71822011000300015
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; Cao & Wang, 2016Cao, J., & Wang, D. (2016). The association between travel and satisfaction with travel and life: Evidence from the Twin Cities. In D. Wang & S. He (Eds.), Mobility, sociability and well-being of urban living (pp. 151-168) Springer. https://doi.org/10.1007/978-3-662-48184-4_8
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; Ettema et al., 2016Ettema, D., Friman, M., Gärling, T., & Olsson, L. E. (2016). Travel mode use, travel mode shift and subjective well-being: Overview of theories, empirical findings and policy implications. In D. Wang & S. He (Eds.), Mobility, sociability and well-being of urban living (pp. 129-150) Springer. https://doi.org/10.1007/978-3-662-48184-4_7
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; Günther, 2003Günther, H. (2003). Mobilidade e affordance como cerne dos estudos pessoa-ambiente. Estudos de Psicologia (Natal), 8(2), 273-280. https://dx.doi.org/10.1590/S1413-294X2003000200009
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; Morais, 2012Morais, J. S. (2012). Proposta de método para avaliação da qualidade do transporte público urbano por ônibus utilizando a teoria das representações sociais [Dissertação de mestrado, Universidade de Brasília. Repositório institucional da UnB. https://bit.ly/3rHZtWG
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).

Pesquisadores e pesquisadoras da mobilidade urbana e da geografia do transporte apontam para a necessidade de ampliar os enfoques para a temática, com estudos de metodologia variada e com sensibilidade para pensar aspectos relacionais e multifatoriais entre mobilidade, transporte e espaço urbano (Prytherch & Cidell, 2015Prytherch, D., & Cidell, J. (2015). Transportation, mobilities, and rethinking urban geographies of flow. In J. Cidell & D. Prytherch (Eds.), Transport, mobility, and the production of urban space (pp. 19-41). Routledge.; Sheller, 2015Sheller, M. (2015). Mobilizing transportation, transporting mobilities. In J. Cidell & D. Prytherch (Eds.), Transport, mobility, and the production of urban space (pp. 11-18). Routledge. https://doi.org/10.4324/9781315709680-2
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). Nesse sentido, este estudo teve por objetivo avaliar os preditores de percepção de qualidade de vida entre os diferentes usuários de transporte, interligando aspectos de relacionamento com a cidade de residência e experiência de uso do transporte prioritário no cotidiano.

Método

Contexto do Estudo

Porto Alegre é a capital do Rio Grande do Sul. Atualmente conta com um milhão e meio de habitantes, espalhados em 496,684 km2, e 65% dessa área é plana. Porto Alegre tem uma taxa de mais de 80% de arborização das vias públicas, além de uma área rural que ocupa 30% do território da cidade (IBGE, 2010Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2010). Censo demográfico 2010. https://bit.ly/3fMv86B
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).

De acordo com o Plano de Mobilidade Urbana de Porto Alegre: Relatório de Diagnóstico da Mobilidade (Prefeitura Municipal de Porto Alegre, 2018Prefeitura de Porto Alegre. (2018). Plano de mobilidade urbana de Porto Alegre: Relatório de diagnóstico da mobilidade. https://bit.ly/3SPnVRX
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), Porto Alegre teve um aumento de 58% da frota de carros de 2003 até 2017, com um aumento significativo de congestionamento devido à falta de espaço para circulação e estacionamento dos carros. Os aplicativos de carro tornaram-se meio consolidado de locomoção para parte da população, enquanto os meios de transporte públicos coletivos tiveram diminuição de 10% de passageiros transportados em 14 anos. A cultura da bicicleta e da caminhada é forte entre a população, mesmo com a grande quantidade de calçadas sem acessibilidade e uma estrutura cicloviária de apenas 46 quilômetros.

População e Amostra

Este estudo é observacional, analítico, de corte transversal, e teve como população os moradores da cidade de Porto Alegre (RS), com idade entre 18 e 60 anos, pedestres ou que se utilizavam de equipamentos de transporte urbano em sua rotina semanal. O tamanho da amostra foi estabelecido tendo como parâmetro a análise estatística utilizada (análise de regressão linear múltipla). Foi seguida a orientação de Green (2007, citado em Field, 2009Field, A. (2009). Discovering statistics using SPSS (3a ed.). Sage.), que considera que, para testar o modelo como um todo, o tamanho da amostra deve ser de 50+8 vezes o número de preditores. Considerando-se, a priori, 48 preditores, o número de participantes foi estabelecido em 434. A amostra final obtida foi de 417 participantes, o que representou uma perda de 4%.

Instrumentos

Os instrumentos utilizados contemplaram variáveis sociodemográficas, de percepção de qualidade de vida, de avaliação objetiva e afetiva de Porto Alegre, de motivos de uso do transporte e da experiência do transporte no cotidiano.

O inquérito de dados sociodemográficos contempla as variáveis sexo, idade, situação conjugal (com companheiro/a, sem companheiro/a), filhos (sim, não), escolaridade, se está estudando, renda familiar, cidade e estado de nascimento, tempo de residência em Porto Alegre e zona de residência (central, não central).

O questionário de percepção de qualidade de vida foi desenvolvido pelas pesquisadoras para o estudo, de acordo com as dimensões de aspectos físicos, aspectos psicológicos, relações sociais e meio ambiente, as quais estão presentes no WHOQOL (Fleck, 2000Fleck, M. P. A. (2000). O instrumento de avaliação de qualidade de vida da Organização Mundial da Saúde (WHOQOL-100): Características e perspectivas. Ciência & Saúde Coletiva, 5(1), 33-38. https://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232000000100004
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). A escala de avaliação subjetiva de qualidade de vida consta de quatro itens, os quais são respondidos em escala que varia de 1 - nada boa - a 5 - muito boa. Neste estudo, o coeficiente alfa de Cronbach obtido foi de 0,83. O índice geral corresponde à média dos quatro itens.

