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Política de Assistência Social e Processo de Estratégia de Hegemonia no Brasil1 1 Este artigo consiste numa revisão da bibliografia e foi escrito a partir de duas pesquisas de Mestrado em Psicologia e da experiência profissional e acadêmica dos autores, trabalhadores e trabalhadoras da área da Assistência Social em duas cidades do estado de São Paulo. O Dr. Autor, pesquisador e orientador, também colaborou com a produção do texto, dada sua longa experiência de inserção no campo da Assistência Social.

Social Assistance Policy and Hegemony Strategy Process in Brazil

Política de Asistencia Social y Proceso de Estrategia de Hegemonía en Brasil

Resumo

Com base numa perspectiva dialética e institucional crítica, utilizando o conceito central de Processo de Estratégia de Hegemonia e analisando a bibliografia, discutiremos algumas das razões pelas quais a Assistência Social enquanto um direito do cidadão e um dever do Estado teria sido incluída na Constituição Federal de 1988. Esta é uma política pública cuja função social visa garantir o acesso a direitos sociais básicos imprescindíveis para a sobrevivência de uma parcela significativa da população brasileira. Tais direitos são destinados, principalmente, aos mais pobres, mas também às pessoas denominadas de acordo com o Sistema Único de Assistência Social (Suas) como em situação de vulnerabilidade e risco social. A inclusão da política de Assistência Social na Constituição pode ser considerada uma concessão tácita, uma vez que não foi fruto de uma ampla luta política ou de grande reivindicação popular, diferente do caso da Previdência Social e da Saúde, o que demostra uma contradição essencial, pois o número de possíveis usuários dessa política já justificaria sua existência. Assim como as políticas de segurança alimentar, de trabalho e de acesso à renda, a Assistência Social é uma das principais políticas públicas que tem como objetivo o atendimento dos segmentos mais empobrecidos da população. Ela seria produtora de efeitos concretos focalizados e restritos, e também de efeitos simbólicos importantes, que garantem e legitimam a governança. Pretendemos contribuir para o fortalecimento da Assistência Social como política pública, problematizando alguns de seus impasses.

Palavras-chave:
Assistência social; Política social; Processo de estratégia de hegemonia; Constituição Federal; Direito social

Abstract

From a dialectical and institutional critical perspective based on the central concept of Hegemony Strategy Process and analyzing the bibliography, we’ll discuss some grounds for inclusion of Social Assistance in 1988’s Federal Constitution as a citizen right and a State obligation. It’s a public policy whose social function aims to safeguard the access to basic social rights, indispensable for the survival of a significant portion of the Brazilian population. These rights are mainly destined for poorest people, but also for those that have been designated by the Unified Social Assistance System (USAS) as people in situation of vulnerability and social risk. The inclusion of Social Assistance policy in the Constitution can be considered a tacit concession, since it did not come from a wide political struggle or from a great popular revindication, differently from the Social Security and Health policy, which demonstrates an essential contradiction, since the number of possible users of this policy is enough to justify its existence. The Social Assistance is one of the main public policies, alongside policies of food safety and generation of work and income, that aim to serve the poorest segments of the population. It produces real, focused, and restricted effects alongside important symbolic effects that guarantee and legitimize the governance. We intend to contribute to the strengthening of Social Assistance as a public policy, problematizing some of its impasses.

Keywords:
Social assistance; Social policy; Hegemony strategy process; Federal Constitution; Social right

Resumen

Desde una perspectiva crítica dialéctica e institucional, utilizando el concepto central de Proceso de Estrategia de Hegemonía y analizando la bibliografía, discutiremos algunas de las razones por las cuales la Asistencia Social como derecho ciudadano y deber del Estado habría sido incluida en la Constitución Federal brasileña de 1988. Esta política pública tiene como función social garantizar el acceso de la población brasileña a los derechos sociales esenciales para su supervivencia. Tales derechos no solo están dirigidos a los más pobres, sino también a las personas clasificadas en situación de vulnerabilidad y riesgo social según el Sistema Unificado de Asistencia Social (SUAS). La inclusión de la política de Asistencia Social en la Constitución brasileña puede considerarse una concesión tácita, ya que no resultó de una amplia lucha política o de una gran demanda popular, a diferencia de la Seguridad Social y la Salud, lo que demuestra una contradicción, pues el número de posibles usuarios de esta política ya justificaría su existencia. La asistencia social es una de las principales políticas públicas, junto con la seguridad alimentaria, el trabajo y el acceso a la renta, que tiene como objetivo atender a los segmentos más empobrecidos de la población. Tal política produciría efectos concretos focalizados y restringidos, así como importantes efectos simbólicos que garantizan y legitiman la gobernabilidad. Pretendemos contribuir al fortalecimiento de la Asistencia Social como política pública, problematizando algunos de sus impasses.

Palabras clave:
Asistencia social; Política social; Proceso de estrategia de hegemonía; Constitución Federal; Derecho social

Introdução

A partir da Constituição Federal de 1988 , denominada de Constituição Cidadã por conter em seu cerne os princípios dos Direitos Humanos, a Assistência Social tornou-se uma política pública e foi elevada ao estatuto de direito do cidadão e a um dever do Estado. No artigo 6º, a Constituição apresenta um conjunto de direitos sociais essenciais para a manutenção da vida e reprodução da força de trabalho, tais como a educação, a saúde, o trabalho, a alimentação, a moradia, o transporte, a segurança, a previdência social, o lazer, a proteção à maternidade e à infância e a assistência [social] aos desamparados (Constituição da República Federativa do Brasil [CF], 1988/2017Constituição da República Federativa do Brasil. (1988/2017). Supremo Tribunal Federal, Secretaria de Documentação.). Entretanto, quais razões e contexto histórico e estrutural possibilitaram a inclusão, na carta constitucional, da Assistência Social, política pública cuja função social consistiria em garantir o acesso a direitos e a bens sociais básicos imprescindíveis para a sobrevivência de uma parcela significativa da população brasileira?

Os direitos sociais são destinados a toda a população brasileira. A Saúde, a Previdência Social e a Assistência Social formam o Sistema de Seguridade Social brasileiro. O primeiro é universal, para toda a população; o segundo é particular, apenas para seus contribuintes; o terceiro seria para quem por ventura vier precisar, ou seja, é singular. Há uma característica muito frequente entre os usuários da Assistência Social: a pobreza, termo que tem uma acepção política densa muito mais adequada do que a expressão “desamparados” que consta no texto constitucional. Segundo a Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), encarregada de instrumentalizar este direito, a Assistência Social deve ser prestada a quem dela necessitar (Lei n. 12.435, 2011Lei n. 12.435, de 6 de julho de 2011. (7 jul. 2011). Altera a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, que dispõe sobre a organização da Assistência Social. Diário Oficial da União .) e suas ofertas serão destinadas, de acordo com a Política Nacional da Assistência Social (Pnas) (Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome [MDS], 2004Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. (2004). Política Nacional de Assistência Social: PNAS/2004.) e com o Sistema Único de Assistência Social (Suas) (MDS, 2005Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. (2005). Norma Operacional Básica NOB/SUAS.), às pessoas em “situação de vulnerabilidade e risco social”, terminologia que, no mínimo, pode ser considerada polêmica, segundo Benelli (2016Benelli, S. J. (2016). Risco e vulnerabilidade como analisadores nas políticas públicas sociais: uma análise crítica. Estudos de Psicologia, 33(4), 735-745. http://doi.org/10.1590/1982-02752016000400016
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) e Souza (2015Souza, W. A. (2015). A Assistência Social e o trabalho com as pessoas em situação de rua no CREAS: Um campo de intercessão [Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual Paulista].). Tais documentos constituem os fundamentos dessa política e são encarregados de propagar o discurso institucional (universal) da instituição Assistência Social enquanto uma política pública (Benelli & Costa-Rosa, 2013Benelli, S. J., & Costa-Rosa, A. (2013). Dispositivos institucionais filantrópicos e socioeducativos de atenção à infância na assistência social. Estudos de Psicologia , 30(2), 283-301. http://doi.org/10.1590/S0103-166X2013000200015
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).

Conforme a Pnas e o Suas, a Assistência Social consiste em uma política pública recente que oferta serviços, programas, projetos e benefícios socioassistenciais. Ela está organizada em forma de sistema único e funciona em todo o território nacional, por meio de um conjunto de estabelecimentos e dispositivos tipificados que visam proteger, garantir, defender o acesso aos direitos socioassistenciais, ou seja, reduzir a pobreza e as situações de vulnerabilidade e risco social. O Suas está presente em 99% dos municípios brasileiros, conta com mais de 10 mil unidades públicas de execução direta e tem vínculos com mais de 13 mil Organizações da Sociedade Civil parceiras na realização de atendimentos, incluindo 590 mil trabalhadores (Dominguez, 2014Dominguez. (mar. 2014). Aqui tem SUAS. RADIS Fiocruz, 138, 14-17.). A Assistência Social consiste num campo complexo, atravessado por determinantes sociais, históricos, culturais, econômicos, políticos, éticos e subjetivos; um lócus de atuação para diversos profissionais, inclusive para os psicólogos que têm nela um novo campo para atuação no âmbito das políticas públicas. A Assistência Social é uma das políticas que se ocupa com os efeitos da questão social2 2 Essa expressão designa “O conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade” (Iamamoto, 2001, p. 27). , junto à segurança alimentar, ao trabalho, à renda, à moradia etc. Não é ao acaso que no imaginário social brasileiro a política de Assistência Social representaria o local especializado quando se trata de atender a população mais pobre.

