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“Transformando Cruz em Encruzilhada”: Blocos Afro de Carnaval e a Produção de Espaços Negros em Belo Horizonte

Resumo

Neste ensaio teórico, propomo-nos a problematizar Belo Horizonte do ponto de vista racial quanto a processos de dominação e resistência mediante a discussão da produção de espaços negros por meio de blocos afro de Carnaval. Partimos da produção das cidades brasileiras atrelada à questão racial, evidenciando o quanto esse componente, na escravização dos negros e posteriores práticas de embranquecimento, torna as cidades, desde sua criação, espaços avessos à presença negra, para então tratar das especificidades de Belo Horizonte, a capital planejada de Minas Gerais, símbolo da modernidade e progresso que se buscava no Brasil República. Esse debate é importante pano de fundo para a discussão sobre a resistência negra na cidade, que produz espaços que primam pelo encontro, numa perspectiva de encruzilhada que pode contribuir para a virada espacial nos Estudos Organizacionais. As principais conclusões apontam para organizações de resistência negra, tais como o bloco afro Angola Janga e o Kandandu, como campo de possibilidades. Assim, reconhece-se que, do outro lado da segregação, estão as formas de (re)existir do povo negro, que luta para fazer parte dessa cidade, ao mesmo tempo que busca fortalecer sua identidade e cultura afrodiaspórica. Para além de evidenciar o seu caráter organizacional, essas manifestações recorrem a elementos estéticos e colocam os(as) negros(as) em um lugar de (re)existência que sinaliza o direito que eles (elas) também têm de ocupar a urbe para o lazer, e produzir e reforçar identidades negras.

Palavras-chave:
racialidade; planejamento urbano; Belo Horizonte; resistência negra; blocos afro

Abstract

In this theoretical essay, we set out to problematize Belo Horizonte from a racial point of view, in terms of processes of domination and resistance, by discussing the production of black spaces through Afro Carnival blocos. We begin with the production of Brazilian cities in relation to the issue of race, highlighting the extent to which this component of the enslavement of blacks and subsequent whitening practices makes cities spaces that are averse to the presence of blacks from the moment of their creation. We then turn to the specificities of Belo Horizonte, the planned capital of Minas Gerais, a symbol of the modernity and progress that was sought in the Brazilian Republic. This debate provides an important backdrop for the discussion of black resistance in the city, which produces spaces of encounter, from a crossroads perspective that can contribute to the spatial turn in Organizational Studies. The main conclusions point to black resistance organizations such as the Angola Janga Afro bloco and Kandandu as a field of possibilities. This recognizes that on the other side of segregation, there are forms of (re)existence of black people, who struggle to be part of this city, while at the same time seeking to strengthen their Afro-diasporic identity and culture. In addition to highlighting their organizational character, these manifestations use aesthetic elements and place black people in a place of (re)existence that signals their right to occupy the city for leisure as well as to produce and reinforce black identities.

Keywords:
raciality; urban planning; Belo Horizonte; black resistance; Afro blocos

Introdução

As cidades planejadas, que apresentam características específicas que as tornam relevantes para pensar como o planejamento urbano, notadamente marcado pela europeização e pelo higienismo, constituem um ideário libertário e desenvolvimentista que promove o apagamento das diferenças e a subalternização de classes populares, em especial a população negra. Apesar de se tratar de um script relativamente comum em todo o mundo, neste texto será tratado o caso específico de Belo Horizonte/MG. Defendemos que, apesar de ser fundada em um momento em que o republicanismo e a modernidade aparecem como valores centrais da constituição de cidades planejadas, Belo Horizonte se caracteriza pelo apagamento da população negra, destoante do ideário republicano e do desenvolvimento que se planejava alcançar na nova capital de Minas Gerais. Ainda que sua fundação tenha ocorrido após a abolição da escravização, perduram os elementos da colonização e escravismo (colonialidade) na separação entre os dignos e não dignos de habitar a capital mineira.

Desde sua criação, como nova capital de Minas Gerais para substituir Ouro Preto, símbolo da decadência do ciclo do ouro, da monarquia e escravização, Belo Horizonte foi pensada para abrigar os funcionários públicos vindos da antiga capital mineira. Há muitos documentos que permitem afirmar que a criação da nova cidade se tratou de uma decisão técnica, embora haja um mito de que havia um vazio naquela área, e que constituiu um atrativo para a escolha do lugar (Saraiva & Silva, 2021Saraiva, L. A. S., & Silva, E. J. F. (2021, October). Planejamento urbano e invisibilização racial em Belo Horizonte. Artigo apresentado no XLV Encontro Anual da Associação Nacional de PósGraduação e Pesquisa em Administração, Virtual.). O Curral Del Rey, logradouro anterior, na verdade, era habitado por uma população negra que foi apagada dos registros históricos (Pereira, 2019Pereira, J. A. (2019). Para além do horizonte do planejamento: racismo e produção do espaço urbano em Belo Horizonte (séculos XIX e XX) (Doctoral thesis). Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP.). O tratamento conferido aos trabalhadores que construíram a cidade, em parte negros e nordestinos - cuja presença não foi permitida dentro dos limites planejados, tendo eles se instalado fora da Avenida do Contorno, numa “não cidade” (Barros, 2000Barros, J. M. (2000). De fronteira a corredor: a Avenida do Contorno na cidade de Belo Horizonte. Estudios del Hábitat, 2(7), 35-46. Retrieved from http://sedici.unlp.edu.ar/bitstream/handle/10915/40085/Documento_completo.pdf?sequence=1&isAllowed=y
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, p. 43) - atesta um padrão de invisibilização desde os primeiros momentos da capital mineira.

Aos negros, “não sujeitos” da nova capital, apagados da história oficial, restou a resistência como cotidiano desde então, uma vez que tem ocorrido um verdadeiro epistemicídio nas urbes: são destruídos “saberes, práticas, modos de vida, visões de mundo das culturas que não se enquadram no padrão canônico” (Simas, 2021Simas, L. A. (2021). O corpo encantado das ruas (8th ed.). Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira., p. 48). As únicas experiências e histórias humanas dignas de serem contadas são aquelas produzidas pelo Ocidente. As manifestações culturais negras se encontram no campo da barbárie ou do folclore. Ainda assim, negando a lógica que impera numa cidade segregadora desde sua fundação, os sujeitos negros promovem ações de valorização dos corpos e saberes afro, de modo a ressignificar os espaços da cidade pautados em lógica de expiação e disciplina mediante o trabalho para os corpos transgressores (negros) e festeiros (Simas, 2021Simas, L. A. (2021). O corpo encantado das ruas (8th ed.). Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira.).

Em territórios negros (Rolnik, 1989Rolnik, R. (1989). Territórios negros nas cidades brasileiras: etnicidade e cidade em São Paulo e Rio de Janeiro. Revista de Estudos Afro-Asiáticos, 17, 1-17. Retrieved from https://raquelrolnik.files.wordpress.com/2013/04/territc3b3rios-negros.pdf
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) e espaços negros (Sansone, 1996Sansone, L. (1996). Nem somente preto ou negro: o sistema de classificação racial no Brasil que muda. Afro-Ásia, (18), 165-187. doi:10.9771/aa.v0i18.20904
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) emergem movimentos culturais, como é o caso dos blocos afro, das escolas de samba e dos terreiros, expressões contemporâneas da singularidade de um devir negro (Rolnik, 1989Rolnik, R. (1989). Territórios negros nas cidades brasileiras: etnicidade e cidade em São Paulo e Rio de Janeiro. Revista de Estudos Afro-Asiáticos, 17, 1-17. Retrieved from https://raquelrolnik.files.wordpress.com/2013/04/territc3b3rios-negros.pdf
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). As festividades constituem alguns dos principais instrumentos de resistência ao apagamento das diferenças, por exemplo, no caso das manifestações culturais afrodiaspóricas, entre as quais se destacam os blocos afro de Carnaval. O breve período da festa revela uma cidade sonho ou uma utopia, uma vez que as festividades carnavalescas constituem um espaço de significação de nova postura dos negros frente às suas origens e identidade cultural. Apesar de o Carnaval desses blocos se apoiar na tradição, ele não aponta para o passado, mas para o futuro das relações raciais brasileiras (Risério, 1995Risério, A. (1995). Carnaval: as cores da mudança. Afro-Ásia, (16), 90-106. doi:10.9771/aa.v0i16.20848
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).

Como contribuição para os Estudos Organizacionais e inspirados em Siqueira (1997)Siqueira, M. L. (1997). Ancestralidade e contemporaneidade de organizações de resistência afrobrasileira. In T. Fischer (Org.), Gestão contemporânea: cidades estratégicas e organizações locais (2nd ed.) (pp. 133-150). Rio de Janeiro, RJ: FGV., propomos o resgate do conceito de “organizações de resistência negra”, como campo de possibilidades e responsáveis pela produção de espaços negros (Sansone, 1996Sansone, L. (1996). Nem somente preto ou negro: o sistema de classificação racial no Brasil que muda. Afro-Ásia, (18), 165-187. doi:10.9771/aa.v0i18.20904
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), alinhados à atual discussão de cidades no campo dos Estudos Organizacionais (Mac-Allister, 2004Mac-Allister, M. (2004). A cidade no campo dos estudos organizacionais. Organizações & Sociedade, 11(special edition), 171-181. doi:10.1590/1984-9110012
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; Saraiva & Carrieri, 2012Saraiva, L. A. S., & Carrieri, A. P. (2012). Organização-cidade: proposta de avanço conceitual a partir da análise de um caso. Revista de Administração Pública, 46(2), 547-576. doi:10.1590/S0034-76122012000200010
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; Saraiva & Silva, 2021Saraiva, L. A. S., & Silva, E. J. F. (2021, October). Planejamento urbano e invisibilização racial em Belo Horizonte. Artigo apresentado no XLV Encontro Anual da Associação Nacional de PósGraduação e Pesquisa em Administração, Virtual.) e de estudos que tratam de organização espacial e questão racial (Nascimento et al., 2015Nascimento, M. C. R., Oliveira, J. S., Teixeira, J. C., & Carrieri, A. P. (2015). Com que cor eu vou pro shopping que você me convidou? Revista de Administração Contemporânea, 19(3), 245-268. doi:10.1590/1982-7849rac20151510
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; Nascimento et al., 2016Nascimento, M. C. R., Teixeira, J. C., Oliveira, J. S., & Saraiva, L. A. S. (2016). Práticas de segregação e resistência nas organizações: uma análise discursiva sobre os “rolezinhos” na cidade de Belo Horizonte (MG). Revista de Administração Mackenzie, 17(1), 55-81. doi:10.1590/167869712016/administracao.v17n1p55-81
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).

