Acessibilidade / Reportar erro

Tempo e Montagem: Diálogos entre Cinema e Psicologia

Time and Montage: Dialogues between Cinema and Psychology

Tiempo y Montaje: Diálogos entre Cine y Psicología

Resumo

O artigo demonstra que tempo e montagem, além de serem conceitos operativos e técnicos da linguagem cinematográfica, possibilitam reflexões referentes à própria existência. Partindo desses dois vocábulos do cinema, o artigo tece uma possível presença de tempo e montagem na produção de conhecimentos em psicologia, naquilo que tange aos métodos de pesquisa e estudos relativos aos processos de subjetivação. O conceito de montagem é pensado dialeticamente entre sua presença como técnica fundante do cinema e como método proposto por Walter Benjamin referente à composição narrativa do vivido. O conceito de tempo é trabalhado a partir da filosofia do cinema de Gilles Deleuze e das teses sobre história de Benjamin. O texto coloca em ato o método da montagem como forma de dar corpo a um pensamento, também concebendo como proposta metodológica uma experiência flâneur que transita por diferentes reflexões sobre cinema, tempo e montagem. Assim, o próprio texto se apresenta como montagem, dividindo-se em 10 cenas e seus respectivos planos, compondo um todo a partir de fragmentos reflexivos.

Palavras-chave:
Tempo; Montagem; Cinema; Psicologia; Epistemologia

Abstract

The article tries to invoke that time and montage, besides being operative and technical concepts of the cinematographic language, allows reflections about the existence itself. From these two common words in cinema, the article shows a possible presence of time and montage in the production of knowledge in Psychology, in what concerns research methodologies and studies about subjectification processes. The concept of montage is worked dialectically between its presence as a founding technique of cinema and as method proposed by Walter Benjamin referring to the narrative composition of the lived. The concept of time came from Gilles Deleuze’s philosophy of cinema and the Benjamin’s theses about history. The text puts into practice the method of montage as a way of giving body to a thought, also conceiving a flâneur experience that pervades different theories about cinema, time, and montage. Thus, the text itself is written as a montage, divided in ten scenes and their respective planes, composing a whole work from reflexive fragments.

Keywords:
Time; Montage; Cinema; Psychology; Epistemology

Resumen

El artículo busca afirmar que el tiempo y el montaje, además de ser conceptos operativos y técnicos del lenguaje cinematográfico, permiten reflexiones sobre la propia existencia. A partir de estos dos conceptos del cine, el artículo describe una posible presencia de tiempo y montaje en la producción de conocimiento en psicología, con respecto a los métodos de investigación y estudios relacionados con los procesos de subjetivación. El concepto de montaje es elaborado dialécticamente entre su presencia como una técnica fundacional del cine y como un método propuesto por Walter Benjamin con respecto a la composición narrativa de lo vivido. El concepto de tiempo es trabajado desde la filosofía del cine por Gilles Deleuze y las tesis sobre la historia de Benjamin. El texto pone en práctica el método de montaje como una forma de encarnar un pensamiento, también concibe como propuesta metodológica una experiencia flâneur que transita diferentes reflexiones sobre el cine, tiempo y montaje. Así, el propio texto se presenta dividido en diez escenas y sus respectivos planos, que componen un todo a partir de fragmentos reflexivos.

Palabras clave:
Tiempo; Montaje; Cine; Psicología; Epistemología

Cena 01 - Prólogo

01.1 - O texto a seguir constitui uma experiência flâneur ao se deixar vagar por diferentes reflexões teórico-conceituais a respeito do tempo e sua possível apreensão e percepção tanto na arte quanto pelo sujeito. O cinema será um trampolim para nos lançarmos em questões referentes ao porvir, à memória, ao arranjo de um agora, à elaboração de uma história - em suma, um tatear no escuro em busca de uma poiesis1 1 Poiesis tomada aqui como ato de criar e agir, mediado por relações éticas e sensíveis às afecções suscitadas pelos encontros, como gesto que reconhece sua dimensão ficcional e extrai desta sua potência reflexiva. que fabule meditações referentes a nossa existência. Tal caminhada procura refazer o trajeto filosófico de Gilles Deleuze e Walter Benjamin naquilo que se refere a cinema e aos conceitos de tempo e montagem, porém, focalizaremos também nossas câmeras sobre o sujeito que se constitui na trama tempo e sob uma lógica narrativa e ficcional. Seguem junto conosco alguns teóricos do cinema que vieram a consolidá-lo como uma linguagem artística autônoma, como fonte de reflexão sobre o mundo. O texto é metalinguístico, visto que está estruturado na perspectiva do método que procura esmiuçar: a montagem. Assemelha-se à decupagem de um filme, organizado em uma sequência de 10 cenas e seus respectivos planos, estabelecendo certa coerência entre eles a partir de uma montagem por justaposição, compondo uma narrativa fragmentada, não linear. Trata-se de uma montagem dialógica cujas peças são oriundas de uma metodologia flâneur, compreendendo que se deixar perder nos interstícios de um estudo é também um método de pesquisa que requer significativa instrução (Benjamin, 2012Benjamin, W. (2012). Infância em Berlim por volta de 1900. In W. Benjamin, Obras escolhidas: Vol. 2. Rua de mão única (pp. 73-145). Brasiliense.).

Cena 02 - Realidade com ficção

02.1 - O paradigma ético, moral, político, científico, religioso e estético pelo qual compreendemos e nos relacionamos com o mundo acaba por definir nossas existências. Nossa relação com a realidade não se sustenta sobre uma superfície estática e imutável, condicionada por verdades últimas inquestionáveis. Nós fabulamos uma realidade no encontro que estabelecemos com o real, com outras pessoas, com a natureza, com a arte, com a cultura, com a vida. Nossa realidade é mediada por um imaginário, e este se constitui criativamente em uma relação de trocas com o vivido.

02.2 - A ficção é uma condição na qual fundamos todas as nossas experiências e toda forma de conhecimento possível. Mesmo em pesquisas científicas mais arraigadas aos dogmas positivistas e crentes em verdades inquestionáveis, sua via de relação com o mundo é a palavra, e esta é, ontologicamente falando, fruto da inexorável condição de ficcionar (Nietzsche, 2005Nietzsche, F. (2005). Humano, demasiado humano: Um livro para espíritos livres. Companhia das Letras.). A própria existência só pode ser concebida e descrita por meio de uma ficção que elabora lembranças do passado, interpreta as condições do presente e elucubra expectativas do que será o futuro; ou, nos termos de Henri Bergson (1999Bergson, H. (1999). Matéria e memória: Ensaio sobre a relação do corpo com o espírito (2a ed.). Martins Fontes.), o tempo em que existimos - o tempo presente - só pode ser uma duração, um corte ficcional, que se remete a uma percepção do passado conjugada a uma inclinação ao futuro.

Nossa cultura se constituiu designando certa ambivalência entre verdade e ficção, como se fossem antônimos inconciliáveis, onde o fortalecimento de uma significaria a supressão da outra. Os preceitos epistemológicos da modernidade e os valores culturais e científicos do Iluminismo calcaram a compreensão da realidade a partir de um modelo cartesiano de encontro com a vida, que, por vezes, veio a reduzi-la a uma objetividade esvaziada de sua complexidade, suas ambiguidades, suas inúmeras possibilidades de vir-a-ser.

