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Correlação entre Suporte Social Percebido e Conflito Trabalho-Família em Agentes Comunitários de Saúde

Correlation between Perceived Social Support and Work-Family Conflict in Community Health Agents

Correlación entre Apoyo Social Percibido y Conflicto Trabajo-Familia en ACS

Resumo

Este estudo tem como objetivo avaliar se existe correlação entre conflito trabalho-família e suporte social percebido em Agentes Comunitários de Saúde (ACS). Ademais, este é um estudo transversal e correlacional com delineamento quantitativo, em que foram ocupadas a Escala Multidimensional de Conflito Trabalho-Família (EMCT-F) e a Escala de Percepção de Suporte Social (2-Way SSS). Os participantes da pesquisa foram 139 ACS atuantes em quatro municípios do interior do Rio Grande do Sul. Para a análise dos dados, foram utilizadas a Estatística Descritiva, Estatística Paramétrica e Correlação de Pearson. Os resultados entre as correlações das escalas foram estatisticamente significativos (p<0,05) nos fatores dar suporte emocional e conflito família-trabalho, e receber suporte instrumental e conflito família trabalho. Assim, o estudo permitiu compreender melhor a relação entre as variáveis destacadas, sendo que esse entendimento poderá subsidiar intervenções baseadas na Psicologia Positiva para os ACS.

Palavras-chave:
ACS; Saúde do Trabalhador; Conflito Trabalho-; Suporte Social; Atenção Primária em Saúde

Abstract

This study aimed to assess whether there is a correlation between work-family conflict and perceived social support in Community Health Agents (CHA). Moreover, this is a cross-sectional and correlational study with quantitative design, in which the Multidimensional Work-Family Conflict Scale (MWFCS) and the 2-Way Social Support Scale (2-Way SSS) were used. The participants in this study were 139 CHA workers in four municipalities in the interior of Rio Grande do Sul. Descriptive Statistics, Parametric Statistics, and Pearson Correlation were used to analyze the data. The results between the correlations of the scales were statistically significant (p<0.05) in the factors give emotional support and work family conflict, and receive instrumental support and work family conflict. Therefore, the study allowed us to better understand the relationship between the variables highlighted, and this understanding may support interventions based on Positive Psychology for the CHA.

Keywords:
CHA; Workers’ Health; Work-Family Conflict; Social Support; Primary Health Care

Resumen

El presente estudio tuvo como objetivo evaluar si existe correlación entre conflicto trabajo-familia y apoyo social percibido en trabajadores Agentes Comunitarios de Salud. Además, este es un estudio transversal y correlacional con delineamiento cuantitativo, en que fueron empleadas la Escala Multidimensional de Conflicto Trabajo-Familia (EMCT-F) y la Escala de Percepción de Suporte Social (2-Way SSS). Los participantes de este estudio fueron 139 trabajadores que actúan como agentes comunitarios de salud (ACS) en cuatro municipios del interior de Rio Grande do Sul. Para el análisis de los datos fueron empleadas la Estadística Descriptiva, Estadística Paramétrica y Correlación de Pearson. Los resultados entre las correlaciones de las escalas fueron estadísticamente significativos (p<0,05) en los factores dar apoyo emocional y conflicto familia trabajo y recibir apoyo instrumental y conflicto familia trabajo. Por tanto, el estudio permitió comprender mejor la relación entre las variables destacadas, siendo que ese entendimiento podrá subsidiar intervenciones basadas en la Psicología Positiva para los ACS.

Palabras clave:
ACS; Salud del Trabajador; Conflicto entre Trabajo y Familia; Apoyo Social; Atención Primaria en Salud

Introdução

A partir da implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), em 1990, o Brasil vivenciou inúmeras transformações, dentre elas a de uma política pública focada na construção da democracia, redução das desigualdades e inclusão social. Tais ações são compreendidas não como um arranjo institucional, mas como um projeto civilizatório que visa produzir mudanças dos valores instituídos na sociedade brasileira (Dimenstein & Macedo, 2010Dimenstein, M., & Macedo, J. P. (2010). Desafios para o fortalecimento da psicologia no SUS: a produção referente à formação e inserção profissional. In M. J. P. Spink (Ed.). A psicologia em diálogo com o SUS: prática profissional e produção acadêmica (pp. 207-234).Casa do Psicólogo.).

Nesse sentido, a Lei n. 8.080 (1990Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990. (19 set. 1990). Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial da União. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm
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), que designa o SUS, tem como princípios norteadores a universalidade, a equidade e a integralidade, os quais são garantidos pelos empenhos do governo, dos trabalhadores e dos usuários do sistema de saúde. Essa lei também estabelece a necessidade de ações de promoção e proteção no campo da saúde do trabalhador, cabendo à ordem estadual e municipal garantir os serviços nesse âmbito (Lei n. 8.080, 1990Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990. (19 set. 1990). Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial da União. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm
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).