O presente texto consiste numa revisão da bibliografia a partir de uma perspectiva dialética e institucional crítica e visa analisar a Assistência Social no Brasil e sua constituição enquanto uma política pública garantidora de direitos, abrangendo sua emergência no final do século XX até o ano de 2019. Em outros termos, o objetivo deste trabalho é, para além da análise de conjuntura, fazer uma análise estrutural que considere os desdobramentos políticos e as possibilidades da Assistência Social no cenário atual. Para tanto, utilizaremos o conceito gramisciano de Processo de Estratégia de Hegemonia (PEH) (Gruppi, 1978Gruppi, L. (1978). O conceito de hegemonia em Gramsci. Graal.; Portelli, 1977Portelli, H. (1977). Gramsci e o bloco histórico. Paz e Terra.) e também da Análise Institucional (AI) francesa (Benelli, 2014Benelli, S. J. (2014). Entidades assistenciais socioeducativas: A trama institucional. Vozes.). Observa-se que poucos trabalhos abordam o surgimento da política de Assistência Social na Seguridade Social a partir de uma análise estrutural e conjuntural, destacando seu processo de institucionalização enquanto um direito social e uma política de Estado. Os trabalhos de Alchorne (2012Alchorne, S. C. A. (2012). Das políticas nacionais aos planos municipais: avanço da Política Pública de Assistência Social em Metrópoles - Estudo das Cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo [Tese de doutorado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo]. Repositório PUCSP. https://tede2.pucsp.br/handle/handle/17597
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, 2013Alchorne, S. C. A. (2013). Vinte anos de LOAS - análise das normativas nacionais. O Social em Questão, 17(30), 25-46.); de Anunciação (2014Anunciação, D. A. (2014). Especificidade da assistência social como política social pública: algumas tendências e teses em debate na produção bibliográfica [Dissertação de mestrado, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul]. TEDE PUCRS. http://tede2.pucrs.br/tede2/handle/tede/557
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); de Couto, Yazbek, Silva e Raichelis (2010Couto, B. R., Yazbek, C., Silva, M. O. S., & Raichelis, R. (2010). O Sistema Único de Assistência Social no Brasil: uma realidade em movimento. Cortez.); Perez e Passone (2010Perez, J. R. R., & Passone, E. F. (2010). Políticas sociais de atendimento às crianças e aos adolescentes no Brasil. Cadernos de Pesquisa, 40(140), 649-673.); de Raichelis, Rojas e Yazbek (2012Raichelis, D. R., Rojas, B. C., & Yazbek, M. C. (2012). O Sistema Único de Assistência Social no Brasil: Apresentando a pesquisa, problematizando a política social. Revista de Políticas Públicas, (n. spe.), 453-460. http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=321131651049
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), são tentativas que se aproximam, em certa medida, do tipo de análise proposta. Entende-se que pesquisas que analisam a conjuntura brasileira são necessárias tanto para a construção dessa política social, quanto para uma análise de suas ofertas e de seus efeitos (impactos) na população atendida, já que servem de horizonte para pesquisadores, trabalhadores, gestores e usuários que vivenciam tal realidade, que tem como características extremas e marcantes as difíceis situações de pauperização das condições sociais de habitabilidade da vida material.

O Processo de Estratégia de Hegemonia e as instituições sociais

O conceito de Processo de Estratégia de Hegemonia (PEH) de Antônio Gramsci utilizado na análise política das instituições representa uma contribuição central para compreender o jogo de forças políticas que compõem as instituições sociais, públicas ou privadas. O PEH permite desvelar e analisar o modo como fatores estruturais incidem sobre fatores conjunturais e locais. O pensamento dialético constrói uma representação esquemática da realidade, configurando dois polos de um mesmo contínuo histórico que estariam em oposição dialética: o polo dominante e o polo subordinado. Nesse jogo de forças, o polo dominante, constituído por uma pequena parcela da população, utiliza-se do discurso ideológico persuasivo e também da repressão mais ostensiva para controlar as decisões que organizam a vida de toda a sociedade, mas o faz visando seu benefício próprio.

Segundo Gruppi (1978Gruppi, L. (1978). O conceito de hegemonia em Gramsci. Graal.), hegemonia é o domínio de uma classe (polo) social sobre toda a sociedade, exercida por um poder de estatuto simultaneamente ideológico, econômico, político, cultural e social. A classe no poder exerce sua dominação de modo estratégico, utilizando-se de instituições sociais e de concessões táticas para manter o equilíbrio, concessões essas que, posteriormente, podem ser recuperadas. No lado do polo subordinado, observa-se um conjunto de práticas que são orientadas pela aceitação da dominação e controle exercido pelo polo dominante, mantendo e reproduzindo essa relação. No entanto, o polo subordinado não deixa, eventualmente, de apresentar um conjunto de reivindicações e práticas alternativas e até avessas às dominantes. A hegemonia consiste num processo dinâmico, complexo e velado pela ideologia que recomeça sempre que o polo dominante precisa se adequar às imposições sociais. “A hegemonia traduz-se pela primazia ideológica e econômica de uma classe e prolonga-se, normalmente, através da hegemonia política” (Costa-Rosa, 1987Costa-Rosa, A. (1987). Saúde Mental Comunitária: análise dialética das práticas alternativas [Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo]., p. 34). Logo, são práticas ideológicas que tentam implantar e instituir o particular como sendo o universal, isto é, tentam instituir os interesses de um grupo particular como se fossem de todos (Costa-Rosa, 1987Costa-Rosa, A. (1987). Saúde Mental Comunitária: análise dialética das práticas alternativas [Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo].; Luz, 1986Luz, M. T. (1986). As instituições médicas no Brasil. Graal.).

Nesse processo, o polo dominante, além das instituições diretamente políticas, utiliza-se de um conjunto de instituições civis e seus derivados propagadores de cultura. Althusser (1983)Althusser. L. (1983). Ideologia e aparelhos ideológicos do Estado. (J. J. M. Ramos, Trad). Presença. denomina tais instituições como Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE), dentre os quais se destacam a educação, as universidades, as artes e os meios de comunicação de massa (rádio, televisão, jornais, revistas e internet), além da Saúde, da Religião e da Assistência Social, com seus respectivos estabelecimentos: hospitais, ambulatórios, Unidades Básicas de Saúde (UBS), Centro de Referência da Assistência Social (Cras), Centro de Referência Especializado da Assistência Social (Creas), serviços de acolhimento institucional (albergues, casas de passagem e casas de acolhida), dentre outros3 3 Alguns desses estabelecimentos tanto da Saúde quanto da Assistência Social podem funcionar também como aparelhos de Estado (AE), cuja característica central consiste em reprimir. Logo, essa função deixa de ser exclusiva dos AE tradicionais, tais como são a polícia, o exército, os tribunais e as prisões (Althusser, 1983). .

Segundo Costa-Rosa (2000Costa-Rosa, A. (2000). O modo psicossocial: um paradigma das práticas substitutivas ao modo asilar. In P. Amarante (Org.), Ensaios: Subjetividade, saúde mental, sociedade (pp. 141-168). Fiocruz.), as instituições são formadas por um conjunto de saberes e práticas articulados por um discurso lacunar. “Os saberes e as práticas são, portanto, polissêmicos, o que decorre do fato de serem tentativas de cristalizações de visões e interesses diversos (às vezes divergentes), presentes no contexto social em que se origina e atua determinada instituição” (Costa-Rosa, 2000Costa-Rosa, A. (2000). O modo psicossocial: um paradigma das práticas substitutivas ao modo asilar. In P. Amarante (Org.), Ensaios: Subjetividade, saúde mental, sociedade (pp. 141-168). Fiocruz., p. 145). A própria sociedade é articulada por interesses divergentes e contraditórios; logo, a articulação dos saberes e das práticas necessariamente se constitui por meio de um discurso lacunar que escamoteia as tensões oriundas da demanda social que a instituição tenta metabolizar.

