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Psicologia & Comportamentos

Resenha

Nelson Lima Santos

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Nelson Lima Santos, Universidade Fernando Pessoa Porto, Portugal E-mail: limasant@ufp.pt

Da Silva, José Aparecido (2003). Psicologia & Comportamentos. Ribeirão Preto: Canavaci.

A Psicologia, ciência que estuda o comportamento, tem tido enorme impacto social quer pelos acontecimentos que explica e prevê - por exemplo, em domínios como a Educação, a Medicina, o Desporto e o Mundo do Trabalho e das Organizações - quer pela promoção do desenvolvimento e do bem-estar global dos indivíduos.

É nesta linha que o Prof. José Aparecido da Silva nos apresenta a obra "Psicologia e Comportamentos", de tal modo que, numa linguagem acessível a vários públicos-alvo, são discutidos temas variados, controversos e atuais de diferentes áreas do saber: desde a natureza da felicidade, do amor e da violência, até à aplicação da Psicologia aos problemas de trânsito, à medicina e às organizações sociais, sendo ainda explorados alguns dilemas da educação, as leis psicofísicas e a ilusão da lua.

Assim, esta obra, com 15 capítulos e cerca de 150 páginas, caracteriza-se por poder ser consultada capítulo a capítulo, temática a temática, sendo ilustrativa das possibilidades de aplicação da Psicologia aos comportamentos do quotidiano, espelhando, também, a atualidade, a pluralidade de interesses e a atenção ao real por parte do autor.

Percorrendo a obra mais detalhadamente, verificamos que o amor e a felicidade são discutidos ao longo de três capítulos - capítulo 1, "Quem é feliz", capítulo 2, "A teoria trifatorial do amor", e capítulo 3, "As emoções".

Refere o autor que a felicidade, objetivo fundamental da vida, é de difícil definição e apenas recentemente é objeto de estudo da Psicologia, particularmente pela Psicologia do Otimismo, pois a Psicologia tem-se dedicado mais, talvez até demais, segundo a nossa perspectiva, a temas como a doença, a ansiedade e a depressão, parecendo esquecer a alegria, a satisfação com a vida e a felicidade como organizadores e objetivos essenciais do ser humano.

No entanto, a preocupação atual da Psicologia com o estudo do bem-estar global dos indivíduos augura uma mudança de paradigma, pelo que uma das tarefas mais importantes dos psicólogos será, segundo o autor, bem como do nosso ponto de vista, explorar melhor a dinâmica da felicidade e prevenir e promover o bem-estar global das pessoas.

Na mesma linha, também é afirmado que o amor é um fenômeno complexo que a Psicologia hoje investiga, apresentando o autor, como exemplo, a teoria trifatorial do amor, resultante da combinação de intimidade, paixão e compromisso.

No capítulo 4, "Dilemas da educação", a educação é apresentada como conhecimento, entendimento e sabedoria: nas palavras do autor, é a principal forma de "preservar as nossas próprias vidas, reduzir a violência, reduzir as desigualdades sociais e melhorar o nosso bem-estar subjetivo" (p. 22). Por isso, afirma que a educação deve preparar os indivíduos para o trabalho interdisciplinar e para uma sociedade em mudança permanente, pois esta será a única forma de operar as profundas e tão necessárias mudanças, que o presente e o futuro exigem.

No capítulo 5, "A pandemia da violência", é abordado um tema que atravessa o nosso quotidiano - a violência nas suas diferentes formas -, ao qual somos particularmente sensíveis, nomeadamente pelas transformações que imprimiu nas nossas vidas e nas nossas sociedades.

Este fenômeno complexo e multideterminado, com efeitos visíveis e devastadores deve, segundo o autor, ser analisado em termos globais, independentemente do tipo de violência, e tratado como uma epidemia, uma pandemia ou um problema de saúde pública, quer pela sua incidência, quer pelas suas dramáticas conseqüências.

Perante este quadro, o autor defende o aumento das intervenções preventivas - ao nível individual, familiar, escolar, dos pares, da comunidade e dos mass media -, como forma de reduzir os fatores de risco conhecidos, em substituição das habituais medidas reativas, que apenas procuram responder quando os cenários nefastos da violência já se declararam, tornando-nos escravos de medos e sofrimento.

