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Programa de Comunicação Alternativa readaptado para uma adolescente kaingang

Programa de Comunicación Alternativa readaptado para una adolescente kaingang

Resumos

Trata-se de um estudo de caso que teve por objetivo descrever a implementação do Sistema de Comunicação por Troca de Figuras (The Picture Exchange Communication System - PECS) em uma adolescente da população indígena Kaingang que apresentava deficiência intelectual e transtornos de linguagem. Para verificar os efeitos da variável independente foi realizado um delineamento experimental de sujeito único que envolveu duas fases: linha de base e intervenção. O sistema foi readaptado levando em consideração os valores sociais, culturais, morais e religiosos, bem como os hábitos e costumes da etnia. Os resultados evidenciam que o uso do sistema de comunicação alternativa readaptado contribuiu para melhorar a comunicação não verbal e aumentar o vocabulário, antes muito restrito e ininteligível da adolescente indígena.

índios; comunicação não verbal; distúrbios da linguagem


Se trata de un estudio de caso que tuvo como objetivo describir la implementación del Sistema de Comunicación por Intercambio de Imágenes (Picture Exchange Communication System - PECS) en una adolescente perteneciente a la población indígena Kaingang que presentaba discapacidad intelectual y trastornos de lenguaje. Para verificar los efectos de la variable independiente, fue empleado el diseño experimental de un sólo sujeto, conforme dos condiciones: línea de base e intervención. El instrumento fue reajustado teniendo en cuenta los aspectos sociales, culturales, morales y religiosos, así como los hábitos y costumbres de la etnia. Los resultados de este estudio evidencian que el uso del sistema de comunicación alternativo readaptado, contribuyó para mejorar la comunicación no-verbal y aumentar el vocabulario, anteriormente muy estrecho e ininteligible de la adolescente indígena.

indios; comunicación no verbal; trastornos del lenguaje


The present study aimed to determine whether the use of the Picture Exchange Communication System - PECS favored the communication of an adolescent from the Kaingang indigenous population with intellectual disabilities and language disorders. To verify the effects of the independent variable a single subject design study was performed which involved two phases: baseline and intervention. The system was readapted considering the social, cultural, moral and religious values as well as the habits and customs of that ethnic group. The results showed that the use of the readapted alternative communication system helped to improve the non-verbal communication of the indigenous adolescent and increased her vocabulary, previously considered very restricted and unintelligible.

indigenous people; non-verbal communication; language disorders


ARTIGO

Programa de Comunicação Alternativa readaptado para uma adolescente kaingang

Programa de Comunicación Alternativa readaptado para una adolescente kaingang

Lúcia Gouvêa Buratto; Maria Amelia de Almeida; Maria da Piedade Resende da Costa

Universidade Federal de São Carlos, São Carlos-SP, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Lúcia Gouvêa Buratto Rua Diva Proença, 1.380 CEP 86.870.000. Ivaiporã-PR, Brasil E-mail: wlua@ibest.com.br

RESUMO

Trata-se de um estudo de caso que teve por objetivo descrever a implementação do Sistema de Comunicação por Troca de Figuras (The Picture Exchange Communication System - PECS) em uma adolescente da população indígena Kaingang que apresentava deficiência intelectual e transtornos de linguagem. Para verificar os efeitos da variável independente foi realizado um delineamento experimental de sujeito único que envolveu duas fases: linha de base e intervenção. O sistema foi readaptado levando em consideração os valores sociais, culturais, morais e religiosos, bem como os hábitos e costumes da etnia. Os resultados evidenciam que o uso do sistema de comunicação alternativa readaptado contribuiu para melhorar a comunicação não verbal e aumentar o vocabulário, antes muito restrito e ininteligível da adolescente indígena.

Palavras-chave: índios, comunicação não verbal, distúrbios da linguagem

RESUMEN

Se trata de un estudio de caso que tuvo como objetivo describir la implementación del Sistema de Comunicación por Intercambio de Imágenes (Picture Exchange Communication System - PECS) en una adolescente perteneciente a la población indígena Kaingang que presentaba discapacidad intelectual y trastornos de lenguaje. Para verificar los efectos de la variable independiente, fue empleado el diseño experimental de un sólo sujeto, conforme dos condiciones: línea de base e intervención. El instrumento fue reajustado teniendo en cuenta los aspectos sociales, culturales, morales y religiosos, así como los hábitos y costumbres de la etnia. Los resultados de este estudio evidencian que el uso del sistema de comunicación alternativo readaptado, contribuyó para mejorar la comunicación no-verbal y aumentar el vocabulario, anteriormente muy estrecho e ininteligible de la adolescente indígena.

Palabras clave: indios, comunicación no verbal, trastornos del lenguaje

É notória a importância da comunicação desde os primeiros anos de vida, pois sua ausência pode prejudicar o desenvolvimento cognitivo, o convívio familiar e a inclusão do indivíduo na escola, na comunidade e na sociedade. Crianças que não desenvolveram habilidades comunicativas, além de apresentarem maiores dificuldades de aprendizagem, reduzem suas chances de expressarem seus sentimentos e preocupações.

A comunicação por meio da linguagem, além de ser uma atividade complexa e atributo peculiar do ser humano apresenta-se associada ao desenvolvimento cognitivo; porém, algumas deficiências podem comprometer, de forma drástica, a capacidade de compreensão e expressão oral e escrita (as linguagens receptiva e expressiva). Para Cambruzzi e Costa (2007), as deficiências de comunicação receptiva e expressiva podem interferir, sobremaneira, na atuação de um aluno.