Nesse sentido, as instituições sociais formam um sistema ideológico que tenta enquadrar e integrar os sujeitos do nascimento à morte: primeiro na família, depois da infância, nas escolas e nas universidades; mais tarde nas igrejas, nos escritórios e na fábrica (mercado de trabalho); e, por fim, nos “asilos” e nos cemitérios, sem deixar espaço para aberturas ou para o menor repouso. “Esta prisão de mil janelas simboliza o reino de uma hegemonia cuja força reside menos na coerção que no fato de que suas barras são tanto mais eficazes porquanto menos visíveis” (Macciochi, 1976Macciochi, M. A. (1976). A favor de Gramsci. Paz e Terra., p. 164). Para manter o controle e reduzir as resistências, o polo dominante utiliza diversas estratégias e táticas, operando por meio de um conjunto de práticas ideológicas, repressivas ou de concessões, geralmente assepsiadas, bem como da recuperação dessas concessões. Quando a dominação ideológica perde sua potência ou deixa de ter eficácia, a repressão pode ser amplamente utilizada. A concessão como tática tem a função ideológica de controle velado. Um ditado popular sintetiza bem o funcionamento dessa prática: “vão-se (dão) os anéis para não perder os dedos”, mas na devida oportunidade eles são recuperados ou trocados por objetos de menor valor.

A hipótese é de que a Assistência Social, a princípio, contrariando uma das estratégias do PEH, aparece como uma concessão tácita e assepsiada, ou seja, sem que os sujeitos usuários dessa política a tivessem reivindicado. Como o processo de elaboração e de inclusão da Assistência Social na Constituição Federal de 1988 não resultou de um processo político que incluiria interlocutores e debates estruturados e organizados tanto pela academia universitária quanto pela sociedade civil e seus diversos movimentos sociais, isso dificultou sua ampliação e validação como política de Estado (Couto, 2010Couto, B. R. (2010). O direito social e a assistência social na sociedade brasileira: uma equação possível? (4a ed). Cortez.; Souza, 2015Souza, W. A. (2015). A Assistência Social e o trabalho com as pessoas em situação de rua no CREAS: Um campo de intercessão [Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual Paulista].; Sposati, 2011Sposati, A. (2011). Assistência Social em Debate: Direito ou assistencialização? In Conselho Federal de Serviço Social (Org.), O Trabalho do/a Assistente Social no SUAS (pp. 32-51). CFESS. http://www.cfess.org.br/arquivos/SEMINARIO_SS_no_SUAS%282009%29.pdf
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).

No caso das áreas da Saúde e da Previdência Social, seu histórico particular de lutas, de reinvindicações populares e o modo como estão situadas no imaginário social contribuíram para sua institucionalização, uma vez que estão diretamente ligadas às demandas expressas no processo de luta do movimento da classe trabalhadora. Essas duas políticas, logo após a Constituição Federal, tiveram suas respectivas leis orgânicas sancionadas, tornando-se políticas de Estado com Ministério próprio, definido e instituído, inclusive com dotação orçamentária própria. Isso não ocorreu com Assistência Social, que tem sua trajetória histórica marcada por práticas relacionadas com caridade, bondade, ajuda, benemerência, clientelismo, assistencialismo, filantropia e se destinaria oficialmente a um segmento específico da população, e não para uma grande parcela da sociedade brasileira (Benelli & Costa-Rosa, 2012Benelli, S. J., & Costa-Rosa, A. (2012). Paradigmas diversos no campo da assistência social e seus estabelecimentos assistenciais típicos. Psicologia USP, 23(4), 609-660. https://doi.org/10.1590/S0103-65642012000400002
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).

A construção da Política de Assistência Social

Trata-se de uma prática presente na sociedade brasileira que está no Orçamento Federal desde 1934, na gestão federal como Secretaria Nacional desde 1974, que desde a década de 30 já se instalava na gestão estadual e a partir da década de 50 na gestão municipal. Ela é real (Sposati, 2011Sposati, A. (2011). Assistência Social em Debate: Direito ou assistencialização? In Conselho Federal de Serviço Social (Org.), O Trabalho do/a Assistente Social no SUAS (pp. 32-51). CFESS. http://www.cfess.org.br/arquivos/SEMINARIO_SS_no_SUAS%282009%29.pdf
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, p. 39).

A história da Assistência Social pública no Brasil teve início no século XX. Em 1935, dois anos antes da ditadura instituída pelo Estado Novo, Getúlio Vargas criou em seu gabinete de governo um órgão com representantes da sociedade civil, especialistas que estudavam e opinavam sobre problemas sociais no Brasil e sobre a concessão de subsídios e subvenções para obras sociais. Em 1938, por meio de um decreto-lei, foi reconstruído o Conselho Nacional do Serviço Social (CNSS), atual Conselho Nacional da Assistência Social (CNAS), responsável por fixar as bases da organização do Serviço Social em todo o país. Esse conselho era atrelado e financiado pelo Ministério da Educação e Saúde (Sposati, 2011Sposati, A. (2011). Assistência Social em Debate: Direito ou assistencialização? In Conselho Federal de Serviço Social (Org.), O Trabalho do/a Assistente Social no SUAS (pp. 32-51). CFESS. http://www.cfess.org.br/arquivos/SEMINARIO_SS_no_SUAS%282009%29.pdf
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): “… o CNSS deveria analisar as adequações das entidades sociais e de seus pedidos de subvenções e isenções, além de dizer das demandas dos ‘mais desfavorecidos’” (Sposati, 2011Sposati, A. (2011). Assistência Social em Debate: Direito ou assistencialização? In Conselho Federal de Serviço Social (Org.), O Trabalho do/a Assistente Social no SUAS (pp. 32-51). CFESS. http://www.cfess.org.br/arquivos/SEMINARIO_SS_no_SUAS%282009%29.pdf
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, p. 26). Foi quando o Estado passou a destinar verbas para entidades assistenciais privadas e para fundos sociais públicos, mas nessa época não havia qualquer tipo de participação popular nas decisões e encaminhamentos relacionados à assistência social.

Em 1942, um dos últimos anos da presidência de Getúlio Vargas, sua esposa, Darcy Vargas, fundou a Legião Brasileira de Assistência (LBA), organização histórica que durou até 1995. Essa organização controlava entidades encarregadas de prestar assistência social em todo o Brasil. Segundo alguns autores e autoras (Benelli & Costa-Rosa, 2012Benelli, S. J., & Costa-Rosa, A. (2012). Paradigmas diversos no campo da assistência social e seus estabelecimentos assistenciais típicos. Psicologia USP, 23(4), 609-660. https://doi.org/10.1590/S0103-65642012000400002
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; Couto, 2010Couto, B. R. (2010). O direito social e a assistência social na sociedade brasileira: uma equação possível? (4a ed). Cortez.; Garcia, 2009Garcia, M. (2009). SUAS: Sistema Único de Assistência Social. Cadernos Travessia, Revista IGS, 1(2), 8-14. https://www.amavi.org.br/arquivos/amavi/areas-tecnicas/assistencia-social/cadernotravessia2-Marcelo_Garcia.pdf
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; Sposati, 2007Sposati, A. (2007). Assistência Social: De ação individual a Direito Social. Revista Brasileira de Direito Constitucional, (10), 435-458.; Yazbek, 2008Yazbek, M. C. (2008). Estado e políticas sociais. Revista Praia Vermelha, 18(1). http://files.adrianonascimento.webnode.com.br/200000175-4316b440ff/Yazbek,%20Maria%20Carmelita.%20Estado%20e%20pol%C3%ADticas%20sociais.pdf
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), a história da Assistência Social no Brasil é marcada pela caridade, pela filantropia e por uma incitação à solidariedade. Os usuários não acessavam direitos, e sim favores e ajuda - “foi assim que a Assistência Social se fez entender durante sua história por quem a fez e por quem a usou” (Garcia, 2009Garcia, M. (2009). SUAS: Sistema Único de Assistência Social. Cadernos Travessia, Revista IGS, 1(2), 8-14. https://www.amavi.org.br/arquivos/amavi/areas-tecnicas/assistencia-social/cadernotravessia2-Marcelo_Garcia.pdf
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, p. 9). Esse modo de oferecer assistência contribuiu para a criação do imaginário social de que a Assistência Social seria uma política supridora de carências, incluindo a doação e a recepção de cestas básicas ou de benefícios, o que dificultou a construção e a consolidação de uma identidade política, técnica, ética e de sua conceituação como uma das políticas de proteção social.

Após a fundação da LBA, a Assistência Social passou a ser referida às primeiras-damas e a seus respectivos esposos, os prefeitos e governadores. Em muitos municípios brasileiros, as esposas dos prefeitos assumiram a gestão da Assistência Social (Sposati, 2007Sposati, A. (2007). Assistência Social: De ação individual a Direito Social. Revista Brasileira de Direito Constitucional, (10), 435-458.) e/ou desenvolveram ações de caridade ou de filantropia e promoveram as mais diferentes formas de voluntariado, por meio dos Fundos de Solidariedade. Apesar disso, a Assistência Social consiste numa política estratégica, pois possibilita que o trabalhador social esteja em contato com a população beneficiada e que juntos criem alternativas e respostas às consequências sociais originadas pelo modo capitalista de produção (MCP); suas ações coletivas podem produzir influência política ou até mesmo alterar aspectos da realidade na direção dos interesses do polo subordinado (Souza, 2015Souza, W. A. (2015). A Assistência Social e o trabalho com as pessoas em situação de rua no CREAS: Um campo de intercessão [Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual Paulista].).