02.3 - Ir ao encontro da vida reconhecendo a estrutura de ficção na qual estamos engendrados e valer-se das qualidades poéticas de interpretação do real é poder realizar aproximações entre sujeito e objeto, transcendendo os anseios de dominação para deixar-se atingir, tocar e ser tocado, estabelecer relações sensíveis com o ente a ser conhecido (Gagnebin, 2009aGagnebin, J. M. (2009a). “Após Auschwitz”. In J. Gagnebin, Lembrar escrever esquecer (2a ed., pp. 59-81). Editora 34.). Viabilizar metodologias que agreguem processos de fabulação e narração na ciência em geral e, mais especificamente, nas humanidades e na psicologia, é criar caminhos que ultrapassem a descrição do palpável e do visível para aprofundar-se no caos das virtualidades, isto é, fazer advir outras interpretações, outros discursos, outras formas de ser, outros mundos; é aventurar-se não sobre o já dado, mas sobre o possível (Costa, 2014Costa, L. A. (2014) O corpo das nuvens: ouso da ficção na Psicologia Social. Fractal: Revista de Psicologia, 26(spe), 551-576. https://doi.org/10.1590/1984-0292/1317
https://doi.org/10.1590/1984-0292/1317...
).

Pesquisas científicas na área das humanidades e da psicologia têm se voltado para os percursos empregados nas artes, a fim de encontrarem vias metodológicas que envolvam um saber-fazer mediado por sensibilidades que vão além da razão cartesiana e do entendimento lógico-matemático (Costa, Zanella, & Fonseca, 2016Costa, L. A., Zanella, A. V., & Fonseca, T. M. G. (2016). Psicologia social e arte: contribuições da revista Psicologia & Sociedade ao campo social. Psicologia & Sociedade, 28(3), 604-615. https://doi.org/10.1590/1807-03102016v28n3p604
https://doi.org/10.1590/1807-03102016v28...
). Procura-se, com essa busca, superar maniqueísmos e dicotomias para poder vislumbrar outros horizontes no que diz respeito ao humano e à vida, criando passagens de acesso a sensibilidades, afetos, vivências, histórias, acontecimentos, paixões, delírios, que são inacessíveis à rigidez e à formalidade dos tradicionais métodos de pesquisa.

02.04 - A aproximação estabelecida neste artigo entre arte e ciência refere-se aos conceitos de tempo e montagem na linguagem cinematográfica e o possível diálogo com a psicologia, seja no âmbito da pesquisa ou na leitura referente aos processos de subjetivação2 2 Subjetividade em processo, por se dar num constante vir-a-ser. Sujeito como expressão de uma síntese momentânea e provisória, como contorno que emerge dos agenciamentos sociais, históricos e políticos (Guattari & Rolnik, 1996). O processo de subjetivação é um movimento ininterrupto de montagem, planos que não cessam de se registrar no corpo. . Ambos os conceitos constituem o cerne do cinema, onde as imagens-movimento procuram dar forma ao tempo ao fazer um corte de duração e tornar esse corte um objeto de apreensão e reflexão, somado à técnica da montagem, que visa abrir caminhos entre percepções, narrativas e afecções a partir das conexões e da cadeia estabelecida entre as imagens-movimento (Deleuze, 2018Deleuze, G. (2018). Cinema 1 - A imagem-movimento. Editora 34.). Similarmente, tempo e montagem podem ser pensados no campo da psicologia, tomando parte nos processos e subjetivação ao inserir o sujeito numa perspectiva de tempo, história, memória e narração referente à própria existência (Benjamin, 2008aBenjamin, W. (2008a). A imagem de Proust. In W. Benjamin, Obras escolhidas: Vol. 1. Magia e técnica, arte e política: Ensaios sobre literatura e história da cultura (pp. 36-49). Brasiliense., 2008cBenjamin, W. (2008c). O narrador: considerações sobre a obra de Nicolai Leskov. In W. Benjamin, Obras escolhidas: Vol. 1. Magia e técnica, arte e política: Ensaios sobre literatura e história da cultura (pp. 197-221). Brasiliense.).

Tempo e montagem estabelecem proximidades com uma concepção de realidade que se constitui por meio da ficção, visto que ambos os conceitos não sustentam uma concepção de realidade fundada em verdades inquestionáveis ou na crença de um discurso factual, mas, sim, em experiências em aberto, calcadas em movimentos incessantes de composição e dissolução. O resultado disso não é o afrouxar do rigor ou do comprometimento da ciência com um conhecimento válido e significativo para o bem comum e o desenvolvimento da cultura, mas o contrário. Tais técnicas, saberes e conceitos advindos da arte e das potencialidades estéticas podem corroborar com a caminhada por territórios pouco acessíveis às faculdades da razão, favorecendo um flanar por entre o inverificável, o sensível, o dúbio, o estranho e o sublime.

Ademais, empenhar-se em percorrer territórios negligenciados pela ciência tradicional e pelos afetos e discursos dominantes é um compromisso social e político (Gagnebin, 2009bGagnebin, J. M. (2009b). Memória, história, testemunho. In J. Gagnebin, Lembrar escrever esquecer (2a ed., pp. 49-58). Editora 34., 2009dGagnebin, J. M. (2009d). Verdade e memória do passado. In J. M. Gagnebin, Lembrar escrever esquecer (2a ed., pp. 39-48). Editora 34.). Circundar o inenarrável, operar sobre os regimes de visibilidades e dizibilidades, lançar novos olhares sobre histórias já dadas, supostamente encerradas, pode ampliar o alcance que os métodos de pesquisa e o conhecimento em psicologia, aliados às linguagens estéticas, podem alçar.

Cena 03 - Tempo e sujeito no cinema

03.1 - A compreensão que a humanidade tem do que seja o tempo ainda é incipiente e temos poucas respostas referentes às elucubrações que dizem respeito a seu comportamento e natureza. Há muito, a física e a filosofia se desdobram sobre o tema, elaboram teorias e experimentos para dizer algo sobre essa dimensão da qual nós humanos estamos à mercê, completamente dominados por ela e reféns de seu movimento. Como observa Carrière (2015Carrière, J.-C. (2015). A linguagem secreta do cinema. Nova Fronteira., p. 109), a concepção do fluxo do tempo, o entendimento da lógica que funda uma noção de passado, presente e futuro, “tudo isso é muito recente e [uma] invenção. Ainda não estamos acostumados com o tempo, ainda não o domamos, sequer chegamos perto”. Se esse enigma ainda gera muitas inquietações no âmbito da filosofia e pouquíssimos avanços no domínio da ciência, é no campo das artes e da imaginação que alguma possibilidade de lidar com o tempo tem sido possível.

03.2 - É próprio da linguagem do cinema aventurar-se no sonhado trabalho sobre o tempo por meio da técnica. Tornar o tempo passível de ser acelerado, ou retardá-lo, fazer saltos que o remetam ao passado ou ao futuro, paralisar o seu andamento, ou mesmo perder-se em seu fluxo a ponto de esquecê-lo são características da arte cinematográfica. Deformar o tempo é uma forma de liberdade, e a gramática cinematográfica pressupõe que o tempo possa ser submetido, de forma imaginária, aos desígnios da humanidade. Desde os primeiros textos que vêm a conceber uma teoria do cinema, a manipulação da realidade e do tempo é uma variável basilar na concepção do que seja o cinema como uma arte autônoma, “é como se a realidade fosse despojada da própria relação de continuidade para atender às exigências do espírito. É como se o próprio mundo exterior se amoldasse às inconstâncias da atenção ou às ideias que nos vêm à cabeça” (Münsterberg, 2018Münsterberg, H. (2018). A memória e a imaginação. In I. Xavier (Org.), A experiência do cinema (antologia) (pp. 33-41). Paz e Terra. (Trabalho original publicado em 1916), p. 34).

