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Avaliação do rendimento escolar: estudos e concepção

Resumos

No presente artigo, além de lançar mão de informações da literatura, como comumente se faz, peço licença e me autorizo a emitir sobre avaliação escolar, minhas próprias idéias e opiniões, fruto de muitos anos de investigação, vivência em salas de aula, problemas e reflexão.

avaliação escolar; rendimento escolar; atribuição de notas; desenvolvimento cognitivo e erros construtivos


This paper uses the common ways of data collecting in literature, and also the author's own ideas, thoughts and opinions, based on many years of research, problem-solving and classroom experiences.

school evalution; school achievement; marks assignement; cognitive development and constructive mistakes


Avaliação do rendimento escolar: estudos e concepção

Dair Aily Franco de Camargo

Professor Adjunto do Departamento de Educação do Instituto de Biociências - UNESP - Rio Claro - SP

RESUMO

No presente artigo, além de lançar mão de informações da literatura, como comumente se faz, peço licença e me autorizo a emitir sobre avaliação escolar, minhas próprias idéias e opiniões, fruto de muitos anos de investigação, vivência em salas de aula, problemas e reflexão.

Palavras-chaves: avaliação escolar, rendimento escolar, atribuição de notas, desenvolvimento cognitivo e erros construtivos.

ABSTRACT

This paper uses the common ways of data collecting in literature, and also the author's own ideas, thoughts and opinions, based on many years of research, problem-solving and classroom experiences.

Key-words: school evalution, school achievement, marks assignement, cognitive development and constructive mistakes.

I - Introdução

Falar de avaliação, a meu ver, implica necessariamente em falar antes sobre os objetivos do ensino, partindo do pressuposto que o que se avalia é a medida em que esses objetivos, colocados pelo professor, foram atingidos.

Parece já ser de consenso não só que a avaliação varia em função desses objetivos mas, que eles, por sua vez, variam também, em função da concepção filosófica de educação ou de "homem educado" do professor.

As feições assumidas pelo quadro atual do nosso sistema escolar nos permitem inferir que a grande maioria dos professores julga que cabe a eles e à escola "transmitir" conhecimentos e informações; caberia a eles, portanto, avaliar a memorização, a retenção dessas informações.

Mas não é por este caminho que enveredará o presente texto; acredito que, sob esta perspectiva, nada teria a acrescentar de novo àquilo que dezenas de manuais de Didática e de Avaliação já têm publicado.

Sou de opinião que outros devem ser os objetivos do ensino; conseqüentemente, que outras devem ser as formas e finalidades da avaliação.

Em artigo publicado por mim, (Camargo, 1985) apresentei um "modelo de ensino" onde, para cada uma das etapas do trabalho do professor em sala de aula, busquei extrair um embasamento da teoria psicogenética de J. Piaget. A Revista da ANDE assim se pronunciou na abertura do referido artigo:

"O artigo que publicamos apresenta um ponto de vista sobre os fundamentos teóricos e metodológicos da Didática embasados em J. Piaget. A Revista da ANDE tem posição definida quanto à função da escola pública como socializadora de conhecimentos, entendendo que eles devem passar pelos crivos de seus determinantes históricos e sociais. Reconhece que os conhecimentos são objetivos, não neutros. Portanto, a ênfase nos diferentes moldes de agir e operar em relação aos conteúdos escolares não deve levar a uma sobrevalorização dos processos mentais. Conteúdos/métodos devem ser associados à perspectiva dos objetivos sócio-políticos da escola. Este trabalho atende a uma das alternativas teóricas do enfoque da Didática, na busca de caminhos metodológicos para um ensino que garanta o encontro formativo entre o aluno e os conteúdos (grifos meus) (ANDE, 5(9):43-53, 1985).

