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Informação e conhecimento: uma abordagem dos sistemas de recuperação de informações a partir das interações sociais

Information and knowledge: an approach about information retrieval systems beginning from social interactions

Resumos

O conceito de recuperação de informações está presente na origem da Ciência da Informação, sendo responsável por uma marcante abordagem tecnológica. Ao introduzir a preocupação com o usuário dos sistemas, a CI é influenciada pelas ciências cognitivas, que não privilegiam as interações sociais. O artigo reflete sobre os pressupostos cognitivistas da análise dos Sistemas de Recuperação de Informações e apresenta a perspectiva de autores que consideram a necessidade de uma abordagem social, tão importante quanto o desenvolvimento tecnológico.

Recuperação de Informações; interações sociais; conhecimento


The concept of information retrieval is in the origins of Information Science, being responsible for a remarkable technological approach. When the concern about the systems' users is introduced IS is influenced by cognitive sciences, which do not favor social interaction. The article reflects about cognitivistic presuppositions about analyses of Information Retrieval Systems and presents a perspective from the authors who consider the need of a social approach as important as technological development.

Information retrieval; social interaction; knowledge


ARTIGOS

Informação e conhecimento: uma abordagem dos sistemas de recuperação de informações a partir das interações sociais

Information and knowledge: an approach about information retrieval systems beginning from social interactions

Ronaldo Pereira Martins

Mestre em Ciência da Informação pela Escola de Ciência da Informação -Universidade Federal de Minas Gerais

RESUMO

O conceito de recuperação de informações está presente na origem da Ciência da Informação, sendo responsável por uma marcante abordagem tecnológica. Ao introduzir a preocupação com o usuário dos sistemas, a CI é influenciada pelas ciências cognitivas, que não privilegiam as interações sociais. O artigo reflete sobre os pressupostos cognitivistas da análise dos Sistemas de Recuperação de Informações e apresenta a perspectiva de autores que consideram a necessidade de uma abordagem social, tão importante quanto o desenvolvimento tecnológico.

Palavras-chave: Recuperação de Informações; interações sociais; conhecimento

ABSTRACT

The concept of information retrieval is in the origins of Information Science, being responsible for a remarkable technological approach. When the concern about the systems' users is introduced IS is influenced by cognitive sciences, which do not favor social interaction. The article reflects about cognitivistic presuppositions about analyses of Information Retrieval Systems and presents a perspective from the authors who consider the need of a social approach as important as technological development.

Keywords: Information retrieval; social interaction; knowledge

1 Introdução

A constatação de que os Sistemas de Recuperação de Informações constituem importante objeto de investigação para a CI é compartilhada pelas distintas áreas desse campo científico. As abordagens feitas em uma perspectiva social consideram que os sistemas não podem ser compreendidos como soluções definitivas para o problema do acesso ao conhecimento. O compartilhamento dos saberes da sociedade dependeria também das interações estabelecidas entre os indivíduos e os grupos sociais.

A proposta deste artigo é discutir as implicações de uma visão cognitivista, que introduziu o usuário como personagem central da Ciência da Informação, sobretudo na sua relação com os Sistemas de Recuperação de Informações, sem conferir a ele um papel ativo.

São apresentadas abordagens desenvolvidas em uma perspectiva social, para as quais os SRIs perdem em eficiência se não for compreendida a complexidade do conhecimento na sociedade moderna. Para conhecer, os indivíduos não precisam apenas acessar as informações, mas também construir sentidos a partir das informações que recebem.

2 A informação em uma perspectiva cognitivista

A Ciência da Informação tem sua origem em disciplinas práticas que se relacionam em torno do conceito de "recuperação da informação". Segundo Wersig (1993), a abordagem clássica da área aponta para a distinção entre as bibliotecas como organizações sociais e a recuperação da informação como um campo da engenharia. De forma coincidente, Capurro (2003) reconhece duas raízes para a Ciência da Informação: a biblioteconomia clássica e a computação digital.