Muitas pessoas com dificuldade de comunicação, não só têm seu desenvolvimento prejudicado, como também apresentam comportamentos agressivos e inadequados, que são atribuídos à dificuldade de comunicar-se e interagir com o outro no meio em que vivem. As crianças com distúrbios de comunicação que apresentam problemas referentes à fala ou à linguagem terão dificuldades em alcançar o mesmo desenvolvimento que os colegas da mesma faixa etária (Coll, Marchesi, & Palacios, 2004).

Fatores ambientais podem reduzir ou potencializar as possibilidades de comunicação por meio da fala. Quando apresentam alguma deficiência, as crianças muitas vezes são mantidas isoladas, impedidas de conviver ou ter contato com outras de sua idade, prejudicando ainda mais o desenvolvimento da fala, pois é no convívio com o grupo que elas são encorajadas e estimuladas a desenvolverem sua comunicação.

Diante do exposto: como fica a situação de desenvolvimento da linguagem de um aluno indígena com desempenho intelectual abaixo da média e com fala ininteligível nas duas línguas faladas por sua comunidade? Quando a criança apresenta distúrbio na linguagem, podem-se observar dificuldades em usar o vocabulário, formular frases mais elaboradas, descrever ações, bem como memorizar e recordar palavras. O distúrbio na linguagem receptiva e expressiva pode ocorrer simultaneamente e, como consequência, a criança pode apresentar dificuldades na compreensão e na expressão da linguagem.

Em todos os casos em que o aluno apresenta dificuldades na compreensão e na expressão da linguagem, provavelmente há problemas na aprendizagem, o que pode levá-lo a enfrentar dificuldades na socialização, assim como prejuízos em seu comportamento global. Nesse sentido, segundo Deliberato & Alves (2007), cabe à comunicação alternativa dar a voz às pessoas que apresentam distúrbios na linguagem oral de forma que possam expressar sua vontade, pensamentos e sentimentos.

Focalizando, particularmente, as crianças não verbais com deficiência intelectual, verifica-se a necessidade de intervenção específica e de estimulação para iniciar ou desenvolver sua comunicação, pois segundo Silva (2006), apresentam dificuldades em relação à aquisição de regras, normas, condutas, autocontrole, dentre as habilidades a serem apreendidas por meio da interação social.

Essas dificuldades podem ser minoradas quando a criança com problemas de comunicação e desempenho intelectual abaixo da média recebe atendimento adequado para superar os obstáculos inerentes à sua condição. Acredita-se que as limitações maiores da deficiência intelectual não estão relacionadas com a deficiência em si, mas com a credibilidade e as oportunidades oferecidas às pessoas com deficiência intelectual (Tessaro, 2005).

O indivíduo que além de apresentar funcionamento intelectual abaixo da média e severas dificuldades de comunicação, convive em um contexto bilíngue por pertencer a um grupo etnicamente diferente, pode ter potencializada sua dificuldade de comunicação, sobretudo pelo fato de ainda não ter adquirido certo domínio de sua língua materna (Cambruzzi & Costa, 2007).

Por exemplo, na Terra Indígena Ivaí, onde foi realizado o presente estudo, até atingirem a idade escolar, as crianças falam exclusivamente sua língua materna, o Kaingang, que é mantida na comunidade. Porém, ao entrarem na escola, deparam-se com professores monolíngues, que não falam a sua língua indígena e, muitas vezes, são despreparados para lidar com as diferenças culturais da etnia (Buratto, 2010).

Em razão da dificuldade natural da aquisição de uma segunda língua, esses indígenas apresentam dificuldades no processo de aprendizagem, uma vez que o aprendizado se dá em um universo linguístico diferente do seu, de cujos conceitos detêm domínio restrito.

Conforme Buratto (2010) além das diferenças sociais, culturais e linguísticas, a situação é mais difícil quando se depara na educação da população indígena com pessoas em situação de deficiência, tema muito pouco discutido no Brasil. O atendimento educacional especializado é primordial para que sejam atendidas as especificidades das pessoas em situação de deficiências, que, para se desenvolverem, dependem das experiências, possibilidades e oportunidades educacionais que lhes são disponibilizadas.

A Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, prevê, no artigo 17, a obrigatoriedade da inclusão das pessoas com deficiência nos censos nacionais. No censo demográfico realizado no ano de 2000 foi feito o levantamento sobre indígenas com deficiências, os dados mostram que o número de deficientes entre esta população é de 17,1%, cifra maior do que na população em geral (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2005). Esses índices são mais preocupantes no Sul e no Sudeste do Brasil onde a taxa aumenta para 19,5% e 21,7%, respectivamente. Tais números devem ser considerados na elaboração de políticas públicas, pois os indígenas estão mais marginalizados. As populações indígenas têm como principal característica a invisibilidade, resultado de séculos de políticas equivocadas às quais foram submetidas, o que segundo Lima e Almeida (2010), culminou em um processo de dominação que levou a uma assimilação cultural forçada e ainda a desapropriação de suas terras com violência.

Além da exclusão, a falta de perspectivas, a desinformação e as mudanças ocorridas e influenciadas pelo contato com a sociedade não indígena podem ter colaborado na promoção da situação de discriminação e vulnerabilidade à qual estão expostas. O fato de pertencerem a uma minoria étnica, somado a outras dificuldades comuns à população brasileira, que se caracteriza pelo baixo desempenho escolar, agrava-se, quando enfocado do ponto de vista do atendimento educacional especializado. Os indígenas com deficiências, principalmente as crianças e os adolescentes, são duplamente discriminados: por um lado pertencem a um grupo etnicamente minoritário, por outro, apresentam deficiência, o que os coloca em um segundo grupo de desvantagem. A dupla marginalização os destitui de direitos fundamentais que garantiriam seu pleno desenvolvimento.