Diante desses fatos, criou-se a Norma Operacional Básica do SUS (NOB/96) com o objetivo de reorganizar os serviços básicos de saúde por meio do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e do Programa Saúde da Família (PSF) (Ministério da Saúde, 1996Ministério da Saúde. Portaria n. 2.203, de 5 de novembro de 1996 (5 nov. 1996). Norma Operacional Básica - NOB 1/96 do Sistema Único de Saúde (SUS). http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/1996/prt2203_05_11_1996.html
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), este atualmente conhecido como Estratégia da Saúde da Família (ESF).

Destaca-se que os Agentes Comunitários de Saúde (ACS) surgiram em 1987, no Ceará, em função de demandas sociais oriundas dos agravos das secas. Foi por meio dessa experiência que, em 1990, o Ministério da Saúde decidiu ampliar essa prática para o território nacional (Nogueira, Silva, & Ramos, 2000Nogueira, R. P., Silva, F. B. D., & Ramos, Z. D. V. O. (2000). Vinculação institucional de um trabalhador sui generis: o agente comunitário de saúde. Cadernos do Ipea, (735), 2-10.).

Desse modo, a Lei n. 10.507/02 legitima essa profissão. Em 2006, tal lei foi reformulada e substituída pela Lei n. 11.350 (2006Lei n. 11.350, de 5 de outubro de 2006. (5 out. 2006). Regulamenta o §5º do art. 198 da Constituição, dispõe sobre o aproveitamento de pessoal amparado pelo parágrafo único do art. 2º da Emenda Constitucional nº 51, de 14 de fevereiro de 2006, e dá outras providências. Diário Oficial da União .http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11350.htm
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), que estipula as ações dos ACS exclusivas do SUS, estabelecendo os requisitos mínimos para a realização de suas atividades (Lei n. 11.350, 2006Lei n. 11.350, de 5 de outubro de 2006. (5 out. 2006). Regulamenta o §5º do art. 198 da Constituição, dispõe sobre o aproveitamento de pessoal amparado pelo parágrafo único do art. 2º da Emenda Constitucional nº 51, de 14 de fevereiro de 2006, e dá outras providências. Diário Oficial da União .http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11350.htm
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). Para que se possa assumir a função de ACS, é necessário ser maior de 18 anos, residir no território de abrangência da Unidade de Saúde de referência, ter ensino médio completo e a aprovação no curso de capacitação para o cargo (Lei n 11.350, 2006Lei n. 11.350, de 5 de outubro de 2006. (5 out. 2006). Regulamenta o §5º do art. 198 da Constituição, dispõe sobre o aproveitamento de pessoal amparado pelo parágrafo único do art. 2º da Emenda Constitucional nº 51, de 14 de fevereiro de 2006, e dá outras providências. Diário Oficial da União .http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11350.htm
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).

Nos anos de 2017 e 2018, três documentos tiveram alterações importantes sobre as atribuições e a formação dos Agentes de Saúde, sendo eles: a Política Nacional da Atenção Básica, na qual foram restabelecidas e revisadas as diretrizes para a organização da Atenção Básica no SUS (Ministério da Saúde, 2017Ministério da Saúde. Portaria n. 2.436, de 21 de setembro de 2017 (21 set. 2017). Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt2436_22_09_2017.html
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); a Portaria n. 83 (Ministério da Saúde, 2018Ministério da Saúde. Portaria n. 83, de 10 de janeiro de 2018 (10 jan. 2018). Institui o Programa de Formação Técnica para Agentes de Saúde - PROFAGS, para oferta de curso de formação técnica em enfermagem para Agentes Comunitários de Saúde - ACS e Agentes de Combates às Endemias - ACE no âmbito do SUS, para o biênio de 2018-2019. http://138.68.60.75/images/portarias/janeiro2018/dia12/portaria83.pdf
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) que discute sobre a formação técnica em Enfermagem dos agentes de saúde; e a Lei n. 13.595 (2018Lei n. 13.595, de 5 de janeiro de 2018 (5 jan. 2018). Altera a Lei nº 11.350, de 5 de outubro de 2006, para dispor sobre a reformulação das atribuições, a jornada e as condições de trabalho, o grau de formação profissional, os cursos de formação técnica e continuada e a indenização de transporte dos profissionais Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Combate às Endemias. Diário Oficial da União . http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/Lei/L13595.htm
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), que modificou a Lei n. 11.350 (2006Lei n. 11.350, de 5 de outubro de 2006. (5 out. 2006). Regulamenta o §5º do art. 198 da Constituição, dispõe sobre o aproveitamento de pessoal amparado pelo parágrafo único do art. 2º da Emenda Constitucional nº 51, de 14 de fevereiro de 2006, e dá outras providências. Diário Oficial da União .http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11350.htm
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).