Ao introduzir a preocupação com o usuário e com os processos de elaboração do conhecimento, a Ciência da Informação passou a ser influenciada pelas Ciências Cognitivas, sobretudo em uma abordagem derivada da Cibernética. A idéia central do movimento cibernético propõe que o mundo existe independentemente do observador, fazendo crer que o conhecimento seja uma simples representação da realidade (BORGES et al., 2004). Nesta perspectiva, a prática social é desconsiderada e a ênfase recai sobre o conhecimento científico.

A essência da abordagem cognitiva na Ciência da Informação afirma que todo processamento de informação é mediado por um sistema de categorias de conceitos. Encontra-se uma idéia subjacente de que o conhecimento se dá quando uma informação é percebida e processada, alterando os estados mentais do indivíduo. Esta conclusão tem como pressuposto as premissas do cognitivsmo, uma das vertentes tradicionais das ciências cognitivas, que advogam o princípio de que a mente e o cérebro formam uma unidade com características de máquina, capaz de processar linear e seqüencialmente as informações.

Uma das idéias inspiradoras da abordagem cognitivista vem da chamada "Teoria Matemática da Comunicação", proposta por Claude Shannon e Warren Weaver. Em linhas gerais, eles postulam que, no processo de comunicação, há um "objeto físico" transmitido entre o emissor e o receptor. Compreende-se pela análise de Capurro (2003) que esta abordagem cognitivista é também responsável pela constituição de um "paradigma físico" na Ciência da Informação, que exclui "o papel ativo do sujeito cognoscente, ou, de forma mais concreta, do usuário, no processo de recuperação da informação científica, em particular, bem como em todo processo informativo e comunicativo, em geral" (CAPURRO, 2003, p. 6).

A definição de informação como uma "coisa" está caracterizada na abordagem cognitivista de Brookes, que busca construir uma teoria objetiva do conhecimento. Ele se baseia na teoria dos três mundos, de Karl Popper, que preconiza a existência do mundo 1 (mundo físico, constituído pelos corpos, fenômenos e pelas forças físicas), do mundo 2 (mundo psíquico, constituído pelos estados mentais e pelos processos psíquicos inconscientes) e do mundo 3 (consituído pelos produtos intelectuais).

Para garantir uma alternativa original ao seu campo de estudos, a Ciência da Informação deveria, segundo Brookes (1980), concentrar-se em coletar e organizar o material disponível no Mundo 3 (o conhecimento registrado) e desenvolver uma teoria sobre as interações entre os Mundos 1 e 2. Neste exercício, deveriam ser evitadas as análises subjetivas, privilegiando-se a observação dos artefatos:

Nas nossas bibliotecas, os documentos nos oferecem toda evidência – a evidência objetiva observável publicamente – que nós precisamos. Tudo o que nós temos a fazer é observar como o conhecimento registrado cresce e muda ano após ano em campos específicos, preferencialmente para manter as coisas o mais simples possível em cada uma das ciências (BROOKES, 1980, p. 130, tradução nossa).

Ao estabelecer a relação entre conhecimento e informação, Brookes desenvolveu a chamada "equação fundamental do conhecimento", que viria a ser a base de sua abordagem cognitivista na CI. A teoria afirma que as estruturas de conhecimento são modificadas para novas estruturas por meio da informação. Como pequenas partes das estruturas de conhecimento, a informação pode ser simplesmente adicionada a uma estrutura de conhecimento ou pode ajustá-la. O "objeto informacional" teria a capacidade de alterar o estado de conhecimento do indivíduo, independentemente de outros fatores, como as interações sociais.

A partir dessa teoria, pode-se compreender a mente humana como uma máquina processadora de informação e o sujeito com um recipiente. É o que também está subentendido no conceito de estados de conhecimento, apresentado por Belkin e Robertson (1976). Eles partem do princípio de que, no senso geral, informação é tudo aquilo que muda ou transforma estruturas de conhecimento. A idéia de estrutura leva à proposição de dois conceitos para a Ciência da Informação: o texto, como uma coleção de sinais estruturados que um emissor envia com a finalidade de mudar as estruturas de representação de um recipiente, e a informação, como a estrutura que compõe o texto.