Apesar da posição bem clara assumida pela Revista da ANDE, continuo acreditando e batalhando no sentido de que o objetivo da escola e dos professores é sim, o de garantir o "encontro formativo entre o aluno e os conteúdos", pois, somente uma cabeça pensante, bem formada, terá condições de se aproveitar dos objetivos sócio-políticos da escola; somente "sobrevalorizando os processos mentais", formando mentes capazes de raciocinar, de propor, de discernir, estaremos possibilitando aos cidadãos opinar com base, com fundamento, com sentido; somente ajudando os alunos a construírem suas próprias ferramentas intelectuais, estaremos colaborando na formação de indivíduos dignos, críticos e criativos, em lugar de meros repetidores de idéias alheias. Não é da oralidade que necessitamos mas sim, da oralidade assentada na inteligência, pois a palavra vale quanto vale a inteligência de quem a pronuncia. Minha opinião é a de que a escola tem seu compromisso com a inteligência, com o conhecimento sim. Cabe a ela ensinar o aluno a pensar, trabalhar no seu desenvolvimento cognitivo, se quiser contribuir na formação de indivíduos argutos, isto é, habilitados intelectualmente para reivindicar seus direitos e cônscios de suas responsabilidades.

Concordo com todos aqueles (em especial, Kolhberg, 1972 e Furth, 1966 e 1973) que julgam que o objetivo do ensino deve ser, em última análise, o fortalecimento do pensamento, a base sobre a qual se assenta a aprendizagem de qualquer disciplina particular.

Tal objetivo sempre fez parte de minhas preocupações como docente universitária, embora que durante alguns anos, de forma implícita e mal delineada; faltava-me o embasamento teórico necessário para explicitá-lo com toda a clareza. Fazia falta o conhecimento de uma teoria explicativa convincente sobre o desenvolvimento mental, seus problemas e suas contradições. Faltava-me diferenciar, no plano teórico, entre aprendizagem e desenvolvimento, memória e inteligência, inteligência e aprendizagem, ele.

Tal referencial teórico, eu o encontrei satisfatória e plenamente desenvolvido por J. Piaget. Nesse momento remeto o leitor a leituras de algumas obras básicas para entender e refletir sobre alguns conceitos piagetianos que julgo imprescindíveis na discussão dos problemas de avaliação do rendimento escolar; entre esses conceitos, os mais fundamentais a meu ver, são: caracterização e diferenciação entre desenvolvimento e aprendizagem, entre os aspectos figurativos e operativos da cognição e entre as experiências do tipo físico e lógico-matemático na interação do sujeito com o objeto de conhecimento (cf. Piaget, 1974; Furth, 1973 e 1974). É com base nesse referencial teórico que dou prosseguimento às minhas idéias e concepções sobre avaliação do rendimento escolar.

II - As minhas pesquisas sobre avaliação

A preocupação com a avaliação me acompanha desde que entrei pela primeira vez numa sala de aula, na qualidade de professora de Estatística para alunos do 2º ano do Curso de Pedagogia. Analisando agora exemplares das minhas primeiras "provas", posso constatar que meu objetivo nunca foi avaliar a memorização de conceitos e teoremas, as demonstrações, a utilização e emprego correios de fórmulas, a exatidão numérica dos cálculos, etc. Em lugar disso, sempre solicitei deles que explicassem e exemplificassem certos conceitos a partir de frases transcritas dos livros, que encaminhassem corretamente a solução de um problema (sem necessariamente desenvolvê-la até o final), que tirassem conclusões a partir de certas afirmações ou premissas, etc. Tentava enfim propor situações que os fizessem refletir, raciocinar, organizar e explicitar seus pensamentos, ele.

Os resultados, creio mesmo que seria desnecessário mencionar, eram "desastrosos". Importante é acrescentar o "comentário" dos alunos: "Mas nós só vamos mal na Estatística; nas demais disciplinas não temos problemas de notas".

Também creio não ser preciso gastar muitas palavras para colocar o quanto tal comentário me deixava preocupada. Restava-me pois, na qualidade de professora recém-formada, descobrir a razão de tais resultados.