Outro fato histórico importante a destacar são as mudanças constantes no nome e nos projetos do Ministério que trata de assuntos ligados à Assistência Social em todo o território nacional. Cada governante tenta se promover por meio dessa política, buscando obter capitalização eleitoral. Por exemplo, após decretar o fim da LBA em 1995, Fernando Henrique Cardoso, então presidente da República, fundou o Programa Comunidade Solidária, numa tentativa de substituir uma organização por outra e assim capitalizar prestígio, reconhecimento, legitimidade e apoio eleitoral.

A inclusão da Assistência Social na Constituição Federal de 1988

As lutas políticas da segunda metade do século XX resultaram na redação da Constituição Federal de 1988 e na inclusão da Seguridade Social em seu texto. Nesse período histórico, lutava-se por uma sociedade mais justa e pelo fim da ditadura militar. Mobilizados, diversos setores da sociedade - entre eles, trabalhadores, movimentos sociais, intelectuais - reivindicaram Saúde e Previdência Social. Militantes desses setores, tais como Raphael Almeida Magalhães, Tancredo Neves, Waldir Pires e a Associação Brasileira de Saúde Coletiva, revelaram, por meio de discursos e práticas, o descaso do Estado para com as políticas de Proteção Social, de acordo com Sposati (2011Sposati, A. (2011). Assistência Social em Debate: Direito ou assistencialização? In Conselho Federal de Serviço Social (Org.), O Trabalho do/a Assistente Social no SUAS (pp. 32-51). CFESS. http://www.cfess.org.br/arquivos/SEMINARIO_SS_no_SUAS%282009%29.pdf
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).

A inclusão da Assistência Social na Constituição de 1988 também pode ser compreendida pelo conceito gramsciano de Revolução Passiva, que caracteriza um tipo de Reforma realizada de cima para baixo, sem que a população seja protagonista de sua construção. A Revolução Passiva seria composta de dois momentos: restauração e renovação. O momento de restauração seria marcado por uma reação conservadora por parte dos grupos da elite confrontados com a possibilidade de uma transformação efetiva e radical promovida a partir de baixo pelos segmentos subordinados (Coutinho, 2010Coutinho, F. (2010). A hegemonia da pequena política. In F. Oliveira, R. Braga, C. Rizek (Orgs.), Hegemonia às avessas: Economia, política e cultura na era da servidão financeira (pp. 29-43). Boitempo.) que, neste caso, seriam as reivindicações populares por democracia e por uma sociedade mais justa e equitativa. Dado que isso demandaria outra forma de organização político-econômica que não a dominante, realiza-se um recorte da demanda, incluindo a Assistência Social na ordem da política como resposta e concessão tácita, o que poderia amortecer a pressão reivindicadora popular. Trata-se de dar alguns anéis para não perder os dedos.

Apesar de a Assistência Social ser reconhecida como um direito social na Constituição, com base nos artigos 203 e 204, cinco anos passaram para que esses dispositivos fossem efetivamente transformados em lei orgânica. A Assistência Social enquanto política social foi regulamentada somente em 7 de dezembro de 1993, por meio da promulgação da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) (Lei n. 8.742, 1993Lei n. 8.742, de 7 de dezembro de 1993. (8 dez. 1993). Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras providências. Diário Oficial da União .). Segundo Garcia (2011Garcia, M. (2011). Lei Orgânica da Assistência Social Comentada (LOAS), Lei 8.742/07.12.1993, Comentada Artigo por Artigo. https://www.passeidireto.com/arquivo/16842007/loas-comentada
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), as bases para a constituição e a construção da LOAS surgiram a partir das negociações entre trabalhadores da LBA, militantes por uma Assistência Social pública, e certos setores de algumas universidades e entidades que prestavam atendimento assistencial para a população; a população beneficiária direta não teria participado, de modo numericamente efetivo, desse processo. Nessas negociações, propuseram-se mudanças significativas nos rumos da Assistência Social no Brasil. Uma das mais importantes foi a de que o Estado passaria de simples participante à condição de principal protagonista e responsável pela construção, gestão e execução da política de Assistência Social (Garcia, 2011Garcia, M. (2011). Lei Orgânica da Assistência Social Comentada (LOAS), Lei 8.742/07.12.1993, Comentada Artigo por Artigo. https://www.passeidireto.com/arquivo/16842007/loas-comentada
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), dando-lhe o status de direito de cidadania, e não mais de favor.

Não obstante, o projeto original da Loas (Projeto de lei n. 3.009-B, 1990Projeto de lei n. 3.009-B, de 1989. (1990). Dispõe sobre a Lei Orgânica da Assistência Social, suas definições, princípios e diretrizes, determina competências gerais em cada esfera de governo, benefícios, fontes de financiamento e dá outras providências. Diário do Congresso Nacional, seção 1, VLV(5), 693-703. http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD23FEV1990.pdf
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), que contemplava algumas das históricas demandas da sociedade brasileira, não foi aprovado e sofreu inúmeras alterações que deformaram a proposta original (Martinelli, 2001Martinelli, M. L. (2001). Serviço Social: Identidade e alienação (7a ed.). Cortez.) e reduziram sua potência como política de direitos sociais mínimos (Souza, 2015Souza, W. A. (2015). A Assistência Social e o trabalho com as pessoas em situação de rua no CREAS: Um campo de intercessão [Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual Paulista].). As diversas modificações operadas no texto legal decorreram da forte influência exercida pela LBA, que procurou preservar seus interesses e, principalmente, sua existência institucional, uma vez que um dos artigos da Loas tratava de sua extinção. A demora na aprovação dessa lei esteve diretamente relacionada ao modelo neoliberal de governo do então Presidente Fernando Collor de Melo, que vetou integralmente o projeto de lei. Ademais, ao ser implementada a partir de 1993, ficou clara uma acentuada tendência à focalização, à fragmentação e à seletividade presente no novo projeto legal, o que compromete o princípio da universalidade, da continuidade e da sistematicidade de suas ações. Isso foi um efeito da adoção de uma política econômica neoliberal, por meio da manutenção do ajuste fiscal, o que promoveu um processo de focalização das políticas sociais que se estendeu de 1990 até 2002, no contexto brasileiro.

Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, dada a implantação do projeto político neoliberal e a subordinação da política social aos ditames do capital internacional, ficou inviabilizada a consolidação da proposta constitucional de garantia dos direitos sociais (Alves, 2009Alves, A. A. F. (2009). Assistência social: História, análise crítica e avaliação. Juruá.). O Estado transformou o direito constitucional à proteção social por meio da Assistência Social em serviços orientados pela lógica da competitividade mercantil, passando a financiar as organizações da sociedade civil por meio do repasse de parcos recursos e do controle dos resultados. Como a maioria desses estabelecimentos assistenciais eram serviços do terceiro setor, não tinham como objetivo ofertar e garantir direitos sociais, mas apenas fornecer ajudas variadas, cuja qualidade no atendimento era baixa, mas dificilmente os usuários poderiam reivindicar por sua melhoria. Após decretar o fim da LBA em 1995, Fernando Henrique Cardoso fundou o Programa Comunidade Solidária, numa tentativa de substituir uma organização por outra e também de imprimir sua marca na história. Esse programa limitava-se a ações assistenciais emergenciais, fragmentadas e compensatórias, apenas com a finalidade de amenizar as consequências do avanço do capitalismo tardio, contrariando o que estava preconizado pela Loas.

Durante os anos de 2003 até meados de 2016, foi adotada uma política nacional desenvolvimentista de cunho neoliberal, na qual o governo procurou conciliar o investimento em políticas de cunho social com políticas econômicas que beneficiaram os grandes empresários - donos do capital. Em 2003, Luís Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), foi eleito por ampla maioria de votos e com grande apoio popular, o que mudou um pouco a correlação de forças políticas e abriu a possibilidade de promover investimentos em políticas sociais. A partir de sua posse, com relação à Assistência Social, houve um período de avanços com a criação do Ministério da Assistência Social, posterior Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, e com a implementação de direitos já garantidos em lei. Por outro lado, o governo manteve a política econômica neoliberal, característica dos governos anteriores.

Por meio da análise do PEH, constatamos que no início do governo Lula houve a implementação do segundo momento da Revolução Passiva, aquele caracterizado pela renovação, que, de acordo com Coutinho (2010Coutinho, F. (2010). A hegemonia da pequena política. In F. Oliveira, R. Braga, C. Rizek (Orgs.), Hegemonia às avessas: Economia, política e cultura na era da servidão financeira (pp. 29-43). Boitempo.), realiza-se quando certas demandas da população são satisfeitas por meio de concessões das camadas dominantes às classes dominadas, incluindo a classe trabalhadora. A concessão, neste caso, trata-se da formalização e implantação do Suas, mas haveria também um aspecto de restauração que se manifesta por meio da manutenção do terceiro setor, ou seja, das organizações não-governamentais (ONGs) como participantes da rede de atendimento oficial. Permite-se a criação de um sistema para lidar diretamente com os efeitos do MCP de modo a apaziguá-los por meio de políticas compensatórias e paliativas. Talvez o terceiro setor possa ser pensado como um concorrente do próprio Suas, nas lutas pela hegemonia no plano ideológico da Assistência Social. Curiosamente, as entidades assistenciais que foram criadas antes do Suas foram nele incorporadas por meio do vínculo Suas (MDS, 2005Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. (2005). Norma Operacional Básica NOB/SUAS.), mas elas também são denominadas de ONGs ou de Organizações da Sociedade Civil (OSC). Compõem figuras ambíguas, identificando-se ora com o Suas, ora com a filantropia empresarial típica do terceiro setor.