Diante do exposto, nosso objetivo neste ensaio foi problematizar Belo Horizonte do ponto de vista racial quanto aos processos de dominação e resistência, mediante a discussão da produção de espaços negros por meio de blocos afro de Carnaval, organizações de resistência negra. Além desta introdução, o texto compreende uma discussão sobre a produção do espaço urbano no Brasil República, evidenciando a centralidade da questão racial nesse processo, seguida de uma reflexão específica sobre o planejamento urbano de Belo Horizonte, para então destacar como se dá a produção de espaços negros na capital mineira, com foco nos blocos afro de Carnaval. Em seguida, tratamos das pesquisas que versam sobre cidades nos Estudos Organizacionais, indicando os avanços até agora trazidos e como as organizações de resistência negra operam na produção de espaços negros e ressignificam sociabilidades e possibilidades historicamente excludentes nas cidades brasileiras, especialmente em Belo Horizonte, o que pode promover avanços em uma virada espacial dos Estudos Organizacionais. Por fim, trazemos algumas questões para reflexão nas considerações finais.

Racialização da produção do espaço urbano no Brasil

O espaço social é produtor e produto de relações sociais, como as de raça. Em países como o Brasil, as relações raciais estão imbricadas na sociedade, tanto em sua manifestação social quanto na sua materialidade. O primeiro ponto que destacamos é a produção histórica de um espaço elitizado e segregado, fundado no racismo como elemento estruturante. Para analisar as formas pelas quais a dimensão racial se espacializa nos processos urbanos com a diferenciação socioespacial, é necessário entender como a dimensão racial se manifesta historicamente:

A escravidão atlântica teve na vida urbana e semiurbana seu lugar privilegiado de realização. Sociedades urbanas escravistas, como a do Brasil, foram forjadas a partir dos deslocamentos e trânsitos transatlânticos, calcados no refazimento de relações, arranjos sociais e espaciais, a partir de movimentos próprios, singulares, cujas vinculações identitárias e étnico-raciais nem sempre são óbvias ou estanques, mas que abarcam múltiplas dimensões do fazer cidade (Pereira, 2019Pereira, J. A. (2019). Para além do horizonte do planejamento: racismo e produção do espaço urbano em Belo Horizonte (séculos XIX e XX) (Doctoral thesis). Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP.).

Campos (2012)Campos, A. (2012). Do quilombo à favela: a produção do espaço criminalizado no Rio de Janeiro. (5a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Bertrand Brasil. desenvolve o argumento de que, durante o período colonial e imperial, os quilombos representavam uma ameaça à ordem social vigente como espaços de resistência (Boyer, 2015Boyer, V. (2015). Misnaming social conflict: ‘identity’, land and family histories in a quilombola community in the Brazilian Amazon. Journal of Latin American Studies, 46(3), 527-555. doi:10.1017/S0022216X14000728
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). Após a abolição, as favelas e os cortiços passaram a abrigar aqueles tidos como “classes perigosas”, em especial os ex-escravizados, uma vez que grande contingente deles ou se mantinha no campo em condições miseráveis, já que não podia ser possuidor de terras conforme a legislação então em voga, ou buscava nova vida nas cidades, em particular no Rio de Janeiro, que abrigou grande número de negros alforriados após a Guerra do Paraguai.

No pós-abolição, conforme destaca Borges (2019)Borges, J. (2019). Encarceramento em massa. São Paulo: Pólen., o posicionamento dos negros como classe trabalhadora foi problemático, porque antes eles eram tomados como mercadorias e não vendedores da própria força de trabalho. Considerá-los trabalhadores significaria torná-los sujeitos de direitos. Foram seres humanos que tiveram sua humanidade negada, naquilo que Campos (2012)Campos, A. (2012). Do quilombo à favela: a produção do espaço criminalizado no Rio de Janeiro. (5a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Bertrand Brasil. destaca: os negros estavam libertos, porém subalternos. Quando finda a prática escravocrata, a intenção era ter trabalhadores aos quais era justo pagar pelo serviço prestado - trabalhadores humanos - isto é, brancos.

No final do século XIX e começo do século XX, um projeto de nação foi posto em prática pelo Estado brasileiro, baseado na ideologia do branqueamento. A título de progresso, foi incentivada a vinda de milhares de europeus ao Brasil, para, além de servir de mão de obra na sociedade pósabolicionista, branquear física e culturalmente a população do país (Panta, 2020Panta, M. (2020). População negra e o direito à cidade: interfaces entre raça e espaço urbano no Brasil. Acervo, 33(1), 79-100. Retrieved from https://revista.an.gov.br/index.php/revistaacervo/article/view/1521/1435
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), garantindo a “regeneração” do povo brasileiro.

O negro, em boa parte responsável pela construção da riqueza do país, dela não tomou parte, tendo sido considerado elemento central de atraso da sociedade brasileira, muitas vezes removido à força de áreas centrais, ocupadas por cidadãos brancos, mais “adequados” à proposta de nação (Rolnik, 1989Rolnik, R. (1989). Territórios negros nas cidades brasileiras: etnicidade e cidade em São Paulo e Rio de Janeiro. Revista de Estudos Afro-Asiáticos, 17, 1-17. Retrieved from https://raquelrolnik.files.wordpress.com/2013/04/territc3b3rios-negros.pdf
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). A remoção dos negros para as margens traduziu a marginalização dessa parcela da população desde então, ao tomá-los como problema e como risco, conforme atestam os dados de violência e homicídio de negros. É um engano, todavia, considerar apenas o aspecto econômico como expressão da desigualdade socioespacial (Nogueira, 2018Nogueira, A. M. R. (2018). A construção conceitual e espacial dos territórios negros no Brasil. Revista de Geografia, 35(1), 204-218. doi:10.51359/2238-6211.2018.234423
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), uma vez que as desigualdades raciais são reforçadas em diversos mecanismos sociais. Por conta disso, é necessário o debate que enxerga a raça como variável dessa desigualdade, considerando, como Santos (1987Santos, M. (1987). O espaço do cidadão. São Paulo, SP: Nobel., p. 81) afirmou, que cada indivíduo “vale pelo lugar onde está: o seu valor como produtor, consumidor, cidadão, depende de sua localização no território”.

O que aconteceu em todas as cidades, símbolos da modernidade, foi uma adesão ao processo de urbanização, que não significou ruptura com o passado, uma vez que o mundo social continuou hierarquizado (Arrais, 2009Arrais, C. A. (2009). Belo Horizonte, a La Plata brasileira: entre a política e o urbanismo moderno. Revista UFG, 11(6), 63-76. Retrieved from: https://files.cercomp.ufg.br/weby/up/694/o/06_belohorizonte.pdf
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). O novo regime, que se propunha “libertário, branco, fraternal, igualitário e, portanto, civilizado como a Europa” (Costa & Arguelhes, 2008Costa, A. C. S., & Arguelhes, D. O. (2008). A higienização social através do planejamento urbano de Belo Horizonte nos primeiros anos do século XX. Universitas Humanas, 5(1), 109-137. doi:10.5102/univhum.v5i1.878
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, p. 111), só foi fraterno e igualitário para as classes dominantes da época. A população pobre “não combinava” com as novas urbanidades e isso justificou seu caráter elitista, segregacionista e utópico em todas as formas de exclusão das camadas populares do espaço urbano (Costa & Arguelhes, 2008Costa, A. C. S., & Arguelhes, D. O. (2008). A higienização social através do planejamento urbano de Belo Horizonte nos primeiros anos do século XX. Universitas Humanas, 5(1), 109-137. doi:10.5102/univhum.v5i1.878
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), dentre elas, os ex-escravizados.

Após mais de três séculos de escravização, a população negra foi relegada a um lugar marginal nas cidades, refletindo sua subalternidade social e econômica. A tese dos estudos de Florestan Fernandes, da década de 1950, de que raça seria uma categoria residual da escravização e que desapareceria à medida que o negro se inserisse na sociedade de classes provou-se equivocada, uma vez que avanços da sociedade capitalista e da industrialização tardia do Brasil não suprimiram a raça como critério de hierarquização social (Panta, 2020Panta, M. (2020). População negra e o direito à cidade: interfaces entre raça e espaço urbano no Brasil. Acervo, 33(1), 79-100. Retrieved from https://revista.an.gov.br/index.php/revistaacervo/article/view/1521/1435
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). Apesar de a categoria raça não possuir valor biológico, ela é construída socialmente, isto é, sua construção social condena as pessoas não brancas à margem da sociedade em termos físicos ou sociais.

A produção do espaço urbano no Brasil é racializada, o que é evidenciado tanto pelas políticas eugenistas dos séculos XIX e XX, como na segregação racial nas cidades, havendo lugares e não lugares definidos para os negros (Panta, 2020Panta, M. (2020). População negra e o direito à cidade: interfaces entre raça e espaço urbano no Brasil. Acervo, 33(1), 79-100. Retrieved from https://revista.an.gov.br/index.php/revistaacervo/article/view/1521/1435
https://revista.an.gov.br/index.php/revi...
). Cruz e Santana Filho (2020Cruz, C. D. S., & Santana-Filho, D. M. (2020). Racismo e direito à cidade: uma análise sobre a cidade de Salvador. Opará Etnicidades, Movimentos Sociais e Educação, 8(12), 1-15. Retrieved from https://revistas.uneb.br/index.php/opara/article/view/10749
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, p. 11) sustentam que os reflexos da organização urbana a partir de uma lógica racista são explícitos na “precarização de espaços e vias públicas, favelização, ocupações em encostas, assim como a ausência de infraestruturas e serviços básicos nos locais que o povo negro foi compelido”. Percebe-se um esforço para aniquilamento do corpo negro (Vellozo & Almeida, 2019Vellozo, J. C. O., & Almeida, S. L. (2019). O pacto de todos contra os escravos no Brasil Imperial. Revista Direito e Práxis, 10(3), 2137-2160. doi:10.1590/2179-8966/2019/40640
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), o que se reflete em problemas históricos no direito à cidade e na usurpação de toda sorte de direitos por meio do racismo que estrutura a sociedade e, consequentemente, a urbe.

A cidade planejada no imaginário republicano: a quem Belo Horizonte pertence?

Almeida (2020Almeida, S. L. (2020). Racismo estrutural. São Paulo: Jandaíra., p. 55) afirma que “os diferentes processos de formação nacional dos Estados contemporâneos não foram produzidos apenas pelo acaso, mas por projetos políticos”. A instauração do Brasil República permitiu que o país progredisse, afastando-se de estereótipos coloniais, processo no qual foi importante o surgimento de cidades à imagem e semelhança de urbes europeias, símbolos máximos de progresso, ainda que o avanço se desse de forma desigual, dependendo de quem se era. Os negros, por exemplo, se quando escravizados eram tomados apenas como unidades de trabalho, ao serem libertos, permaneceram atados às classificações raciais responsáveis por definir hierarquias sociais. Quanto aos brancos, mantiveram-se legítimos na condução do poder estatal e nas estratégias econômicas de desenvolvimento. Essa discrepância desnuda o racismo estrutural como processo histórico (Almeida, 2020Almeida, S. L. (2020). Racismo estrutural. São Paulo: Jandaíra.).