Ainda segundo Hugo Münsterberg (2018Münsterberg, H. (2018). A memória e a imaginação. In I. Xavier (Org.), A experiência do cinema (antologia) (pp. 33-41). Paz e Terra. (Trabalho original publicado em 1916)), psicólogo alemão e um dos pioneiros no desenvolvimento de uma teoria da linguagem cinematográfica, o cinema tem aspectos análogos aos mecanismos do nosso imaginário, sendo possível uma maleabilidade das ideias que transcende às amarras das experiências concretas para mesclá-las às possibilidades criativas da imaginação. Assim, o tempo - na sua elaboração segundo as concepções de passado, presente e futuro - vê-se entrelaçado, não linear, seja no cinema ou no sujeito. O tempo, nessas duas instâncias, não se restringe à objetividade da física ou às operações da razão; sua formulação é imaginária e resultado de uma fabulação sobre as experiências vividas.

03.04 - Segundo Jacques Aumont,

esse tempo não é um tempo objetivo, mas o tempo da experiência temporal . . . se a duração é a experiência do tempo, o próprio tempo é sempre concebido como um tipo de representação mais ou menos abstrato de conteúdos de sensação. Ou seja, o tempo não contém os acontecimentos, é feito dos próprios acontecimentos, na medida em que estes são apreendidos por nós. Assim, o tempo, pelo menos o tempo psicológico, o único que consideramos aqui, não é um fluxo contínuo, regular, exterior a nós (Aumont, 2012Aumont, J. (2012). A imagem (16a ed.). Papirus., p. 108).

O cinema e nossa possibilidade de subjetivar os fenômenos do tempo correspondem a um movimento complexo onde nos situamos em diversos planos simultaneamente, de relações estratificadas, onde passado, presente e futuro se mostram interdependentes. O tempo não escoa numa mesma direção e o relógio não gira sempre num mesmo sentido. As memórias, os afetos, as cicatrizes não deixam de se atualizar, ressignificando ad aeternum a experiência dos acontecimentos.

Cena 04 - Jetztzeit

04.1 - A questão do tempo em Benjamin se destaca nas suas problematizações referentes à historiografia e à forma como é compreendida na produção de conhecimento positivista ou segundo o método materialista-dialético. O autor critica a perspectiva progressista de história, onde o progresso e desenvolvimento são concebidos como movimentos naturais e inevitáveis do curso da história. Também contesta a ideia de um passado fixado no tempo, descrito como fatos objetivos e deixados para trás no transcorrer de um tempo ido (Gagnebin, 2008Gagnebin, J. M. (2008). Prefácio - Benjamin ou a história aberta. In W. Benjamin, Obras escolhidas: Vol. 1. Magia e técnica, arte e política: Ensaios sobre literatura e história da cultura (pp. 7-19). Brasiliense ., 2009dGagnebin, J. M. (2009d). Verdade e memória do passado. In J. M. Gagnebin, Lembrar escrever esquecer (2a ed., pp. 39-48). Editora 34.).

Para Benjamin (2008dBenjamin, W. (2008d). Sobre o conceito da História. In W. Benjamin, Obras escolhidas: Vol. 1. Magia e técnica, arte e política: Ensaios sobre literatura e história da cultura (pp. 222-232). Brasiliense ., p. 229), essa concepção de tempo é correspondente a uma “marcha no interior de um tempo vazio e homogêneo” onde a vida segue linearmente seu destino, sempre ascendendo a patamares mais elevados, numa perspectiva evolucionista dos acontecimentos. Fazendo um contraponto a essas perspectivas, a proposta do autor é compreender o tempo a partir de sua brevidade e da sua constante atualização no presente: Jetztzeit3 3 “Tempo do agora” (Benjamin, 2008d). . Calcado no método do materialismo-dialético, o autor propõe uma compreensão dialética do tempo, um eterno agora que não cessa de se reinventar em diálogo com aquilo que já foi, mas nunca deixou de se fazer presente.

04.2 - Inspirado na poética de Proust, Benjamin identifica no autor francês um processo narrativo do tempo que entrelaça a experiência do sujeito à memória, fabulação e vida; uma eternidade que não se apresenta como uma linha reta em direção ao infinito, mas, sim, um reviver constante, movimento e transformação sob um mesmo e eterno agora:

A eternidade que Proust nos faz vislumbrar não é a do tempo infinito, e sim a do tempo entrecruzado. Seu verdadeiro interesse é consagrado ao fluxo do tempo sob sua forma mais real, e por isso mesmo mais entrecruzada, que se manifesta com clareza na reminiscência (internamente) e no envelhecimento (externamente) (Benjamin, 2008aBenjamin, W. (2008a). A imagem de Proust. In W. Benjamin, Obras escolhidas: Vol. 1. Magia e técnica, arte e política: Ensaios sobre literatura e história da cultura (pp. 36-49). Brasiliense., p. 45).

O tempo em Benjamin é um amontoado de fragmentos, que se reconfigura conforme as relações do agora se arranjam. O processo de montagem é o método pelo qual o autor pretende abordá-lo. Coletando os cacos reminiscentes do passado, é possível sempre reinventar um presente sem obliterar aquilo que já foi. Desta forma, o tempo deixa de ser totalizante e destruidor, como Krónos devorando seus filhos, para se constituir como coletividade, não mais composta de vazios, mas de somas de experiências que se aglutinam e se reconfiguram (Roque, 2016Roque, J. I. B. (2016). Teoria do conhecimento, linguagem e história do pensamento de Walter Benjamin. CRV.).

O princípio do método da montagem, nas palavras de Benjamin, é “erguer as grandes construções a partir de elementos minúsculos, recortados com clareza e precisão. E, mesmo, descobrir na análise do pequeno momento individual o cristal do acontecimento total” (Benjamin, 2009Benjamin, W. (2009). Passagens. UFMG., p. 503). Sua postura epistemológica valoriza a presença das singularidades na composição do todo; sentido inverso ao do pensamento positivista que, da formulação de regras gerais, procura submeter o particular ao discurso totalizante.

Cena 05 - Imagem-tempo

05.1 - A teoria de Deleuze (2013Deleuze, G. (2013). A imagem-tempo: Cinema II. Brasiliense., 2018Deleuze, G. (2018). Cinema 1 - A imagem-movimento. Editora 34.) a respeito do tempo e da montagem, tomando como referência a filosofia de Bergson (1999Bergson, H. (1999). Matéria e memória: Ensaio sobre a relação do corpo com o espírito (2a ed.). Martins Fontes.) no tocante à constituição da consciência atravessada por uma possível formulação do tempo, não se resume a uma simples explicitação da técnica da montagem ou um estudo da representação temporal. O autor desenvolve ambos os conceitos na direção de pensá-los como elementos reflexivos para se compreender filosoficamente a composição da própria realidade, como também elabora uma formulação ontológica sobre o sujeito calcado nos dois conceitos oriundos da constituição de uma teoria que fundamenta a linguagem cinematográfica.