Para que a Assistência Social se tornasse de fato uma política pública, a Loas determinava que fosse elaborada uma Política Nacional de Assistência Social (Pnas). Em 2003 foi realizada a IV Conferência Nacional de Assistência Social, na qual foi deliberada a construção e a implantação do Suas. Em cumprimento às deliberações desta Conferência, em 2004, o MDS apresentou a Pnas (Brasil, 2004) e no ano seguinte teve início o processo de implantação do Suas (MDS, 2005Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. (2005). Norma Operacional Básica NOB/SUAS.). Essa proposta de uma nova política de Assistência Social foi fruto de um conjunto de fatores, a saber: a) alguns aspectos do modelo anterior de assistência foram mantidos, tais como a ausência de uniformidade e de articulação entre as ações e projetos, enquanto objetos de exigências e de negociações entre sociedade e governo; e b) tratava-se de um governo relativamente sensível a questões populares, visto que foi eleito com base em seu discurso e história de lutas a favor dos interesses dos setores mais pobres.

Sem desconsiderar sua importância, a Pnas foi produzida, em certa medida, em concordância com os organismos internacionais que defendem a promoção da equidade como diretriz para as políticas sociais. De acordo com Mota, Maranhão e Sitcovsky (2009Mota, A. E., Maranhão, C. H., & Sitcovsky, M. (2009). As tendências da política de Assistência Social, o Suas e a formação profissional. In A. E. Mota (Org.), O Mito da Assistência Social: Ensaio sobre Estado, Política e Sociedade (3a ed., pp. 180-198). Cortez., p. 188) “… o objetivo das políticas pró-equidade não é a igualdade das rendas, mas a expansão do acesso por parte das pessoas de baixa renda, aos cuidados da saúde, educação, emprego, capital e direitos de posse da terra”. Sendo assim, não existe uma relação de incompatibilidade entre a política econômica adotada pelo governo e o processo de reorganização da Assistência Social em novos patamares institucionais. Ela surgiu, então, a partir de uma concepção assistencial negativa, isto é, de assistência como remoção da falta de acesso a outras políticas sociais e, essencialmente, à renda para suprir as necessidades básicas de subsistência.

Parece que a Assistência Social não teria surgido na Constituição por meio de uma luta política explícita e articulada por fortes e amplos movimentos sociais populares, mas sua institucionalização enquanto política social teria ocorrido em um palco de lutas políticas mais circunscritas, por meio da mobilização de diversos atores sociais, em que sofreu todos os efeitos de assepsia e ideologização do PEH: trabalhadores, técnicos, gestores, pesquisadores, militantes da Assistência Social e parlamentares se reuniram e produziram um documento com a finalidade de “subsidiar a implantação da política de Assistência Social na perspectiva democrático-popular” (Alves, 2009Alves, A. A. F. (2009). Assistência social: História, análise crítica e avaliação. Juruá., p. 99), que posteriormente foi encaminhado ao presidente. Naquele momento, conforme a correlação de forças políticas e de certo prestígio popular do presidente Lula, havia um cenário favorável à institucionalização de uma política de Assistência Social. Mas, para que isso fique mais claro, precisamos diferenciar conceitualmente o que são políticas de governo, distinguindo-as das de Estado.

A Assistência Social começou a se institucionalizar, enquanto uma política de Estado, a partir de sua organização em formato de sistema único e após a publicação de um conjunto de normativas legais, da criação de estabelecimentos, programas, projetos, benefícios e serviços. Antes do Suas, a Assistência Social poderia ser considerada uma política de governo, uma vez que cada governante tentava instituir uma política própria (Garcia, 2011Garcia, M. (2011). Lei Orgânica da Assistência Social Comentada (LOAS), Lei 8.742/07.12.1993, Comentada Artigo por Artigo. https://www.passeidireto.com/arquivo/16842007/loas-comentada
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; Souza, 2015Souza, W. A. (2015). A Assistência Social e o trabalho com as pessoas em situação de rua no CREAS: Um campo de intercessão [Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual Paulista].), haja vista a quantidade de programas e projetos implantados que deixaram de existir e o número de vezes que o nome do Ministério foi modificado (Garcia, 2011Garcia, M. (2011). Lei Orgânica da Assistência Social Comentada (LOAS), Lei 8.742/07.12.1993, Comentada Artigo por Artigo. https://www.passeidireto.com/arquivo/16842007/loas-comentada
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). As políticas de governo também podem ser criadas quando o Estado toma a iniciativa de fazer um recorte quanto a algo que supõe que a população precise, passando a ofertar tal serviço/benefício, mas tais práticas costumam ter fraca institucionalização. Já as políticas de Estado geralmente emergem a partir de amplos movimentos sociais, num processo de luta política organizada e reivindicadora, representando uma concessão tática concedida pelo Estado diante da pressão das exigências da população. Nesse sentido, têm uma especificidade diferente das políticas de governo, que surgem a partir da iniciativa dos próprios representantes do governo, geralmente com pouca ou nenhuma mediação popular.

Quando ocorre a troca de presidente, governador ou prefeito, é grande a possibilidade de que políticas de governo sejam extintas ou alteradas, de acordo com a nova gestão. No caso das políticas de Estado isso dificilmente ocorre, uma vez que seu grau de institucionalização é maior porque, por contar com apoio popular e político, normalmente teriam alcançado o estatuto de lei federal. Aparentemente, a Assistência Social surgiu como uma política de governo, sem que os mais interessados, os integrantes da população mais pobre, tivessem reivindicado por uma proteção social que seria efetivada por meio de estabelecimentos, serviços, programas, projetos, benefícios etc. Assim, a Assistência Social revela-se como uma concessão tácita que também sofre o processo de recuperação quando o país é fustigado pelas crises atuais do capital, tal como as demais políticas sociais.

O conceito de demanda social contribui para entender as razões históricas do surgimento da política de Assistência Social. Segundo Costa-Rosa (2013Costa-Rosa, A. (2013). Atenção psicossocial além de Reforma Psiquiátrica: Contribuições a uma Clínica Crítica dos processos de subjetivação na Saúde Coletiva. Unesp.), demanda social pode ser considerada como algo que “falta”, emergindo no conjunto de pulsações instituintes - de uma determinada formação social, econômica, subjetiva e cultural -, produzidas pelo antagonismo das forças em jogo, no contexto de lutas entre duas classes sociais que se digladiam. As demandas sociais são transmutadas em encomendas sociais após sofrer a incidência dos efeitos do imaginário social contido na ideologia capitalista ou ao serem por ela capturadas, recuperadas, traduzidas e assepsiadas. Dessa forma, a encomenda social tem a potência de calar e ocultar os conflitos sociais, bem como eliminar possíveis efeitos subversivos, mantendo-se como uma estratégia de reprodução da dominação e de controle - com a pretensão de que tudo permaneça do mesmo modo, numa perspectiva conservadora.

A Constituição Federal 1988, cujos direitos inscritos no artigo 6º seriam garantidos para todos, trouxe em seu texto a concepção de um modelo de sociedade mais igualitária, democrática e popular, com justiça social. Caso o texto constitucional tivesse se tornado realidade, a Assistência Social não seria tão necessária. É possível entender que esta política foi criada como uma encomenda social, e não a partir de uma efetiva demanda social, pois o que se reivindicava era saúde, previdência, educação, trabalho e lazer; e não Assistência Social.

A Assistência Social antes do Suas atuava principalmente nas lacunas e insuficiências das outras políticas sociais, prática ainda comum em muitos territórios (Sposati, 2007Sposati, A. (2007). Assistência Social: De ação individual a Direito Social. Revista Brasileira de Direito Constitucional, (10), 435-458., 2011). A política de Assistência Social no Brasil teria surgido como um meio e um modo de dar respostas para a questão social, entendida como as consequências negativas do MCP. Conforme Sposati (2007)Sposati, A. (2007). Assistência Social: De ação individual a Direito Social. Revista Brasileira de Direito Constitucional, (10), 435-458. e Couto (2010Couto, B. R. (2010). O direito social e a assistência social na sociedade brasileira: uma equação possível? (4a ed). Cortez.), uma parte da população deveria ter o trabalho como proteção social, enquanto o restante que não poderia acessar o mercado de trabalho, em tese, acessaria a Assistência Social. No entanto, devido à precarização das relações de trabalho, muitos sujeitos acabam acessando as duas políticas, uma vez que apenas uma delas não possibilita uma efetiva rede de proteção.