Quanto à utilização de meios de transporte, foram elencados cinco meios de transporte urbanos (veículo particular, aplicativos de carro/táxi, transporte público coletivo, bicicleta e caminhada), os quais eram ordenados por frequência e prioridade de uso (Ettema et al., 2016Ettema, D., Friman, M., Gärling, T., & Olsson, L. E. (2016). Travel mode use, travel mode shift and subjective well-being: Overview of theories, empirical findings and policy implications. In D. Wang & S. He (Eds.), Mobility, sociability and well-being of urban living (pp. 129-150) Springer. https://doi.org/10.1007/978-3-662-48184-4_7
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). A prioridade de uso referida pelos participantes foi o critério para classificação em três grupos, e os usuários de veículo particular e aplicativos de carro/táxi foram incluídos em um único grupo devido ao fato de ambos indicarem mobilidade privada. Em relação ao transporte de uso prioritário, também eram solicitadas informações sobre tempo e distância percorrido diariamente.

O questionário de motivos de escolha e experiência pessoal com o meio de transporte de uso prioritário foi criado com base na literatura (Cao & Wang, 2016Cao, J., & Wang, D. (2016). The association between travel and satisfaction with travel and life: Evidence from the Twin Cities. In D. Wang & S. He (Eds.), Mobility, sociability and well-being of urban living (pp. 151-168) Springer. https://doi.org/10.1007/978-3-662-48184-4_8
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; Ettema et al., 2016Ettema, D., Friman, M., Gärling, T., & Olsson, L. E. (2016). Travel mode use, travel mode shift and subjective well-being: Overview of theories, empirical findings and policy implications. In D. Wang & S. He (Eds.), Mobility, sociability and well-being of urban living (pp. 129-150) Springer. https://doi.org/10.1007/978-3-662-48184-4_7
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; Gatersleben & Uzzell, 2007Gatersleben, B., & Uzzell, D. (2007). Affective appraisals of the daily commute: Comparing perceptions of drivers, cyclists, walkers, and users of public transport. Environment and Behavior, 39(3), 416-431. https://doi.org/10.1177/0013916506294032
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). Foram listados 13 motivos para o uso, dos quais nove eram de ordem pragmática (por exemplo, o item “Acomoda-se às minhas necessidades diárias”) e quatro de ordem socioambiental (por exemplo, o item “Me permite conhecer pessoas; é sustentável para o meio ambiente”). As respostas são em escala Likert de cinco pontos, variando de 1 - discordo totalmente - a 5 - concordo totalmente. Quanto à experiência pessoal de utilização do transporte prioritário, foram elencadas oito experiências (a viagem é prazerosa, uso esse tempo para mim, representa meu estilo de vida, me relaxa, me energiza, é um desafio estimulante, me permite controlar meu tempo, me permite interagir e conhecer pessoas). A escala de respostas é de cinco pontos, variando de 1 - nada - a 5 - muito.

O questionário de avaliação objetiva da cidade de residência teve suas bases na literatura (Lima & Bomfim, 2009Lima, D. M. A., & Bomfim, Z. Á. C. (2009). Vinculação afetiva pessoa-ambiente: Diálogos na psicologia comunitária e psicologia ambiental. Psico, 40(4), 491-497.; Raymond, Brown, & Weber, 2010Raymond, C. M., Brown, G., & Weber, D. (2010). The measurement of place attachment: Personal, community, and environmental connections. Journal of Environmental Psychology, 30(4), 422-434. https://doi.org/10.1016/j.jenvp.2010.08.002
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; Soares & Oliveira, 2017Soares, M. Q., & Oliveira, F. S. (2017). Mobilidade urbana e comportamento. Disciplinarum Scientia, 18(1), 181-190.; Sousa et al., 2017Sousa, D. C. B., Pitombo, C. S., Rocha, S. S., Salgueiro, A. R., & Delgado, J. P. M. (2017). Violência em transporte público: Uma abordagem baseada em análise espacial. Revista de Saúde Pública, 51, 127. https://doi.org/10.11606/S1518-8787.2017051007085
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; Xion & Zhang, 2016Xion, Y., & Zhang, J. (2016). The Challenges of land use and transport planning on urban residents’ quality of life: A panel data analysis. In D. Wang & S. He (Eds.), Mobility, sociability and well-being of urban living (pp. 169-185). Springer. https://doi.org/10.1007/978-3-662-48184-4_9
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); é composto de 12 itens de avaliação pessoal de aspectos estruturais da cidade (beleza da cidade, facilidade de locomoção e de acesso a diferentes regiões da cidade, boa disponibilidade de meios de transporte, estabelecimentos comerciais, de locais para alimentação e de serviços, percepção da estrutura física da cidade, arborização da cidade, percepção do trânsito, qualidade do ar, percepção de violência urbana), respondidos em escala de 5 pontos, variando de 1 - discordo totalmente - a 5 - concordo totalmente.