05.02 - A técnica que se torna possível com a câmera cinematográfica é a de simular movimentos, devido aos muitos instantes registrados sequencialmente, reproduzindo as diversas fotografias em velocidade suficiente para se criar uma ilusão de continuidade e, consequentemente, de movimento. Diferente da fotografia, que corresponde a um instante do tempo, cortes imóveis deste, o cinema irá operar sobre outra categoria de imagem: a imagem-movimento - cortes móveis, dotados de duração, de mudanças e de expressão temporal. A captação do movimento corresponde ao ato de registrar uma duração, um fragmento de tempo; é tornar visível a mudança, o transcorrer da existência, dinâmica na qual a vida se expressa. Só a mudança pode tornar visível a presença do tempo.

Para Deleuze (2013Deleuze, G. (2013). A imagem-tempo: Cinema II. Brasiliense.), a estrutura que define o tempo não muda, não passa. Refere-se sempre a um mesmo tempo, como em Benjamin (2008dBenjamin, W. (2008d). Sobre o conceito da História. In W. Benjamin, Obras escolhidas: Vol. 1. Magia e técnica, arte e política: Ensaios sobre literatura e história da cultura (pp. 222-232). Brasiliense .), um tempo do agora: “tudo o que muda está no tempo, mas o próprio tempo não muda, não poderia mudar senão num outro tempo, ao infinito” (Deleuze, 2013Deleuze, G. (2013). A imagem-tempo: Cinema II. Brasiliense., p. 27). O tempo é uma estrutura inalterável onde tudo que é devir ocorre em seu seio; é a condição sob a qual se produz toda a mudança, porém, o próprio não se abala, não move, apenas comporta e se constitui do que é mutável.

O tempo, para ser sentido, percebido, interpelado, só poderá se dar de forma indireta. Só é possível tornar tangível o espectro do tempo mediante seus componentes, por fenômenos que se dão no seu interior, através daquilo que preenche a sua estrutura com algo sensível - e aquilo que habita o tempo são os movimentos, as mudanças, os devires. Para Bergson (1999Bergson, H. (1999). Matéria e memória: Ensaio sobre a relação do corpo com o espírito (2a ed.). Martins Fontes.), a consciência do instante presente só pode abarcar um número limitado de estímulos, sendo apenas possível a percepção do tempo através de uma limitação, de um recorte, durações que instauram “pontos de apoio, para nela fixarmos centros de operação, para nela introduzirmos, enfim, mudanças verdadeiras; estes são os esquemas de nossa ação sobre a matéria” (Bergson, 1999, p. 248). A imagem-movimento - o componente estético que constitui o cinema - é justamente a apreensão de um fragmento de tempo, tornado evidente por meio da exposição e uma duração, e é o método da montagem que tece a imagem do tempo, por meio de um mosaico composto com cortes móveis.

Esses mosaicos de imagens-movimento não se constituem apenas de um somatório serial de imagens, como uma sucessão de tempos presentes. Eles são montados segundo o movimento dialético do tempo, caracterizado pelos conflitos, antagonismos, ações, afetos, representação de um tempo estratificado que comporta inúmeras realidades sob o mesmo véu. A montagem, segundo Deleuze (2013Deleuze, G. (2013). A imagem-tempo: Cinema II. Brasiliense., 2018), é a técnica e o método que molda o tempo e o torna virtualmente visível. Assim, o cinema é, como nenhuma outra linguagem das artes visuais, o constituidor de uma imagem-tempo.

05.03 - A arte do cinema pode ser interpretada como dotada de duas potências: imagem-movimento - aquela que se desdobra no interior do tempo, delineando os seus contornos, a partir dos movimentos que ocorrem no seu ínterim, constituída de cortes de duração e acontecimentos, experiências sensório-motoras; e imagem-tempo - uma composição que evidencia o instante que não passa, que não muda, que se revela na sua eternidade, o congelamento fotográfico dentro do cenário em movimento. A imagem-tempo vem convocar não só à relação escópica suscitada pela ação narrativa, como também a uma “leitura” do visível; imagens para serem tanto vistas quanto interpretadas, refletidas. Nas palavras de Deleuze:

Enquanto a imagem-movimento e seus signos sensório-motores estavam em relação apenas com uma imagem indireta do tempo (dependendo da montagem), a imagem ótica e sonora pura, seus opsignos e sonsignos, ligam-se diretamente a uma imagem-tempo que sub-ordenou o movimento . . . Ao mesmo tempo que o olho acede a uma função de vidência, os elementos da imagem, não só visuais, mas sonoros, entram em relações internas que fazem com que a imagem inteira deva ser “lida” não menos que vista, legível tanto quanto visível (Deleuze, 2013Deleuze, G. (2013). A imagem-tempo: Cinema II. Brasiliense., p. 34).

Cena 06 - Processo de subjetivação como montagem

06.1 - Soa como unanimidade entre os teóricos do cinema que a montagem é a técnica por excelência que constitui essa linguagem. O cinema veio a se distinguir como uma arte independente do teatro, da fotografia, da pintura e de um instrumento de interesse exclusivo da ciência quando os filmes passam a ser pensados como um combinado de cenas, uma conjunção de planos diversos, unidos a partir de um processo de edição mediado por uma gramática que visasse criar relações entre esses fragmentos, e de sua síntese obter um todo concebido como uma obra artística (Carrière, 2015Carrière, J.-C. (2015). A linguagem secreta do cinema. Nova Fronteira.).

06.2 - Um filme é constituído de cenas. A cena no escritório, a cena no restaurante, a cena no parque, a cena na rua, a cena em casa, a cena do carro em movimento etc. Cada cena é composta de diversos planos: num restaurante há um plano geral, que apresenta o espaço físico, suas características arquitetônicas, as pessoas jantando, garçonetes trabalhando, os casais apaixonados, jovens em festa. A cena continua com um plano médio, que focaliza uma mesa específica com dois personagens já apresentados previamente em cenas anteriores; o plano seguinte é um enquadramento fechado em uma das personagens, apresentando seus elementos comportamentais e físicos; o próximo plano é um close na face do segundo personagem, que tem seus olhos banhados em lágrimas; no último plano, o personagem se levanta e vai embora abruptamente (Figura 1). A cena do restaurante se encerra aí. A cena é montada a partir de perspectivas singulares da situação (os planos) contendo elementos que, em conjunto, pretendem elaborar uma ideia, desenvolver um conceito, narrar um acontecimento.

Figura 1
Em Ikiru, a sequência dos planos em destaque procura mergulhar na angústia do personagem em ter que lidar com a notícia de sua doença terminal.

Mesmo em narrativas em que o tempo transcorre de forma cronológica e linear, sem flashbacks ou tempos subjetivos, a técnica da montagem deve ser pensada como a composição de um todo, como um mosaico que só ganha sentido na sua contemplação à distância, visto que a fixação da atenção nos pequenos fragmentos isolados não conceberia às unidades e ao todo o sentido que só se constitui na relação. Assim, a cada nova cena e a cada novo plano, está sempre em jogo uma síntese provisória do acontecimento a ser elaborado, e o processo técnico e conceitual que opera sobre tais sínteses é chamado de montagem.