Entretanto, por quais motivos e razões a maioria da população, mesmo estando em uma situação de pobreza e vulnerabilidade extrema (Draibe, 1993Draibe, S. M. (1993). Brasil: O sistema de proteção social e suas transformações recentes. Nações Unidas, 1993.), não teria reivindicado que essa política social fosse incluída na Constituição Federal? De acordo com o discurso oficial contido nas normativas (CF, 1988/2017Constituição da República Federativa do Brasil. (1988/2017). Supremo Tribunal Federal, Secretaria de Documentação.; Lei n. 8.742, 1993Lei n. 8.742, de 7 de dezembro de 1993. (8 dez. 1993). Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras providências. Diário Oficial da União .; MDS, 2004Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. (2004). Política Nacional de Assistência Social: PNAS/2004., 2005Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. (2005). Norma Operacional Básica NOB/SUAS.), as razões para incluir a Assistência Social na Constituição foram: viabilizar o acesso a bens sociais e a serviços para pessoas que viessem a precisar deles, visando garantir os mínimos sociais, bem como o acesso às outras políticas públicas. Apresentam-se algumas hipóteses que foram levantadas para tentar elucidar porque a população não teria reivindicado massivamente a inclusão da Assistência Social na Carta Constitucional:

a) A trajetória histórica da Assistência Social de viés benemerente no Brasil e a cultura política conservadora, patrimonialista, clientelista e não democrática predominante a considerava como uma ação de ajuda voluntária, caridosa e assistencial; b) a Assistência Social era vista como uma concessão, algo que foi cedido ou dado como um favor, não como um direito social; c) o preconceito contra os pobres como classe social e a concepção da pobreza como um problema individual, e não estrutural e originário do MCP; d) na sociedade do trabalho, os sujeitos não querem ser vistos ou ser identificados como pobres, nem se pensam como tais, pois existe o imaginário social de que se é pobre por falta de esforço, e não por falta de condições objetivas e estruturais; e) a ausência de uma ampla mobilização popular politicamente organizada; f) uma sociedade pautada por valores liberais ligados ao trabalho tem como demanda social o acesso ao trabalho e não à Assistência Social, pois acredita - orientada pela lógica do mercado - que com dinheiro poderia comprar tudo aquilo que o direito lhe proporcionaria; g) as pessoas não se acham merecedoras dos bens e serviços da Assistência Social pelo fato de não pagarem por eles, por causa da predominância da ideologia do mérito e da não consideração do critério da necessidade; h) por fim, o imaginário social de que Assistência Social é apenas para os pobres.

A Assistência Social após 2016 e a nova conjuntura política

Atualmente, dada a conjuntura político-econômica do neoliberalismo, estamos em um momento de Contrarreforma, de desmonte do Estado de direito, de retomada das poucas concessões táticas disponibilizadas no período anterior. Para Coutinho (2010Coutinho, F. (2010). A hegemonia da pequena política. In F. Oliveira, R. Braga, C. Rizek (Orgs.), Hegemonia às avessas: Economia, política e cultura na era da servidão financeira (pp. 29-43). Boitempo.), a Contrarreforma tem o sentido da restauração de uma ordem que privilegia os interesses do mercado, com preponderância da conservação em face de eventuais e acanhadas novidades. As classes trabalhadoras brasileiras não estão em luta para obterem a conquista de novos direitos sociais sob a primazia do Estado, mas estão buscando a manutenção de direitos já existentes como, por exemplo, os direitos trabalhistas. No neoliberalismo, o termo Reforma, que estava relacionado a ideias progressistas no campo da esquerda, teria sido recuperado e seu sentido foi invertido, passando a significar a retirada e a perda de direitos (Coutinho, 2010Coutinho, F. (2010). A hegemonia da pequena política. In F. Oliveira, R. Braga, C. Rizek (Orgs.), Hegemonia às avessas: Economia, política e cultura na era da servidão financeira (pp. 29-43). Boitempo.).

Após o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, em 2016, cujo processo contou com a participação de atores políticos do executivo, do legislativo, do judiciário e da grande mídia brasileira, observa-se uma agenda de cortes e ameaças de cortes no financiamento das políticas sociais, principalmente durante os anos de 2017, 2018 e 2019. Isso demonstra uma clara tentativa de inviabilizar os serviços públicos, em especial os da política de Assistência Social. Nesses três anos foram encaminhados e aprovados pelo Congresso Federal a Emenda Constitucional n. 95 (2016)Emenda Constitucional n. 95, de 15 de dezembro de 2016. (16 dez. 2016). Altera o ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal, e dá outras providências. Diário Oficial da União ., que congelou gastos com políticas sociais por 20 anos, a Lei que liberou a terceirização irrestrita da atividade-fim das empresas (Lei n. 13.429, 2017Lei n. 13.429, de 31 de março de 2017. (31 mar. 2017). Altera dispositivos da Lei n o 6.019, de 3 de janeiro de 1974, que dispõe sobre o trabalho temporário nas empresas urbanas e dá outras providências; e dispõe sobre as relações de trabalho na empresa de prestação de serviços a terceiros. Diário Oficial da União .) e a Lei da Reforma Trabalhista (Lei n. 1.467, 2017Lei n. 1.467, de 13 de julho de 2017. (14 jul. 2017). Altera a Consolidação do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e as Leis nº 6.019, de 3 de janeiro de 1974, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho. Diário Oficial da União.), que alterou a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Também foi votado no Congresso Federal (Câmara e Senado) o Plano de Lei que altera a Previdência Social (Reforma da Previdência). Desse modo, ao considerarmos o PEH no Brasil contemporâneo, parece evidente que se trata de um processo de recuperação, pelo polo social dominante, de um conjunto de concessões realizadas durante os governos anteriores.

Essas ações legais contrárias aos interesses da população foram tomadas com a justificativa de que, para que o país saísse da crise econômica e voltasse a crescer, seria necessário flexibilizar (cortar) direitos e diminuir os gastos em políticas sociais de Educação, Saúde, Assistência e Previdência. No entanto, tais alterações legais de fato não produzem os efeitos enunciados pelo discurso oficial, pois se observa o aumento da taxa de desemprego entre 2016 e 2019, que variou de 10,7% a 12,7% no período (Saraiva & Peret, 2019Saraiva, A. & Peret, E. (30 abr. 2019). Desemprego sobe para 12,7% com 13,4 milhões de pessoas em busca de trabalho. Agência IBGE Notícias. https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/24283-desemprego-sobe-para-12-7-com-13-4-milhoes-de-pessoas-em-busca-de-trabalho
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), bem como o aumento da concentração de renda e das pessoas que ultrapassaram a linha da pobreza em 2017, aproximadamente 55 milhões de pessoas (Renaux, 2018Renaux, P. (2018). Pobreza aumenta e atinge 54,8 milhões de pessoas em 2017. Agência IBGE Notícias. https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/23299-pobreza-aumenta-e-atinge-54-8-milhoes-de-pessoas-em-2017
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). Trata-se de um processo de expropriação dos direitos sociais e daqueles relativos ao trabalho. Temos vivenciado uma Crise de Hegemonia, que para Gramsci consiste em uma crise de representação, pois existe um distanciamento cada vez maior entre os representantes (políticos eleitos e seus partidos) e os representados (população) (Bianchi, 2017Bianchi, A. (2017). Revolução passiva e crise de hegemonia no Brasil contemporâneo. Revista Outubro, (28), 27-35. http://outubrorevista.com.br/wp-content/uploads/2017/04/02_Bianchi_2017.pdf
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). Os partidos que tradicionalmente tentavam dirigir a vontade coletiva do país deixam de fazê-lo, por diversas razões, sobretudo movidos por sua sede de lucros. O efeito dessa crise é o surgimento das formas mais mórbidas da política, de viés fascista, como ocorreu na eleição presidencial de 2018.

Em 2019, sob a presidência de Jair Messias Bolsonaro, o Ministério do Desenvolvimento Social perdeu o status de Ministério e foi incorporado ao recém-criado Ministério da Cidadania, também composto pela cultura, pelo esporte e por parte do extinto Ministério do Trabalho. Aprofunda-se drasticamente o processo de recuperação das concessões do polo dominante.