A relação afetiva com a cidade foi avaliada segundo a escala Place Identity, de Raymond et al. (2010Raymond, C. M., Brown, G., & Weber, D. (2010). The measurement of place attachment: Personal, community, and environmental connections. Journal of Environmental Psychology, 30(4), 422-434. https://doi.org/10.1016/j.jenvp.2010.08.002
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). É composta por cinco itens (a cidade em que moro significa muito para mim, sou muito apegado/a à cidade em que vivo, tenho memórias significativas e importantes na cidade em que vivo, é um local muito especial para mim, sinto que minha cidade é parte de mim), respondidos em escala de cinco pontos, variando de 1 - discordo totalmente - a 5 - concordo totalmente. No estudo realizado pelos autores, os coeficientes de consistência interna obtidos foram de 0,87 e 0,91. Neste estudo cada item foi avaliado independentemente como possível preditor.

Procedimentos de Coleta de Dados

A coleta de dados ocorreu entre os meses de abril e maio de 2019, por meio online, via plataforma Google Forms. A população-alvo do estudo representa uma grande diversidade em termos sociodemográficos, especialmente no que tange ao local de residência e aos trajetos específicos em termos de mobilidade na cidade. Nesse sentido, a facilidade em atingir públicos mais variados e de localidades diferentes da cidade foi o fator-chave para elencar o questionário online como método de pesquisa. Os participantes que consentiram em participar do estudo, assinalando que concordavam com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), foram direcionados aos instrumentos. O tempo médio de resposta era de 15 minutos.

O recrutamento dos participantes foi através de redes sociais (Facebook, Instagram e WhatsApp), tanto em formato de busca ativa, através da divulgação do estudo em grupos e perfis que trabalham a temática da mobilidade na cidade e grupos variados sobre Porto Alegre no Facebook, quanto por conveniência, em divulgação pelo perfil pessoal das pesquisadoras e de pessoas conhecidas. As redes sociais escolhidas foram selecionadas em termos de sua popularidade e, portanto, abrangência a uma maior diversidade de participantes. Também foi utilizada a técnica do Respondent Driven Sampling (RDS), pela qual os primeiros participantes (1a onda) enviam o convite para novos participantes (2a onda), até que se alcance o tamanho desejado da amostra (Goel & Salganik, 2009Goel, S., & Salganik, M. J. (2009). Respondent-driven sampling as Markov Chain Monte Carlo. Statistics in Medicine, 28(17), 2202-2229. https://doi.org/10.1002/sim.3613
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).

Procedimentos de Análise dos Dados

O banco de dados foi transportado e analisado por meio do Statistical Package for the Social Sciences (SPSS 22.0). Os dados foram analisados mediante análise descritiva para detalhamento da amostra, dos meios de transporte prioritários e da percepção de QV.

Posteriormente, a amostra foi dividida em três grupos: o primeiro consiste em usuários de carro (próprios ou de aplicativos), o segundo, em usuários de transporte público coletivo, e o terceiro, em usuários de bicicleta e caminhada. Como condição prévia para a análise multivariada (análise de regressão linear múltipla), para cada grupo foi realizada análise de correlação bivariada (Correlação de Pearson) entre o desfecho percepção de qualidade de vida e os fatores em estudo (referentes a variáveis sociodemográficas; itens das escalas de avaliação objetiva e afetiva da cidade; motivação do uso do transporte e experiência da viagem). As variáveis independentes que apresentaram um nível de significância ≤ 0,05 na análise de correlação com o desfecho percepção de QV, em cada grupo, foram selecionadas como preditoras.

Para identificar os preditores de percepção de qualidade de vida, foram realizadas análises de regressão linear múltipla (ARLM), método Stepwise. Os pressupostos para a análise de regressão linear foram testados, tendo sido identificados valores aceitáveis, de acordo com Field (2009Field, A. (2009). Discovering statistics using SPSS (3a ed.). Sage.). Foi verificada ausência de multicolinearidade, pois todos os valores das correlações entre as variáveis selecionadas foram inferiores a r = 0,404, os valores de Variance Inflation Factor (VIF) situaram-se abaixo de quatro (variação de 1,028 a 1,164), e os valores de tolerância foram inferiores a um (variação de 0,859 a 0,973). A análise do coeficiente de Durbin-Watson identificou valores próximos a dois (variação de 1,709 a 1,926), indicando, desse modo, a independência da distribuição e a não correlação dos resíduos. A distância de Cook foi inferior a um em todos os modelos (variação de 0,06 a 0,08), indicando a não existência de preditores atípicos e um adequado ajuste dos modelos. O tratamento dos dados obedeceu a um nível de confiança de 95%, com um nível de significância de 5% (valor de p ≤ 0,05).

Aspectos Éticos

O projeto segue preceitos éticos para pesquisas com seres humanos, conforme preconiza o Conselho Nacional de Saúde (CNS), Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012Conselho Nacional de Saúde. (2012, 12 de dezembro). Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012. https://bit.ly/3T3r1SJ
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, e foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da universidade de afiliação das autoras (parecer nº 3.802.752). Antes de responder ao questionário, os participantes tiveram acesso ao TCLE e concordaram com os termos para que iniciassem a pesquisa.

Resultados

Os participantes eram, em sua maioria, mulheres (66,7%), com idade entre 18 e 60 anos (M = 28,6; DP = 8,89), sem companheiro/a (53%) e sem filhos (86,2%). A maior parte tinha ensino superior incompleto (43,6%), seguido de pós-graduação (27,1%) e ensino superior completo (21,6%); 67,9% estavam estudando. A renda familiar reportada foi de quatro a dez salários mínimos para 35,3% dos participantes, e de dois a quatro para 26,4%. Quanto ao município de nascimento, 61,4% eram de Porto Alegre. Pessoas de outras localidades viviam em Porto Alegre, em média, há 9,88 anos. Em termos da zona de residência, 57,8% responderam residir em zonas centrais e 42,2%, em zonas fora do eixo central da cidade. A descrição dos participantes de acordo com o modal de transporte preferencial é apresentada na Tabela 1.