Foi vivenciando esses problemas e constatando seus resultados que planejei minha primeira pesquisa sobre avaliação. Seu objetivo era verificar se os "maus" alunos em Estatística o eram somente nessa disciplina. Estatisticamente, colocar tal objetivo implica em verificar se a "medida de concordância" da posição ocupada pelos alunos, nas seis (6) disciplinas do respectivo currículo, era significativa ao nível de 0,05. O procedimento consistiu em apanhar na secretaria da Faculdade, as médias finais (Jos alunos em cada uma dessas seis (6) disciplinas e calcular a partir delas o Coeficiente de Concordância de Kendall (Siegel, 1956). O resultado obtido foi inequívoco: a posição ocupada pelos alunos dentro da classe e nas seis disciplinas era a mesma e, tal resultado era significativo até o nível de 0,001! (Camargo, 1977); e essa posição era a mesma, independentemente da escala de notas utilizada pelos respectivos professores1 1 É importante realçar esse aspecto, uma vez que havia um professor que não atribuía aos alunos notas menores que sete (7); mas, o aluno que recebia sete (7) com esse professor era o mesmo que recebia nota um (1) ou dois (2) em Estatística. .

Esse resultado, se por um lado trouxe-me alguma tranqüilidade, por outro, forçou-me a planejar novas pesquisas na tentativa de compreender melhor meus próprios problemas na avaliação dos alunos. E posso dizer, sem nenhum exagero, que meus trabalhos sobre o assunto continuam até hoje e que o que apresento neste artigo sobre avaliação tem o respaldo de algumas dessas pesquisas por mim realizadas. Para facilitar essa exposição, a sequencia na apresentação dos resultados obedecerá a mesma seguida na realização das referidas pesquisas:

1. O rendimento escolar do aluno do antigo Curso Primário, numa série, condiciona ou determina seu rendimento nas séries seguintes. Esse resultado é válido até para a 4ª série onde 34% (Coeficiente de Determinação Múltipla segundo Blalock, 1960) da variância das notas obtidas pelos alunos podem ser explicados em função de suas notas nas séries anteriores (Camargo, 1975).

2. A reprovação escolar, como prática educacional corrente em nosso sistema de ensino, é completamente ineficiente. O aluno, mesmo repetindo três vezes o conteúdo programático de uma dada série, não consegue atingir o nível de desempenho daquele não-reprovado (Camargo, op. cit.).

3. Também o aproveitamento do aluno do antigo Curso Ginasial, numa disciplina, é condicionado ou correlacionado com seu rendimento em todas as demais disciplinas. Toda a matriz de correlação das notas obtidas na 4° série ginasial é significativa ao nível de 0,01! O valor de correlação mais alto obtido foi entre Português e Matemática. Isto equivale dizer que o "bom" aluno numa disciplina o é também em todas as outras (Camargo, 1977).

4. Se as avaliações fogem da cobrança de informações retidas e reproduzida, então, para o professor, atribuir uma nota cinco (5) em Didática, por exemplo, é "tão difícil quanto" atribuir uma nota cinco (5) em Estatística. Cheguei a essa conclusão no primeiro ano que lecionei Didática para os alunos dos cursos de Licenciatura na USP de Ribeirão Preto, em 1970.

5. Se o objetivo do professor de 3° grau, na avaliação, é cobrar a aquisição de conhecimento (reprodução de fatos, princípios, informações, etc.), ele se torna urna "figura dispensável" em sala de aula. Para este tipo de avaliação e referindo-se ao aluno universitário, em nada contribui a diversificação de atividades ou de procedimentos de ensino por parte do professor (Camargo e Casagrande, 1979).

6. Da maneira como são realizadas as avaliações em nosso sistema de ensino, não existe nenhuma correlação entre desempenho escolar e desempenho operatório, ou seja, entre aprendizagem e desenvolvimento, no sentido piagetiano dos termos (Camargo, 1990).

7. Alunos do 1º grau que freqüentam classes de professores que estruturam rigidamente o ambiente disciplinar e o conteúdo a ser trabalhado, sobressaem-se quando se considera o desempenho escolar; contudo se se enfocar o desempenho cognitivo ou operatório, os alunos dos "professores democráticos" (os que estruturam menos rigidamente) levam vantagens (Camargo, n.p.).