A Lei n. 13.595 (2018Lei n. 13.595, de 5 de janeiro de 2018 (5 jan. 2018). Altera a Lei nº 11.350, de 5 de outubro de 2006, para dispor sobre a reformulação das atribuições, a jornada e as condições de trabalho, o grau de formação profissional, os cursos de formação técnica e continuada e a indenização de transporte dos profissionais Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Combate às Endemias. Diário Oficial da União . http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/Lei/L13595.htm
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) designou duas exceções para a regra da obrigatoriedade de o ACS residir no território em que atua. Uma dessas situações se dá quando há risco à integridade física do agente comunitário ou dos seus familiares, partindo da ameaça de membro da comunidade onde reside e atua. Já a outra se dá se o profissional adquirir residência própria não pertencente ao território que reside e trabalha. A singularidade centrada no trabalho do ACS transpassa suas funções burocráticas, sendo ele o mensageiro do estado e da comunidade. É o agente Comunitário de Saúde que diz qual política pública sua comunidade precisa e, com isso, conscientiza que tal ação será para o benefício da sua comunidade (Filgueiras & Silva, 2011Filgueiras, A. S., & Silva, A. L. A. (2011). Agente Comunitário de Saúde: um novo ator no cenário da saúde do Brasil. Physis: Revista de Saúde Coletiva, 21(3), 899-916. https://doi.org/10.1590/S0103-73312011000300008
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).

É essa identidade comunitária e esse papel social que o diferenciam dos demais profissionais de saúde, atuando como mediador, facilitador e usuário do acesso à saúde e aos direitos sociais (Lotta, 2018Lotta, G. (2018). Burocracia, redes sociais e interação: uma análise da implementação de políticas públicas. Revista de Sociologia e Política, 26(66), 145-173. https://doi.org/10.1590/1678-987318266607
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). Ao conhecer as particularidades da profissão do ACS, entende-se o quanto sua vida pessoal, sua família, seu local de trabalho e suas ações laborais dificultam a real distinção no que se refere à atuação de um profissional, de um morador e do usuário do serviço que ele integra (Menegussi, Ogata, & Rosalini, 2014Menegussi, J. M., Ogata, M. N., & Rosalini, M. H. P. (2014). O agente comunitário de saúde como morador, trabalhador e usuário em São Carlos, São Paulo. Trabalho, Educação e Saúde , 12(1), 87-106. http://dx.doi.org/10.1590/S1981-77462014000100006
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).

Conforme Gato (2018Gato, C. I. M. (2018). Interface trabalho-família, bem-estar e satisfação com a carreira. [Dissertação de mestrado]. Universidade de Algarve. https://sapientia.ualg.pt/bitstream/10400.1/12599/1/CRISTIANA%20GATO%20_TESE%20FINAL.pdf
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), os estudos sobre a interface entre o trabalho e a família vêm se destacando no campo organizacional e em pesquisas sobre gestão de recursos humanos. Esse movimento justifica-se pela exigência cada vez maior do tempo de o profissional ser disponibilizado para sua atividade laboral, dedicando mais atenção ao trabalho do que a sua vida pessoal e até mesmo familiar (Gato, 2018).

Quanto mais importante um papel é para um indivíduo, mais tempo dedicará a ele e mais pressões e comportamentos específicos serão exigidos para desempenhar um desses papéis, o que resultará em menos tempo e energia para outro. As obrigações em cumprir uma determinada função interferem na realização da outra e o nível de desempenho em uma função pode desfavorecer a outra (Greenhaus & Beutell, 1985Greenhaus, J. H., & Beutell, N. J. (1985). Sources of conflict between work and family roles. Academy of Management Review, 10(1), 76-88. https://doi.org/10.2307/258214
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).

Em sua essência, a relação trabalho-família é determinada como a extensão do comprometimento de uma pessoa em um domínio da vida, seja na família ou trabalho, promovendo resultados que cooperam para aperfeiçoar o funcionamento de outro domínio. É pertinente compreender que, do mesmo modo que o trabalho pode ser responsável pela facilitação e/ou dificuldade na vida familiar, a família, por sua vez, também pode ser fonte de ajuda e/ou prejuízo para a realização das atividades laborais (Aguiar & Bastos, 2018Aguiar, C. V. N., & Bastos, A. V. B. (2018). Interfaces entre o trabalho e a família: Questões conceituais e empíricas. Estudos de Psicologia, 23(3), 212-223. http://dx.doi.org/10.22491/1678-4669.20180021
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).

Considera-se que o trabalho tem a função de transformar a realidade, possibilitando a sobrevivência e a realização do ser humano. É por meio da ação e do resultado do trabalho que o sujeito reconhece a sua vida como um plano conduzido por ele próprio, determina as condições materiais, culturais e institucionais que formam seu ambiente e desenvolve sua qualidade de vida (Malvezzi, 2014Malvezzi, S. (2014). Prefácio. In J. C. Zanelli, J. E. E Borges-Andrade, & A. V. B. Bastos. Psicologia, organizações e trabalho no Brasil (pp. 8-14). Artmed.).