Tabela 1
Dados descritivos dos participantes de acordo com o modal de transporte preferencial.

Os dados sociodemográficos apontam que o Grupo 1 (G1), dos usuários de carro em diferentes modalidades, tem as maiores médias de idade (32,3 anos; DP = 10,15), com maior renda, maior percentual de escolaridade (46,5% têm pós-graduação) e menor número de pessoas estudando no momento (54,4%). Além disso, o G1 é aquele com maior taxa de pessoas com filhos (25,4%).

O G2 conta com o maior percentual de pessoas do sexo feminino (73,6%) e média de idade de 27,34 anos (DP = 8,18). O G3 apresenta o menor percentual de pessoas do sexo feminino dentre os três (54,4%), a menor média de idade (27,09; DP = 7,68), com maioria sem filhos (93,6%) e que está estudando atualmente (76%). A média de tempo de residência em Porto Alegre é a menor dos três grupos (M = 14,99; DP = 12,68) e maior parte reside na zona central da cidade (83,2%).

As demais características sociodemográficas foram bastante similares entre os grupos, especialmente entre o G2 e o G3. As médias de percepção de qualidade de vida foram bastante próximas nos três grupos, e o G3 obteve maior média de QV (3,62), seguido pelo G1 (3,55) e, por último, o G2 (3,32).

Preditores de Percepção de Qualidade de Vida

Em termos das variáveis significativamente relacionadas à percepção de QV para cada grupo, as análises bivariadas indicaram 15 variáveis no G1 - dos carros -, 26 variáveis no G2 - transportes coletivos - e 16 variáveis significativas no G3 - dos transportes ativos. Cada conjunto de variáveis possivelmente preditoras de QV em cada grupo, de acordo com o modal de transporte preferencial (carro, transporte público coletivo e bicicleta/caminhada), foi avaliado mediante análise de regressão linear múltipla, a qual identificou os modelos definitivos de preditores de QV em cada grupo (Tabela 2).

Tabela 2
Modelo de análise de regressão linear múltipla para a percepção de qualidade de vida.

O modelo referente ao G1 - utilização de transporte particular individual - ficou constituído por três variáveis, as quais, conjuntamente, explicaram 20% da percepção de QV. Esse modelo indicou, por ordem de importância relativa das variáveis preditoras de percepção de QV, que, no G1, quanto maior a percepção de que a cidade tem opções de locais para alimentação (β = 0,283), maior a idade da pessoa (β = 0,239) e maior a percepção de que o meio de transporte é sustentável para o meio ambiente (β = 0,205), melhor a percepção de QV.

O modelo preditivo de QV no G2 - utilização de transporte público coletivo - ficou constituído por seis variáveis, que explicaram 37,5% da percepção de QV entre esse público. No sentido das relações positivas e de acordo com a ordem de importância relativa das variáveis para a percepção de QV, quanto maior a percepção de que a cidade é um local importante para a pessoa (β = 0,323), maior a percepção de que a estrutura física da cidade é agradável (β = 0,212) e a possibilidade de realização de outras atividades no trajeto (β = 0,148), maior a percepção de QV. Em contrapartida, as relações negativas indicaram que o motivo de utilização dessa modalidade de transporte ser em função de não ter outra escolha (β = -0,218), de representar maior tempo de deslocamento (β = -0,195) e ter nascido em outra cidade (β = -0,136) contribuem para menor percepção de QV.

O modelo preditivo de percepção de QV no G3 - utilização de bicicleta e caminhada - ficou composto por cinco variáveis, explicando 37,3% da percepção de QV. Considerando a ordem de importância relativa das variáveis, verificou-se que quanto maior a motivação por interagir e conhecer pessoas (β = 0,316), maior o motivo de uso por necessidades diárias (β = 0,280), maior a avaliação de que o modal de transporte é sustentável para o meio ambiente (β = 0,246), de que a cidade é de fácil locomoção (β = 0,242) e de que, quanto maior o tempo de permanência em locomoção (β = 0,193), maior percepção de QV.

Os resultados revelam uma magnitude de efeito elevada (R2 = 0,200; R2 = 0,375; R2 = 0,373) para todos os grupos, de acordo com os parâmetros recomendados por Maroco (2007Maroco, J. (2007). Análise estatística com utilização do SPSS (3a ed.). Sílabo.). Nesse sentido, indica que as relações identificadas possivelmente também estarão presentes na população-alvo: residentes de Porto Alegre (RS) que utilizam modais de transporte para realizar suas atividades diárias.

Discussão

Esta pesquisa aprofundou-se em duas relações centrais: da pessoa com o transporte e da pessoa com a cidade. Buscou-se avaliar a relevância do uso preferencial de determinado meio de transporte (carro, ônibus, bicicleta e caminhada) para a percepção de qualidade de vida dos/as e usuários/as.