Nos capítulos 6, "A ilusão da lua", 7, "As três leis psicofísicas", e 8, "Curiosidades psicológicas e comportamentais", são abordados temas que vão da explicação da ilusão da lua - que para a maioria das pessoas parece muito maior e mais próxima no horizonte do que quando elevada em céu aberto (zénite) -, ilusão esta explicada pelas leis da percepção do tamanho e da distância, até à apresentação das três leis psicofísicas, formuladas por Weber, Fechner e Stevens, que facilitaram o nascimento da Psicologia como ciência, ao introduzirem técnicas de avaliação dos fenômenos mentais.

A par destes temas, de seguida são fornecidos dados e evidências de pesquisas sobre assuntos valorizados no quotidiano, muitos dos quais de ampla audiência, de que destacamos o papel da dopamina na melhoria da performance cognitiva; a influência do Quociente Intelectual (QI) nas desordens pós-traumáticas (maior QI menor susceptibilidade a desordens pós-traumáticas); os efeitos negativos e positivos da Internet no comportamento (como o aumento do isolamento e da depressão e a diminuição do envolvimento social e afetivo dos indivíduos, mas também a redução da solidão e a melhoria do humor e dos sentimentos positivos sobre a vida); a importância do aconselhamento por telefone e as suas vantagens e desvantagens em relação ao aconselhamento face-a-face; a influência negativa da depressão no sistema imunológico; as influências positivas do trabalho em espaço aberto na produtividade, na aprendizagem e nas relações interpessoais no local de trabalho; os efeitos positivos dos programas de prevenção no consumo de drogas; e, por fim, a relação entre as expectativas dos pacientes com cancro acerca da sua recuperação e o seu menor ou maior grau de satisfação com a vida.

Nos capítulos 9, "Liderança: definição e estilos", 10, "Teorias da liderança", e 11, "Mensuração da liderança", é abordada a liderança, área de investigação de enorme relevância social e organizacional.

De fato, apesar da enorme produção científica no domínio (quase 8000 artigos, livros e apresentações em reuniões científicas), o impacto de tal produção não parece ter-se feito sentir a nível dos que tomam decisões, nem dos líderes, pois segundo o autor urge colmatar o hiato, a lacuna que existe entre as evidências da investigação e as práticas de liderança ainda vigentes.

Senão vejamos: algumas das razões apontadas para o estudo da liderança envolvem o seu caráter universal - ocorre em todas as sociedades e sempre que existe um agrupamento de indivíduos -, bem como o fato de ser afetada quer pelas organizações, quer pelas culturas em que se manifesta e, sobretudo, a circunstância do século XXI, a era do conhecimento e da informação, exigir novos tipos de liderança, nomeadamente uma liderança de tipo transformador e transacional, que promova os indivíduos à condição quer de autores dos seus percursos pessoais e profissionais, quer de agentes de realizações coletivas: na verdade, uma liderança eficaz terá efeitos positivos e multiplicadores das possibilidades de sucesso sobre as equipes, os grupos, as organizações e as sociedades.

Após a definição de liderança, como característica particular da estrutura dos grupos e, nas palavras do autor, "como um processo de influência social em que uma pessoa é hábil em ajudar e suportar outras na realização de uma tarefa comum" (p. 72), são desenvolvidos alguns pressupostos básicos sobre a liderança, os estilos de liderança e o fato destes serem afetados, diz-nos o autor, "pela cultura organizacional ou pela estrutura social do grupo ou equipe com as quais o líder está envolvido" (p. 75).

Prosseguindo, identifica três estilos de liderança - autocrática, participativa ou democrática e permissiva -, caracterizando-os em termos de modus operandi e identificando as principais funções e comportamentos que os líderes devem assumir para terem sucesso, nomeadamente: ser credível, legitimando a sua autoridade através da projeção de uma imagem que estimule sentimentos de confiança nos subordinados; desenvolver relações que facilitem o atingir dos objetivos individuais e coletivos; e, finalmente, usar de forma eficiente e eficaz os conhecimentos, as competências e os recursos para alcançar os objetivos ou a missão do grupo.