De acordo com Passos (2016)Passos, D. O. R. (2016). A formação do espaço urbano da cidade de Belo Horizonte: um estudo de caso à luz de comparações com as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. Mediações - Revista de Ciências Sociais, 21(2), 332-358. doi:10.5433/2176-6665.2016v21n2p332
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, o planejamento das cidades no Brasil republicano foi pautado em ideias sanitaristas que prezavam a liberdade e fluxos diversos em uma urbanidade altamente organizada, na qual ruas, avenidas e praças tivessem uma nova função, rompendo de forma radical com o modelo urbano existente até então. Priorizou-se a circulação urbana, com os bulevares largos e arborizados, rodeados de edificações higiênicas. As construções e reformas buscavam facilitar o trânsito de pessoas e o ordenamento por meio de espaços classificados de acordo com as funções e necessidades sociais, uma vez que “era necessário traçar com a régua e o compasso uma ordem social harmônica, unitária, onde não houvesse lugar para a chamada ‘desordem urbana’” (Passos, 2016Passos, D. O. R. (2016). A formação do espaço urbano da cidade de Belo Horizonte: um estudo de caso à luz de comparações com as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. Mediações - Revista de Ciências Sociais, 21(2), 332-358. doi:10.5433/2176-6665.2016v21n2p332
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, p. 338).

Construída pela intervenção estatal em um traçado modernizador, inspirado nas experiências urbanísticas europeias (em especial na reforma de Haussmann em Paris), Belo Horizonte pode ser pensada a partir da lógica republicana e da cidade moderna. Na primeira perspectiva, destaca-se o contexto nacional, que incluía a mudança da antiga capital. Já a modernidade diz respeito às influências europeias no que tange ao processo de urbanização das grandes cidades, no século XIX (Calvo, 2013Calvo, J. (2013). Belo Horizonte das primeiras décadas do século XX: entre a cidade da imaginação à cidade das múltiplas realidades. Cadernos de História, 14(21), 71-93. doi:10.5752/P.22378871.2013v14n21p71
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; Passos, 2016Passos, D. O. R. (2016). A formação do espaço urbano da cidade de Belo Horizonte: um estudo de caso à luz de comparações com as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. Mediações - Revista de Ciências Sociais, 21(2), 332-358. doi:10.5433/2176-6665.2016v21n2p332
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). A nova capital de Minas Gerais foi “construída para ser o símbolo de uma nova era, marcada pela onda de modernização que atingiu o país naquele período, a construção de Belo Horizonte e a transferência da capital está diretamente associada ao universo ideológico positivista e republicano” (Arrais, 2009Arrais, C. A. (2009). Belo Horizonte, a La Plata brasileira: entre a política e o urbanismo moderno. Revista UFG, 11(6), 63-76. Retrieved from: https://files.cercomp.ufg.br/weby/up/694/o/06_belohorizonte.pdf
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, p. 70).

A cidade foi planejada e projetada pelo engenheiro civil Aarão Reis junto da Comissão Construtora da Nova Capital (CCNC), idealizada para ser uma urbe racional e totalmente planejada, criada para levar Minas Gerais à ascensão política, econômica e social no novo cenário da República nascente. A lógica da ordem e do progresso predominava no final do século XIX e se traduzia em uma configuração urbana marcada por linhas e esquinas quadrangulares, distinguindo-se do passado barroco, colonial e escravocrata materializado nas ruas sinuosas e estreitas da antiga capital, Ouro Preto (Salgueiro, 2001Salgueiro, H. A. (2001). O pensamento francês na fundação de Belo Horizonte: das representações às práticas. In H. A. Salgueiro (Org.), Cidades capitais do século XIX: racionalidade, cosmopolitismo e transferência de modelos (pp. 135-181). São Paulo, SP: EDUSP.).

Belo Horizonte, portanto, foi projetada para ser um novo centro intelectual, foco irradiador de civilização, a primeira cidade planejada da recente República brasileira (Calvo, 2013Calvo, J. (2013). Belo Horizonte das primeiras décadas do século XX: entre a cidade da imaginação à cidade das múltiplas realidades. Cadernos de História, 14(21), 71-93. doi:10.5752/P.22378871.2013v14n21p71
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). Inaugurada oficialmente em 12 de dezembro de 1897, apesar de suas obras terem se estendido até meados da década de 1910, a capital mineira rompia com as tradições coloniais e abraçava um novo regime: “afinal, não só se edificava uma capital, como também se procurava construir uma República brasileira, ambas, expressões de um partilhamento de um código comum: um desejo de renovação da sociedade” (Senra, 2011Senra, M. (2011). A cidade moderna: história, memória e literatura - Paris, Belo-Horizonte. Revista Univap, 17(29), 62-79. doi:10.18066/revunivap.v17i29.13
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, p. 73).

De acordo com Arrais (2009Arrais, C. A. (2009). Belo Horizonte, a La Plata brasileira: entre a política e o urbanismo moderno. Revista UFG, 11(6), 63-76. Retrieved from: https://files.cercomp.ufg.br/weby/up/694/o/06_belohorizonte.pdf
https://files.cercomp.ufg.br/weby/up/694...
, p. 64),

[...] a cidade [de Belo Horizonte] sustenta ainda em seu plano o sonho de construção de uma cidade harmônica, cuja tradição remonta às utopias urbanas de Platão, Campanella, Morus etc., e consagra o ideal de controle da natureza e dos homens num só movimento.

Fruto da modernidade, a capital mineira reflete a atuação do poder governamental sobre o indivíduo, irradiando do centro, capaz de “criar seus cidadãos” (Arrais, 2009Arrais, C. A. (2009). Belo Horizonte, a La Plata brasileira: entre a política e o urbanismo moderno. Revista UFG, 11(6), 63-76. Retrieved from: https://files.cercomp.ufg.br/weby/up/694/o/06_belohorizonte.pdf
https://files.cercomp.ufg.br/weby/up/694...
, p. 74). A cidade foi planejada para os diversos escalões do funcionalismo público. A esses, foram cedidos gratuitamente lotes de terrenos e casas que se diferenciavam em tamanho e estilo de acordo com a sua posição na hierarquia burocrática. As maiores construções eram destinadas aos funcionários de mais alto escalão, e as menores aos que tinham funções menos qualificadas (Costa & Arguelhes, 2008Costa, A. C. S., & Arguelhes, D. O. (2008). A higienização social através do planejamento urbano de Belo Horizonte nos primeiros anos do século XX. Universitas Humanas, 5(1), 109-137. doi:10.5102/univhum.v5i1.878
https://doi.org/10.5102/univhum.v5i1.878...
; Passos, 2016Passos, D. O. R. (2016). A formação do espaço urbano da cidade de Belo Horizonte: um estudo de caso à luz de comparações com as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. Mediações - Revista de Ciências Sociais, 21(2), 332-358. doi:10.5433/2176-6665.2016v21n2p332
https://doi.org/10.5433/2176-6665.2016v2...
). A própria disposição das construções ao longo do espaço urbano de Belo Horizonte era uma alegoria da hierarquização social, com uma ordenação dos espaços de poder que promovia uma concreta representação dos lugares sociais. Até a nomenclatura de várias ruas e praças realça a ideia de ordem e hierarquização, como no caso das praças que receberam nomes que recorriam ao universo simbólico da República brasileira, como Praça da Liberdade, Justiça, Progresso, Federação, Tiradentes, Benjamim Constant, e assim por diante (Arrais, 2009Arrais, C. A. (2009). Belo Horizonte, a La Plata brasileira: entre a política e o urbanismo moderno. Revista UFG, 11(6), 63-76. Retrieved from: https://files.cercomp.ufg.br/weby/up/694/o/06_belohorizonte.pdf
https://files.cercomp.ufg.br/weby/up/694...
).

Belo Horizonte foi setorializada e organizada, a partir da Avenida do Contorno, em zonas urbana, suburbana e rural, definindo assim os espaços que cabiam a cada grupo social (Calvo, 2013Calvo, J. (2013). Belo Horizonte das primeiras décadas do século XX: entre a cidade da imaginação à cidade das múltiplas realidades. Cadernos de História, 14(21), 71-93. doi:10.5752/P.22378871.2013v14n21p71
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). A zona rural, um cinturão verde em que se localizavam os núcleos coloniais que abasteciam a capital com frutas, legumes, verduras e matéria-prima para a sua construção, funcionava como uma fronteira que separava a vida urbana da suburbana, onde as moradias eram sofríveis e os serviços, precários, mas fora dos limites da Avenida do Contorno. Já a zona urbana, circulada pela referida avenida, constituía o espaço moderno e ordenado reservado para as classes dominantes mineiras. Possuía avenidas largas, retas, geométricas, infraestrutura sanitária e técnica, área que deveria ser espelho das cidades mais modernas do mundo (Passos, 2009Passos, D. O. R. (2009). A formação urbana e social da cidade de Belo Horizonte: hierarquização e estratificação do espaço na nova Capital mineira. Temporalidades, 1(2), 37-52. Retrieved from https://periodicos.ufmg.br/index.php/temporalidades/article/view/5350
https://periodicos.ufmg.br/index.php/tem...
; Senra, 2011Senra, M. (2011). A cidade moderna: história, memória e literatura - Paris, Belo-Horizonte. Revista Univap, 17(29), 62-79. doi:10.18066/revunivap.v17i29.13
https://doi.org/10.18066/revunivap.v17i2...
; Lott, 2018Lott, W. P. (2018). A salvaguarda do patrimônio negro na cidade de Belo Horizonte. Projeto História: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados de História, 61, 49-83. doi:10.23925/2176-2767.2018v61p49-83
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). Em relação a essa setorização foi dito que:

[...] Uma [cidade], construída dentro de padrões urbanísticos provido de toda uma infraestrutura, tida como moderna para o começo do século XX, feita para os funcionários públicos vindos da antiga capital mineira Ouro Preto e das classes de maior poder aquisitivo com condições de pagar pela terra urbana os altos valores da especulação imobiliária; outra, formada para além dos limites da Avenida do Contorno, pela população mais pobre (trabalhadores da construção civil e seus familiares), além dos antigos moradores do Curral Del Rei e imigrantes de todas as partes do estado à procura de novas oportunidades. (Brandão, Luiz & Souza, 2018Brandão, E. D. A., Luiz, I. T., & Souza, A. C. S. (2018). A influência do modelo higienista francês no planejamento urbano de Belo Horizonte no final do século XIX e início do século XX. E-Xacta, 11(1), 1-18. doi:10.18674/exacta.v11i1.1947
https://doi.org/10.18674/exacta.v11i1.19...
, p. 15)