A revisão sistemática realizada por Baccin et al. (2020Baccin, A. A., Silva, A. F. M., Taschetto, C. F., Rodrigues, J. M., Prates, P. F., & Vasconcellos, S. J. L. (2020). A Psicologia Positiva e sua aplicação nos contextos do trabalho. Psico, 51(3), e32384. https://doi.org/10.15448/1980-8623.2020.3.32384
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), referente à produção científica nos últimos cinco anos, na América Latina, de estudos envolvendo os descritores Psicologia Positiva e trabalho, constatou apenas 18 estudos com variáveis da Psicologia Positiva. Foram encontradas pesquisas com instrumentos que avaliassem qualidade de vida, identificação de forças e virtudes, suporte social, otimismo, Interface Positiva Trabalho e Família, condições psicossociais, entre outros.

No que se refere às ações e resultados do próprio trabalho anteriormente aludidos, a Psicologia Positiva vale-se de concepções bastante específicas. Esse novo movimento na área surgiu em 1998, quando o psicólogo Martin Seligman assumiu a presidência da Associação Americana de Psicologia. Até então, a ciência psicológica vinha negligenciando o estudo dos aspectos virtuosos da natureza humana (Rashid & Seligman, 2019Rashid, T., & Seligman, M. P. (2019). Psicoterapia positiva: manual do terapeuta. Artmed.).

Na busca pelo resgate dos aspectos positivos da vida, focando para as forças e virtudes, Martin Seligman inicia os estudos para melhor compreender a felicidade na vida humana. A partir desse movimento, a Psicologia vem sendo estudada por diferentes autores na compreensão de sua importância para o desenvolvimento de potencialidades positivas, por meio de um estudo científico de aspectos virtuosos e usuais presentes nos indivíduos (Sheldon & King, 2001Sheldon, K. M., & King, L. (2001). Why positive psychology is necessary. American Psychologist, 56(3), 216-217. https://doi.org/10.1037/0003-066X.56.3.216
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).

A relevância das relações sociais na manutenção do bem-estar tem chamado a atenção dos pesquisadores e, assim, estimulado estudos sobre como essas relações influenciam na saúde física e mental. Pessoas que percebem ter suporte social apresentam melhor ajustamento emocional (Bastianello & Hutz, 2016Bastianello, M. R., & Hutz, C. S. (2016). Escala de Suporte Social Percebido (ESSP). In C. S. Hutz (Org.). Avaliação em Psicologia Positiva (pp. 91-101). Hogrefe.).

Nesse sentido, o conceito de suporte social remete à definição de que o sujeito é amado e valorizado (Cobb, 1976Cobb, S. (1976). Social support as a moderator of life stress. Psychosomatic Medicine, 38(5), 300-314. https://psycnet.apa.org/doi/10.1097/00006842-197609000-00003
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). Refere-se, também, ao fato de que o sujeito é integrante de uma rede social, possuindo a atenção das pessoas as quais se preocupam com ele.

Assim, este estudo trouxe dados quantitativos sobre o conflito vivido pelos ACS. Foram considerados o conflito entre o trabalho e a família e seu suporte social percebido, verificando a correlação entre esses dois fenômenos vivenciados por esses profissionais.

Método

Participantes

Fizeram parte desse estudo, 139 ACS com idades entre 22 anos e 75 anos, sendo 15 participantes do sexo masculino e 124 do sexo feminino. Desses 139 ACS, 108 responderam sobre seu estado civil, no qual 73 responderam serem casados, 28 disseram estarem solteiros e sete separados. Sobre o tempo como agentes, 117 responderam, sendo no mínimo 1 ano e no máximo 20 anos, tendo uma média de 6,4 anos e desvio padrão de 3,9. Este estudo foi desenvolvido em um espaço físico disponibilizado pela rede de Atenção Básica das secretarias municipais de saúde de quatro municípios que integram a Macrorregião Centro-Oeste do Rio Grande do Sul.

A ESF se estrutura a partir de equipes de saúde formadas por um médico, um enfermeiro, um auxiliar ou técnico de enfermagem, de quatro a seis ACS e o odontólogo e técnico de odontologia - que desenvolvem seu trabalho em uma Atenção Primária em Saúde. Cada equipe é responsável por uma área geográfica composta por cerca de 800 a 1.000 famílias. Para garantir atendimento próximo dos domicílios e cotidiano das famílias, a ESF adotou os ACS, que são moradores da comunidade em que atuam, contratados para acompanhar a saúde nos domicílios. Eles trabalham em conexão direta com as equipes e as UBS e fazem acompanhamento dos domicílios sob sua responsabilidade (Castro et al., 2017Castro, T. A., Davoglio, R. S., Nascimento, A. A. J., Santos, K. J. S., Coelho, G. M. P., & Lima, K. S. B. (2017). Agentes Comunitários de Saúde: perfil sociodemográfico, emprego e satisfação com o trabalho em um município do semiárido baiano. Cadernos Saúde Coletiva, 25(3), 294-301. https://doi.org/10.1590/1414-462X201700030190
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).