Deleuze (2018Deleuze, G. (2018). Cinema 1 - A imagem-movimento. Editora 34., p. 55) destaca que “montagem é a determinação do Todo . . . a montagem é essa operação que recai sobre as imagens-movimento para extrair delas o todo, a ideia, isto é, a imagem do tempo”. O cinema esculpe o tempo de forma indireta, a partir das imagens-movimento - esse tempo eterno, tempo instante, tempo que não cessa, um todo perene que só se deixa ver pelos fenômenos no seu interior. Tempo não como um todo que se concebe como fechado ou dado em si, com verdades eternas a serem desveladas pelas formas de conhecimento humano, mas, sim, como um em aberto que muda incessantemente, um constante vir-a-ser.

06.3 - A lógica da montagem, segundo fragmentos mnêmicos e imagéticos submetidos aos movimentos de continuidade e descontinuidade, de rupturas e de novos rearranjos, compõe, para Benjamin (2008bBenjamin, W. (2008b). A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In W. Benjamin, Obras escolhidas: Vol. 1. Magia e técnica, arte e política: Ensaios sobre literatura e história da cultura (pp. 165-196). Brasiliense.), não só a ciência da História, como também constitui a dinâmica do próprio pensamento. A composição das imagens do pensamento é decorrente de toda uma sequência de imagens fragmentadas no tempo, “a compreensão de cada imagem é condicionada pela sequência de todas as imagens anteriores” (Benjamin, 2008bBenjamin, W. (2008b). A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In W. Benjamin, Obras escolhidas: Vol. 1. Magia e técnica, arte e política: Ensaios sobre literatura e história da cultura (pp. 165-196). Brasiliense., p. 175) e reorganizadas num instante impregnante.

A composição do pensamento, das imagens e da história comporta um processo criativo e narrativo do sujeito sobre o seu vivido, sobre o real. Esse processo, que podemos entender como uma montagem, remete mais ao exercício da poiesis do que ao gesto cientificista (Gagnebin, 2009dGagnebin, J. M. (2009d). Verdade e memória do passado. In J. M. Gagnebin, Lembrar escrever esquecer (2a ed., pp. 39-48). Editora 34.), visto que a montagem da realidade e da história está atravessada por processos afetivos, estéticos, éticos, sociais e políticos. A composição do pensamento e da história é exercida por sujeitos na sua experiência histórico-cultural, e deixam, nas suas montagens e narrativas, os seus rastros singulares.

06.4 -Deleuze (2013Deleuze, G. (2013). A imagem-tempo: Cinema II. Brasiliense., 2018Deleuze, G. (2018). Cinema 1 - A imagem-movimento. Editora 34.) e Benjamin (2008bBenjamin, W. (2008b). A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In W. Benjamin, Obras escolhidas: Vol. 1. Magia e técnica, arte e política: Ensaios sobre literatura e história da cultura (pp. 165-196). Brasiliense.) compreendem que a montagem cinematográfica é um fenômeno que se assemelha à própria dinâmica dos processos de subjetivação humanos. Desde os planos que selecionamos/recordamos para contar um acontecimento de nossas vidas e o enquadramento no qual são ordenados, a memória, a visão, a seleção, a forma como as partes fragmentadas de uma história estão relacionadas fazem parte de um processo de montagem que constitui as narrativas de vida, as imagens do pensamento, o próprio sujeito. A montagem que somos também corresponde a um todo em aberto, um filme/vida em devir. Não nos constituímos como planos isolados. Cada experiência vivida será um fragmento a mais interferindo no mosaico a ser montado: mosaico-vida - efeito da síntese provisória de um instante presente, composto pelos cacos remanescentes daquilo que foi capturado e elaborado pela câmera-espírito.

O vínculo entre as imagens que compõem o processo de montagem - no filme e no sujeito - são operações que determinam modos de relação entre as partes e o todo, entre visibilidades e os possíveis sentidos e afetos que podem a elas ser aferidos, entre uma concepção de realidade e seu contraste com o vivido (Rancière, 2012Rancière, J. (2012). O destino das imagens. In J. Rancière, O destino das imagens (pp. 9-41). Contraponto.). As experiências ganham sentidos no bojo da montagem na qual estão inseridas. As concatenações de imagens-movimento vão tecendo histórias, compondo ideias, (re)criando um todo, constituindo sujeitos.

Cena 07 - Memória

07.1 - O cinema e a fotografia têm como matéria prima o registro luminoso captado por uma câmera. Sejam mecanismos analógicos ou digitais, esses registros são cicatrizes deixadas pela luz sobre uma superfície fotossensível. Constituem-se como marcas do passado que remetem ao presente o trabalho de (re)interpretá-las, associá-las a fatos idos, a momentos ocorridos, a histórias vividas. Tal característica das “artes da luz” pode ser comparada ao registro da memória e nossa relação com o seu resgate e sua narrativa. Como as marcas de luz deixadas sobre um fotograma, as memórias são como marcas da vida impregnadas em um corpo. Ambas são apenas pistas, rastros de experiências remanescentes que voltam à tona para contribuírem com a necessidade de elaborar o vivido.

07.2 - A vida é narrada a partir de fragmentos coletados ao longo das experiências pelas quais caminhamos. Nossas memórias serão esses fragmentos do tempo - assim como os planos nos filmes - de que lançamos mão para compor a história a ser contada. Como reflete Chris Marker, em narração em off no filme Sans Soleil (1983Marker, C. (Diretor). (1983). Sans Soleil [Filme]. Argos Films.), “eu passaria a vida a indagar sobre a função da lembrança que não é o oposto do esquecimento, mas seu avesso. Nós não lembramos. Recriamos a memória como recriamos a história”. Desse processo narrativo, as lacunas (histórias que nunca serão contadas) e potencialidades (aquilo que pode vir a ser) se multiplicam. Quantas histórias, sob quantos pontos de vista podem ser contadas a partir de um mesmo acontecimento? Neste sentido, recordar é uma atividade mais voltada às características da loucura que o próprio esquecimento, pois recordar é recriar, sustentar ilusões, acreditar em verdades (mesmo que mutantes), fabular sobre a existência.

07.3 - A elaboração das memórias se dá em face às relações de poder e conflitos de interesses, que buscam visibilizar determinados fatos do passado em detrimento de outros para sustentar verdades dogmáticas no presente. Memória e verdade são conceitos constituídos de fragilidades, como pássaros que precisam ser leves e delicados para que possam voar. Os sinais deixados pelo passado são objetos de constante cobiça pelos discursos dominantes, que procuram definir o conteúdo da memória histórica e sua interpretação, a fim de determinarem um presente às sombras de um ido em aberto (Gagnebin, 2009dGagnebin, J. M. (2009d). Verdade e memória do passado. In J. M. Gagnebin, Lembrar escrever esquecer (2a ed., pp. 39-48). Editora 34.). Sustentar verdades dogmáticas é trancar a memória numa gaiola. Esse campo conflituoso se estende para a ciência da História, sobre a montagem cinematográfica e em direção às verdades do sujeito.