O documento Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da educação inclusiva, do Ministério da Educação (2008, p. 16), garante que: "a interface da educação especial na educação indígena, do campo e quilombola deve assegurar que os recursos, serviços e atendimento educacional especializado estejam presentes nos projetos pedagógicos construídos com base nas diferenças socioculturais desses grupos".

Os indígenas, como cidadãos brasileiros, estão amparados também pela legislação geral como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (Lei No. 8.069, 1990). Contudo, esses direitos são negligenciados e o ECA é mais uma lei entre muitas, que precisa de ações e articulações para se efetivar na prática. A garantia desses direitos passa pela formação continuada de educadores e profissionais capazes de disponibilizar informações e conhecimentos para que a sociedade possa agir, mobilizar-se, reivindicar e lutar para garantir sua aplicação.

O fato de as crianças com dificuldades na comunicação oral não serem compreendidas por não conseguirem se expressar compromete seriamente suas relações com as outras pessoas, excluindo-as do convívio com a sociedade em geral. Se tivessem a oportunidade de estabelecer relações interativas sendo, portanto, compreendidas por outros interlocutores, seu repertório linguístico seria ampliado e muitos problemas de comportamento presentes poderiam ser minimizados (Walter, 2006).

A Comunicação Alternativa e Ampliada (CAA) tem ganhando cada vez mais importância como aliada para minorar dificuldades severas de comunicação. Para Castrogiovanni (2008), o sistema de Comunicação Alternativa e Ampliada é formado por vários componentes que inclui símbolos, as ajudas, estratégias e técnicas usadas por pessoas com sérios problemas de fala e linguagem com o objetivo de aumentar o potencial comunicativo.

Atualmente, há uma série de recursos que podem facilitar a comunicação das pessoas. Podemos destacar alguns considerados de baixa tecnologia, como os símbolos gráficos, os objetos reais, as miniaturas, as fotografias, as pranchas de comunicação (com símbolos, letras, palavras, frases), as Eye-gaze, que são pranchas que devem ser colocadas na vertical na qual a pessoa aponta a resposta com os olhos; além do avental, confeccionado em tecido com velcro, no qual as palavras ou símbolos são fixados pelo interlocutor. Existem ainda os recursos de alta tecnologia como os computadores e os comunicadores com voz gravada e sintetizada.

O Sistema PECS (The Picture Exchange Communication System) consiste na troca de figuras e foi desenvolvido por Andrew Bondy e Lory Frost, no ano de 1994, em Delaware, nos Estados Unidos. De acordo com Walter (2006), ele "permitiu que muitos jovens autistas adquirissem a habilidade de comunicação dentro do contexto social" (p. 15).

O sistema, na forma original, compreende sete fases: fase 1 - instrução com auxílio máximo, fase 2 - aumento da espontaneidade, fase 3 - discriminação de figuras, fase 4 - estruturação de sentenças, fase 5 - resposta à pergunta "O que você quer?", fase 6 - respostas e comentários espontâneos, fase 7 - aumento do vocabulário. No Brasil, em 1998, Walter (1998) adaptou o sistema e sintetizou as fases 4, 5, e 6 condensando-as na fase 4. Desse modo a versão brasileira ficou reduzida a cinco fases. A autora não só utilizou e adaptou o sistema PECS ao Currículo Funcional Natural, cujo objetivo é ensinar conhecimentos e habilidades que possam ser usadas pelo aluno, em diferentes ambientes (LeBlanc, 1991), como também reduziu o número de fases e acrescentou algumas alterações no arranjo ambiental, como o uso de pochete com o álbum de comunicação. Esse procedimento foi aplicado pela autora em três jovens com autismo e obteve resultados positivos como a aquisição de algumas palavras ou gestos e também a espontaneidade para solicitar o item desejado nas diferentes situações da vida prática.

Piza (2002) utilizou o método alternativo PECS adaptado por Walter (1998) para aumentar habilidades comunicativas em pessoas com paralisia cerebral, não verbal e concluiu que esse sistema pode ser usado para melhorar a comunicação de indivíduos com paralisia cerebral em diversas situações. As crianças com paralisia cerebral expostas a tal recurso como facilitador de seu processo de comunicação começaram a emitir sons, chamando a atenção para si, iniciaram interações comunicativas, passaram a solicitar os itens desejados, bem como a manter diálogos simples e a transmitir mensagens.

Charlop-Christy, Carpenter, Le, LeBlanc e Kellet (2002), na Califórnia, Estados Unidos, aplicaram o PECS em três garotos, com diagnóstico de autismo. O estudo demonstrou a eficácia do programa com os três indivíduos e resultou na redução de seus problemas comportamentais.

Com base no trabalho e no sucesso alcançado por Charlop-Christy et al. (2002), Piza (2002) e Walter (1998, 2000), optou-se, no presente estudo, por readaptar e reaplicar o sistema, com o objetivo de verificar se ele poderia promover mudanças no que se refere à eficácia na comunicação e independência, bem como na redução da agressividade apresentada, no contexto familiar, escolar e comunitário de uma adolescente indígena não verbal da etnia Kaingang, com diagnóstico de deficiência intelectual.

O presente estudo foi proposto após a verificação da dificuldade de comunicação da adolescente Kaingang em expressar o que desejava e não ser entendida no ambiente familiar e escolar e também após observar que a professora manifestava o desejo de encontrar uma forma alternativa de se comunicar e interagir com a participante.

O presente estudo de caso teve por objetivo descrever a implementação do Sistema de Comunicação por Troca de Figuras (The Picture Exchange Communication System - PECS) em uma adolescente da população indígena Kaingang que apresentava deficiência intelectual e transtornos de linguagem.