Dada a complexidade do conceito de QV (Fleury-Bahi et al., 2017Fleury-Bahi, G., Pol, E., & Navarro, O. (2017). Introduction: Environmental psychology and quality of life. In G. Fleury-Bahi, E. Pol, & O. Navarro (Eds.), Handbook of environmental psychology and quality of life research: International handbooks of quality-of-life (pp. 1-8). Springer. https://doi.org/10.1007/978-3-319-31416-7_1
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) e suas diferentes abordagens na literatura (Araújo et al., 2011Araújo, M. R. M., Oliveira, J. M., Jesus, M. S., Sá, N. R., Santos, P. A. C., & Lima, T. C. (2011). Transporte público coletivo: Discutindo acessibilidade, mobilidade e qualidade de vida. Psicologia & Sociedade, 23(3), 574-582. https://dx.doi.org/10.1590/S0102-71822011000300015
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; Cao & Wang, 2016Cao, J., & Wang, D. (2016). The association between travel and satisfaction with travel and life: Evidence from the Twin Cities. In D. Wang & S. He (Eds.), Mobility, sociability and well-being of urban living (pp. 151-168) Springer. https://doi.org/10.1007/978-3-662-48184-4_8
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; Ettema et al., 2016Ettema, D., Friman, M., Gärling, T., & Olsson, L. E. (2016). Travel mode use, travel mode shift and subjective well-being: Overview of theories, empirical findings and policy implications. In D. Wang & S. He (Eds.), Mobility, sociability and well-being of urban living (pp. 129-150) Springer. https://doi.org/10.1007/978-3-662-48184-4_7
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; Fleck, 2000Fleck, M. P. A. (2000). O instrumento de avaliação de qualidade de vida da Organização Mundial da Saúde (WHOQOL-100): Características e perspectivas. Ciência & Saúde Coletiva, 5(1), 33-38. https://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232000000100004
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; Günther, 2003Günther, H. (2003). Mobilidade e affordance como cerne dos estudos pessoa-ambiente. Estudos de Psicologia (Natal), 8(2), 273-280. https://dx.doi.org/10.1590/S1413-294X2003000200009
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), optou-se por avaliar a percepção geral dos participantes com referência às dimensões de aspectos físicos, psicológicos, relações sociais e meio ambiente, sem especificação de aspectos mais pontuais de cada dimensão.

Quanto aos preditores da percepção de QV, no escopo deste estudo, os motivos relacionados ao uso do meio de transporte e a avaliação objetiva da cidade compuseram os três modelos em estudo, indicando que a percepção de QV, em termos de mobilidade, está relacionada à eficiência atribuída ao meio de locomoção com relação à percepção do indivíduo das facilidades do espaço (Günther, 2003Günther, H. (2003). Mobilidade e affordance como cerne dos estudos pessoa-ambiente. Estudos de Psicologia (Natal), 8(2), 273-280. https://dx.doi.org/10.1590/S1413-294X2003000200009
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).

O modelo referente ao G1 - carro e aplicativos - teve como variáveis preditoras de maior percepção de QV a avaliação objetiva de Porto Alegre enquanto uma cidade com boa disponibilidade de locais para alimentação, maior idade e a consideração de que o meio de transporte é sustentável para o meio ambiente. A média de idade mais elevada (32,3 anos) mostrou-se relacionada com a melhor percepção de qualidade de vida do G1, sendo um grupo com alto nível de escolaridade (46,5% têm pós-graduação) e renda (40,4% recebem entre quatro e dez salários). Além disso, dentre os três grupos, é o que tem menor taxa de pessoas que estão estudando atualmente (54,4%), apontando para uma maior estabilidade de trabalho e financeira do grupo que utiliza o carro como meio de transporte. A avaliação de que em Porto Alegre há boa disponibilidade de locais para alimentação como um preditor de QV nesse grupo indica maior acesso a espaços de alimentação fora da residência, o que contribui para a satisfação com a vida (Araújo et al., 2011Araújo, M. R. M., Oliveira, J. M., Jesus, M. S., Sá, N. R., Santos, P. A. C., & Lima, T. C. (2011). Transporte público coletivo: Discutindo acessibilidade, mobilidade e qualidade de vida. Psicologia & Sociedade, 23(3), 574-582. https://dx.doi.org/10.1590/S0102-71822011000300015
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).

As variáveis preditoras que compuseram o modelo referente ao G2 - transporte público coletivo - demonstraram uma avaliação afetiva positiva de Porto Alegre enquanto um local especial para a pessoa, uma avaliação objetiva de que a estrutura da cidade é agradável e o motivo de poder realizar outras atividades durante o trajeto relacionam-se à percepção de maior QV. No entanto, o fato de não ter outra escolha, contar com um maior tempo de deslocamento e não ter nascido em Porto Alegre são variáveis relacionadas à percepção de menor QV.

No G2, a relação afetiva com Porto Alegre aparece enquanto determinante da qualidade de vida, e é um elemento gerador de bem-estar. Esse dado pode ter relação com o trajeto de quem anda de ônibus, que, por ser pouco direto e promover viagens por locais que não são de objetivo individual, fazem o ou a usuária ter tempo para observação do espaço da cidade de maneira passiva e relaxada (Martins & Araújo, 2017Martins, H., & Araújo, E. (2017). Uma abordagem interpretativa aos usos dos meios deslocação e transporte nas mobilidades casa-trabalho: Um estudo exploratório (d)na cidade do Luxemburgo. Cidades, Comunidades e Territórios, (35), 108-128. https://dx.doi.org/10.15847/citiescommunitiesterritories.dec2017.035.art06
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). Nesse mesmo sentido, como aponta o estudo de Martins e Araújo (2017Martins, H., & Araújo, E. (2017). Uma abordagem interpretativa aos usos dos meios deslocação e transporte nas mobilidades casa-trabalho: Um estudo exploratório (d)na cidade do Luxemburgo. Cidades, Comunidades e Territórios, (35), 108-128. https://dx.doi.org/10.15847/citiescommunitiesterritories.dec2017.035.art06
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), a passividade da viagem garante um momento de despreocupação e engajamento em outras atividades, o que corrobora o achado de o momento de a viagem permitir a realização de outras atividades também seja variável preditora da percepção de QV do G2. Já a relação entre menor QV e não ter nascido em Porto Alegre vai ao encontro do fato de que, geralmente, residentes nascidos na cidade têm relações mais afetivas com o local de nascimento, pelas experiências prévias e pelos relacionamentos cultivados nos espaços.