Analisando detidamente esses sete resultados, vemos que os mesmos podem ser subdivididos em dois grupos:

a) Aqueles que apontam para a ineficácia do sistema de reprovação como prática corrente em nossas escolas, uma vez que existe dependência linear significativa entre as notas obtidas pelos alunos durante todo o período de quinze (15) anos de sua escolaridade (resultados 1, 2 e 3) e

b) Aqueles que apontam a cobrança, em nosso sistema de avaliação do rendimento escolar, de aspectos específicos, estáticos, figurativos de aprendizagem - através da memorização de informações - completamente desvinculadas das possibilidades operatórias do aluno (resultados 4, 5, (6 e 7).

Como explicar esses dois resultados gerais?

Em função do quadro teórico utilizado, poderia levantar algumas explicações sobre:

1) O alto poder preditivo das notas nas várias disciplinas e nos exames finais das diversas séries de escolaridade (da primeira à última!).

A escola, em seus diversos níveis, fornece ao aluno informações e cobra a sua reprodução: meras "avaliações figurativas", baseadas em "experiências físicas" de aprendizagem, isto se as entendermos como a apreensão, pelos alunos, das propriedades e informações sobre o objeto de estudo, geralmente inseridas num texto a ser lido (Camargo, 1992).

Segundo Kiminyo (apud. Chakur, 1984) a educação ocidental aponta para o ensino de habilidades de linguagem e regras de desempenho em exames; os alunos nas escolas têm pouco tempo para a liberdade necessária a experiências auto-reguladoras, para os aspectos operativos do conhecimento, ou seja, sua capacidade de transformar e aplicar os conhecimentos específicos que são cruciais ao desenvolvimento cognitivo. Eles repelem, como papagaios, explicações científicas sobre, por exemplo, centro de gravidade, que não compreendem e que lhes são totalmente inadequadas. Exige-se de crianças de 6 ou 7 anos que encontrem exemplos de palavras que sejam, ao mesmo tempo, polissílabas e paroxítonas, também inadequadamente.

Na referida pesquisa (Chakur, op. cit.) a autora conclui que a educação tal como atualmente oferecida em nossas escolas inibe o desenvolvimento intelectual e, aponta entre os fatores explicativos dessa inibição, a ausência de atividades por parte do aluno e a ênfase na memorização dos conteúdos.

Se o objetivo da educação é criar homens capazes de fazer coisas novas e não simplesmente repetir o que as outras gerações fizeram, como conseguir isso? Como termos mais tarde adultos críticos e criativos, se eles passaram 15 a 20 anos de suas vidas, aqueles mais cruciais ao desenvolvimento intelectual, copiando e repetindo os "ensinamentos" dos livros? Ninguém consegue ser crítico e criativo se nunca encontrou oportunidades para sê-lo. Poucos conseguirão lazer coisas significativas mais tarde, se passaram quase um terço de suas vidas ouvindo o professor - o intermediário entre as palavras impressas nos livros e a mente dos alunos.

Não é de conhecimento da maioria dos educadores que sua função é ajudar o aluno em seu desenvolvimento cognitivo; daí não "cobrarem" em suas avaliações os aspectos operativos do conhecimento, aqueles que procedem do interior do indivíduo e que dão sentido às suas experiências: as sínteses, as relações, as interpretações, as avaliações, etc.

Nesse sentido podemos dizer que o nosso sistema de ensino é altamente coerente e consistente. A escola cobra dos alunos um determinado tipo de "habilidade" que se repete, seja na Matemática, seja no Inglês, ou seja na História: a memorização de informações. O aluno que possui tal "habilidade" sair-se-á bem nas avaliações, qualquer que seja a disciplina considerada.

Outra explicação possível para esses dados é que as estruturas básicas da inteligência são as mesmas, independentemente dos conteúdos aos quais se aplicam: um físico que elabora uma nova teoria sobre a origem do universo, um poeta que redige um poema ou um cozinheiro que cria uma nova receita, estão, igualmente, fazendo uso da inteligência.