Método

Participantes e Local

Uma adolescente indígena com 13 anos de idade à época do estudo. A jovem não conseguia se comunicar em nenhuma das línguas (português e kaingang) faladas pela comunidade. Quando tentava se comunicar e não era entendida, ficava muito agitada e agressiva com os familiares, colegas e professores. Esteve matriculada na 1ª série da escola indígena por seis anos, sem apresentar nenhum avanço no aprendizado e na comunicação. É a quarta filha de um casal, tendo três irmãos mais velhos e dois mais novos Todos os irmãos estudam e falam com fluência as línguas kaingang e português.

Além disso, participou do estudo uma professora especialista em educação especial que tinha vínculo municipal e atuava na escola indígena há mais de seis anos. Primeiramente, lecionou para educação infantil indígena, depois para 1ª série e à época em que o estudo foi realizado, lecionava para a 2ª série. Demonstrou muito interesse em desenvolver a comunicação da aluna e, sob a orientação da pesquisadora, aplicou as fases 1, 2 e 3 do sistema readaptado conforme será descrito adiante. A docente que realizou a intervenção das fases 4 e 5 do Programa atuou como professora de 1ª a 4ª série na rede municipal de ensino, tem vínculo estatutário e experiência educacional na Terra Indígena Ivaí. A pesquisa foi realizada na Terra Indígena Ivaí, distante cinco quilômetros da sede de um município localizado na região central do Estado do Paraná, nela vivem aproximadamente 1.200 indígenas. A pesquisa foi, primeiramente, programada para ser realizada em três ambientes da escola (sala de aula, refeitório e pátio), mas, como a aluna se recusava a permanecer em sala de aula, o estudo restringiu-se aos ambientes do refeitório e do pátio, locais preferidos por ela.

O refeitório onde as crianças recebem a merenda é um anexo da cozinha, medindo 9 metros e 30 centímetros de comprimento por 5 metros e 20 centímetros de largura, há mesa, cadeiras, uma televisão e um videocassete. O ambiente é pequeno para acomodar todos os estudantes de cada turno. O espaço do refeitório é também utilizado para atividades de projeção de vídeos e programas de TV.

O pátio principal tem uma área gramada de 51 metros e 60 centímetros de comprimento por 11 metros e 10 centímetros de largura e localiza-se entre os dois pavilhões, onde estão as salas de aula frequentadas pelos alunos desde a educação infantil ao ensino médio, distribuídos nos turnos matutino, vespertino e noturno.

Instrumento

Sistema PECS (The Picture Exchange Communication System) adaptado por Walter (1998). Originalmente o instrumento contém painel e prancha em madeira e um álbum de fotos com "velcro". Ao observar que o material não seria adequado para o contexto da pesquisa,em razão de sua fragilidade, optou-se pela confecção de uma versão mais resistente e com possibilidade de ser higienizada. Desta forma, o material foi readaptado para ser aplicado à adolescente indígena, contava com painel e prancha metalizada, sendo todas as figuras confeccionadas no tamanho 5 x 5 cm, coloridas e plastificadas. As ilustrações foram selecionadas com o apoio da família e receberam uma base imantada, para serem colocadas em uma carteira utilizada para cartão de crédito, organizadas em sete categorias.

Foi realizada a seleção de 35 itens, sendo cinco para cada uma das sete categorias, que foram organizadas em cores diferentes e atrativas com o objetivo de favorecer a memorização e facilitar a visualização na hora de encontrar a figura pretendida.

Na readaptação do PECS, foram consideradas a cultura e a língua da etnia Kaingang, com elementos próprios da etnia, e também da língua portuguesa, por isso as figuras eram bilíngues, ou seja, com as palavras em português e kaingang. Além deste instrumento, foram utilizadas câmera filmadora e fotográfica.

Procedimento

Coleta de dados. Os dados foram coletados e documentados em uma folha de registro conforme modelo de Walter (2000), especialmente adaptada para este estudo. Na folha de registro consta: nome da aluna, número da folha, data, número de tentativas para solicitar algo, figura solicitada e forma utilizada para se comunicar (tábua ou a carteira com as figuras). A pontuação referente ao apoio recebido para solicitar algo foi de 0 a 3 pontos: (a) não usa a Comunicação Alternativa e Ampliada (CAA), pontuação = 0; (b) auxílio físico - levar a adolescente ao painel e apontar a figura, pontuação = 1; (c) auxílio verbal - solicitar que a adolescente vá ao painel e procure a figura desejada, pontuação = 2; (d) independência - a aluna pega a figura sem que lhe seja solicitado e utiliza a CAA de forma espontânea, pontuação = 3.

Uma avaliação formativa era realizada continuamente durante todas as seções de registro para verificar a aplicabilidade do instrumento e a necessidade de possíveis mudanças na readaptação do programa de intervenção, bem como o interesse e a independência da adolescente em se comunicar por meio do PECS readaptado. Também foi registrado, em folha à parte, o número de figuras e emissões comunicativas utilizadas pela menina.

Tendo em vista a concordância dos pais em relação à participação da menina na pesquisa, ratificada pelo interesse da professora, essa passou por uma capacitação por meio de aulas teóricas e práticas. A docente recebeu os materiais e as folhas de registros nas quais foram anotados os dados de desempenho da menina durante as sessões de intervenção.

O estudo pauta-se em delineamento do tipo AB com sujeito único que envolve duas fases, linha de base e intervenção (Almeida, 2003).

Na etapa referente à linha de base foi colocada à frente da participante uma figura de algo muito desejado por ela, em seguida, a pesquisadora apresentou o objeto do desejo e esperou pelo pedido da adolescente, observando como ela se relacionava com a figura. Nesse momento não foi oferecido nenhum tipo de ajuda seja física ou verbal e nenhum reforço social. Todo o procedimento na linha de base foi filmado em fita VHS.