O tema das diferenças de sexo na liderança é também discutido, concluindo-se não só pela ausência de diferenças de sexo nos estilos de liderança, mas também pela existência de entraves sociais a uma avaliação justa e equitativa da liderança no feminino, por causa de estereótipos e de preconceitos sexuais que ainda persistem nas diversas organizações e nas diferentes sociedades quanto ao papel das mulheres.

Depois de uma breve revisão, no capítulo 10, das principais teorias da liderança, nomeadamente da teoria dos traços de personalidade (defensora de traços inatos e universais comuns a todos os líderes, como por exemplo na teoria do Grande Líder de Galton); das teorias das contingências do comportamento (centradas nos comportamentos dos líderes, em vez dos traços de personalidade, onde encontramos, por exemplo, a teoria de Fiedler, do líder orientado para a tarefa e/ou para as relações); das teorias cognitivas da liderança (que enfatizam os processos de atribuição e as teorias implícitas de personalidade); e da teoria da liderança transacional e transformadora (na qual o líder transacional funda a sua relação com os subordinados em transações mutuamente benéficas, enquanto que o líder transformador converte os interesses pessoais em realizações coletivas), o autor prossegue, desenvolvendo, no capítulo 11, a avaliação da liderança, para o que revê as principais formas de avaliação, à luz das diferentes teorias, concluindo pela necessidade de construir medidas sensíveis, fiéis e válidas da liderança e enfatizando a necessidade de desenvolver mais investigações sobre a liderança e sobre a seleção de líderes eficientes e eficazes, a bem das pessoas, das organizações e das sociedades.

Nos capítulos 12, "Psicologia do trânsito: comportamentos e legislação", 13, "Fúria no trânsito (road rage)", e 14, "Telefones celulares e os acidentes de trânsito", são desenvolvidos temas recentes, que também se revelam de particular importância para a sociedade portuguesa, vítima de uma elevada taxa de acidentes fatais nas estradas.

Os temas desenvolvidos abrangem as normas e a segurança no trânsito, principalmente os seus efeitos sobre os comportamentos e as atitudes dos condutores, com particular destaque para o uso de cintos de segurança e de capacetes, para o respeito pelos limites de velocidade e de consumo de álcool, defendendo-se o aumento da fiscalização e a aplicação de sanções que desencorajem o não cumprimento das normas.

O problema da "fúria" ao volante, ou a mudança de comportamento quando estamos a conduzir, a que ninguém está imune, parece estar a constituir-se, nas palavras do autor, numa "espécie de fatalidade moderna" (p. 116), que é por si analisada e alvo de propostas de intervenção no plano comportamental.

Por sua vez, a influência do uso de telemóveis durante a condução é analisada, nomeadamente pelas interferências que provoca nos condutores, ao nível das suas capacidades cognitivas, perceptivas e motoras.

Este tema também se revela de particular aplicabilidade e utilidade no contexto português, sendo de realçar que o uso de telemóvel pelos condutores pode aumentar a probabilidade de acidente tanto ou mais do que a ingestão de álcool, não existindo diferenças a favor do uso de telemóveis que permitam mãos livres, pois o problema essencial parece ser ao nível de uma carga mental excessiva.

Finalmente, o último capítulo desta obra, o capítulo 15, "Psicofísica da dor", fala-nos da importância de medir a dor, enquanto experiência subjetiva e pessoal, afirmando o autor que "uma medida eficaz da dor possibilita examinar a natureza, as origens e os seus correlatos clínicos em função das características emocionais, motivacionais, cognitivas e de personalidade do cliente" (p. 132). De fato, a dor é um sinal vital essencial e a eficácia das condutas terapêuticas depende de uma avaliação fiel e válida da mesma.

Em suma, resta-nos salientar que esta obra demonstra o valor, a utilidade e a aplicabilidade da Psicologia enquanto ciência que nos permite compreender, explicar e lidar melhor com os comportamentos quotidianos, logo, comprova a sua relevância social e, não menos importante, abre novas pistas para investigações e intervenções que, desde já, podem e devem ser desenvolvidas pelos psicólogos, ao serviço de um Mundo melhor.

  • Endereço para correspondência:
    Nelson Lima Santos,
    Universidade Fernando Pessoa
    Porto, Portugal
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Fev 2009
    • Data do Fascículo
      Dez 2003
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