Por outro lado, a percepção de utilizar o ônibus por falta de alternativa se mostrou negativamente relacionada à QV do G2. A percepção de controle do seu tempo e das suas escolhas é elemento gerador de bem-estar e satisfação, situação pouco vivida por quem utiliza o ônibus, dada a forma como o sistema se organiza, na qual é comum o trajeto ser desconfortável e pouco adaptado às necessidades dos usuários e usuárias (Ettema et al., 2016Ettema, D., Friman, M., Gärling, T., & Olsson, L. E. (2016). Travel mode use, travel mode shift and subjective well-being: Overview of theories, empirical findings and policy implications. In D. Wang & S. He (Eds.), Mobility, sociability and well-being of urban living (pp. 129-150) Springer. https://doi.org/10.1007/978-3-662-48184-4_7
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; Günther, 2003Günther, H. (2003). Mobilidade e affordance como cerne dos estudos pessoa-ambiente. Estudos de Psicologia (Natal), 8(2), 273-280. https://dx.doi.org/10.1590/S1413-294X2003000200009
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; Martins & Araújo, 2017Martins, H., & Araújo, E. (2017). Uma abordagem interpretativa aos usos dos meios deslocação e transporte nas mobilidades casa-trabalho: Um estudo exploratório (d)na cidade do Luxemburgo. Cidades, Comunidades e Territórios, (35), 108-128. https://dx.doi.org/10.15847/citiescommunitiesterritories.dec2017.035.art06
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). Foi evidenciado que o tempo de permanência no ônibus piora a percepção de qualidade de vida do usuário. Isso corrobora a perspectiva de que o transporte é utilizado para garantir o acesso aos bens e serviços da cidade, os quais se concentram majoritariamente no centro, e mais da metade do G2 reside em zonas não centrais da cidade, logo, tem menor acessibilidade e mobilidade em todos os aspectos (Araújo et al., 2011Araújo, M. R. M., Oliveira, J. M., Jesus, M. S., Sá, N. R., Santos, P. A. C., & Lima, T. C. (2011). Transporte público coletivo: Discutindo acessibilidade, mobilidade e qualidade de vida. Psicologia & Sociedade, 23(3), 574-582. https://dx.doi.org/10.1590/S0102-71822011000300015
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; Morais, 2012Morais, J. S. (2012). Proposta de método para avaliação da qualidade do transporte público urbano por ônibus utilizando a teoria das representações sociais [Dissertação de mestrado, Universidade de Brasília. Repositório institucional da UnB. https://bit.ly/3rHZtWG
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).

Quanto às variáveis preditoras de percepção de QV no G3 - bicicleta/caminhada -, a experiência de interagir e conhecer pessoas, o motivo de uso do transporte ser por este se acomodar às necessidades diárias, a consideração de que o meio de transporte é sustentável para o meio ambiente, a percepção de a cidade ser de fácil locomoção e um maior tempo de deslocamento são variáveis relacionadas à percepção de maior QV. O grupo de ciclistas e caminhantes têm 83,2% da amostra vivendo em zonas centrais de Porto Alegre, o que garante maior proximidade, logo, maior acesso aos dispositivos de saúde, lazer, educação, consumo e trabalho (Araújo et al., 2011Araújo, M. R. M., Oliveira, J. M., Jesus, M. S., Sá, N. R., Santos, P. A. C., & Lima, T. C. (2011). Transporte público coletivo: Discutindo acessibilidade, mobilidade e qualidade de vida. Psicologia & Sociedade, 23(3), 574-582. https://dx.doi.org/10.1590/S0102-71822011000300015
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). Isso torna o deslocamento por bicicleta e a pé a opção mais prática, o que é evidenciado pela relação estabelecida entre QV e a afirmação de que o transporte utilizado se acomoda às necessidades individuais diárias, posicionando-se enquanto uma escolha individual.

O tempo de permanência no transporte por dia eleva a percepção de QV do grupo de ciclistas e caminhantes, concordando com a ideia de que os transportes ativos geram maior sensação de bem-estar para as pessoas (Delabrida, 2004Delabrida, Z. N. C. (2004). A imagem e o uso da bicicleta: Um estudo entre moradores de Taguatinga [Dissertação de mestrado não publicada]. Universidade de Brasília.; Ettema et al., 2016Ettema, D., Friman, M., Gärling, T., & Olsson, L. E. (2016). Travel mode use, travel mode shift and subjective well-being: Overview of theories, empirical findings and policy implications. In D. Wang & S. He (Eds.), Mobility, sociability and well-being of urban living (pp. 129-150) Springer. https://doi.org/10.1007/978-3-662-48184-4_7
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). O grupo dos ciclistas e caminhantes foi o que obteve maior paridade de sexo, e é o grupo com maior participação masculina dos três. Piatkowski e Marshall (2015Piatkowski, D. P., & Marshall, W. E. (2015). Not all prospective bicyclists are created equal: The role of attitudes, socio-demographics, and the built environment in bicycle commuting. Travel Behaviour and Society, 2(3), 166-173. https://doi.org/10.1016/j.tbs.2015.02.001
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) apontam que existem marcadores de gênero, raça e renda que são barreiras simbólicas para o uso da bicicleta, sendo este modal mais utilizado por homens brancos, com maior escolaridade e renda média.