Foram excluídos do estudo os participantes que estavam em licença de trabalho por qualquer motivo (gestante, saúde, adotante, entre outras), férias durante o período definido para a coleta de dados e/ou que exerciam outra atividade profissional. Foram incluídos os trabalhadores que possuíam carga horária de, no mínimo, 40 horas semanais, bem como pessoas com mais de 1 ano no cargo de ACS.

Instrumentos

Foram utilizados os seguintes instrumentos:

  1. Questionário sociodemográfico: teve como objetivo realizar um levantamento dos dados sociodemográficos dos ACS. Dentre eles incluem-se os aspectos como sexo, idade, tempo de serviço como agente e estado civil com a finalidade de conhecer melhor o perfil dos participantes da pesquisa;

  2. Escala Multidimensional de conflito trabalho-família: validada para o contexto brasileiro por Aguiar e Bastos (2020Aguiar, C. V. N., & Bastos, A. V. B. (2020). Escala multidimensional de conflito trabalho-família: evidências de validade e recomendações de uso. In C. S. Hutz, D. R. Bandeira, C. M. Trentini, & A. C. S. Vazquez (Orgs.). Avaliação psicológica no contexto organizacional e do trabalho (pp. 114-123). Artmed.). Trata-se de uma escala bifatorial composta por duas dimensões: interferência do trabalho na família (8 itens, exemplo: meu trabalho me afasta de minhas atividades familiares mais tempo do que eu gostaria) e interferência da família no trabalho (8 itens, exemplo: o tempo que eu gasto com responsabilidades familiares frequentemente interfere nas minhas responsabilidades no trabalho). Para responder ao instrumento, utiliza-se uma escala Likert de 6 pontos, variando de 1 = Discordo totalmente a 6 = Concordo totalmente;

  3. Escala de Suporte Social Percebido 2-Way SSS: a medida de dar e receber apoio emocional e instrumental. Essa escala é formada por 20 itens divididos entre quatro fatores: dar suporte emocional, dar suporte instrumental, receber suporte emocional e receber suporte instrumental. Esse instrumento afere a percepção que o sujeito possui da sua rede de suporte social e a sua percepção do suporte que ele disponibiliza aos outros (Bastianello & Hutz, 2016Bastianello, M. R., & Hutz, C. S. (2016). Escala de Suporte Social Percebido (ESSP). In C. S. Hutz (Org.). Avaliação em Psicologia Positiva (pp. 91-101). Hogrefe.).

Procedimento de Coleta

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de Santa Maria(UFSM) com Parecer n. 1.814.787. Nesse sentido, esteve em conformidade às normas da Resolução n. 466 (2012) do Conselho Nacional de Saúde (CNS) para realização de pesquisa envolvendo seres humanos.

No primeiro momento, foi realizado o contato com os Secretários de Saúde dos municípios selecionados para participarem da pesquisa, ocasião em que eles assinaram o Termo de Consentimento institucional. Após a aprovação do projeto de pesquisa pelo Comitê de Ética, foi realizado novo contato com as instituições, as quais conversaram com suas equipes. Depois disso, os ACS que tiveram interesse em participar foram liberados para o encontro com a pesquisadora.

No lugar cedido e na hora agendada pelos gestores dos municípios foi explicado para os ACS o objetivo da pesquisa e seu procedimento, ressaltando que sua participação era voluntária. Dessa maneira, após terem sido sanadas as dúvidas, foi oferecido o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) em duas vias, ficando uma com a pesquisadora e a outra com o participante. Após a devolução do TCLE devidamente assinado, iniciou-se a execução da pesquisa.

A aplicação dos instrumentos foi realizada de forma coletiva e cada participante recebeu um envelope com os instrumentos inseridos nele. A pesquisadora se colocou à disposição para esclarecer as possíveis dúvidas dos participantes. O tempo de aplicação da pesquisa era em torno de 60 minutos e, na medida em que terminavam, os agentes lacravam seus envelopes com fita dupla face, reforçando a segurança do anonimato, e entregavam-no para a pesquisadora.

Análise dos Dados

Esta pesquisa fez uso da abordagem quantitativa, com caráter transversal e correlacional. Os materiais coletados foram tabulados em um banco de dados. Para uma melhor descrição dos resultados, foi utilizada a Estatística Descritiva e Paramétrica, sendo utilizado o índice de Correlação de Pearson para avaliar, quantitativamente, a relação entre os instrumentos utilizados. A análise foi realizada pelo programa Statistical Package for the Social Sciences (a SPSS 21.0).

Resultados

Tabela 1
Estatística descritiva das Escalas Conflito Trabalho-Família e Suporte Social Percebido.

Tabela 2
Correlação dos fatores da escala suporte social percebido com a escala Conflito trabalho-família.

Este estudo investigou a correlação entre o conflito trabalho-família e família-trabalho com suporte social percebido em ACS. Foram utilizadas as escalas Multidimensional de Conflito Trabalho-Família (EMCT-F) e Suporte Social Percebido (ESSP). A aplicação se deu com 139 ACS participantes, com idades entre 22 anos e 75 anos, sendo a média entre as idades de 38,0 anos e desvio padrão de 9,7.