Uma vez estabilizada a linha de base, deu-se início à intervenção. As sessões de registro eram realizadas duas vezes por semana, ocorriam principalmente durante o período do lanche e tinham duração aproximada de 20 minutos. Optou-se por fazer o registro de forma manuscrita, pois foi notado que a filmadora incomodava a aluna. O critério para passar para a fase seguinte foi o mesmo utilizado no PECS original e adaptado, que é o desempenho de independência acima de 80% em duas sessões consecutivas.

Na fase 1, tal qual determina o Sistema PECS, foi utilizada apenas uma figura de cada vez, não necessariamente a mesma. O objetivo era que a participante percebesse que a figura podia ser trocada por algo de seu interesse. Foi explicado à participante como ela poderia se comunicar por meio da troca de figuras e como poderia ser beneficiada usando a comunicação alternativa. Nessa fase foi necessária a presença de duas pessoas. Uma delas posicionou-se atrás e a outra diante da adolescente que ficou sentada em frente à mesa onde estava colocada a figura correspondente ao item preferido que também estava na mesa, porém fora de seu alcance. Quando a participante tentava alcançar o objeto desejado, a pessoa que estava atrás ajudava-a pegar a figura e a entregá-la na mão de quem estava sentado à sua frente com a mão aberta. Como na adaptação feita por Walter (1998), o estímulo verbal - dado por frases como "Que bom!", "Estou te entendendo!" e por perguntas como "O que você deseja?", "Posso ajudar você?" - foi usado nessa primeira fase de estudo.

A fase 2 teve como objetivo aumentar a espontaneidade. Dessa forma, foi introduzida a prancha metalizada para que a participante dela pudesse retirar a figura, escolher o interlocutor e efetuar a troca da ilustração pelo item desejado. As instigações verbais usadas na fase 1 continuaram a ser usadas. A adolescente foi instruída a pegar a figura do item desejado da base imantada e a entregá-la à professora ou à pesquisadora ou a outras pessoas para obter o que estava solicitando. Foi incentivado que a participante repetisse o nome do item desejado nas duas línguas faladas pela comunidade: o português e o kaingang.

Na fase 3, além da prancha metalizada, a participante recebeu a carteira com figuras imantadas na qual gradativamente estas foram sendo acrescentadas. A jovem passou a discriminar e a escolher, entre várias figuras relevantes e irrelevantes, a que representava o item desejado, além de realizar a troca e depois devolver a figura na prancha ou na carteira. Quando conseguiu discriminar mais de oito figuras foi reduzido o tamanho das imagens. O descontentamento da participante com a redução das figuras levou a professora e a pesquisadora a optarem pela manutenção de seu tamanho inicial.

Na fase 4, a participante passou a estruturar frases usando uma prancha metalizada pequena na qual estava fixada a figura-frase "eu quero" em frente da qual foi colocada a figura do item desejado, que devia ser entregue ao interlocutor. A adolescente estruturava a frase após a instigação "o que você quer?". Depois de efetuar a troca, a participante deveria guardar as figuras na carteira encerrando o diálogo. No segundo momento, para que a jovem pudesse expressar seus sentimentos, foi introduzida a figura-frase "eu estou". O reforço verbal continuou sendo usado como nas fases anteriores.

Já na fase 5, a participante passou a se comunicar utilizando as figuras em várias situações da vida diária, formando frases com elas, além de conceitos que foram sendo acrescentados gradativamente. Foi mantido o reforço verbal, assim como a emissão de sons referentes às figuras escolhidas, conforme iniciado na fase 2.

No que tange à capacitação das docentes, O PECS readaptado foi aplicado primeiramente por uma professora que atuava na escola da Terra Indígena em que a participante estava matriculada e que concordou em participar do estudo e também com os termos propostos. A docente recebeu capacitação por meio de um minicurso com duração de duas horas, além de tomar contato com todos os materiais e instrumentos que se fizeram necessários para a aplicação do PECS readaptado. Também foram apresentados por meio de slides os resultados de pesquisas que comprovam a eficácia do sistema desenvolvido por pesquisadores brasileiros e estrangeiros.

A intervenção precisou ser interrompida na fase 3 uma vez que a professora responsável pela aplicação passou a lecionar em apenas um período na escola indígena. Foi realizada a capacitação da fonoaudióloga da escola especial para continuar o trabalho com a participante, mas dias após o reinício das intervenções, a aluna mudou-se com sua família para outra Terra Indígena.

Com o retorno da família, outra professora recebeu capacitação para dar prosseguimento à intervenção a partir da fase 4. A segunda, da mesma forma que a primeira, participou de um minicurso com a mesma duração, ministrado pela pesquisadora, no qual foram entregues uma apostila sobre Comunicação Alternativa e Ampliada e também todo o material usado até a fase 3, bem como aqueles a serem utilizados nas fases 4 e 5. Durante todo o período da intervenção houve por parte da pesquisadora supervisão e assessoramento aos trabalhos das professoras que atuaram no processo de intervenção.

Análise dos dados. Os dados foram analisados mediante os resultados obtidos em cada fase e registrados pela professora e pela pesquisadora. Foi calculado o total de pontos obtidos e registrados em cada sessão, os quais foram transformados em gráficos para verificar o desempenho da aluna indígena em cada sessão de intervenção. A análise qualitativa se deu mediante a observação da professora e da pesquisadora que registraram as mudanças ocorridas no comportamento, na comunicação e na independência da adolescente, no ambiente familiar e escolar.