A Avenida do Contorno exerceu o papel de fronteira social entre a vida urbana e a vida suburbana, uma moldura que decorou o sentido segregador trazido pela nova capital de Minas Gerais (Barros, 2000Barros, J. M. (2000). De fronteira a corredor: a Avenida do Contorno na cidade de Belo Horizonte. Estudios del Hábitat, 2(7), 35-46. Retrieved from http://sedici.unlp.edu.ar/bitstream/handle/10915/40085/Documento_completo.pdf?sequence=1&isAllowed=y
http://sedici.unlp.edu.ar/bitstream/hand...
; Senra, 2011Senra, M. (2011). A cidade moderna: história, memória e literatura - Paris, Belo-Horizonte. Revista Univap, 17(29), 62-79. doi:10.18066/revunivap.v17i29.13
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). Havia uma estratificação da sociedade que admitia a diferenciação social, ao mesmo tempo em que se via a possibilidade de consciência harmoniosa entre os funcionários públicos de escalões mais altos e aqueles que exerciam funções mais simples, como trabalhadores manuais e mecânicos (Costa & Arguelhes, 2008Costa, A. C. S., & Arguelhes, D. O. (2008). A higienização social através do planejamento urbano de Belo Horizonte nos primeiros anos do século XX. Universitas Humanas, 5(1), 109-137. doi:10.5102/univhum.v5i1.878
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).

As mesmas concessões destinadas ao funcionalismo público não foram feitas para as pessoas pobres que chegaram a Belo Horizonte, principalmente para as que vieram para erguer a nova cidade, ou para aquelas que já viviam no antigo Curral Del Rey. De forma distinta de Ouro Preto, construída exclusivamente pelos negros escravizados, a nova capital mineira teve a influência da mão de obra de imigrantes pobres, em especial italianos, espanhóis e portugueses (Calvo, 2013Calvo, J. (2013). Belo Horizonte das primeiras décadas do século XX: entre a cidade da imaginação à cidade das múltiplas realidades. Cadernos de História, 14(21), 71-93. doi:10.5752/P.22378871.2013v14n21p71
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). Costa e Arguelhes (2008)Costa, A. C. S., & Arguelhes, D. O. (2008). A higienização social através do planejamento urbano de Belo Horizonte nos primeiros anos do século XX. Universitas Humanas, 5(1), 109-137. doi:10.5102/univhum.v5i1.878
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afirmam que o trabalho livre e assalariado foi dado aos imigrantes europeus e não à população que já habitava o país, ex-escravizados, o que se pautou por um discurso progressista de que os europeus “civilizados” trariam a sua cultura e ajudariam a desenvolver a nação, já que os negros estavam condenados à bestialidade da escravização.

Há de considerar ainda, segundo Pereira (2019)Pereira, J. A. (2019). Para além do horizonte do planejamento: racismo e produção do espaço urbano em Belo Horizonte (séculos XIX e XX) (Doctoral thesis). Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP., o apagamento da população negra nos registros históricos, tanto na desapropriação de 430 casas de proprietários majoritariamente negros do Curral del Rey, quanto da mão de obra negra na construção da cidade planejada. Desse modo, em um empreendimento que visava harmonizar condições higiênicas na construção de uma grande cidade, seu povo e costumes são tratados como obstáculos que deveriam ser removidos (Barros, 2000Barros, J. M. (2000). De fronteira a corredor: a Avenida do Contorno na cidade de Belo Horizonte. Estudios del Hábitat, 2(7), 35-46. Retrieved from http://sedici.unlp.edu.ar/bitstream/handle/10915/40085/Documento_completo.pdf?sequence=1&isAllowed=y
http://sedici.unlp.edu.ar/bitstream/hand...
).

Botelho (2007)Botelho, T. R. (2007). A migração para Belo Horizonte na primeira metade do século XX. Cadernos de História, 9(12), 11-33. Retrieved from http://periodicos.pucminas.br/index.php/cadernoshistoria/article/view/2906/3146
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nos informa que é consagrada na historiografia a tese de que Belo Horizonte surgiu da destruição do arraial de Curral del Rey, e que a população que lá se fixou era totalmente adventícia. O referido autor discorda dessa afirmação ao considerar que “embora a imigração estrangeira tenha sido fundamental nos anos iniciais da cidade, será a migração de mineiros e de outros brasileiros que sustentará o rápido crescimento da cidade [de Belo Horizonte]” (Botelho, 2007Botelho, T. R. (2007). A migração para Belo Horizonte na primeira metade do século XX. Cadernos de História, 9(12), 11-33. Retrieved from http://periodicos.pucminas.br/index.php/cadernoshistoria/article/view/2906/3146
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, p. 12). Desse modo, nos anos iniciais de sua construção, Belo Horizonte atuou como polo de atração de imigrantes europeus que chegavam a Minas Gerais, mas o volume de imigrantes europeus declinou nas décadas seguintes. Se compararmos a redução da vinda de imigrantes com o aumento significativo da população da cidade em suas primeiras décadas, “de 13 mil habitantes em 1900, a cidade passou para mais de 17 mil em 1905, cerca de 40 mil em 1912 (censo de 1940) e em 1950 com 352 mil (Botelho, 2007Botelho, T. R. (2007). A migração para Belo Horizonte na primeira metade do século XX. Cadernos de História, 9(12), 11-33. Retrieved from http://periodicos.pucminas.br/index.php/cadernoshistoria/article/view/2906/3146
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, p. 12), percebemos que outros povos atuaram decisivamente na constituição da capital mineira, o que nos leva à migração interna em Minas Gerais, ao fim da escravização e às migrações advindas do Nordeste. Portanto, uma cidade bem menos europeia e branca do que as narrativas da construção da cidade registra.

Pereira (s.d.Pereira, J. A. (s.d.). “Dos que chegam e dos que ficam”: migrantes negros em Belo Horizonte (1897c. - 1950c.). Retrieved from https://www.academia.edu/16300247/_Dos_que_chegam_e_dos_que_ficam_migrantes_negros_em_Belo_Horizonte_1897c_1950c_
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, p. 5) esclarece que os registros da Santa Casa de Misericórdia e a documentação policial do Fundo de Chefia da Polícia indicam “um esboço da composição racial da população belohorizontina do período: [...] uma presença constante, crescente e predominante de “mestiços” e “pretos””. Botelho (2007)Botelho, T. R. (2007). A migração para Belo Horizonte na primeira metade do século XX. Cadernos de História, 9(12), 11-33. Retrieved from http://periodicos.pucminas.br/index.php/cadernoshistoria/article/view/2906/3146
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reforça tal argumento com os dados sobre casamentos obtidos em registros paroquiais. Assim, a população de migrantes negros, outrora reduzida, passa a ser cada vez mais significativa com a industrialização de Belo Horizonte a partir dos anos 1920.

De acordo com pesquisa realizada por Pereira (2020Pereira, J. A. (2020). A eloquência dos silêncios: racismo e produção de esquecimento sobre a população negra em narrativas das cidades. Revista da ABNP, 12(34), 439-462. Retrieved from https://www.abpnrevista.org.br/index.php/site/article/view/1145
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, p. 452), a própria existência da população negra na constituição de Belo Horizonte e em seu desenvolvimento inicial pode ser lida como um “contra projeto à modernidade fundamentada em bases excludentes e informada pelo racismo estruturante da sociedade, desde as origens da capital”, em uma confluência de saberes ancestrais afrodiaspóricos. Desse modo, a cidade foi construída por mãos negras e, mesmo que a historiografia oficial tente apagá-las, Belo Horizonte é negra.

Apesar de suas especificidades, Belo Horizonte, tal como as cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, estava preocupada com o controle da massa social. A rua, mesmo prometendo lazer (os parques) e diferentes meios de se ganhar a vida, era também um local de insegurança, principalmente para as classes populares, uma vez que tinham de lidar com a arbitrariedade e a violência da polícia no espaço público (Passos, 2009Passos, D. O. R. (2009). A formação urbana e social da cidade de Belo Horizonte: hierarquização e estratificação do espaço na nova Capital mineira. Temporalidades, 1(2), 37-52. Retrieved from https://periodicos.ufmg.br/index.php/temporalidades/article/view/5350
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).

A nova capital copiou o estilo moderno do modo de vida cosmopolita, mas se manteve conservadora nos costumes ao perpetuar as barreiras entre classes dominantes e populares. Diante da valorização da mão de obra imigrante e do apagamento do protagonismo negro (Pereira, 2019Pereira, J. A. (2019). Para além do horizonte do planejamento: racismo e produção do espaço urbano em Belo Horizonte (séculos XIX e XX) (Doctoral thesis). Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP.), mesmo com o fim da escravização, muitos libertos se submeteram a uma situação análoga à escravização e, consequentemente, à subalternidade para conseguir sobreviver à nova ordem (Gomes, 2019Gomes, N. L. (2019). O movimento negro educador: saberes construídos nas lutas por emancipação. Petrópolis, RJ: Vozes.), processo que produziu dispersão, fragmentação, quebra de laços associativos, morte física e simbólica no contexto urbano (Simas & Rufino, 2018Simas, L. A., & Rufino, L. (2018). Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas. Rio de Janeiro, RJ: Mórula.).

Apesar de tamanha exclusão e do constante silenciamento, os corpos negros se destacam por serem suportes de memórias e sabedorias que, em diáspora, inventaram outros cotidianos, territórios e possibilidades de sobrevivência em forma de potência de vida. Aquele corpo que ora foi objetificado e desencantado pelo colonialismo é o mesmo que dribla e golpeia a lógica dominante por meio de suas sabedorias encarnadas nos esquemas corporais que recriam mundos (Simas & Rufino, 2018Simas, L. A., & Rufino, L. (2018). Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas. Rio de Janeiro, RJ: Mórula.). Tal transgressão pode ser vista em manifestações culturais, como nos blocos afro de Carnaval. No caso de Belo Horizonte, especificamente, tais blocos nos ajudam a entender como a resistência negra na cidade vem acontecendo.