A pontuação da escala Suporte Social Percebido compreende, no fator “dar suporte social emocional”, de 0 a 25 pontos. Os resultados dos participantes com relação aos escores mínimos e máximos nesse fator foram da mínima de 13,00 e máxima 25,00, com desvio padrão 2,23 e média 19,00. Com relação ao fator “dar suporte instrumental”, a pontuação mínima foi de 11,00 e máxima 20,00, com média 15,90 e desvio padrão 2,27. Já no fator “receber suporte emocional”, a pontuação mínima foi de 13,00 e máxima 35,00, com média 24,00 e desvio padrão 5,60. E, por fim, no fator “receber suporte social instrumental”, a pontuação mínima foi de 7,00 e máxima 20,00, com média 13,50 e desvio padrão 3,42.

O instrumento EMCT-F se divide em duas escalas: interferência trabalho-família e interferência família-trabalho, ambas com escores mínimos de 1 e máximo 48. A escala de interferência trabalho-família teve como pontuação mínima 8,0 e máxima 44,00, e a média foi de 26,00 e desvio padrão 8,40. Já a escala de interferência família-trabalho apresentou como pontuação mínima 8,0 e máxima 33,00, média 20,50 e desvio padrão 6,12.

Este estudo verificou a relação entre as escalas Suporte Social Percebido e Multidimensional Conflito Trabalho-Família, logo, os resultados foram significativos para os seguintes fatores dos instrumentos citados acima: p<0,05 nas seguintes combinações: 1) dar suporte emocional e interferência família-trabalho (r = -0,20); e 2) receber suporte instrumental e interferência família-trabalho (r= -0,21).

Já para p<0,01, os resultados foram significativos nas seguintes combinações: 1) dar suporte emocional e trabalho-família (r= -0,27); 2) dar suporte instrumental e família-trabalho (r= -0,31); 3) receber suporte emocional e trabalho-família (r= -0,38); 4) receber suporte emocional e família-trabalho (r= - 0,25); e 5) receber suporte instrumental e interferência trabalho-família (r= -0,29).

Discussão

Os resultados foram significativos na correlação entre a escala família-trabalho e o suporte social nos aspectos “dar suporte emocional” e “receber suporte instrumental”. Entre os pontos de conflito família-trabalho e dar suporte emocional, pode-se considerar que o profissional percebe que não está correspondendo emocionalmente à sua família. Isto é, há pouca doação do sujeito referente às questões afetivas, tendo a necessidade de ser mais receptivo diante de suas vinculações afetivas (Aguiar & Bastos, 2020Aguiar, C. V. N., & Bastos, A. V. B. (2020). Escala multidimensional de conflito trabalho-família: evidências de validade e recomendações de uso. In C. S. Hutz, D. R. Bandeira, C. M. Trentini, & A. C. S. Vazquez (Orgs.). Avaliação psicológica no contexto organizacional e do trabalho (pp. 114-123). Artmed.; Bastianello & Hutz, 2016Bastianello, M. R., & Hutz, C. S. (2016). Escala de Suporte Social Percebido (ESSP). In C. S. Hutz (Org.). Avaliação em Psicologia Positiva (pp. 91-101). Hogrefe.).

Sendo assim, o agente de saúde necessita dar suporte familiar. O suporte tem um resultado positivo para quem oferece apoio. Estar com uma pessoa em um período de desânimo, exaustão, e acolhê-la, ouvi-la, demonstrando estima e aflição pode promover saúde mental, sentimentos de valorização, responsabilidade e transformação, desenvolvendo, assim, qualidade de vida (Brown, Nesse, Vinokur, & Smith, 2003Brown, S. L., Nesse, R. M., Vinokur, A. D., & Smith, D. M. (2003). Providing social support may be more beneficial than receiving it: Results from a prospective study of mortality. Psychological Science, 14(4), 320-327. https://doi.org/10.1111/1467-9280.14461
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; Liang, Krause, & Bennett, 2001Liang, J., Krause, N. M., & Bennett, J. M. (2001). Social exchange and well-being: Is giving better than receiving? Psychology and Aging, 16(3), 511-523. https://doi.org/10.1037//0882-7974.16.3.511
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).

Os ACS, ao desempenharem suas atividades de trabalho, vivenciam significativamente o sofrimento da realidade da população empobrecida em vulnerabilidade. Ainda, ao morar no território onde trabalham, estão à disposição para sua população todos os dias da semana, inclusive sábados e domingos e em horários fora do expediente, dedicando menos atenção e tempo para as suas famílias (Barreto et al., 2018Barreto, I. C. H. C., Pessoa, V. M., Sousa, M. F. A., Nuto, S. A. S., Freitas, R. W. J. F., Ribeiro, K. G., Vieira-Meyer, A. P. G. F., & Andrade, L. O. M. (2018). Complexidade e potencialidade do trabalho dos Agentes Comunitários de Saúde no Brasil contemporâneo. Saúde em Debate, 42(spe1), 114-129. https://doi.org/10.1590/0103-11042018S108
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).