Durante a realização da pesquisa, realizou-se a avaliação interobservadores em 25% das sessões de cada uma das fases do estudo, a fim de mensurar o índice de concordância entre observadores. A adolescente participou de 38 sessões no total sendo que na linha de base avaliaram-se duas das três realizadas. O número de sessões avaliadas durante a intervenção foi o seguinte: fase 1 - 2/4, fase 2 - 2/5, fase 3 - 4/11, fase IV - 4/10, e fase V - 2/5. Os registros de cada uma foram feitos pela professora e pela pesquisadora, sendo analisados verificando-se a pontuação da sessão observada em cada uma das tentativas. O cálculo de fidedignidade foi feito dividindo o número de concordâncias pelo número de concordâncias somado ao número de discordâncias, multiplicando-se o resultado por 100, de acordo com a fórmula de Hersen e Barlow (1977). A porcentagem média do índice de fidedignidade dos registros foi de 97%, tendo variação de 93% a 100%, como mostra a Tabela 1.

Considerações Éticas

O projeto foi submetido ao Comitê de Ética de Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Federal de São Carlos (CAAE 1287.0.000.135-06). Após aprovação e, como a participante era proveniente de um grupo indígena, considerado vulnerável, o projeto foi enviado ao Comitê Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), em que foi registrado e aprovado (Protocolo nº 13502). A participação da adolescente foi autorizada por seus pais via assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Resultados

O desempenho da participante foi analisado em cada sessão de cada fase de intervenção em termos de porcentagem, frequência das respostas em relação ao nível de apoio recebido e variação do número de tentativas obtidas nas sessões de registro.

Linha de Base

Durante as sessões de linha de base, de acordo com a Figura 1, o desempenho da participante foi nulo (0% de acerto). Os registros de observação obtidos em filmagens mostraram que nas três sessões de linha de base a aluna não obteve êxito, ou seja, em todas as tentativas não conseguiu pedir algo de seu interesse.


Na primeira sessão de linha de base, em todas as tentativas, a aluna olhava para o item de seu interesse e também para a figura, sem tocar nem emitir gestos e sons. Na segunda, mostrou-se irritada, não tocou o objeto nem a figura, gritou e saiu correndo. Na terceira olhava para o alimento e a figura e saía do local. Depois de várias tentativas, aproximou-se, pegou o alimento e ingeriu sem se interessar pela ilustração. Tendo em vista a estabilidade da linha de base, iniciou-se a fase de intervenção.

Intervenção

A Figura 1 mostra a evolução do desempenho da participante durante a aplicação do Programa PECS readaptado para a cultura indígena durante cada fase de estudo, ou seja, durante a linha de base e intervenção.

Fase 1

Ao iniciar a primeira fase da intervenção a participante foi orientada sobre como deveria proceder para efetuar a troca, ou seja, pegar a ficha e entregá-la à professora que estava com a mão estendida. Os resultados ilustrados na Figura 1 e 2 mostram que o período de intervenção foi iniciado na 4ª sessão, e que a fase 1 encerrou-se na 7ª sessão.


Conforme indica a Figura 2, na quarta sessão foram realizadas 10 tentativas. A participante não obteve êxito em três e foi auxiliada fisicamente pela professora em duas ocasiões, mostrando-se irritada com o contato físico, e recebeu auxílio verbal em cinco tentativas.

Na 5ª sessão, mostrou ter compreendido melhor como fazer solicitações. Em 12 tentativas não necessitou de auxílio físico, precisou de auxílio verbal (Figura 2) em sete tentativas e conseguiu realizar cinco trocas com independência. Na 6ª sessão melhorou ainda mais seu desempenho, atingindo 90%, necessitando auxílio verbal em apenas quatro tentativas e conseguiu solicitar o item desejado com independência em dez das quatorze tentativas. Na 7ª e última sessão da fase 1, manteve praticamente o mesmo índice, demonstrando independência em 11 das 15 tentativas, necessitando de auxílio verbal em quatro ocasiões no início da sessão.

Fase 2

Com a obtenção da estabilidade de mais de 80% em duas sessões consecutivas, iniciou-se na 8ª sessão a fase 2 do PECS readaptado, que consistiu no aumento da espontaneidade e na busca pela professora, pesquisadora ou outras pessoas para solicitar o item desejado. Diante da nova situação, ou seja, retirar a figura imantada da prancha metalizada, buscar a professora ou pesquisadora para efetuar a troca da figura por um item desejado, o desempenho da menina decaiu e o valor obtido foi 69%, necessitando de auxílio físico nas duas primeiras tentativas e auxílio verbal em sete tentativas. A participante demonstrou independência em somente três de doze tentativas.

Apresentou ligeira melhora na 9ª sessão, atingindo 71%. Nas três sessões subsequentes, não necessitou mais de auxílio físico, somente de auxílio verbal e o índice de espontaneidade e independência foi aumentando gradativamente para 86% (10ª sessão), 95% (11ª sessão) e 97% (12ª sessão).

Fase 3

Com a melhora gradual e o desempenho acima de 80% atingido em três sessões consecutivas, iniciou-se na 13ª sessão a fase 3 do PECS readaptado, que consistiu em discriminar figuras desejadas dentre as não desejadas, irrelevantes e desconhecidas. A participante inicialmente devia escolher entre duas figuras, sendo uma muito desejada e outra irrelevante. Além de escolher a ilustração do item desejado, devia também efetuar a troca e devolver a figura na prancha metalizada. Quando apresentava melhora no desempenho, acrescentavam-se, de forma gradativa, outras figuras.

Assim, na 13ª sessão, a participante não obteve êxito em dez das dezoito tentativas. Nas quatro primeiras tentativas saiu da sala, precisou de auxílio físico em duas auxílio verbal em quatro e efetuou duas trocas, totalizando 30% de êxito. Nas três sessões subsequentes, o desempenho foi de 35%, 52% e 62%, respectivamente.