A perspectiva de tempo em Benjamin (2008dBenjamin, W. (2008d). Sobre o conceito da História. In W. Benjamin, Obras escolhidas: Vol. 1. Magia e técnica, arte e política: Ensaios sobre literatura e história da cultura (pp. 222-232). Brasiliense .) coloca a fragilidade da memória em evidência, sendo esta sempre sujeita a ser solapada pelos movimentos vindouros, em consequência das montagens possíveis, onde ausência e presença constituem a sua dinâmica. Lutar contra o apagamento da história - consequência recorrente na perspectiva progressista de historiografia, que segue seu trilho em direção ao futuro - mostra-se fundamental para evitar a consolidação de um tempo vazio e de uma narrativa negligente com as experiências humanas, ainda que não se trate de bradar por verdades dogmáticas sobre os acontecimentos (Gagnebin, 2009dGagnebin, J. M. (2009d). Verdade e memória do passado. In J. M. Gagnebin, Lembrar escrever esquecer (2a ed., pp. 39-48). Editora 34.).

Cena 08 - Harmonias e melodias

08.1 - A qualidade das relações entre os planos em um filme pode ser pensada mais por aquilo que os diferencia do que pelas características que os une. Essa é a teoria do intervalo de Dziga Vertov (2018Vertov, D. (2018). Nascimento do Cine-Olho. In I. Xavier (Org.), A experiência do cinema (antologia) (pp. 211-212). Paz e Terra. (Trabalho original publicado em 1922)). O termo “intervalo”, utilizado por Vertov, advém da teoria musical. Uma escala tonal é dividida em 12 notas que se repetem ciclicamente, ficando mais graves ou mais agudas. Existe, entre as notas da escala, uma distância relativa que as diferencia em termos do som que produzem, da frequência que vibram. Essa distância é chamada de intervalo. A música tonal, de forma geral, trabalha as relações desses intervalos em duas dimensões: vertical/harmônica (um grupo de intervalos que são executados simultaneamente) e horizontal/melódica (intervalos executados um após o outro), além dos efeitos sensíveis que a percepção de ambas as dimensões gera no seu ouvinte.

A proposta de Vertov (2018Vertov, D. (2018). Nascimento do Cine-Olho. In I. Xavier (Org.), A experiência do cinema (antologia) (pp. 211-212). Paz e Terra. (Trabalho original publicado em 1922)) é executar a montagem de um filme sob esse princípio oriundo da música. De forma harmônica, os planos são configurados segundo a totalidade das imagens-movimento que estão presentes no enquadramento e a qualidade do equilíbrio gerada nessa combinação. A estrutura melódica do filme é concebida a partir das relações criadas nas mudanças entre os planos e o contraste existente entre planos sucessivos que compõem uma mesma cena e a amplitude desse contraste na obra como um todo. Assim, os intervalos podem ser mais harmoniosos ou mais dissonantes, mais próximos ou mais distantes, dependendo do efeito desejado pelo autor. O hiato intervalar entre os planos não os separa a ponto de não poderem se relacionar; o contraste não resulta em uma diferença irreconciliável, mas, ao contrário, produz uma relação singular (Deleuze, 2018Deleuze, G. (2018). Cinema 1 - A imagem-movimento. Editora 34.).

08.2 - A montagem, segundo a teoria dos intervalos, é resultante de operações de choque, de contrastes, de rupturas, assim como de passagens harmônicas, suaves, discretas. A forma como as passagens entre cenas e planos está arranjada contribuirá para a constituição de sentidos referentes à obra. Naquilo que tange às temáticas do campo da psicologia, os processos de subjetivação podem ser interpretados sob o mesmo aspecto: de experiências apaziguantes e confortáveis a situações chocantes, traumáticas ou sublimes; o sentido do acontecimento está relacionado à distância entre uma determinada situação e as experiências cotidianas às quais um sujeito está acostumado ou com as quais lida com facilidade4 4 No texto “A psicanálise e as neuroses de guerra” (Freud, 2006b), Freud faz uma descrição quase cinematográfica, ao estilo de Apocalypse Now (Coppola, 1979), para distinguir os efeitos traumáticos da guerra sobre os soldados recrutados e sobre os mercenários ou soldados profissionais. Nos primeiros, a guerra teria efeitos mais devastadores em suas subjetividades, devido à experiência do choque e do conflito moral em questão; nos segundos, os efeitos não seriam patológicos, pois já estariam acostumados ou mesmo ansiando por tais condições. .

Experiências de choque ou traumáticas são entendidas como derivadas da impossibilidade de significar uma situação vivida devido à ausência de sentido e da incapacidade de compreensão por parte de um sujeito frente ao inesperado, promovendo um corte na capacidade de elaborar a situação por meio da linguagem (Gagnebin, 2009bGagnebin, J. M. (2009b). Memória, história, testemunho. In J. Gagnebin, Lembrar escrever esquecer (2a ed., pp. 49-58). Editora 34., 2009cGagnebin, J. M. (2009c). O rastro e a cicatriz: Metáforas da memória. In J. Gagnebin, Lembrar escrever esquecer (2a ed., pp. 107-118). Editora 34.). Ademais, são situações dotadas de uma vivência afetiva excessivamente intensa, sentidas como angustiantes, deixando marcas indeléveis na história do sujeito (Freud, 2006aFreud, S. (2006a). Fixação em traumas - O inconsciente. In S. Freud, Obras completas de Sigmund Freud - Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud: Vol. 16. Conferências introdutórias sobre Psicanálise (Parte III) (1915-1916) (J. Salomão, Trad., Vol. 16, pp. 281-292). Imago. (Trabalho original publicado em 1917)).

08.3 - A montagem no cinema e na vida (os processos de subjetivação) terá papel relevante na delimitação dos sentidos possíveis de serem elaborados, nos efeitos que podem surtir das experiências, no conteúdo das narrações que podemos compor. A teoria do intervalo de Vertov (2018Vertov, D. (2018). Nascimento do Cine-Olho. In I. Xavier (Org.), A experiência do cinema (antologia) (pp. 211-212). Paz e Terra. (Trabalho original publicado em 1922)) nos aponta para a dinâmica dos contrastes e de como estes podem balizar as relações estéticas5 5 Relações estéticas: “conceito que chama a atenção para a qualidade dos encontros com um outro, presente ou ausente, marcados por um posicionamento que é ao mesmo tempo afetivo, cognitivo, sensível, pela responsividade que o conota . . . relações de alteridade, fundamentam-se em sensibilidades que estranham o instituído e reconhecem infinitas possibilidades de devir e acolhimento das diferenças que conotam ou podem vir a conotar a existência humana.” (Zanella, 2010, p. 34-35). que vivenciamos no encontro com o outro ou com o real, seja na arte, seja na vida.

Cena 09 - Morte como materialização do tempo

09.1 - Umas das angústias mais amplamente compartilhadas pela humanidade, nas diferentes eras e culturas, é a condição inexorável da passagem do tempo, a degradação do corpo e o inevitável encontro com a morte. Bazin (2018Bazin, A. (2018). Ontologia da imagem fotográfica. In A. Bazin, O que é o cinema? (pp. 27-35). Ubu.) observa que lutar contra o tempo e desenvolver estratégias para burlar a morte é uma necessidade humana. Diversas culturas elaboraram suas armas simbólicas para lutar contra a presença fantasmagórica do fim, do vazio, do nada: condições inconcebíveis ao simbólico no qual nos arranjamos como sujeitos. Quando alguém escreve um livro, pinta um quadro, produz uma obra que possa manter-se perene e fazer parte da história, nutre a esperança da imortalidade, a possibilidade de sua transcendência, construindo caminhos para que a alma possa migrar de um corpo moribundo para a cultura e para a história (Gagnebin, 2009cGagnebin, J. M. (2009c). O rastro e a cicatriz: Metáforas da memória. In J. Gagnebin, Lembrar escrever esquecer (2a ed., pp. 107-118). Editora 34.).