Considera-se que a redução de investimentos em políticas sociais produz efeitos negativos diretos nas condições de vida dos sujeitos e também na produção de subjetividade, com base na tese marxiana (Marx, 1844/2017Marx, K. (2017). Manuscritos econômico-filosóficos. Martin Claret. (Trabalho original publicado em 1844)), destacada e desdobrada por (Costa-Rosa, 2013Costa-Rosa, A. (2013). Atenção psicossocial além de Reforma Psiquiátrica: Contribuições a uma Clínica Crítica dos processos de subjetivação na Saúde Coletiva. Unesp.), da indissociabilidade entre as condições de vida material (formações sociais) e os modos de produção e a produção de subjetividades (formações subjetivas inconscientes) (Costa-Rosa, 2013Costa-Rosa, A. (2013). Atenção psicossocial além de Reforma Psiquiátrica: Contribuições a uma Clínica Crítica dos processos de subjetivação na Saúde Coletiva. Unesp.; Marx, 1844/2017Marx, K. (2017). Manuscritos econômico-filosóficos. Martin Claret. (Trabalho original publicado em 1844)). O sistema de proteção social brasileiro instituído pela Constituição de 1988 (CF, 1988/2017Constituição da República Federativa do Brasil. (1988/2017). Supremo Tribunal Federal, Secretaria de Documentação.), que vinha sendo implementado com dificuldades, corre sérios riscos de entrar em colapso, já que a procura pelos seus serviços não tem sido acompanhada pela quantidade e qualidade da oferta; alguns serviços essenciais, inclusive, estão tendo seus financiamentos reduzidos, cortados ou até mesmo transferidos para programas “novos”, como é o caso do “Programa Criança Feliz”4 4 Trata-se de um programa federal “intersetorial” destinado aos primeiros anos de vida (primeira infância), instituído via Decreto, que tem sido intensamente problematizado por pesquisadores. .

Mesmo com as ameaças de corte no financiamento do Suas, no número de beneficiários do Bolsa Família e nos serviços socioassistenciais (Resolução CNAS n. 20, 2018Resolução CNAS n. 20, de 13 de setembro de 2008. (19 set. 2018). Solicita a recomposição da dotação orçamentária de 2018 e da proposta orçamentária para o exercício de 2019 para a Assistência Social. Diário Oficial da União .), a população - que utiliza tais serviços e benefícios - ainda não se mobilizou5 5 De acordo com o CNAS (Resolução CNAS n. 20, 2018), a Proposta da Lei Orçamentária (PLO) encaminhada pelo executivo para o Congresso, com o orçamento do Suas para o ano de 2019, teve um corte de 50%, o que inviabilizaria o sistema. Após intervenção do CNAS, parte do orçamento foi reposto, sendo que tais ameaças de cortes também haviam ocorrido no orçamento de 2018. . Diferente disso foi, por exemplo, a reação popular à proposta de fechamento de salas de aula, remanejamento de alunos e professores em São Paulo no ano de 2015 ou as manifestações diante da proposta da Reforma da Previdência em 2017 e 20186 6 O fechamento das salas de aula teve grande resistência por parte dos alunos, professores e familiares com manifestações e ocupação de escolas pelos alunos. No caso da Reforma da Previdência as manifestações públicas ocorreram intensamente, inclusive por meio das redes sociais e dos aplicativos de mensagens eletrônicas. . Essa conjuntura de desmonte e precarização, de modo inevitável, aumentará a demanda pelos serviços de Assistência Social e de outras políticas sociais. Porém, como a Assistência Social ainda é representada pelo imaginário social da maioria da população enquanto uma benesse, e não como um direito, como efeito da ideologia, isso dificulta a construção de um processo de luta exigindo aquilo que está escrito na lei da própria política de Assistência Social.

Assistência Social em risco

Na atual conjuntura brasileira pós-eleição presidencial de 2018, observam-se os efeitos do PEH no processo de recuperação das concessões relativas aos direitos sociais, disponibilizados pelos governantes nos anos seguintes à promulgação da Constituição Federal de 1988, assim como a construção de uma narrativa ideológica que justificaria a retomada daquilo que foi concedido, propagando os temas do terceiro setor, do voluntariado e do protagonismo empreendedor. Em quase todas as políticas sociais, medidas estão sendo tomadas visando conter gastos e reduzir o tamanho do Estado. Segundo Tatagiba, (2019Tatagiba, L. (2019, jul. 30). Podcast - Número 1 Assistência Social [Podcast]. Democracia e Participação. https://www.ufrgs.br/lappacs/2019/06/30/publicado-o-primeiro-podcast-da-rede-democracia-e-participacao/
https://www.ufrgs.br/lappacs/2019/06/30/...
), no caso do Suas, dois pontos estruturais estão sendo “golpeados” constantemente: o financiamento público e a participação social. Sem financiamento e dotação orçamentaria não se faz políticas públicas e muito menos se mantém o funcionamento de um sistema único em todo o território nacional. Ademais, sem a participação social, como previsto na Constituição, a sociedade civil não participa da gestão democrática da política, não há divisão de poder, isto é, não há cogestão, e as ações podem acabar beneficiando apenas o grupo que está no governo. A não participação popular na gestão descaracteriza o Suas e anula uma de suas bases principais, além de representar uma grande contradição: os sujeitos usuários da política não participam da construção daquilo de que eles são destinatários, embora a lei considere que eles são seus principais protagonistas.

A política pública de Assistência Social sofreu ameaças de cortes que inviabilizariam todo o sistema no governo de Michel Temer, nos anos de 2017 e 2018, justificados pela Emenda Constitucional n. 95 (EC 95, 2016Emenda Constitucional n. 95, de 15 de dezembro de 2016. (16 dez. 2016). Altera o ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal, e dá outras providências. Diário Oficial da União .) que congelou7 7 A EC 95 não permite o crescimento das despesas do governo acima da inflação, logo, apesar de na teoria ter congelado os gastos, na prática ocasionou também a redução, pois não se considerou o crescimento demográfico nem a manutenção e ampliação de serviços públicos para atender esse crescimento. os gastos públicos por 20 anos, supostamente em razão de uma diminuição da arrecadação financeira acarretada pela intensificação da crise econômica. Após intensa mobilização de grupos institucionais, o orçamento foi reposto. No entanto, essa dinâmica governamental causa um ambiente de instabilidade e de incerteza, além de uma justificativa para atrasar os repasses do cofinanciamento federal, uma vez que atrasos são “menos piores” do que cortes que inviabilizam todo o sistema. Sem o financiamento público perene, recriam-se as condições de retorno à lógica da benemerência, da ajuda, do assistencialismo, da caridade e da filantropia, caracterizando um retrocesso que favorece o crescimento do terceiro setor.

Em 2019, houve mais um ataque que visou desmontar a possibilidade institucional da participação popular nas políticas públicas, por meio do Decreto Presidencial que extinguiu um conjunto numeroso de conselhos que não haviam sido criados por lei, além de abolir ainda diversas comissões e outros grupos consultivos que contavam com participação da sociedade (Decreto n. 9.759, 2019Decreto n. 9.759, de 11 de abril de 2019. (11 abr. 2019). Extingue e estabelece diretrizes, regras para colegiados da administração. Diário Oficial da União.). Os conselhos, principalmente os de direitos, deliberam sobre políticas públicas de interesse de toda a sociedade. São espaços de gestão e deliberação, construção de alternativas e/ou soluções para os problemas do cotidiano dos sujeitos, levando em consideração as características de cada cidade, estado ou cada região do país. Assim, trata-se de um espaço de participação, debate e decisão que está sendo ameaçado.

No Suas, os conselhos nacional, estadual e municipal não sofreram intervenção por serem protegidos por lei, no entanto, o Ministério da Cidadania não realizou a Conferência Nacional de Assistência Social de 2019, mesmo contando com previsão orçamentária para tal. O CNAS estava construindo a XII Conferência, mas o governo fez uma manobra política para evitar que ela fosse realizada, esvaindo-se de questionamentos e debates sobre os cortes nas políticas públicas. O propósito é retirar do debate os representantes do povo. Sem a Conferência Nacional, as cidades e os estados ficam sem seu espaço de participação e não conseguem unificar suas pautas e seu trabalho, enfraquecendo o Suas. Trata-se de uma estratégia para dividir e governar, muito antiga e sempre atual, pois com isso evita-se o debate e a participação popular fica despotencializada e desarticulada.

No plano ideológico, a perda dos direitos pode ser resumida por meio de uma declaração feita pelo presidente Bolsonaro: “O que estou tentando levar para o trabalhador é o seguinte: menos direitos e emprego ou todo o direito e desemprego” (Vieira, 2019Vieira, R. (21 jul. 2019). ‘Tem que pensar lá na frente’, diz Bolsonaro sobre possibilidade de alterar multa do FGTS. O Globo. https://oglobo.globo.com/economia/tem-que-pensar-la-na-frente-diz-bolsonaro-sobre-possibilidade-de-alterar-multa-do-fgts-23822847
https://oglobo.globo.com/economia/tem-qu...
). Escolher entre ter direitos e desemprego ou entre poucos direitos e emprego, parece uma armadilha velada, pois impõe uma escolha forçada de ordem perversa, na qual o trabalhador não tem escapatória a não ser optar pelo trabalho mediante a perda de direitos. O investimento em geração de trabalho e renda não está colocado na pauta e a questão da distribuição de renda torna-se assunto tabu e inviável.