Segundo Belkin e Robertson (1976), os estudos sobre estruturas de representação e estados do conhecimento poderiam ser aplicados no desenvolvimento de sistemas de recuperação de informações. Eles consideram inadequados os sistemas que vêem a informação como um fenômeno atomizado. A questão é saber por que as pessoas procuram determinados documentos. Os usuários estariam buscando suprir anomalias ou "estados anômalos de conhecimento":

Uma pessoa que faz uma requisição em um sistema de busca, faz isso por causa de uma falta perceptível ou algo incompleto ou inconsistente na sua percepção de mundo: ela está procurando textos que vão ajudá-la a corrigir essa anomalia. Um sistema de recuperação sofisticado pode então tentar construir um modelo estrutural da visão do solicitante, usando evidências provenientes tanto da formulação linguística da requisição quanto da reação do solicitante aos documentos específicos que o sistema recupera (BELKIN e ROBERTSON, 1976, p. 203, tradução nossa).

A reflexão de Belkin e Robertson parte do princípio de que o processamento da informação seria mediado por um sistema de categorias que retratam uma concepção de mundo. A idéia de que as estruturas de conhecimento são transformadas por meio da informação não se preocupa de maneira fundamental com as relações sociais. Belkin e Robertson consideram que a informação pode, por si só, mudar as estruturas de representação dos receptores.

Embora procure se deslocar para uma preocupação com o usuário, o modelo conceitual de Belkin e Robertson pressupõe que a informação move o indivíduo de um estado prévio de conhecimento para um novo estado, a partir das habilidades cognitivas que ele possui. A informação estaria assim no domínio da subjetividade (GONZÁLEZ DE GOMES, 2002).

3 Cognição e conhecimento na abordagem dos SRIs

As abordagens cognitivistas demarcam de forma clara as reflexões acerca dos sistemas de recuperação de informações no âmbito da Ciência da Informação. Uma visão idealista dos SRIs preconiza que o mundo existe independentemente dos sujeitos e pode ser apreendido por meio dos sentidos. A representação dos registros de informação e seu posterior armazenamento nos sistemas seria uma maneira de garantir uma compreensão do mundo e do conhecimento produzido.

Os processos de produção, organização e recuperação de informações são levados a cabo em três estágios cognitivos (ALVARENGA, 2003): a) o estágio anterior à entrada dos itens no SRI, marcado pelas experiências cognitivas dos produtores dos documentos; b) o estágio da inclusão do item no SRI, influenciado pelos processos cognitivos dos indivíduos que fazem o tratamento das informações; c) o estágio pós-inclusão do item no SRI, quando os usuários se relacionam individualmente com os sistemas.

A constatação obrigatória é de que a representação do conhecimento, enquanto disciplina da Ciência da Informação, deveria desviar seu foco do fenômeno cognitivo individual para uma abordagem que leve em conta as diversas mediações entre o sujeito e os SRIs, e não somente a interação homem-máquina:

Essa interação envolve mediação por outro ser humano (o profissional da informação) ou por uma interface de computador e tem sido centrada no usuário-individual, evitando-se ou ignorando-se o contexto social mais amplo do processamento da informação (ALVARENGA, 2003, p.13).

É preciso destacar, entretanto, que uma parcela significativa dos pesquisadores que se dedicam a investigar as mediações estabelecidas entre os usuários e os sistemas de recuperação compreende os sistemas como o espaço privilegiado da busca de conhecimento. Muitas análises neste campo percebem o social apenas como a arena na qual o sujeito, convicto de suas necessidades informacionais, estabelece relações que o levam a encontrar o conhecimento desejado. Em vez de conhecer a partir do conhecimento da sociedade, ele recorre ao mundo e, com seus processos cognitivos individuais, encontra o conhecimento registrado.