De acordo com Menegussi et al. (2014Menegussi, J. M., Ogata, M. N., & Rosalini, M. H. P. (2014). O agente comunitário de saúde como morador, trabalhador e usuário em São Carlos, São Paulo. Trabalho, Educação e Saúde , 12(1), 87-106. http://dx.doi.org/10.1590/S1981-77462014000100006
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), em seu estudo qualitativo com ACS, foi indicado como resultado o fato de osagentes apontarem a grande dificuldade em residir no território. Os autores afirmam também que a comunidade confunde muito, não respeitando seu tempo fora do expediente, procurando os agentes no mercado, em suas casas e em seus momentos de lazer, fazendo com que eles sintam sua vida pessoal sendo invadida (Menegussi et al., 2014).

Já as dimensões família-trabalho e receber suporte instrumental indicam que os ACS se sentem mais apoiados pelas suas relações familiares do que pelo seu trabalho. Sendo percebido, então, o auxílio nas questões físicas e materiais, como levar o filho ao médico, dar uma carona ou emprestar dinheiro (Aguiar & Bastos, 2020Aguiar, C. V. N., & Bastos, A. V. B. (2020). Escala multidimensional de conflito trabalho-família: evidências de validade e recomendações de uso. In C. S. Hutz, D. R. Bandeira, C. M. Trentini, & A. C. S. Vazquez (Orgs.). Avaliação psicológica no contexto organizacional e do trabalho (pp. 114-123). Artmed.; Bastianello & Hutz, 2016Bastianello, M. R., & Hutz, C. S. (2016). Escala de Suporte Social Percebido (ESSP). In C. S. Hutz (Org.). Avaliação em Psicologia Positiva (pp. 91-101). Hogrefe.). Conforme explica Goldsmith (2007Goldsmith, E. (2007). Stress, fatigue, and social support in the work and family context. Journal of Loss and Trauma, 12(2), 155-169. https://doi.org/10.1080/15434610600854228
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), a assistência familiar refere-se ao reforço emocional evidenciado, por exemplo, em conversas que confortam e reduzem a tensão familiar.

Esta pesquisa também apontou resultados que não atenderam aos critérios de significância estatística, mas que, ainda assim, são importantes de serem discutidos. Exemplo disso é a relação conflito trabalho-família, como dar e receber suporte emocional. Infere-se, por exemplo, que o sujeito que sente dificuldade em suas relações entre o trabalho e família, mas que, ao mesmo tempo, encontra suporte no trabalho, obtém o suporte emocional necessário para que consiga desenvolver bem suas atividades laborais e ter o bem-estar para dar o retorno que a organização precisa (Aguiar & Bastos, 2020Aguiar, C. V. N., & Bastos, A. V. B. (2020). Escala multidimensional de conflito trabalho-família: evidências de validade e recomendações de uso. In C. S. Hutz, D. R. Bandeira, C. M. Trentini, & A. C. S. Vazquez (Orgs.). Avaliação psicológica no contexto organizacional e do trabalho (pp. 114-123). Artmed.; Bastianello & Hutz, 2016Bastianello, M. R., & Hutz, C. S. (2016). Escala de Suporte Social Percebido (ESSP). In C. S. Hutz (Org.). Avaliação em Psicologia Positiva (pp. 91-101). Hogrefe.).

A proximidade emocional entre agentes e comunidade também é uma fonte de preocupação. Os ACS sentem, por vezes, maiores dificuldades na abordagem de tabus ou assuntos polêmicos importantes à saúde, pois as pessoas para as quais eles transmitem esses conhecimentos não são apenas seus usuários de serviço, mas também seus vizinhos, parentes ou amigos. Isso gera ansiedade e insegurança, que se traduzem em estresse (Bezerra & Feitosa, 2018Bezerra, Y. R., & Feitosa, M. Z. S. (2018). A afetividade do agente comunitário de saúde no território: um estudo com os mapas afetivos. Ciência & Saúde Coletiva, 23(3), 813-822. https://doi.org/10.1590/1413-81232018233.00292016
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).

Entretanto, nem só a experimentação do sofrimento caracteriza o dia a dia desses profissionais. Em diversos estudos, na maioria qualitativos, os ACS expressam, por meio de suas falas, vivências de prazer pelo reconhecimento da comunidade, bem como mediante as demonstrações de apreço, carinho e gratidão dos usuários pelo ofício efetivado (Lotta & Pires, 2020Lotta, G. S., & Pires, R. R. C. (2020). Categorizando usuários “fáceis” e “difíceis”: práticas cotidianas de implementação de políticas públicas e a produção de diferenças sociais. Dados, 63(4), 1-40. https://doi.org/10.1590/dados.2020.63.4.219
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).