09.2 - Talvez seja a linguagem cinematográfica aquela que pode combinar e corresponder de forma mais satisfatória a dois fascínios da humanidade: esquivar-se da passagem do tempo e conceder a capacidade de dar vida ao inanimado (Mulvey, 2006Mulvey, L. (2006). Death 24x a second: Stillness and the moving image. Reaktion Books.). O cinema realiza o registro dos momentos, dos movimentos, dos acontecimentos, das experiências, preservando, no passar do tempo, o transcorrer dos fatos, das histórias, as expressões faciais, os semblantes, os discursos, os corpos vibráteis. Constitui registros reproduzíveis, realidade sob processo mitótico. O acontecimento se multiplica, transcende o espaço e o tempo do aqui e agora. A mesma cena será revista inúmeras vezes em incontáveis lugares, submetida a infinitas interpretações e afecções. O instante móvel registrado pela câmera e tornado cena não morre mais, enquanto houver quem o veja.

09.3 - Tradicionalmente, 24 quadros por segundo. Esse é o número necromântico que faz reviver os mortos, que coloca em movimento aquilo que está embalsamado no registro fotográfico. Se a fotografia é um corte do tempo, um instante congelado, processo que transforma a realidade animada no inanimado, o cinema realiza um processo inverso: dá vida aos mortos, conjurando-os 24 vezes por segundo.

09.4 - Se o corte móvel do cinema, o ato de isolar uma duração no período de um plano, é aquilo que dá ao tempo um contorno e assim o torna sensível, o imaginário da morte é o corte que opera sobre todo sujeito e que vem a dar forma à ideia do que seja a existência. A finitude da vida é o que torna o tempo uma dimensão tão elementar ao humano.

Em Ikiru (Kurosawa, 1952Kurosawa, A. (Diretor). (1952). Ikiru [Filme]. Toho Company.), o personagem Kanji Watanabe (interpretado por Takashi Shimura) conscientiza-se de seu lugar no mundo e do que representam suas experiências; passa a refletir sobre o encontro com o outro e seu papel social quando é defrontado com a notícia de que lhe restam apenas alguns meses de vida devido a um câncer terminal de estômago. Como servidor público do município, submerso em documentações e burocracias sem sentido, Watanabe-san vê 30 anos de sua vida passarem em branco. A presentificação da morte após o diagnóstico o convoca a uma respondibilidade. Uma vida que parecia eterna já não pode mais ser desperdiçada. O tempo toma forma e se faz presente. O personagem vem a se dar conta da alienação pela qual estava envolto e passa a demonstrar atitudes mais éticas, afetivas e engajadas, como, por exemplo, enfrentar os políticos e a máfia local para realizar a construção de um parque, demanda da comunidade que se encontrava negligenciada em consequência das amarras burocráticas da administração pública e da falta de vontade política.

A tradução da palavra japonesa “ikiru” (生きる) é “viver”. Watanabe-san só passou a “viver” após a morte dar contorno ao tempo; após a morte, por contraposição, dar ao significante “vida” algum sentido (Figura 2).

Figura 2
Em Ikiru, a vida toma relevância quando a morte institui um corte, quando define uma duração.

Cena 10 - Epílogo

10.1 - Montamos o tempo.

O tempo de nossa existência.

Montamos nossa existência.

O tempo não existe, não tem forma,

se não for preenchido de experiências.

10.2 - Sob a ordem da linguagem, tudo é mediado por um processo de criação, de ficção, por onde caminhamos através de signos, como numa corda bamba estendida entre dois desfiladeiros, entre o sujeito e o mundo. A vida humana se organiza segundo processos metafóricos e metonímicos, no qual a relação com o real é predominantemente indireta, inventada. No entanto, tal perspectiva não deve ser interpretada como um subjetivismo alienado e delirante, visto que a travessia é uma via de mão dupla. O mundo nos dá uma materialidade e inúmeras orientações para que venhamos a dotar de sentido nossas experiências, a montar nosso mosaico com as peças disponíveis.

É da organização dos restos cotidianos que podemos atribuir alguma singularidade aos processos de subjetivação e à composição de nossas existências. Nas palavras de Deleuze (2018Deleuze, G. (2018). Cinema 1 - A imagem-movimento. Editora 34., p. 19), “esta produção de singularidades (o salto qualitativo) se dá por acumulação de ordinários (processo quantitativo), pelo que o singular é extraído do qualquer, é ele próprio um qualquer simplesmente não ordinário ou não regular”. Para o autor, é na possibilidade de criar a partir do vivido que reside a potência narrativa e inventiva da vida. Ou seja, a vida não deixa de ser um processo de montagem entre fragmentos ignóbeis e preciosos colhidos ao longo do caminhar - e dessas composições possíveis elaboramos uma melodia.

10.3 - Manifesta-se, no recolhimento dos cacos, uma potente estratégia metodológica para ir ao encontro do desconhecido, do estranho, do ignorado, daquilo que está a brotar pelos cantos, nas sombras, por debaixo das grandes aparições, invisibilizado pela excessiva emanação de luz, pelos amplos horizontes. Pesquisar em psicologia é também processo de criação: é criar novas discursividades, produzir algo novo, formular reflexões outras, trilhar caminhamos inexplorados, permitindo que do caos outras virtualidades contornem o vivido.

10.4 - Olhar para cacos, restos, fragmentos é olhar para aquilo que constitui nossas experiências cotidianas e que se entrelaçam para compor o que somos. Assim, cinema e psicologia têm um mesmo interesse: dar a ver aquilo que funda as nossas existências e que pode vir a multiplicá-las, expandi-las.