Em relação à renda no G3, 52% recebem até quatro salários mínimos, e o mais jovem dos grupos, com uma média de idade de 27 anos. No estudo de Delabrida (2004Delabrida, Z. N. C. (2004). A imagem e o uso da bicicleta: Um estudo entre moradores de Taguatinga [Dissertação de mestrado não publicada]. Universidade de Brasília.), a bicicleta foi apontada enquanto um meio de transporte de quem não possui condições para comprar um carro, e quem a utiliza é uma pessoa com um status rebaixado na sociedade. Já no estudo de Aldred e Jungnickel (2014Aldred, R., & Jungnickel, K. (2014). Why culture matters for transport policy: The case of cycling in the UK. Journal of Transport Geography, 34, 78-87. https://doi.org/10.1016/j.jtrangeo.2013.11.004
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), as cidades com maior taxa de utilização de bicicletas apresentavam uma visão deste modal como um elemento de estilo de vida e de moda, em uma percepção do indivíduo ciclista enquanto independente, assertivo e forte.

O fato de perceber o seu meio de transporte como promotor de interação humana também se mostrou relacionado à qualidade de vida para o G3, o que demonstra a existência de uma identificação grupal entre usuárias e usuários de bicicletas e caminhantes (Ettema et al., 2016Ettema, D., Friman, M., Gärling, T., & Olsson, L. E. (2016). Travel mode use, travel mode shift and subjective well-being: Overview of theories, empirical findings and policy implications. In D. Wang & S. He (Eds.), Mobility, sociability and well-being of urban living (pp. 129-150) Springer. https://doi.org/10.1007/978-3-662-48184-4_7
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). Em relação ao ciclismo, Aldred e Jungnickel (2014Aldred, R., & Jungnickel, K. (2014). Why culture matters for transport policy: The case of cycling in the UK. Journal of Transport Geography, 34, 78-87. https://doi.org/10.1016/j.jtrangeo.2013.11.004
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) apontam que, diante da marginalização vivida por quem utiliza a bicicleta, a necessidade de estabelecer uma identidade de grupo se faz mais presente e gera maior sensação de pertencimento e segurança. Isso se evidencia pelos grupos de ativismo, como o Massa Crítica, que mundialmente celebra a opção pela utilização da bicicleta como meio de transporte e reivindica melhores condições e segurança para o uso da bicicleta como meio de transporte (Kristensen, 2015Kristensen, L. (2015) Marxist Resistance at bicycle speed: Screening the critical mass movement. In E. Mazierska & L. Kristensen (Eds.), Marxism and film activism: Screening alternative worlds (pp. 213-233). Berghahn Books. https://doi.org/10.2307/j.ctt9qctfk.13
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).

A percepção de sustentabilidade do seu meio de transporte foi preditora de QV do grupo do transporte ativo, aspecto indiscutível, por não utilizar combustíveis fósseis (César, 2010César, Y. B. (2010). A garantia do direito à cidade através do incentivo ao uso da bicicleta nos deslocamentos urbanos [Trabalho de conclusão de curso não publicado]. Universidade de Brasília.; Ettema et al., 2016Ettema, D., Friman, M., Gärling, T., & Olsson, L. E. (2016). Travel mode use, travel mode shift and subjective well-being: Overview of theories, empirical findings and policy implications. In D. Wang & S. He (Eds.), Mobility, sociability and well-being of urban living (pp. 129-150) Springer. https://doi.org/10.1007/978-3-662-48184-4_7
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), porém também se mostrou relacionada à QV do G1 - dos carros. Essa questão pode se relacionar com a percepção de que aplicativos de carro são sustentáveis, por serem “um carro a menos” nas ruas. Em parte, esta afirmação é verdadeira, pois o uso dos aplicativos não ocupa os espaços de estacionamento das ruas, e, desde meados de 2019, em Porto Alegre, podem ser utilizados por mais de um cliente ao mesmo tempo, na modalidade de compartilhamento de viagens. Todavia, se torna ainda uma percepção contraditória, uma vez que, com os valores elevados dos transportes públicos e os baixos valores dos aplicativos, muitas pessoas que antes optariam pelo ônibus passam a optar pelos carros, que estão entre os maiores emissores de gases estufa na atmosfera (Vasconcellos et al., 2011Vasconcellos, E. A., Carvalho, C. H. R., & Pereira, R. H. M. (2011). Transporte e mobilidade urbana [Texto para discussão, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada]. Repositório institucional Ipea. https://bit.ly/3fVF11R
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). A percepção do uso do carro como sendo sustentável é um dado problemático, que aponta para o desconhecimento da população dos impactos socioambientais destes veículos.

Este estudo demonstra que as pessoas residentes de Porto Alegre, que responderam ao questionário, possuem relações diferenciadas com a percepção de qualidade de vida de acordo com o meio de transporte principal que utilizam no seu deslocamento pendular. Dentre os achados da pesquisa, fica evidente que a escolha do modal de transporte se apoia na percepção deste como uma ferramenta facilitadora da rotina que se encaixa nas necessidades individuais da pessoa, repercutindo na sua percepção de QV.

A partir da divisão em três grupos de transporte (carro, transporte público coletivo e bicicleta e caminhada), aspectos relacionais da pessoa-ambiente-transporte foram destacados. Os carros aparecem enquanto ampliadores do acesso aos bens da cidade e representantes de maior estabilidade de vida. No caso dos ônibus, representam maior relaxamento e contemplação da cidade. Para ciclistas e caminhantes, o seu deslocamento significa promoção de socialização e qualidade de vida.