Outro ponto a ser destacado é a relação entre conflito trabalho-família e receber suporte emocional. Segundo Carlomagno (2016Carlomagno, L. L. (2016). Liderança positiva. In A. P. Corrêa. Psicologia positiva: teoria e prática (pp. 232-239). Leader.), o clima organizacional positivo acontece quando as emoções positivas predominam sobre as emoções negativas. Dessa forma, compreende-se que, nesse tipo de ambiente, os colaboradores experimentam muito mais o bem-estar, o otimismo e o reconhecimento, do que o estresse, o medo e a desconfiança.

Para Seligman (2019Seligman, M. E. P. (2019). Aprenda a ser otimista: como mudar sua mente e sua vida. Objetiva.), as relações positivas estão vinculadas a toda e qualquer relação que propicie emoções positivas, podendo ser desenvolvidas em ambientes sociais, familiares e laborais. No que tange aos aspectos de emoções positivas no contexto dos ACS, destaca-se que suas relações perpassam em ambientes sociais e familiares, propiciando e recebendo emoções positivas do meio onde vivem.

Também foi feita, nesta pesquisa, a correlação entre o total das duas escalas conflito trabalho-família e suporte social percebido. Os resultados apresentados demonstraram uma fraca correlação entre ambas.

Nesse sentido, Kirrane e Buckley (2004Kirrane, M., & Buckley, F. (2004). The influence of support relationships on work-family conflict: differentiating emotional from instrumental support. Equal Opportunities International, 23(1/2), 78-96. https://doi.org/10.1108/02610150410787800
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) constataram que, na crescente interdependência dos âmbitos trabalho e família, o suporte familiar está sendo reconhecido como um fator primordial para a compreensão do bem-estar dos trabalhadores. Os autores observaram que receber apoio da família tem sido positivamente relacionado aos resultados de trabalho, incluindo sucesso ocupacional, saúde mental positiva, satisfação no trabalho e, indiretamente, a melhora do estresse (Kirrane & Buckley, 2004).

Conforme Paula, Marcacine, Castro e Walsh (2015Paula, Í. R., Marcacine, P. R., Castro, S. S. D., & Walsh, I. A. P. D. (2015). Work ability, musculoskeletal symptoms and quality of life among community health workers in Uberaba, Minas Gerais, Brazil. Saúde e Sociedade, 24(1), 152-164. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-12902015000100012
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), a dificuldade se consolida no momento em que esses profissionais sentem que, apesar de serem considerados agentes transformadores, não possuem as ferramentas fundamentais. Preconiza-se a teoria da sua função, carregando consigo a tristeza de não enxergar as mudanças que acontecem, duvidando, assim, da sua capacidade e da sua prática.

Garcia et al. (2017Garcia, A. C. P., Lima, R. D. C. D., Galavote, H. S., Coelho, A. P. S., Vieira, E. C. L., Silva, R. C., & Andrade, M. A. C. (2017). Agente comunitário de saúde no Espírito Santo: do perfil às atividades desenvolvidas. Trabalho, Educação e Saúde, 15(1), 283-300. http://dx.doi.org/10.1590/1981-7746-sol00039
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) destacam que a multiplicidade de papéis assumidos pelos ACS interfere na sua vida pessoal. Dessa forma, esses trabalhadores se dedicam à saúde da comunidade, mas existe também a necessidade de que eles recebam cuidados em sua própria saúde, os quais realçam a preocupação com suas condições de vida e de trabalho.

Considerações Finais

Com esta pesquisa, percebeu-se a necessidade de enxergar além do profissional ACS, dando ênfase nele e nas suas relações familiares. Considera-se que os ACS buscam suporte, força e apoio principalmente no ambiente familiar e pouco na instituição de trabalho. Almeja-se que os resultados encontrados neste estudo possam fazer uma interface com a Psicologia Positiva no Brasil, favorecendo o diálogo nas relações entre os ACS, os laços familiares, a comunidade e a ESF.

Levando em consideração as informações levantadas neste estudo, verificou-se a urgência de novas políticas públicas, com a expectativa de fortalecer e dar esperança para os ACS em suas funções laborais e no seu cotidiano familiar. Nesse ínterim, uma das contribuições desta pesquisa é a sugestão para instituir programas específicos, criando intervenções que possam florescer, potencializando habilidades adequadas para transformar o que está instituído.

As limitações deste trabalho foram relacionadas à dificuldade de encontrar pesquisas nacionais com delineamento quantitativo da mesma população e/ou que utilizassem as mesmas escalas ou semelhantes. Esse fato talvez possa ser explicado devido ao uso de uma escala construída, validada e publicada recentemente (Escala Multidimensional do Conflito Trabalho-Família), não permitindo uma troca maior com outros estudos, mas sim uma análise dos resultados explicada pela teoria. Sendo assim, outra contribuição desta pesquisa foi teórica, colaborando para o acervo de estudos quantitativos referente a esse contexto, no intuito de servir como base para futuras pesquisas sobre essa temática.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    15 Jul 2020
  • Aceito
    22 Jun 2021
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