Referências

  • Aumont, J. (2012). A imagem (16a ed.). Papirus.
  • Bazin, A. (2018). Ontologia da imagem fotográfica. In A. Bazin, O que é o cinema? (pp. 27-35). Ubu.
  • Benjamin, W. (2008a). A imagem de Proust. In W. Benjamin, Obras escolhidas: Vol. 1. Magia e técnica, arte e política: Ensaios sobre literatura e história da cultura (pp. 36-49). Brasiliense.
  • Benjamin, W. (2008b). A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In W. Benjamin, Obras escolhidas: Vol. 1. Magia e técnica, arte e política: Ensaios sobre literatura e história da cultura (pp. 165-196). Brasiliense.
  • Benjamin, W. (2008c). O narrador: considerações sobre a obra de Nicolai Leskov. In W. Benjamin, Obras escolhidas: Vol. 1. Magia e técnica, arte e política: Ensaios sobre literatura e história da cultura (pp. 197-221). Brasiliense.
  • Benjamin, W. (2008d). Sobre o conceito da História. In W. Benjamin, Obras escolhidas: Vol. 1. Magia e técnica, arte e política: Ensaios sobre literatura e história da cultura (pp. 222-232). Brasiliense .
  • Benjamin, W. (2009). Passagens. UFMG.
  • Benjamin, W. (2012). Infância em Berlim por volta de 1900. In W. Benjamin, Obras escolhidas: Vol. 2. Rua de mão única (pp. 73-145). Brasiliense.
  • Bergson, H. (1999). Matéria e memória: Ensaio sobre a relação do corpo com o espírito (2a ed.). Martins Fontes.
  • Carrière, J.-C. (2015). A linguagem secreta do cinema. Nova Fronteira.
  • Coppola, F. (Diretor). (1979). Apocalypse Now [Filme]. Zoetrope Studios.
  • Costa, L. A. (2014) O corpo das nuvens: ouso da ficção na Psicologia Social. Fractal: Revista de Psicologia, 26(spe), 551-576. https://doi.org/10.1590/1984-0292/1317
    » https://doi.org/10.1590/1984-0292/1317
  • Costa, L. A., Zanella, A. V., & Fonseca, T. M. G. (2016). Psicologia social e arte: contribuições da revista Psicologia & Sociedade ao campo social. Psicologia & Sociedade, 28(3), 604-615. https://doi.org/10.1590/1807-03102016v28n3p604
    » https://doi.org/10.1590/1807-03102016v28n3p604
  • Deleuze, G. (2013). A imagem-tempo: Cinema II. Brasiliense.
  • Deleuze, G. (2018). Cinema 1 - A imagem-movimento. Editora 34.
  • Freud, S. (2006a). Fixação em traumas - O inconsciente. In S. Freud, Obras completas de Sigmund Freud - Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud: Vol. 16. Conferências introdutórias sobre Psicanálise (Parte III) (1915-1916) (J. Salomão, Trad., Vol. 16, pp. 281-292). Imago. (Trabalho original publicado em 1917)
  • Freud, S. (2006b). Introdução a “A psicanálise e as neuroses de guerra”. In S. Freud, Obras completas de Sigmund Freud - Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud: Vol.17. Uma neurose infantil e outros trabalhos (1917-1918). (J. Salomão, Trad. Vol. 17, pp. 221-231). Imago. (Trabalho original publicado em 1919)
  • Gagnebin, J. M. (2008). Prefácio - Benjamin ou a história aberta. In W. Benjamin, Obras escolhidas: Vol. 1. Magia e técnica, arte e política: Ensaios sobre literatura e história da cultura (pp. 7-19). Brasiliense .
  • Gagnebin, J. M. (2009a). “Após Auschwitz”. In J. Gagnebin, Lembrar escrever esquecer (2a ed., pp. 59-81). Editora 34.
  • Gagnebin, J. M. (2009b). Memória, história, testemunho. In J. Gagnebin, Lembrar escrever esquecer (2a ed., pp. 49-58). Editora 34.
  • Gagnebin, J. M. (2009c). O rastro e a cicatriz: Metáforas da memória. In J. Gagnebin, Lembrar escrever esquecer (2a ed., pp. 107-118). Editora 34.
  • Gagnebin, J. M. (2009d). Verdade e memória do passado. In J. M. Gagnebin, Lembrar escrever esquecer (2a ed., pp. 39-48). Editora 34.
  • Guattari, F., & Rolnik, S. (1996). Micropolítica: Cartografias do desejo (4a ed.). Vozes.
  • Kurosawa, A. (Diretor). (1952). Ikiru [Filme]. Toho Company.
  • Marker, C. (Diretor). (1983). Sans Soleil [Filme]. Argos Films.
  • Mulvey, L. (2006). Death 24x a second: Stillness and the moving image. Reaktion Books.
  • Münsterberg, H. (2018). A memória e a imaginação. In I. Xavier (Org.), A experiência do cinema (antologia) (pp. 33-41). Paz e Terra. (Trabalho original publicado em 1916)
  • Nietzsche, F. (2005). Humano, demasiado humano: Um livro para espíritos livres. Companhia das Letras.
  • Rancière, J. (2012). O destino das imagens. In J. Rancière, O destino das imagens (pp. 9-41). Contraponto.
  • Roque, J. I. B. (2016). Teoria do conhecimento, linguagem e história do pensamento de Walter Benjamin. CRV.
  • Vertov, D. (2018). Nascimento do Cine-Olho. In I. Xavier (Org.), A experiência do cinema (antologia) (pp. 211-212). Paz e Terra. (Trabalho original publicado em 1922)
  • Zanella, A. V. (2010). Psicologia social… arte… relações estéticas… processos de criação…: Fios de uma trajetória de pesquisa e alguns de seus movimentos. In A. V. Zanella & K. Maheirie (Orgs.), Diálogos em psicologia social e arte (pp. 29-38). CRV.
  • 1
    Poiesis tomada aqui como ato de criar e agir, mediado por relações éticas e sensíveis às afecções suscitadas pelos encontros, como gesto que reconhece sua dimensão ficcional e extrai desta sua potência reflexiva.
  • 2
    Subjetividade em processo, por se dar num constante vir-a-ser. Sujeito como expressão de uma síntese momentânea e provisória, como contorno que emerge dos agenciamentos sociais, históricos e políticos (Guattari & Rolnik, 1996Guattari, F., & Rolnik, S. (1996). Micropolítica: Cartografias do desejo (4a ed.). Vozes.). O processo de subjetivação é um movimento ininterrupto de montagem, planos que não cessam de se registrar no corpo.
  • 3
    “Tempo do agora” (Benjamin, 2008dBenjamin, W. (2008d). Sobre o conceito da História. In W. Benjamin, Obras escolhidas: Vol. 1. Magia e técnica, arte e política: Ensaios sobre literatura e história da cultura (pp. 222-232). Brasiliense .).
  • 4
    No texto “A psicanálise e as neuroses de guerra” (Freud, 2006bFreud, S. (2006b). Introdução a “A psicanálise e as neuroses de guerra”. In S. Freud, Obras completas de Sigmund Freud - Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud: Vol.17. Uma neurose infantil e outros trabalhos (1917-1918). (J. Salomão, Trad. Vol. 17, pp. 221-231). Imago. (Trabalho original publicado em 1919)), Freud faz uma descrição quase cinematográfica, ao estilo de Apocalypse Now (Coppola, 1979Coppola, F. (Diretor). (1979). Apocalypse Now [Filme]. Zoetrope Studios.), para distinguir os efeitos traumáticos da guerra sobre os soldados recrutados e sobre os mercenários ou soldados profissionais. Nos primeiros, a guerra teria efeitos mais devastadores em suas subjetividades, devido à experiência do choque e do conflito moral em questão; nos segundos, os efeitos não seriam patológicos, pois já estariam acostumados ou mesmo ansiando por tais condições.
  • 5
    Relações estéticas: “conceito que chama a atenção para a qualidade dos encontros com um outro, presente ou ausente, marcados por um posicionamento que é ao mesmo tempo afetivo, cognitivo, sensível, pela responsividade que o conota . . . relações de alteridade, fundamentam-se em sensibilidades que estranham o instituído e reconhecem infinitas possibilidades de devir e acolhimento das diferenças que conotam ou podem vir a conotar a existência humana.” (Zanella, 2010Zanella, A. V. (2010). Psicologia social… arte… relações estéticas… processos de criação…: Fios de uma trajetória de pesquisa e alguns de seus movimentos. In A. V. Zanella & K. Maheirie (Orgs.), Diálogos em psicologia social e arte (pp. 29-38). CRV., p. 34-35).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    30 Jun 2020
  • Aceito
    04 Maio 2021
Conselho Federal de Psicologia SAF/SUL, Quadra 2, Bloco B, Edifício Via Office, térreo sala 105, 70070-600 Brasília - DF - Brasil, Tel.: (55 61) 2109-0100 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: revista@cfp.org.br