Neste sentido, a representação do conhecimento seria o desafio maior dos profissionais que lidam com os SRIs. A representação pode ser compreendida como uma nova apresentação de uma informação original a partir de uma seleção de características marcantes, para uma recuperação posterior. O processo de representação é, portanto, carregado de uma série de limitações, dentre as quais os aspectos subjetivos e ideológicos do processo conduzido por indivíduos. A permanente evolução dos estados de conhecimento também é um fator que impede o desenvolvimento de um mecanismo perfeito de representação.

A natureza dos sistemas de recuperação de informações traz em si a exigência de representações secundárias, o que tem levado profissionais da informação a buscar mecanismos mais eficientes de interpretação dos registros armazenados. Segundo Alvarenga (2003), a representação primária tem como objeto prioritário o acervo da ontologia, sendo seus produtos finais os conceitos sobre os seres e as coisas existentes, que formam o conhecimento. Já a representação secundária, própria dos SRIs, tem como preocupação o acervo de conhecimentos sobre os seres e as coisas, que são objetos da epistemologia. Assim, exige-se dos profissionais a capacidade de compreender as diversas demandas que os usuários podem vir a ter em relação às informações disponibilizadas nos sistemas:

Os conceitos constantes dos documentos, assim como suas superfícies de emergência, constituem-se em insumos para a representação secundária e devem ser identificados, requerendo-se que o profissional da informação, no processo de organização do conhecimento, proceda à identificação dos elementos de descrição e temáticas que poderão vir a ser buscados pelos usuários potenciais do sistema de informação (ALVARENGA, 2003, p.5).

A idéia filosófica de conceito vem sendo utilizada pela Ciência da Informação para aprimoramento do trabalho de representação secundária. Os conceitos seriam "unidades de conhecimento" presentes na "complexa região epistemológica interdisciplinar que compreende o ato de representação, comunicação e preservação de conhecimentos" (ALVARENGA, 2003, p.14).

Alvarenga aponta Jesse Shera como um dos pioneiros na utilização da idéia de conceito no campo da recuperação da informação. Ela recorre a um trabalho de Shera, apresentado na Conferência Internacional de Classificação e Recuperação de Informações, em 1957, para apresentar a visão do autor acerca do processo de aprendizagem. Para Shera, as novas sensações originadas da experiência ou do contato com algum texto seriam classificadas pelo cérebro em conexão com experiências anteriores. Esta incorporação de novos saberes estabeleceria uma ordem no conjunto de saberes, diminuindo as incertezas dos indivíduos. Nesta perspectiva, os conceitos seriam vistos como padrões, que são a matéria-prima das classificações.

É preciso esclarecer, entretanto, que, ao longo do extenso período no qual refletiu sobre a relação entre informação e conhecimento, Shera avançou de maneira substancial para uma nova abordagem acerca dos processos sociais de conhecimento. Dizer que coube a ele apontar a recuperação de informações como "o ponto focal da teoria da biblioteconomia e da ciência da informação e o fim em direção ao qual todos os esforços devem ser direcionados" (ALVARENGA, 2003, p.12) é reduzir a produção acadêmica de Shera ao seu ponto de partida. Como veremos adiante, a originalidade desse autor está na sua sugestão de uma "epistemologia social", que privilegia os processos sociais da produção do conhecimento em detrimento das abordagens que enfatizam apenas a interação entre os indivíduos e os registros do conhecimento.

4 Uma visão social para a análise dos SRIs

O avanço tecnológico que sofisticou os sistemas de busca e recuperação de informação é outro fenômeno importante para a configuração do campo de estudos da Ciência da Informação. Aqueles que privilegiaram uma abordagem sistêmica da CI chegaram a considerar a sofisticação da tecnologia como condição necessária para resolver definitivamente o problema da necessidade de informação:

Eles garantem que há alguma coisa como 'informação' (Buckland, 1991), a qual é necessária, e eles oferecem uma solução para este problema presumido. Deste ponto de vista, bibliotecas e sistemas de recuperação são apenas soluções diferentes para problemas idênticos, que não serão questionados mais (WERSIG, 1993, p.230, tradução nossa).