Os blocos afro de Carnaval e a produção de espaços negros em Belo Horizonte

O planejamento de Belo Horizonte não coube à população negra (Saraiva & Silva, 2021Saraiva, L. A. S., & Silva, E. J. F. (2021, October). Planejamento urbano e invisibilização racial em Belo Horizonte. Artigo apresentado no XLV Encontro Anual da Associação Nacional de PósGraduação e Pesquisa em Administração, Virtual.), tendo sido observado “o velho embate colonial pelo controle dos corpos - fundamentado na ideia do corpo transgressor que só pode encontrar a redenção na expiação do pecado e corpo festeiro que deve ser disciplinado como ferramenta produtiva de trabalho” (Simas, 2021Simas, L. A. (2021). O corpo encantado das ruas (8th ed.). Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira., p. 99). Aos negros foi permitido o acesso à cidade apenas como mão de obra explorada. Finalizada sua jornada de trabalho, deviam dela prontamente se retirar. Esse acesso urbano parcial de corpos negros pode ser pensado a partir da classificação de áreas duras, moles e espaços negros, sejam eles implícitos ou explícitos:

As áreas “duras” das relações de cor são: 1) o trabalho e em particular a busca de trabalho; 2) o mercado matrimonial e da paquera; 3) os contatos com a polícia. [...] As áreas “moles” das relações sociais são todos aqueles espaços no qual ser negro não dificulta e pode às vezes até dar prestígio. Há o domínio do lazer em geral [...]. Estes espaços podem ser considerados espaços negros implícitos, lugares nos quais ser negro não é um obstáculo. Em seguida, vêm os espaços negros mais definidos e explícitos, os lugares nos quais ser negro é uma vantagem: o bloco-afro, a batucada, o terreiro de candomblé e a capoeira. (Sansone, 1996Sansone, L. (1996). Nem somente preto ou negro: o sistema de classificação racial no Brasil que muda. Afro-Ásia, (18), 165-187. doi:10.9771/aa.v0i18.20904
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, p. 183)

Para além dos espaços negros, destacamos também a existência de territórios negros. Os territórios negros tratados por Rolnik (1989)Rolnik, R. (1989). Territórios negros nas cidades brasileiras: etnicidade e cidade em São Paulo e Rio de Janeiro. Revista de Estudos Afro-Asiáticos, 17, 1-17. Retrieved from https://raquelrolnik.files.wordpress.com/2013/04/territc3b3rios-negros.pdf
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são espaços físicos das cidades que a população negra ocupou ou que foi permitido que ela ocupasse. Nesse contexto, ao longo da história, foram existindo comunidades afro-brasileiras fortemente estruturadas e circunscritas a territórios particulares. Os territórios são responsáveis por guardar história e tradições. No caso dos territórios negros, para além da história de exclusão, evidencia-se também a construção de singularidade e elaboração de um repertório comum. Apesar da diferenciação conceitual entre espaços negros e territórios negros, destacamos que a existência dos espaços negros é facilitada à medida que os territórios negros acabam por aglutinar a população negra, dando a ela condições de se organizar.

Aqui nos interessam os espaços negros explícitos indicados por Sansone (1996)Sansone, L. (1996). Nem somente preto ou negro: o sistema de classificação racial no Brasil que muda. Afro-Ásia, (18), 165-187. doi:10.9771/aa.v0i18.20904
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. Esses permitem possibilidades em uma cidade sonhada que supere a cidade planejada e excludente: “[...] se o colonialismo edificou a cruz como égide de seu projeto de dominação, aqui nós reinventamos o mundo transformando cruz em encruzilhada e praticando-a como campo de possibilidades” (Simas & Rufino, 2018Simas, L. A., & Rufino, L. (2018). Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas. Rio de Janeiro, RJ: Mórula., p. 20). Para esses autores, os entrecruzamentos emergem como princípios éticos e estéticos, poéticos e políticos de ressignificação da vida nos cotidianos forjados na fornalha do racismo/colonialismo, isto é, tomamos a produção dos espaços negros como esse campo de possibilidades capaz de ressignificar e resistir a uma lógica de funcionamento de uma cidade segregadora.

Morales (1991)Morales, A. (1991). Blocos negros em Salvador: reelaboração cultural e símbolos de baianidade. Caderno CRH, 4, 72-92. doi:10.9771/ccrh.v4i0.18844
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lembra que, desde o período da escravização, as pessoas negras usam suas manifestações culturais e étnicas na negociação por espaços sociais junto aos setores dominantes. Se, por um lado, a produção das cidades é marcada por segregação, as formas de (re)existência do povo negro ressoam no espaço-tempo até os dias de hoje em outras lutas por direitos, identidades e respeito à cultura, como no caso dos blocos afro de Carnaval, que ressignificam a marginalização de corpos negros apenas para o trabalho. Ipiranga e Lopes (2017Ipiranga, A. S. R., & Lopes, L. L. S. (2017). O organizar da estética espacial: uma história táctil da Praça dos Leões. Sociedade, Contabilidade e Gestão, 12(1), 130-153. doi:10.21446/scg_ufrj.v12i1.13402
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, p. 144) já haviam evocado o caráter organizacional e estético de espaços negros nas cidades ao versarem sobre a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de Fortaleza e como elas “reorganizavam os espaços da Igreja do Rosário como lugar central de encontros do grupo, com uma referência social, religiosa e cultural frente aqueles que procuravam controlar a Igreja, as autoridades eclesiásticas e estatais”.

Apesar de as práticas festivas dessa Irmandade se relacionarem à celebração religiosa, elas a transcendem ao criarem espaços de sociabilidade envolvendo pessoas de todas as classes e sendo também espaços de apropriação por aqueles que praticam a cultura negra na cidade de Fortaleza. Nesse contexto, os negros assumiam uma posição de relevância e, paralelamente, uma multiplicidade de operações era forjada, por exemplo, com a apropriação de novos espaços e aprendizagens, a construção de novas identidades, de diferentes sociabilidades na afirmação da cultura negra (Ipiranga & Lopes, 2017Ipiranga, A. S. R., & Lopes, L. L. S. (2017). O organizar da estética espacial: uma história táctil da Praça dos Leões. Sociedade, Contabilidade e Gestão, 12(1), 130-153. doi:10.21446/scg_ufrj.v12i1.13402
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). “Nesse sentido, as ‘Festas dos Pretos’ simbolizavam manifestações históricas atávicas e ancestrais da cultura africana, conformando práticas híbridas, festivas, religiosas que expressavam, através de elementos estéticos, transgressões e políticas de resistências” (Ipiranga & Lopes, 2017Ipiranga, A. S. R., & Lopes, L. L. S. (2017). O organizar da estética espacial: uma história táctil da Praça dos Leões. Sociedade, Contabilidade e Gestão, 12(1), 130-153. doi:10.21446/scg_ufrj.v12i1.13402
https://doi.org/10.21446/scg_ufrj.v12i1....
, p. 147). Notam-se algumas intersecções entre as “Festas dos Pretos” e os blocos afro, à medida que ambos, além de evidenciarem um caráter organizacional, recorrem a elementos estéticos e colocam os(as) negros(as) em um lugar de (re)existência.

A tipografia organizacional de caráter carnavalesco conhecida como bloco afro surgiu na década de 1970 na cidade de Salvador. A cultura popular de Salvador se observa nas ruas, avenidas e praças, não coincidentemente nos mesmos lugares onde os blocos afro também se fundaram e se fundam até os dias atuais (Dantas, 2016Dantas, M. (2016). Liderança em organizações étnico-culturais: o caso do carnaval da Bahia. In R. C. D. P. Alves, & C. O. C. Nascimento (Orgs.), Formação cultural - sentidos epistemológicos e políticos (pp. 237-259). Belo Horizonte, MG: Fino Traço.). Eles surgem como uma mescla entre várias outras organizações que estavam presentes não apenas no Carnaval baiano, mas também na vida social daquele lugar. Utilizando a percussão, mas agora influenciada pelos tambores usados no candomblé, toda a estética, ritmo e músicas desses blocos eram ligados às raízes culturais africanas, uma vez que o intuito era mostrar os costumes ancestrais da diáspora negra espalhada no mundo, especialmente pelo Atlântico (Vergara, 2017Vergara, K. R. G. (2017). Que bloco é esse? Posicionamento do bloco afro Ilê Aiyê no carnaval de Salvador e o movimento do samba reggae. Revista Brasileira do Caribe, 18(34), 91-106. doi:10.18764/rbc.v0i0.7504
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).

Os jovens negros que outrora não eram aceitos nos blocos tradicionais de Carnaval soteropolitanos encontram, nos blocos afro, uma alternativa de participação carnavalesca própria pautada em um discurso de valorização racial, bem como recorrendo a um referencial étnico que dava a esses blocos grande força simbólica responsável pelo seu grande poder de agregação (Morales, 1991Morales, A. (1991). Blocos negros em Salvador: reelaboração cultural e símbolos de baianidade. Caderno CRH, 4, 72-92. doi:10.9771/ccrh.v4i0.18844
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). Os blocos, portanto, podem ser caracterizados como grupos autodefinidos como entidades carnavalescas de preservação da cultura negra, que se apresentam como um modo de vida, ou seja, a negritude é vivenciada no dia a dia do bloco que existe o ano todo e não apenas durante o período de Carnaval (Silva, 2007Silva, A. C. C. (2007). Novas subjetividades e “onguização” nos movimentos negros de Ilhéus, Bahia. Ilha Revista de Antropologia, 9(1-2), 47-67. Retrieved from https://periodicos.ufsc.br/index.php/ilha/article/view/6287
https://periodicos.ufsc.br/index.php/ilh...
).

Os blocos afro são organizações politizadas posicionadas de forma socialmente crítica a partir de uma ideologia pautada na etnicidade (Dantas, 1996Dantas, M. (1996). Três organizações afro-baianas, três modelos, três estilos de liderança. In T. Fischer (Org.), O carnaval baiano: negócios e oportunidades (pp. 105-120). Brasília, DF: SEBRAE.) e na resistência negra (Siqueira, 1997Siqueira, M. L. (1997). Ancestralidade e contemporaneidade de organizações de resistência afrobrasileira. In T. Fischer (Org.), Gestão contemporânea: cidades estratégicas e organizações locais (2nd ed.) (pp. 133-150). Rio de Janeiro, RJ: FGV.). O bloco Ilê Aiyê, primeiro a se autodeclarar bloco afro, é muito representativo, uma vez que nasceu em um momento histórico brasileiro (no ano de 1974) em que o sonho de ascensão social esbarrou nos impedimentos concretos da realidade de um modelo econômico concentrador de renda, desenhado por uma ditadura militar (Dantas, 2016Dantas, M. (2016). Liderança em organizações étnico-culturais: o caso do carnaval da Bahia. In R. C. D. P. Alves, & C. O. C. Nascimento (Orgs.), Formação cultural - sentidos epistemológicos e políticos (pp. 237-259). Belo Horizonte, MG: Fino Traço.). “O aparecimento do Ilê coincide, muito justamente, com o momento de afirmação do processo de industrialização, da instalação do Polo Petroquímico, que provoca transformações socioeconômicas muito fortes na cidade de Salvador” (Dantas, 2016Dantas, M. (2016). Liderança em organizações étnico-culturais: o caso do carnaval da Bahia. In R. C. D. P. Alves, & C. O. C. Nascimento (Orgs.), Formação cultural - sentidos epistemológicos e políticos (pp. 237-259). Belo Horizonte, MG: Fino Traço., p. 254). Além disso, os antecedentes seculares do racismo não haviam se dispersado na modernidade econômica do discurso hegemônico das elites: apesar dos avanços econômicos, o Brasil continuava excludente em relação às pessoas negras.