A participante alcançou 81% na 17ª sessão, necessitando somente de auxílio verbal em dez tentativas, e desempenhou-se de forma independente em oito. Na 18ª sessão conseguiu realizar seu pedido de forma espontânea e independente em onze das vinte tentativas, alcançando 85%.

Na fase denominada 3B, houve retrocesso no desempenho da participante para 48% e 64%, pois não gostou das figuras com tamanho reduzido, apresentadas na 19ª e na 20ª sessão; recusou-se a efetuar as trocas em cinco das quinze tentativas na 19ª sessão, necessitou de auxílio físico e verbal nas sessões 20 e 21 e mostrava descontentamento com as figuras menores.

Esta situação levou a pesquisadora e a professora a optarem pela continuação da intervenção com as figuras de tamanho 5 x 5 cm usadas desde o início. A participante voltou a efetuar as trocas com independência na maioria das tentativas, alcançando na 22ª e na 23ª sessão os índices de 88% e 92%, respectivamente. No final da terceira fase a família mudou-se para outra Terra Indígena. Esse fato fez com que as sessões fossem interrompidas por seis meses.

Fase 4

Com o retorno da família, foi necessário capacitar outra professora e providenciar todo o material novamente. Iniciou-se a Fase 4 na qual a participante deveria formar frases utilizando-se primeiramente da figura-frase "eu quero" e da figura do item desejado. O desempenho da aluna foi de 63% na 24ª sessão e 68% na 25ª sessão. Ela insistia em entregar a figura como fazia nas outras fases, necessitando de auxílio físico e principalmente de auxílio verbal para realizar a troca. Na 26ª sessão obteve 76%, não necessitando mais de auxílio físico e atingiu na 27ª sessão 85%. Na 28ª sessão realizou as trocas de forma independente em 17 das 18 tentativas.

O desempenho da participante caiu para 68% na 29ª sessão com a introdução da figura-frase "eu sinto", para que a participante pudesse expressar o que estava sentindo, necessitando de auxílio físico e verbal para expressar-se por meio das figuras. Na 30ª sessão seu desempenho foi de 77%, pois ainda precisou de auxílio físico e verbal para encontrar a figura-frase, porém mostrou independência em sete das dezoito tentativas realizadas. Alcançou 92% na 31ª sessão, necessitando auxílio verbal em somente quatro das dezessete tentativas realizadas. Nas duas sessões subsequentes o valor obtido foi de 98% nas sessões 32ª e 33ª respectivamente.

Fase 5

Nessa fase, a participante deveria usar uma grande variedade de figuras, com conceitos de tamanho, cor, sabor, forma, em diversas situações da vida diária. Na 34ª sessão necessitou de auxílio físico em duas tentativas e auxílio verbal em quatro, mostrando independência em treze das dezenove tentativas, alcançando o índice de 85%. O desempenho subiu para 93% na 35ª e atingiu 96% na 36ª sessão. A participante precisou apenas uma vez de auxílio verbal nas sessões seguintes (37ª e 38ª), totalizando 98% nessas duas sessões. Diante da estabilidade dos resultados encerrou-se a intervenção.

Discussão

Em cada momento histórico, os homens sobrevivem de um dado modo, têm hábitos, usos e costumes que são próprios à época, às condições materiais e à cultura às quais pertencem.

Conhecer essas ideias é, também, com-preender mais acerca da deficiência mental, o que propicia maior clareza sobre este conceito, o que, por sua vez, constitui o primeiro passo para a implementação de serviços de atendimento a esta clientela e de projetos de pesquisa na área (Dessen & Silva, 2000, p. 12).

Embora existam pouquíssimos estudos sobre os indígenas com deficiências não é difícil concluir que há uma situação de dupla discriminação: ser indígena e ter deficiências. Os resultados mostraram que o uso do PECS provocou mudanças significativas em relação à comunicação da adolescente indígena com seus interlocutores, que colaboraram com sua inclusão na comunidade. A função do interlocutor é assegurar que essas pessoas sejam incluídas de maneira que possam exercer seu papel de sujeito na sociedade (Deliberato & Alves, 2007). Outros estudos comprovam a eficácia do sistema quando aplicado em pessoas com diferentes deficiências e com dificuldades na linguagem expressiva. Segundo Paula e Enumo (2007), o fato de não conseguir ser entendido causa inúmeras experiências frustrantes às pessoas com déficits na linguagem expressiva.

Walter (2004), que avaliou os efeitos da adaptação do Sistema de Comunicação por Troca de figuras com quatro meninos com diagnóstico de autismo infantil, revela que: "o uso do PECS adaptado foi peculiar pelo fato de perceber que a troca de um papel, rapidamente se transformava em um item muito desejado" (p. 75).

Piza (2002), no Brasil, ao aplicar o PECS adaptado a três indivíduos com paralisia cerebral, e Charlop-Chrity et al. (2002), nos Estados Unidos, ao realizar o estudo com três autistas, comprovaram a eficácia do PECS como comunicação alternativa, utilizada por pessoas com paralisia cerebral e autistas, respectivamente.

Antes do início da aplicação do Programa, a participante apresentava grande dificuldade de comunicação, agravada pela agressividade quando não se fazia entender. A partir da replicação do PECS readaptado e bilíngue, constatou-se que ao usar este tipo de comunicação alternativa, a adolescente alcançou maior independência no ato de comunicar-se com seus interlocutores e ampliou seu vocabulário. De acordo com Deliberato, Paura e Pereira Neta (2007), a utilização de sistemas diferenciados de comunicação suplementar e alternativa nos contextos funcionais poderá atender com eficácia um variado número de pessoas com necessidades diversas.