Em resposta a esse duplo ataque à Assistência Social, foi chamada uma Conferência livre com o título “Assistência Social: Direito do Povo com Financiamento Público e Participação Social”. A Assistência Social tem potência de transformar necessitados e carentes em sujeitos de direitos, uma vez que prevê um conjunto de ofertas para pessoas em situação de vulnerabilidade e risco social. Sem essa política social cria-se um contexto de retorno às tradicionais práticas da caridade e da filantropia, representando um retrocesso à conjuntura anterior ao advento do Suas, caracterizada por ações focalizadas e desconectadas do contexto social da população. Isso permite considerar que o processo de institucionalização do Suas ainda não pôde elevá-lo ao estatuto de uma autêntica política de Estado, uma vez que ainda é permeado por muitas adversidades e contradições.

Considerações finais

Segundo alguns autores e autoras (Boschetti, 2006Boschetti, I. (2006). Seguridade Social e Trabalho: paradoxos na construção das políticas de Previdência Social e Assistência Social no Brasil. Letras Livres; Editoria UNB.; Couto, 2010Couto, B. R. (2010). O direito social e a assistência social na sociedade brasileira: uma equação possível? (4a ed). Cortez.; Garcia, 2009Garcia, M. (2009). SUAS: Sistema Único de Assistência Social. Cadernos Travessia, Revista IGS, 1(2), 8-14. https://www.amavi.org.br/arquivos/amavi/areas-tecnicas/assistencia-social/cadernotravessia2-Marcelo_Garcia.pdf
https://www.amavi.org.br/arquivos/amavi/...
; Souza, 2015Souza, W. A. (2015). A Assistência Social e o trabalho com as pessoas em situação de rua no CREAS: Um campo de intercessão [Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual Paulista].; Sposati, 2007Sposati, A. (2007). Assistência Social: De ação individual a Direito Social. Revista Brasileira de Direito Constitucional, (10), 435-458.), a inclusão da Assistência Social na Constituição Federal de 1988 não ocorreu em razão das reivindicações da população mais pobre que sofria diretamente os impactos do modo capitalista de produção. Essa constatação desvela uma contradição essencial, já que o número de pessoas em situação de pobreza ultrapassava 30% da população do país, no ano de 1991 (Draibe, 1993Draibe, S. M. (1993). Brasil: O sistema de proteção social e suas transformações recentes. Nações Unidas, 1993.). Diferentes foram os casos das políticas de Saúde e da Previdência Social que também compõe a Seguridade Social, dado que elas foram incluídas na Constituição em decorrência de reivindicações de diversos setores da sociedade e foram consignadas em leis orgânicas, logo após a promulgação da Constituição. Já a Assistência Social, no mesmo período, teve seu projeto de lei vetado, tendo sido aprovado apenas em 1993 (Sposati, 2007Sposati, A. (2007). Assistência Social: De ação individual a Direito Social. Revista Brasileira de Direito Constitucional, (10), 435-458.).

Consideramos que a Assistência Social teria sido incluída na Constituição pelas seguintes razões: a) diversos países estavam implantando um Estado de Bem-Estar Social, o que influenciou positivamente o Brasil; b) a conjuntura mundial era favorável à propagação das ideias referentes aos Direitos Humanos; c) as crises do capital e seu funcionamento acumulativo, que produz desigualdades ao ponto de produzir poucos sujeitos muito ricos e numerosas pessoas em condições de pobreza extrema; d) a restruturação produtiva e redução dos postos de trabalho; e) tentativa de barrar as consequências da questão social; f) o processo de redemocratização do país; g) não pensar nas consequências financeiras para o país e a não previsão no orçamento financeiro; h) visava minimizar os efeitos das contradições sociais e evitar que o sistema social não entrasse em colapso, como o que ocorreu com a Quebra da Bolsa de 1929.

A Constituição de 1988 representa o conjunto de pactos firmados pela sociedade brasileira após o Regime Militar e seu ordenamento jurídico é um emaranhado de interesses diversos e divergentes. O fato de a Assistência Social estar incluída na carta constitucional não implica, necessariamente, a garantia de sua efetivação no plano da realidade material. Os direitos sociais são uma forma ou uma tentativa de reduzir as desigualdades, pois garantem, em tese, acesso a serviços e a bens socialmente produzidos, mas sem luta política concreta, organizada e efetiva, eles não saem do papel.

A consequência dessa realidade é que o conteúdo da política de Assistência Social ainda não foi incorporado pelo campo do direito, da justiça ou da cultura. Mesmo que se proclame que se trata de “um dever do Estado e direito da população”, quando esse dever não é cumprido, não há um órgão específico que possa responsabilizar o Estado e obrigá-lo a efetivar o direito (Sposati, 2007Sposati, A. (2007). Assistência Social: De ação individual a Direito Social. Revista Brasileira de Direito Constitucional, (10), 435-458.). O fato de essa política não estar no imaginário social como um direito social dificulta sua reivindicação enquanto um direito, diferente das outras políticas da Seguridade Social. E na conjuntura atual de crise, essas políticas devidamente instituídas também têm sofrido cortes, devido à Emenda Constitucional que congelou os gastos públicos por 20 anos, o que se deve ao recrudescimento do neoliberalismo e sua política de estado mínimo e capital máximo.

Os desdobramentos das lutas políticas no PEH criaram o contexto para a construção de uma política pública que abarcasse e legitimasse os direitos dos brasileiros. A Constituição Federal de 1988 elevou a Assistência Social ao patamar de uma política social não contributiva, de acesso para todos os sujeitos que dela precisassem, tendo como objetivos a proteção, amparo, promoção, integração, habilitação e reabilitação e a garantia de benefícios a certos grupos populacionais (CF, 1988/2017Constituição da República Federativa do Brasil. (1988/2017). Supremo Tribunal Federal, Secretaria de Documentação.).

A partir de uma análise estrutural, utilizando o conceito de PEH, observamos que, na sociedade neoliberal, o sujeito de direitos pode ser definido como o indivíduo que tem direito a lutar por direitos, os mesmos direitos que lhe são ofertados pelo discurso oficial, mas que na prática não são disponibilizados pela própria sociedade. Logo, o direito formal está garantido, mas como uma virtualidade e não como uma possibilidade efetiva; o que não significa que não se deva lutar para que a virtualidade se torne realidade. À medida que são desveladas as fissuras do discurso, abre-se a possibilidade de se construírem estratégias de luta pela hegemonia, de ações que possam produzir mudanças na estrutura de poder. Desvelar as contradições que permeiam o PEH pode ser a fonte e o início da mudança, pois permite uma maior clareza paradigmática quanto às possibilidades que estão em jogo. A falta de clareza política tampouco ajuda na organização e na luta pela transformação social na direção dos interesses do polo subordinado.

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  • 1
    Este artigo consiste numa revisão da bibliografia e foi escrito a partir de duas pesquisas de Mestrado em Psicologia e da experiência profissional e acadêmica dos autores, trabalhadores e trabalhadoras da área da Assistência Social em duas cidades do estado de São Paulo. O Dr. Autor, pesquisador e orientador, também colaborou com a produção do texto, dada sua longa experiência de inserção no campo da Assistência Social.
  • 2
    Essa expressão designa “O conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade” (Iamamoto, 2001Iamamoto (2001). A questão social no capitalismo. Temporalis, 2(3), 9-32., p. 27).
  • 3
    Alguns desses estabelecimentos tanto da Saúde quanto da Assistência Social podem funcionar também como aparelhos de Estado (AE), cuja característica central consiste em reprimir. Logo, essa função deixa de ser exclusiva dos AE tradicionais, tais como são a polícia, o exército, os tribunais e as prisões (Althusser, 1983Althusser. L. (1983). Ideologia e aparelhos ideológicos do Estado. (J. J. M. Ramos, Trad). Presença.).
  • 4
    Trata-se de um programa federal “intersetorial” destinado aos primeiros anos de vida (primeira infância), instituído via Decreto, que tem sido intensamente problematizado por pesquisadores.
  • 5
    De acordo com o CNAS (Resolução CNAS n. 20, 2018Resolução CNAS n. 20, de 13 de setembro de 2008. (19 set. 2018). Solicita a recomposição da dotação orçamentária de 2018 e da proposta orçamentária para o exercício de 2019 para a Assistência Social. Diário Oficial da União .), a Proposta da Lei Orçamentária (PLO) encaminhada pelo executivo para o Congresso, com o orçamento do Suas para o ano de 2019, teve um corte de 50%, o que inviabilizaria o sistema. Após intervenção do CNAS, parte do orçamento foi reposto, sendo que tais ameaças de cortes também haviam ocorrido no orçamento de 2018.
  • 6
    O fechamento das salas de aula teve grande resistência por parte dos alunos, professores e familiares com manifestações e ocupação de escolas pelos alunos. No caso da Reforma da Previdência as manifestações públicas ocorreram intensamente, inclusive por meio das redes sociais e dos aplicativos de mensagens eletrônicas.
  • 7
    A EC 95 não permite o crescimento das despesas do governo acima da inflação, logo, apesar de na teoria ter congelado os gastos, na prática ocasionou também a redução, pois não se considerou o crescimento demográfico nem a manutenção e ampliação de serviços públicos para atender esse crescimento.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    27 Dez 2019
  • Aceito
    25 Mar 2021
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