Considerações Finais

Saber o motivo do uso dos meios de transporte e a percepção dos usuários é um passo importante no que tange ao planejamento de políticas públicas e ações para minimizar os impactos do crescimento do uso dos carros no espaço urbano. A mudança de comportamento das pessoas é gerada por dois processos interventivos. Um deles é a estratégia de mudança centrada no contexto, que neste caso significaria mudar a estrutura da cidade, priorizando os transportes coletivos e ativos no espaço urbano, incentivando assim o seu uso. A segunda é baseada na informação, visando a mudança de percepção, de motivação, a criação de modelos representativos, além de facilitar o conhecimento sobre o tema da mobilidade e da sustentabilidade para a população (Neto, Feitosa, Cristo, Cantal, & Günther, 2013Neto, I. L., Feitosa, Z. O., Cristo, F. H. V., Cantal, C. B., & Günther, H. (2013). Uso de automóveis e qualidade de vida urbana: Desafios para a psicologia. Estudos de Psicologia (Natal), 18(4), 619-621. https://dx.doi.org/10.1590/S1413-294X2013000400009
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).

Através do Painel de Alto Nível de Pessoas Eminentes e a Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável (SDSN) da Organização das Nações Unidas, é necessário unir esforços para que todas as cidades, em nível mundial, tornem-se socialmente inclusivas, economicamente produtivas, ambientalmente sustentáveis e seguras e resilientes às mudanças climáticas e outros riscos. Para tanto, é necessário utilizar estratégias de gestão que favoreçam transformações urbanas rápidas e igualitárias (ONU, 2013Organização das Nações Unidas. (2013). Relatório do Painel de alto nível de pessoas eminentes para a Agenda de desenvolvimento pós-2015.).

Limitações do Estudo

Dentre as limitações deste estudo estão a falta de equilíbrio amostral, devido ao método de divulgação online, que acaba por atingir uma população específica nas redes sociais, e restringe pessoas que não façam uso dessas; e os instrumentos que foram, em sua maioria, criados pelas pesquisadoras para o estudo, devido à falta de escalas validadas sobre as temáticas; e, por fim, o desenho transversal do estudo não permite estabelecer relações causais em termos das associações encontradas. Além disso, os participantes foram separados em grupos de acordo com seu modal de transporte preferencial, o que não significa que eles não façam uso de outros meios de transporte em seu cotidiano, o que pode influenciar os resultados.

Forças do Estudo

Uma das forças do estudo foi o acesso a uma amostra diversificada em termos de idade, renda e ocupação. O número de participantes obtido permitiu a categorização em três grupos relativamente equivalentes, sem prejuízo para as análises estatísticas empregadas. Outras pesquisas que focalizem a experiência de transporte e o acesso aos bens da cidade considerando os recortes de classe, gênero e raça podem auxiliar no planejamento da mobilidade urbana, levando em consideração as intersecções dos habitantes de Porto Alegre.

Implicações para a Prática

Para a população que reside em regiões mais centrais, o incentivo ao uso de transportes ativos pode representar maior qualidade de vida, tendo sido apontado como um facilitador da rotina para os moradores destas regiões. São importantes campanhas que informem os benefícios da bicicleta e da caminhada, demonstrando o tempo “salvo” em sua utilização, principalmente pela fuga do trânsito e pela facilidade de estacionar, seu baixo custo e seu potencial em termos da realização de atividade física.

O uso positivo do ônibus também deve ser estimulado, uma vez que este permite momentos de relaxamento e reflexão, assim como a realização de atividades de leitura e organização pessoal durante o trajeto. Valorizar a imagem do ônibus é importante, todavia, são necessárias mudanças estruturais que garantam maior atratividade ao transporte, como preços acessíveis, mais corredores e faixas exclusivas, maior acessibilidade para toda a população e, principalmente, a facilidade e o conforto no seu uso, para garantir a mudança modal da população (Morais, 2012Morais, J. S. (2012). Proposta de método para avaliação da qualidade do transporte público urbano por ônibus utilizando a teoria das representações sociais [Dissertação de mestrado, Universidade de Brasília. Repositório institucional da UnB. https://bit.ly/3rHZtWG
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).

Por último, o desinvestimento público na construção de novas rodovias e vias para carros, além da taxação do uso dos carros e motos em pedágios urbanos, devem ser levados em consideração, uma vez que, não sendo mais facilitado, o uso dos transportes motorizados individuais diminuirá e outros meios de transporte serão elencados como possibilidades no deslocamento cotidiano da população (Malvestio, Fischer, & Montaño, 2018Malvestio, A. C., Fischer, T. B., & Montaño, M. (2018). The consideration of environmental and social issues in transport policy, plan and programme making in Brazil: A systems analysis. Journal of Cleaner Production, 179, 674-689. https://doi.org/10.1016/j.jclepro.2017.11.152
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; Pol et al., 2017Pol, E., Castrechini, A., & Carrus, G. (2017). Quality of life and sustainability: The end of quality at any price. In G. Fleury-Bahi, E. Pol, & O. Navarro (Eds.), Handbook of environmental psychology and quality of life research: International handbooks of quality-of-life (pp. 11-39). Springer. https://doi.org/10.1007/978-3-319-31416-7_2
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).

Agradecimentos:

Agradecemos o apoio da comunidade na divulgação desta pesquisa que aconteceu sem nenhuma forma de financiamento, com investimento total das pesquisadoras responsáveis.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    19 Maio 2020
  • Aceito
    07 Jul 2021
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