Diante do que foi dito até aqui, poderíamos encerrar nossas explicações dizendo que o fato de "ir bem" na escola indica apenas que o indivíduo atingiu um determinado nível de competência cognitiva e de domínio da "habilidade" de memorização que lhe permitem assimilar o conteúdo curricular da maneira "desastrosa" como vem sendo "trabalhado" hoje em nossas escolas.

2) A desvinculação, nas avaliações escolares, entre os aspectos específicos de aprendizagem e aqueles relativos ao desenvolvimento cognitivo do aluno.

Se entendermos por aproveitamento escolar - conforme nosso quadro teórico - a construção ou elaboração de formas de pensar e raciocinar sobre os conteúdos ensinados, fica fácil concluir que isso implica num certo processo, num certo desenvolvimento.

Para um professor, assumir tal concepção implica em centralizar a sua atenção nos processos de intervenção que levam à construção de formas mais elaboradas de pensamento; implica em deixar de lado a ideia de que tal construção é espontânea, obrigatória, natural e inevitável.

Assumindo tal postura, na avaliação nossa tarefa não é mais a de quantificar os "acertos", ou seja, o quanto o aluno já domina mas, o de discernir nas suas ações os "erros construtivos", únicos indicadores de seus progressos mentais. E aqui reside a grande dificuldade: não sabemos lidar construtivamente com o erro. Não conseguimos considerá-lo a não ser para "cortar", "subtrair" a nota do aluno. Tentamos a todo custo evitá-lo, cobrando do aluno a repetição de frases prontas ou de respostas já preparadas nos livros.

Abro aqui um parênteses para uma recapitulação teórica sobre o assunto (cf. Davis e Espósito, 1990) que, creio, trará aos professores que lêem o presente artigo, alguma contribuição nas suas tarefas de avaliação.

Numa atividade realizada pelo aluno dois aspectos estão sempre presentes: um objetivo a ser atingido e os meios utilizados para alcançá-lo. Realizar uma tarefa implica pois na compreensão do problema e na busca de procedimentos para resolvê-lo. É o nível estrutural do aluno que fixará os limites dentro dos quais ele poderá assimilar a situação problema e oferecerá a gama de procedimentos possíveis para resolve-lo. Dentro desse conjunto de soluções possíveis, determinado pelo seu desenvolvimento intelectual, caberá ao aluno escolher alguns que resolvam o problema.

As alternativas que então se colocam são:

a) O aluno acerta a solução do problema. Neste caso, caberá ao professor colocar-lhe novos problemas que provoquem desequilíbrios, levando-o a novas construções cognitivas.

b) O aluno erra a solução do problema. Neste caso, caberá ao professor verificar:

- O aluno é capaz de resolver o problema, apenas escolheu mal o procedimento? (Isso significa que o aluno possui as estruturas necessárias à solução do problema).

- O aluno sequer compreende o sentido do que lhe está sendo apresentado? (Isso significa que o aluno não consegue assimilar o problema porque seu sistema cognitivo não está suficientemente desenvolvido para que ele o perceba como perturbador de seu equilíbrio intelectual).

- O aluno é desequilibrado pelo problema mas, não apresenta as estruturas de pensamento necessárias para solucioná-lo? (Isso significa que o aluno tem dificuldades tanto para compreender o problema como para selecionar a estratégia de ação, isto é, existem lacunas nas suas estruturas cognitivas que dificultam a assimilação dos dados que ele tem à sua disposição).

Somente neste último caso podemos falar em "erros construtivos". Nessas ocasiões o aluno procederá por ensaio e erro, fazendo correções de suas estratégias em função dos êxitos e fracassos na ação que ele realizou. Conseqüentemente, ele modifica neste processo, não só a sua ação mas também a forma de conceber o problema.

Nos outros dois casos, o que ocorre é bem diverso: ou o aluno já sabe, ou sequer entende a tarefa que lhe está sendo proposta. No primeiro caso caberá ao professor propor novas tarefas e, no segundo, trabalhar na construção de esquemas anteriores, pré-requisitos necessários à compreensão do problema. O professor não pode esperar resposta de um aluno que sequer entendeu a pergunta.