Apesar das singularidades dos negros baianos para os negros mineiros, o que chama atenção é o fato de que, a despeito da origem étnica, desde o período da escravização, as pessoas negras se manifestam culturalmente na negociação por espaços sociais. Atualmente, na cidade de Belo Horizonte, existem dezenas de blocos afro que foram criados majoritariamente a partir dos anos 2000. Apesar de a maior parte deles ter pouco tempo de criação, um, em especial, tem mais de quarenta anos de idade. Ele foi fundado em 1980, após provocação do cantor Gilberto Gil, que perguntou à criadora do bloco o motivo pelo qual Belo Horizonte ainda não tinha um Afoxé e, assim, inspirado no Afoxé baiano Filhos de Gandhi, nasceu o bloco afro pioneiro da capital mineira, o Afoxé Ilê Odara.

Uma característica marcante de um bloco afro é a sua ligação com territórios periféricos: o Ilê Aiyê, por exemplo, foi criado do bairro do Curuzu, em Salvador; já o Olodum, no MacielPelourinho. Tal dinâmica também se repete em Belo Horizonte, exceto por um único bloco, o Angola Janga, que, subvertendo o que é esperado de pessoas periféricas, decidiu ocupar o hipercentro da cidade com o discurso de que o território negro é também o próprio corpo negro. Fundado em 20 de novembro de 2015, o Angola Janga é um bloco afro que fez o seu primeiro cortejo no ano de 2016. Foi criado quando o casal fundador percebeu a ausência de pessoas negras nos blocos do Carnaval de rua de Belo Horizonte. Tendo como referência os blocos afro pioneiros da Bahia, o casal teve o anseio de criar um bloco para que as pessoas negras também pudessem brincar o Carnaval em Belo Horizonte.

Depois de fundado, o bloco iniciou os seus ensaios debaixo do Viaduto Santa Tereza, no centro da cidade. A escolha por ensaiar nesse local foi proposital, pois se trata de um lugar de grande importância cultural nas manifestações negras e periféricas belo-horizontinas por conta de movimentos culturais que lá acontecem e que concretizam o direito à cidade. Esse lugar também se localiza perto de uma estação de metrô, o meio de transporte mais barato na cidade e que dá acesso a muitas periferias. Por fim, a escolha do local também se justificou pelo fato de os fundadores do Angola Janga acreditarem que o território negro pode ser estabelecido em cada lugar em que um corpo negro estiver. Rolnik (1989)Rolnik, R. (1989). Territórios negros nas cidades brasileiras: etnicidade e cidade em São Paulo e Rio de Janeiro. Revista de Estudos Afro-Asiáticos, 17, 1-17. Retrieved from https://raquelrolnik.files.wordpress.com/2013/04/territc3b3rios-negros.pdf
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afirma, por exemplo, que, na condição de escravizado, o espaço do negro era a senzala. E foi nesse lugar que a ancestralidade africana gerou um senso de comunidade entre pessoas que não possuíam nenhum outro tipo de laço a não ser por seus corpos.

[...] Era através dele [o corpo] que, na senzala, o escravizado afirmava e celebrava sua ligação comunitária; foi através dele, também que a memória coletiva pode ser transmitida. Foi assim que o pátio da senzala, símbolo de segregação e controle, transformou-se em terreiro, lugar de celebração das formas de ligação da comunidade. (Rolnik, 1989Rolnik, R. (1989). Territórios negros nas cidades brasileiras: etnicidade e cidade em São Paulo e Rio de Janeiro. Revista de Estudos Afro-Asiáticos, 17, 1-17. Retrieved from https://raquelrolnik.files.wordpress.com/2013/04/territc3b3rios-negros.pdf
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, p. 77)

São esses mesmos corpos que conseguiram, na década de 1970, africanizar o Carnaval da Bahia com o bloco afro pioneiro Ilê Aiyê. Hoje, blocos afro como o Angola Janga continuam a exibir a negritude orgulhosamente e colocam o corpo negro, o mesmo corpo subalternizado e estigmatizado, na rua como protagonista do seu próprio destino. Quando Simas e Rufino (2018Simas, L. A., & Rufino, L. (2018). Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas. Rio de Janeiro, RJ: Mórula., p. 50) propõem que pensemos os corpos negros como terreiros, é preciso considerar que esse corpo é assentamento de saberes que, ao “[...] serem devidamente acionados, reinventam as possibilidades de ser/estar/praticar/ encantar o mundo enquanto terreiro”. À medida que o corpo terreiro pratica os seus saberes no cotidiano, ele reinventa a vida e o mundo.

Apesar de o Angola Janga não ser o primeiro bloco afro de Belo Horizonte, ele se destaca por ser o único que sai no centro da cidade. A concentração do bloco acontece na Avenida Amazonas, no encontro com a Rua São Paulo. O fato de o bloco se manter na região central só foi garantido depois de muito embate com o poder público responsável por gerir o Carnaval da capital mineira. O Carnaval da cidade de Belo Horizonte, apesar de acontecer espalhado pelas nove regionais da cidade, fica concentrado na região centro-sul, onde a maioria dos cortejos e blocos não é afro. Diferentemente de outros blocos afro belo-horizontinos, o Anglo Janga, ao ocupar e (re)existir nas ruas do centro da cidade, que só são receptivas aos corpos negros se for para o trabalho, acaba por reforçar a máxima de que o território negro é também o próprio corpo negro, o que dá condições para a negociação de novos espaços sociais para a comunidade negra.

Outro momento de ocupação do centro da cidade pelos blocos afro belo-horizontinos acontece durante o Kandandu, festividade pautada na valorização da cultura negra, que é responsável por abrir o Carnaval oficial da cidade. Esse evento é fruto de uma conquista da Associação de Blocos Afro de Minas Gerais (Abafro), quando ainda era presidida pela mesma presidente do bloco afro Angola Janga e passou a integrar o calendário de festividades de Carnaval da cidade, a partir da Abafro em articulação com a Prefeitura - depois de muita insistência da Associação - e a sociedade civil. O Kandandu é o encontro de blocos afro de Belo Horizonte, que acontece nas duas primeiras noites do Carnaval oficial da cidade (Prefeitura de Belo Horizonte [PBH], 2019Prefeitura de Belo Horizonte (2019, May 24). Kandandu, encontro de blocos afro, marca a abertura do feriado de Carnaval. Retrieved from https://prefeitura.pbh.gov.br/noticias/kandanduencontro-de-blocos-afro-marca-abertura-do-feriado-de-carnaval
https://prefeitura.pbh.gov.br/noticias/k...
). É o momento em que os vários blocos afro se reúnem para a abertura da folia. Realizado desde 2017, o evento foi reconhecido, em 2018, pelo Ministério dos Direitos Humanos como uma das maiores e principais ações de promoção da igualdade racial do país (PBH, 2018Prefeitura de Belo Horizonte (2018, November 14). “Kandandu” recebe homenagem por promoção da igualdade racial. Retrieved from https://prefeitura.pbh.gov.br/noticias/kandandurecebe-homenagem-por-promocao-da-igualdade-racial
https://prefeitura.pbh.gov.br/noticias/k...
). Esse evento acontece no palco principal do Carnaval, na Praça da Estação.

A Praça da Estação fica localizada no centro de Belo Horizonte, ao lado de uma estação de metrô e próxima a muitas linhas de ônibus, o que a faz um dos pontos de acesso mais facilitado da cidade, principalmente para aqueles que vêm das periferias. Entretanto, para além da facilidade de acesso, o Kandandu acontecer na Praça da Estação é muito representativo, pelo fato de ser o palco principal do Carnaval de Belo Horizonte. Estar no palco principal do Carnaval é colocar os blocos afro e, consequentemente, as pessoas negras em um lugar que lhes é negado o ano inteiro, de pertencimento e de protagonismo na cidade. Quando um bloco afro tem o seu cortejo no centro de Belo Horizonte ou quando a Abafro consegue criar o Kandandu, a população negra passa a ser convidada, por outros negros, a usufruir da cidade para além das relações urbanas tradicionalmente observadas. É importante, assim, do ponto de vista simbólico, ter um bloco afro ocupando a urbe, uma vez que ele reclassifica o corpo negro que frequenta aquele espaço durante o ano - como trabalhador, que vai ali para trabalhar, protestar e/ou fazer greve, que apanha e morre de madrugada, que faz roda de capoeira, que ocupa postos de trabalho informais ou que está em situação de vulnerabilidade social - produzindo outras sociabilidades.

O fato de Belo Horizonte ter sido planejada dentro da Avenida do Contorno acaba por facilitar o tipo de Carnaval que existe nessa cidade, uma vez que tudo dentro dos contornos dessa avenida está “perto”, o que, para o Carnaval local, é interessante, uma vez que o folião consegue se deslocar com mais facilidade, sem grandes distâncias. No que diz respeito à caraterização do Carnaval belo-horizontino destaca-se o fato de a festa ser totalmente gratuita, isto é, na capital mineira, não há necessidade de comprar abadás ou efetuar qualquer pagamento para participar. Os blocos que desfilam no Carnaval não são blocos de trio (como em Salvador), mas blocos com trio. Isso significa que alguns blocos podem usar trios elétricos nos cortejos, mas não hierarquizam a ocupação do espaço público mediante o uso de cordas ou camarotes para separar foliões pagantes dos não pagantes. Tal dinâmica permite que os foliões experimentem os cortejos de forma livre (podendo transitar entre vários blocos) e gratuita.

Em Belo Horizonte, não existe a obrigatoriedade de que os blocos de rua sejam registrados juntos aos órgãos competentes da Prefeitura. Porém, os que optam por não fazê-lo não podem contar com a infraestrutura disponibilizada pela Belotur1 1 A Prefeitura de Belo Horizonte se relaciona com os produtores culturais que atuam no carnaval da cidade por meio da Belotur, a Empresa Municipal de Turismo de Belo Horizonte, responsável por gerir as festividades de caráter carnavalesco da capital mineira. , como banheiros químicos, fechamento de vias, divulgação, segurança e limpeza. Ademais, apenas os blocos cadastrados podem participar do Edital de Subvenção, que oferece auxílio financeiro para os cortejos. Poucos são os blocos de rua de Belo Horizonte que conseguem patrocínios privados suficientes para arcar com todos os custos de um cortejo de Carnaval, o que, na prática, estabelece uma relação de dependência entre os blocos e a Belotur.