Moreschi e Almeida (2009) utilizaram o sistema PECS com dez escolares com diagnóstico de deficiência intelectual e, ao término da pesquisa, concluíram que o uso da comunicação alternativa e ampliada resultou no desenvolvimento de habilidades comunicativas, tais como a troca de turnos e os atos comunicativos, que levaram a uma melhora significativa das interações dos participantes.

Danelon (2009) que analisou a influência do uso de recursos da Comunicação Alternativa e Ampliada (CAA) nas interações sociais entre pessoas com dificuldade de comunicação oral e seus parceiros comunicativos, observou ampliação nas vocalizações e o surgimento da autonomia em ambos os sujeitos, bem como acréscimo de ações relativas à responsividade nos interlocutores.

Antes da intervenção, a participante fixava o olhar nas pessoas, demoradamente, parecendo esperar que elas adivinhassem seus desejos. Em relação aos indivíduos com quem mantinha maior contato, não hesitava em agredi-los quando solicitava algo de seu interesse e não era atendida, muitas vezes pelo fato de não ser entendida. Após a intervenção reduziu consideravelmente sua agressividade.

Ao final da fase 3, quando o estudo teve de ser interrompido, em virtude da mudança da participante e de sua família para outra Terra Indígena, já se percebia a pronúncia de algumas palavras simples, bem como a tentativa de emitir frases, ainda que pouco inteligíveis, mas com intenção de se comunicar.

Ao término da intervenção, percebeu-se que o Programa PECS encorajou a participante a expressar seus desejos e necessidades, e as figuras passaram a servir de auxílio para fazer escolhas, além de apoiar e incentivar a emissão de palavras e gradativamente pequenas frases. Embora usando ao mesmo tempo as duas línguas, pronunciando na mesma frase palavras em Kaingang e Português, ela conseguiu manter pequenos diálogos.

Houve sensível decréscimo de sua agressividade e substituição de comportamentos impróprios, observados pela família, professores e pesquisadora. As mudanças podem ser atribuídas também ao aumento de possibilidades de comunicação, beneficiando a interação entre os familiares, colegas e comunidade. Deve-se assinalar que, até o final de 2007, a adolescente indígena encontrava-se sem nenhum diagnóstico, pois, de acordo com os profissionais consultados, não há no Brasil nenhuma avaliação validada para ser aplicada para essa etnia. Logo, tais especialistas se recusam a fazê-la. Porém, no final do semestre, durante a intervenção, conseguiu-se que a adolescente fosse encaminhada para ser avaliada por psicólogo, neurologista e fonoaudiólogo, sendo que, no início de 2008, foi analisada por diversos profissionais e por uma psicóloga, cujo diagnóstico registrou funcionamento intelectual geral abaixo da média, a pedido dos pais, a aluna foi encaminhada a uma escola especial.

Considerações Finais

Promover as condições reais para o efetivo atendimento aos indígenas com alguma deficiência é um grande desafio, sobretudo se esse tem sua comunicação restrita e é obrigado a conviver com duas línguas muito diferentes entre si, como é o caso da adolescente que participou desse estudo.

Como é sabido, no Brasil, habitam mais de duzentos povos etnicamente diferentes, falando mais de 180 línguas. A deficiência entre os indígenas é uma realidade revelada pelo Censo 2000 realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2005), que comprovou a existência de indígenas com deficiências em todas as regiões do Brasil. No entanto, as dificuldades são inúmeras, principalmente em razão da falta de políticas públicas para atender a esse contingente populacional.

A deficiência intelectual ocorre em todas as etnias, assim, há dificuldades para validar testes aplicáveis aos etnicamente diferentes. Porém, a burocracia exige que para receber atendimento especializado, é necessário ter um laudo atestando tal deficiência. Os resultados obtidos nesta pesquisa mostraram que o uso do Sistema PECS readaptado de comunicação alternativa de baixa tecnologia contribuiu para que a participante emitisse palavras e frases simples nas duas línguas usadas na comunidade, o que antes ocorria de forma muito restrita e era de difícil compreensão.

Além de ampliar a comunicação da adolescente indígena, este estudo proporcionou sua inclusão, tornando possível o seu convívio, de forma mais harmônica, no ambiente educacional e social da comunidade. Os professores indígenas, embora sensibilizados com a questão, não detêm formação para oferecer atendimento educacional especializado para os que dele necessitam. Entretanto, reconhecem a importância da interação entre os diferentes, demonstram interesse em aprofundar os conhecimentos, mas encontram dificuldades, uma vez que são poucos os trabalhos encontrados na literatura, em especial com população indígena, ou são praticamente inexistentes. Além do mais, a implementação de políticas públicas para atender os grupos étnicos, são ainda incipientes. O momento histórico que vivemos exige que o trabalho de inclusão não seja uma opção, mas uma exigência, tornando imprescindível a articulação de ações interinstitucionais visando o atendimento aos alunos indígenas com necessidades educativas especiais.

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Recebido: 25/11/2010

1ª revisão: 03/05/2011

2ª revisão: 24/09/2011

Aceite final: 12/12/2011

Lúcia Gouvêa Buratto, Doutora em Educação Especial pela Universidade Federal de São Carlos

Maria Amelia Almeida, Professora Associada do Departamento de Psicologia do Centro de Educação e Ciências Humanas da Universidade Federal de São Carlos

Maria da Piedade Resende da Costa, Professora Orientadora do Programa de Pós-graduação em Educação Especial do Centro de Educação e Ciências Humanas da Universidade Federal de São Carlos

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Dez 2012
    • Data do Fascículo
      Ago 2012

    Histórico

    • Recebido
      25 Nov 2010
    • Aceito
      12 Dez 2011
    • Revisado
      24 Set 2011
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