A ênfase tecnológica fez com que os sistemas de recuperação da informação se transformassem assim em uma "idéia paradigmática" para a Ciência da Informação (GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 1990). Atendendo à racionalidade da sociedade moderna, os sistemas cumpririam o papel de estabelecer domínios controláveis para o elemento informacional:

O sistema de informação, nesse quadro, emergeria como modelo 'homogeneizador' de um domínio plural de ações de informação, muitas já institucionalizadas (bibliotecas, arquivos, centros de documentação etc.), outras incipientes e a serem formalizadas a partir do novo conceito sistêmico da ação de informação (na ordem administrativa, financeira, cultural etc.) (GONZÁLEZ DE GOMES, 1990, p.117)

Para compreender esse elemento homogeneizador da informação, González de Gómez cunhou a expressão "sistema formal intermediário de recuperação da informação". A idéia de "sistema" pressupõe uma ação intencional, marcada pelo anseio de comunicar um conhecimento pré-existente. Nesse sentido, procura a otimização da informação, valendo-se do controle de variáveis como a coleta, a armazenagem e a disseminação.

A designação de um sistema "formal" apresenta dois sentidos. Em primeiro lugar, imagina-se que ele é institucional, estando sujeito a mecanismos de legitimação. Depois, aceita-se a noção de que ele trabalha no âmbito da comunicação formal, com registros de dados ou conhecimentos, além de suas próprias rotinas.

O sistema é também "intermediário", porque é constituído por iniciativa de um agente ou de uma agência que intervém no ambiente discursivo-informacional, produzindo uma mediação entre sujeitos. Ele teria a função de conectar o usuário à fonte da informação, auxiliando nos processos de produção de conhecimento. Mas, apresentando um julgamento antecipado da relevância da informação para o usuário, o sistema se desconecta do social:

O sistema institucional de informação só pode negar sua origem social, sua interligação com processos comunicacionais-cognitivos, na medida em que já nasce 'prenhe' de uma referência substantiva a um contexto específico sócio-cultural, oculto enquanto formalizado em termos de definições sistêmicas (GONZÁLEZ DE GOMES, 1990, p.118)

A abordagem sistêmica pode, então, incorrer no erro de estabelecer uma lacuna quando não enfatiza as trocas informacionais e a produção de conhecimento como fenômenos sociais, conduzidos por sujeitos que se localizam em espaços históricos específicos. Capurro (2003) distingue a disponibilização de estoques informacionais (tal qual percebido na formulação clássica da Ciência da Informação) da possibilidade de seleção de sentido, que impediria a avaliação de um sistema de informação com base "no matching de um dado de entrada (input) com outro dado previamente registrado" (CAPURRO, 2003, p.8). É preciso destacar o papel ativo do usuário:

Só tem sentido falar de um conhecimento como informativo em relação a um pressuposto conhecido e compartilhado com outros, com respeito ao qual a informação pode ter o caráter de ser nova e relevante para um grupo ou para um indivíduo (CAPURRO, 2003, p.8).

Na abordagem social da Ciência da Informação, desviada de uma visão focada nos Sistemas de Recuperação de Informações para uma visão centrada nas interações dos usuários, o conceito de informação está relacionado com a partilha de um mundo comum:

Logo, informação não é o produto final de um processo de representação, nem algo transportado de uma mente a outra, ou, enfim, algo a ser retirado do casulo de uma subjetividade, mas uma dimensão existencial de nosso ser no mundo junto com os outros [...]. A informação é, mais precisamente, a articulação de uma compreensão pragmática de um mundo comum compartilhado. Esta compreensão a priori permanece em grande medida tácita ainda quando a articulamos em forma falada ou escrita, dado que, por nossa finitude, nunca podemos explicitá-la totalmente (CAPURRO, 1992, apud GONZÁLEZ DE GOMEZ, 2002, p.32)