Os blocos de rua são as organizações de maior destaque do Carnaval belo-horizontino nos últimos anos, embora também existam escolas de samba e blocos caricatos na cidade. A retomada recente do Carnaval, contudo, é devedora de manifestações populares (Rezende & Saraiva, 2022Rezende, A. F., & Saraiva, L. A. S. (2022). Carnaval de rua de Belo Horizonte: ontem e hoje. Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, 9(9), 33-50. Retrieved from https://prefeitura.pbh.gov.br/sites/default/files/estrutura-de-governo/fundacao-municipal-decultura/2023/reapcbh_v9_n9_2022.pdf
https://prefeitura.pbh.gov.br/sites/defa...
). Uma das explicações para o reaparecimento das festas de Carnaval de rua na cidade está ligada a um movimento independente de qualquer apoio do poder público, uma forma de resistência ao cerceamento, à ocupação do espaço da cidade (Dias, 2015Dias, P. L. C. (2015). Sob a “lente do espaço vivido”: a apropriação das ruas pelos blocos de carnaval na belo Horizonte contemporânea (Master’s dissertation). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG.). Em 9 de dezembro de 2009, o então prefeito Márcio Lacerda decretou que estava proibida a realização de eventos de qualquer natureza na Praça da Estação (Migliano, 2013Migliano, M. (2013). Praia da estação como ação política: relato de experiências, envolvimentos e encontros. Redobra, 4(11), 43-54. Retrieved from http://www.redobra.ufba.br/wpcontent/uploads/2013/06/redobra11_05.pdf
http://www.redobra.ufba.br/wpcontent/upl...
), recém revitalizada. A justificativa para tal proibição era que o poder público municipal teria dificuldades em limitar o número de pessoas participantes de eventos realizados no local, bem como garantir a preservação do patrimônio público que havia sido depredado em decorrência dos últimos eventos ocorridos na Praça (Oliveira, 2012Oliveira, N. N. (2012). Africanidades espetaculares dos blocos afros: Ilê Ayê, Olodum, Malê Debalê e Bankoma para a cena contemporânea numa cidade transatlântica. Revista Repertório, (19), 103-113. Retrieved from https://periodicos.ufba.br/index.php/revteatro/article/view/6869/4724
https://periodicos.ufba.br/index.php/rev...
; Melo, 2014Melo, T. M. (2014). Praia da estação: carnavalização e performatividade (Master’s dissertation). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG.).

Com a nova legislação e, consequentemente, a privação do direito consolidado de utilização da área de encontro e lazer comunitário (Migliano, 2013Migliano, M. (2013). Praia da estação como ação política: relato de experiências, envolvimentos e encontros. Redobra, 4(11), 43-54. Retrieved from http://www.redobra.ufba.br/wpcontent/uploads/2013/06/redobra11_05.pdf
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), deu-se início a uma movimentação que, um mês depois, se transformou no evento chamado de Praia da Estação (Oliveira, 2012Oliveira, N. N. (2012). Africanidades espetaculares dos blocos afros: Ilê Ayê, Olodum, Malê Debalê e Bankoma para a cena contemporânea numa cidade transatlântica. Revista Repertório, (19), 103-113. Retrieved from https://periodicos.ufba.br/index.php/revteatro/article/view/6869/4724
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), um movimento sem líderes, com organização horizontalizada e apartidária, realizado em espaço público, aberto e gratuito. Nas chamadas para o encontro, a população foi convidada a ir de roupa de banho e levar crianças, cachorros e objetos que costumam usar em um dia de sol na praia. O convite incitava uma ação lúdico-política na praça, já que a ideia era ocupar o espaço público para viver um dia de praia, com encontros e conversas sobre o decreto. Essa ocupação foi intensa entre os meses de janeiro e maio de 2010, ressurgindo em dezembro desse mesmo ano e se estendendo até janeiro de 2011, quando comemorou um ano (Oliveira, 2012Oliveira, N. N. (2012). Africanidades espetaculares dos blocos afros: Ilê Ayê, Olodum, Malê Debalê e Bankoma para a cena contemporânea numa cidade transatlântica. Revista Repertório, (19), 103-113. Retrieved from https://periodicos.ufba.br/index.php/revteatro/article/view/6869/4724
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). Após certo tempo, esse movimento deu origem ao bloco de Carnaval da Praia da Estação, o qual teve a intenção de promover um cortejo que iria começar na Praça da Estação e seguir até a Prefeitura, cerca de 1,2 km, onde seria feita a lavagem simbólica das escadarias em nome de mais um protesto ao cerceamento dos espaços públicos (Migliano, 2013Migliano, M. (2013). Praia da estação como ação política: relato de experiências, envolvimentos e encontros. Redobra, 4(11), 43-54. Retrieved from http://www.redobra.ufba.br/wpcontent/uploads/2013/06/redobra11_05.pdf
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).

Aqui tem-se um cenário de manifestações carnavalescas despontando novamente na capital mineira (Rezende & Saraiva, 2022Rezende, A. F., & Saraiva, L. A. S. (2022). Carnaval de rua de Belo Horizonte: ontem e hoje. Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, 9(9), 33-50. Retrieved from https://prefeitura.pbh.gov.br/sites/default/files/estrutura-de-governo/fundacao-municipal-decultura/2023/reapcbh_v9_n9_2022.pdf
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), e de outro fenômeno comum aos carnavais de várias outras cidades: a festa passa da proibição/rejeição pelo poder público à aceitação/subvenção. Atualmente, em uma mesma região, é possível o folião ter contato com várias manifestações culturais, como bloco afro, bloco de pagode, bloco de heavy metal ou de forró, o que contribui para o Carnaval de Belo Horizonte ser diferente do de outras capitais, uma vez que essa diversidade dificulta a monetização da festa no sentido de criar circuitos, tal como acontece no Carnaval de rua de Salvador. Apesar de haver especulações sobre a criação de um circuito de Carnaval em Belo Horizonte, no qual os blocos pudessem realizar seus cortejos em um espaço controlado, nenhuma ação nesse sentido foi tomada até o momento.

Os produtores do Carnaval, em especial, os fundadores e membros de blocos de rua e os produtores culturais, externalizam em vários momentos, inclusive aqueles destinados a tratativas entre blocos e a Belotur, seus posicionamentos contrários a uma possível privatização da festa, relembrando que, no passado, os belo-horizontinos já foram proibidos de usufruir de sua própria cidade, e que a privatização do Carnaval, por meio de circuitos pagos ou qualquer outra iniciativa nesse sentido, seria uma nova forma de privar a população local (em especial a mais pobre) de usufruir da cidade nos dias de folia. Ademais, alguns representantes de blocos afro da cidade argumentam que toda a discussão sobre “produto carnaval” e, consequentemente, “produto blocos de rua”, “produto blocos caricatos” e “produto escolas de samba” é muito cara, ainda mais para as pessoas que integram os blocos afro, pois os negros já foram efetivamente tratados como mercadorias em um passado não tão distante.

Especialmente para corpos negros, ocupar o centro da cidade marca a necessidade de visibilizá-los em espaços nos quais seu lugar é subalternizado no cotidiano. Para além das ruas da periferia, onde a cidade racista espera que os corpos negros estejam, é preciso estar justamente nessas ruas centrais para demarcar um campo de possibilidades (Simas & Rufino, 2018Simas, L. A., & Rufino, L. (2018). Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas. Rio de Janeiro, RJ: Mórula.). O cortejo de um bloco afro na região central, mesmo que por instantes, implica uma ruptura com a forma pela qual se espera que a cidade seja apropriada pelas pessoas negras. Ao colocar uma multidão de pessoas na rua, com o protagonismo de pessoas negras, o bloco afro de Carnaval acaba por fazer com que a urbanidade seja de fato composta por sujeitos a quem a cidade é negada. O Carnaval, assim, também se apresenta como um dos momentos em que a população tem direito à cidade, aos espaços urbanos, o direito de apenas existir ali sem uma finalidade produtiva específica.

Um bloco afro pode ser, para além de um espaço negro de acolhimento, uma organização capaz de “[...] converter vítimas da opressão em atores políticos que protagonizam a resistência e a luta” (Gomes, 2019Gomes, N. L. (2019). O movimento negro educador: saberes construídos nas lutas por emancipação. Petrópolis, RJ: Vozes., p. 11). Ao se forjar como um movimento social que ressignifica e politiza a raça, o bloco afro ganha um trato emancipatório e não inferiorizante (Gomes, 2019Gomes, N. L. (2019). O movimento negro educador: saberes construídos nas lutas por emancipação. Petrópolis, RJ: Vozes.), ao mesmo tempo que atribui ao corpo negro um caráter transgressor que troca com as diferenças de entrar no jogo da sedução simbólica e do encantamento festivo, desde que possa, a partir daí, resistir e se expandir (Sodré, 2019Sodré, M. (2019). O terreiro e a cidade: a forma social negro-brasileira (3a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Mauad X.).

Durante o Carnaval, os blocos afro instituem uma exceção que traz uma promissora possibilidade de regra: a de que pessoas negras possam produzir espaços urbanos que se pareçam consigo, que respondam às suas necessidades e características sem que, para isso, tenham de continuar em espaços segregados ou restritos apenas às periferias. Os cortejos enfatizam um orgulho racial, afirmam diferenças e apresentam as possibilidades de ganho coletivo para a cidade como um todo, na prática com a cruz se transformando em encruzilhada (Simas & Rufino, 2018Simas, L. A., & Rufino, L. (2018). Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas. Rio de Janeiro, RJ: Mórula.), como potência de mundo, isto é, possibilidade de reinvenção da vida, que não existe apenas um único caminho, mas sim um campo de possibilidades. O bloco afro Angola Janga e a iniciativa do Kandandu mostram a potência do cruzo ao produzir a vida dos corpos negros como campo de possibilidades que se pauta na resistência cotidiana.