Na presente ótica, a tarefa do professor é tornar o erro gradativamente observável ao aluno, para que ele se torne construtivo e assim, tornar a avaliação mais produtiva.

Decorrente desta posição teórica, o erro deve ser visto pelo professor como o resultado de uma postura de experimentação onde o aluno levanta suas hipóteses, planeja suas estratégias de avaliação e as põe à prova. Com essa nova postura diante do erro, talvez o professor tenha condições de avaliar mais adequadamente o rendimento de seus alunos.

III - Conclusão

Diante do que acabei de expor, creio que resta-me ainda discutir dois aspectos:

1. Até que ponto essas idéias todas interferiram no meu trabalho em sala de aula?

2. Como tais "mudanças'' se refletiram nos resultados apresentados pelos alunos?

O primeiro aspecto que merece destaque foi o da ampliação das oportunidades e atividades avaliadas: atuação em grupo, elaboração de planos de atuação, trabalho prático realizado nas escolas, elaboração de relatórios, discussões em comum, emissão e justificação de opiniões, organização e apresentação escrita sobre questões teóricas relevantes, etc.

Minhas avaliações não se restringem mais a respostas específicas fornecidas a questões também específicas, respostas fechadas para perguntas tambem fechadas ou limitadas (avaliações a curto prazo). Encaro minhas avaliações mais no sentido de desenvolvimento (avaliações a longo prazo); só assim aspectos como mudanças de atitude, honestidade intelectual, cooperação, etc., podem ser consideradas e devidamente avaliadas.

E quanto aos alunos?

Depois que se conhece alguns aspectos da teoria piagetiana, particularmente os três indicados no início deste trabalho, não se consegue mais olhar para o aluno com os mesmos olhos, nem avaliá-lo da mesma maneira. O aluno agora é outro: é um ser cognoscente que interagindo com os objetos, tenta assimilá-los às suas estruturas cognitivas, deforma-os segundo as suas limitações ou possibilidades, modifica-se diante da força do objeto, faz perguntas, coloca-se hipóteses provisórias para tentar verificá-las, acerta ou erra em suas previsões.

Não tenho nenhum dado quantitativo que comprove a superioridade dessa nova prática de avaliação; contudo, intuitivamente percebo que o trabalho desenvolvido sob esta ótica tem mais a ver com a realidade dos alunos, é mais significativo, contextualizado, prepara-os melhor para lidar com os problemas profissionais.

Como o desenvolvimento também é levado em conta e não apenas as aprendizagens específicas, julgo necessário tempo para poder avaliar os efeitos do ensino, das tentativas de desequilíbrio no desenvolvimento do aluno.

É equívoco do professor julgar que somente através de "perguntas bem difíceis", de "provas complexas", ele terá condições de realmente avaliar seus alunos. Minha experiência permite afirmar que é outro equívoco julgar que o aluno que consegue tirar "boas" notas na escola, com o tipo de questões como aqui apresentados, será mais tarde um profissional competente. Competente será aquele que encontrou em sua vida escolar oportunidades amplas para tentar construir, errar, tentar novamente, emitir opiniões, julgamentos, etc.

Se é na avaliação que transparecem os objetivos reais perseguidos pelo professor, se através dela podemos inclusive condicionar a maneira como o aluno estuda uma dada disciplina então, creio que poderemos também, através do oferecimento de situações múltiplas de avaliação, "condicioná-lo" a estudar pensando: em suas atividades profissionais futuras, nos problemas que deverá enfrentar e tentar solucionar em sua vida diária.

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  • 1
    É importante realçar esse aspecto, uma vez que havia um professor que não atribuía aos alunos notas menores que sete (7); mas, o aluno que recebia sete (7) com esse professor era o mesmo que recebia nota um (1) ou dois (2) em Estatística.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Abr 2012
    • Data do Fascículo
      Ago 1995
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