Destaca-se que a abordagem social sempre foi objeto de preocupação da Ciência da Informação, ainda que retirada do centro das atenções a partir do desenvolvimento tecnológico. O próprio Capurro (2003) reconhece que Jesse Shera, em meados do século XX, já era responsável pelo desenvolvimento de um "paradigma pragmático e social", que viria competir com os paradigmas cognitivo e físico.

Antes de percorrer os caminhos que levariam à sua Epistemologia Social, Shera, reforçando a percepção de Wersig, se incluiu entre aqueles que tinham uma espécie de "fé na máquina", como conseqüência do desenvolvimento tecnológico do século XX. Essa perspectiva que preconizava a solução definitiva para o armazenamento e o uso do conhecimento registrado trouxe consigo dois problemas básicos: a idéia de que as máquinas podem responder perfeitamente a todas as necessidades e uma separação equivocada entre recuperação da informação e Ciência da Informação (SHERA, 1971).

Embora tenha sido um dos pioneiros na busca da automação dos mecanismos de recuperação da informação (ZANDONADE, 2003), Shera entendia que o armazenamento e a recuperação da informação não resolvem por si só o problema da geração de conhecimento na sociedade:

O armazenamento e recuperação da informação, ou fatos, por mais bem feitos e por mais precisos que sejam os mecanismos para que sejam levados a efeito, não tem nenhum valor, se não são utilizados para o bem da humanidade, e é dessa utilização que o homem não ousa abdicar (SHERA, 1977, p.11).

Todo sistema de informação é formado por uma tecnologia de operação, um conteúdo e um contexto, que é o ambiente social em que qualquer sistema está posicionado. (SHERA, 1971). Para Shera, há um fracasso no entendimento desse contexto quando não se procura compreender como o conhecimento é comunicado e qual impacto ele produz na sociedade.

A conclusão de Shera aponta para a idéia de que a Ciência da Informação deve se perceber como uma ciência social: "a marca da epistemologia social consiste em que ela coloca a ênfase no ser humano e na sociedade como um todo, e todas as suas formas de pensar, conhecer, agir e comunicar" (SHERA, 1973, p.90). Para ele, a importância dos sistemas é superestimada no campo da Ciência da Informação.

5 Considerações finais

A análise dos Sistemas de Recuperação de Informações não pode prescindir de uma reflexão sobre o papel do conhecimento na sociedade moderna. Vistos como facilitadores do acesso ao conhecimento produzido, os SRIs constituem-se em instrumentos que deveriam facilitar a relação dos indivíduos com os saberes necessários para as ações práticas do cotidiano.

Entretanto, a percepção de autores como Shera, Wersig e Capurro é de que, ao centrar-se muito mais na sofisticação tecnológica do que nas necessidades dos usuários e em suas interações socias, os sistemas deixam de cumprir seu papel primordial. Para os pesquisadores oriundos das áreas técnicas, esse problema nem sempre existe. Eis um dos dilemas básicos da Ciência da Informação, que demanda uma permanente reflexão por parte dos profissionais da informação e dos estudiosos da CI.

Como uma ciência de desenvolvimento recente, a CI deve compreender o debate como componente essencial do seu processo de amadurecimento. Por isso, não se pode perder de vista a necessidade de reflexões e pesquisas que levem em conta alguns pressupostos básicos da área, como as definições de informação e conhecimento. Neste particular, é necessário manter claro que os dois conceitos não são automaticamente complementares. Nem toda informação produz conhecimento.

6 Referências

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Recebido em 08.02.2008

Aceito em 18.06.2008

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Set 2008
  • Data do Fascículo
    Ago 2008

Histórico

  • Aceito
    18 Jun 2008
  • Recebido
    08 Fev 2008
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