Organizações de resistência negra e sua contribuição para a virada espacial nos Estudos Organizacionais

Podemos observar, nas diversas ciências, um movimento conhecido como virada espacial, com uma análise privilegiada da cidade e da produção do espaço social (Frehse, 2013Frehse, F. (2013). O espaço na vida social: uma introdução. Estudos Avançados, 27(79), 69-74. doi:10.1590/S0103-40142013000300006
https://doi.org/10.1590/S0103-4014201300...
; Frehse & O’Donell, 2019Frehse, F., & O’Donnell, J. (2019). Quando espaços e tempos revelam cidades. Tempo Social, 31(1), 1-9. doi:10.11606/0103-2070.ts.2019.153111
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). Na ciência administrativa, em especial nos Estudos Organizacionais, há também a preocupação com o fenômeno urbano. Destacamos inicialmente o entendimento de Fischer (1997)Fischer, T. (1997). A cidade como teia organizacional: inovações, continuidades e ressonâncias culturais Salvador, BA, cidade puzzle. Revista de Administração Pública, 31(3), 74-88. Retrieved from https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rap/article/view/7906
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, da cidade como um “conjunto complexo de teias organizacionais com diversidades e singularidades que geram forte multiplicação de projetos, jogos cooperativos. exclusões e conflitos, alianças e rejeição. A cidade é ordem e desordem, real ou virtualmente produzidas” (Fischer, 1997Fischer, T. (1997). A cidade como teia organizacional: inovações, continuidades e ressonâncias culturais Salvador, BA, cidade puzzle. Revista de Administração Pública, 31(3), 74-88. Retrieved from https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rap/article/view/7906
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, p. 76). Nessa abordagem, a cidade é vista como uma megaorganização, carregada de elementos complexos, diversos, singulares, plurais e contraditórios, em que a cultura urbana influencia a construção e fortalecimento de identidades.

Posteriormente, Mac-Allister (2004)Mac-Allister, M. (2004). A cidade no campo dos estudos organizacionais. Organizações & Sociedade, 11(special edition), 171-181. doi:10.1590/1984-9110012
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e Saraiva e Carrieri (2012)Saraiva, L. A. S., & Carrieri, A. P. (2012). Organização-cidade: proposta de avanço conceitual a partir da análise de um caso. Revista de Administração Pública, 46(2), 547-576. doi:10.1590/S0034-76122012000200010
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conceituam e problematizam o conceito de organização-cidade, que vai além da organização social anteriormente discutida por Fischer (1997)Fischer, T. (1997). A cidade como teia organizacional: inovações, continuidades e ressonâncias culturais Salvador, BA, cidade puzzle. Revista de Administração Pública, 31(3), 74-88. Retrieved from https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rap/article/view/7906
https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/ind...
, e a tratam também como localização dessa organização, uma dimensão espacial que vai além do espaço físico (Mac-Allister, 2004Mac-Allister, M. (2004). A cidade no campo dos estudos organizacionais. Organizações & Sociedade, 11(special edition), 171-181. doi:10.1590/1984-9110012
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), possibilitando uma análise que comtemple a “organização social” e a “organização espacial”, num “olhar organizacional para a dinâmica urbana, o que abre possibilidades para a observação da vida social organizada” (Mac-Allister, 2004Mac-Allister, M. (2004). A cidade no campo dos estudos organizacionais. Organizações & Sociedade, 11(special edition), 171-181. doi:10.1590/1984-9110012
https://doi.org/10.1590/1984-9110012...
, p. 178). Complementarmente, Saraiva e Carrieri (2012Saraiva, L. A. S., & Carrieri, A. P. (2012). Organização-cidade: proposta de avanço conceitual a partir da análise de um caso. Revista de Administração Pública, 46(2), 547-576. doi:10.1590/S0034-76122012000200010
https://doi.org/10.1590/S0034-7612201200...
, p. 551), em seu estudo sobre a cidade de Itabira, consideram que a organização-cidade encerra um “um projeto de produção de espaço urbano em um contexto geográfico permeado por uma dinâmica sociossimbólica territorial”, na qual grupos sociais e/ou indivíduos se integram e interagem, o que acaba por construir uma cultura urbana marcada por identidades comuns.

Os sujeitos citadinos, ora cidadãos ou quase-cidadãos, a depender de seus pertencimentos e exclusões, buscam se apropriar da cidade e dela tomar parte. Entendemos que esse é um elemento central nos trabalhos dos Estudos Organizacionais que versam sobre espacialidade e racialidade. Nascimento et al. (2015)Nascimento, M. C. R., Oliveira, J. S., Teixeira, J. C., & Carrieri, A. P. (2015). Com que cor eu vou pro shopping que você me convidou? Revista de Administração Contemporânea, 19(3), 245-268. doi:10.1590/1982-7849rac20151510
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tratam das relações raciais e da segregação socioespacial delas advinda, considerando os shopping centers como espaços privativos em que certos grupos sociais, marcados pela cor de pele escura, são simbolicamente excluídos. Em outra pesquisa, Nascimento et al. (2016)Nascimento, M. C. R., Teixeira, J. C., Oliveira, J. S., & Saraiva, L. A. S. (2016). Práticas de segregação e resistência nas organizações: uma análise discursiva sobre os “rolezinhos” na cidade de Belo Horizonte (MG). Revista de Administração Mackenzie, 17(1), 55-81. doi:10.1590/167869712016/administracao.v17n1p55-81
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destacaram os discursos da mídia eletrônica acerca dos “rolezinhos”, que foram compreendidos pelos autores como práticas de resistência de jovens da periferia, ao ocuparem os shopping centers, ampliando as fronteiras dos espaços organizacionais ao tensionar um espaço notadamente excludente para esse grupo social. Essas são possibilidades fecundas para se fazer uma análise organizacional das cidades como espaços de contradição e de resistência.

A cidade, como nos apresenta Saraiva (2019Saraiva, L. A. S. (2019). Os estudos organizacionais e as cidades. In L. A. S. Saraiva, & A. G. Enoque (Orgs.), Cidades e estudos organizacionais: um debate necessário (pp. 21-73). Ituiutaba, MG: Barlavento., p. 22), é um “cruzamento de elementos e possibilidades”, apropriada de modos distintos de acordo com o grupo social considerado. Nos Estudos Organizacionais, como destaca o referido autor, a cidade tem sido tratada para além da dimensão material, tomando a dimensão do espaço vivido e das experiências dos diferentes atores sociais. Assim, podemos falar em “fazer a cidade” como ação cotidiana para algo além da materialidade e do pensamento/da cognição, na interação entre esses elementos e as pessoas. Consideramos que, fazer a cidade, numa perspectiva de torná-la mais parecida conosco e nossos pertencimentos como seres sociais (Sarr, 2019Sarr, F. (2019). Afrotopia. São Paulo, SP: n-1 Edições.), envolve tensionamentos, conflitos e contradições. É a disputa pelo coração da cidade (Lefebvre, 2001Lefebvre, H. (2001). O direito à cidade. São Paulo, SP: Centauro.). Fischer (1997)Fischer, T. (1997). A cidade como teia organizacional: inovações, continuidades e ressonâncias culturais Salvador, BA, cidade puzzle. Revista de Administração Pública, 31(3), 74-88. Retrieved from https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rap/article/view/7906
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nos alertava que a cidade é “lugar de cidadania e marginalidade”, “morada e lugar de encontro, [...] o repositório dos problemas da sociedade, o cenário das crises, o locus da impotência e do desencanto”. Pensamos aqui que o “desencanto” apresentado por Fischer (1997)Fischer, T. (1997). A cidade como teia organizacional: inovações, continuidades e ressonâncias culturais Salvador, BA, cidade puzzle. Revista de Administração Pública, 31(3), 74-88. Retrieved from https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rap/article/view/7906
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, se relaciona à abstração do espaço, no apagamento das diferenças e na sobreposição do valor de troca em detrimento do valor de uso do espaço urbano (Lefebvre, 1991Lefebvre, H. (1991). The production of space. Oxford: Blackwell Publishing.).

Se consideramos um processo de desencantamento e de apagamento das diferenças e de suas trocas simbólicas, existe um processo contrário, de encantar o espaço desencantado e reescrever as diferenças na cidade? Expomos nos dois tópicos anteriores uma Belo Horizonte desencantada, fruto de conceitos de modernidade e República excludentes, principalmente para a população negra que a construiu e que é segregada em seu cotidiano urbano. Os blocos afro e o Kandandu, na produção de espaços negros, ressignificam a presença do corpo negro na cidade para além da morte simbólica e toda sorte de violências. O corpo negro, nos espaços produzidos no Carnaval belo-horizontino, repositório e alicerce das memórias que resgatam a africanidade, joga com a diferença e transgride o espaço que o reduz a simples mão-de-obra, ou mercadoria. O protagonismo das “organizações de resistência negra”, em referência a Siqueira (1997)Siqueira, M. L. (1997). Ancestralidade e contemporaneidade de organizações de resistência afrobrasileira. In T. Fischer (Org.), Gestão contemporânea: cidades estratégicas e organizações locais (2nd ed.) (pp. 133-150). Rio de Janeiro, RJ: FGV., rompe barreiras espaciais e reinventa o cotidiano da cidade: os corpos festivos enriquecem Belo Horizonte como um espaço vivido pelo povo negro, cuja finalidade é a festa.

Contudo, não podemos deixar de considerar as exclusões e violências praticadas contra o povo negro no espaço das cidades. Como apontado por Andrade e Rezende (2023)Andrade, L. F. S., & Rezende, A. F. (2023). Cidade, encarceramento e violência: uma geografia da sobrevivência dos negros para os estudos organizacionais. Cadernos EBAPE.BR, 21(2), 1-11. doi:10.1590/1679-395120220122
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, numa geografia da sobrevivência negra, o racismo estrutural manifesto no encarceramento em massa e violência remonta à escravização e ao controle dos corpos negros. É necessário indagar se negros podem viver na cidade de fato. A história de Belo Horizonte, para além de uma fachada moderna e republicana, é marcada por exclusões e apagamentos do povo negro, desde os habitantes do Curral Del Rey, passando pelos trabalhadores negros que construíram a nova capital mineira até os negros que hoje habitam e fazem a cidade, expostos ao racismo cotidiano de um município fundado na hierarquia das raças e, consequentemente, de suas culturas e modos de existência, ponto de semelhança com outros espaços citadinos brasileiros. Como a população negra teve, historicamente, sua cidadania mutilada (Santos, 1997Santos, M. (1997). As cidadanias mutiladas. In J. Lerner (Ed.), O preconceito (pp. 133-144). São Paulo, SP: Imprensa Oficial do Estado.), entendemos ser urgente a espacialização da questão racial nos Estudos Organizacionais, o que pode ser enriquecido pelo entendimento de que diferentes grupos sociais, especialmente grupos minoritários, têm o direito à cidade (Lefebvre, 2001Lefebvre, H. (2001). O direito à cidade. São Paulo, SP: Centauro.) sistematicamente negado.

Esse processo de apagamento das diferenças e de desencantamento, não ocorre sem resistência negra. É possível pensarmos e agirmos sobre uma realidade opressora, não apenas desvelando-a, mas, em última instância, promovendo rupturas no espaço social urbano. Desse modo, é possível pensar no direito do negro à cidade (Rezende & Andrade, 2022Rezende, A. F., & Andrade, L. F. S. (2022). Direito do negro à cidade: de uma formação socioespacial racista à utopia lefebvriana. urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana, 14(e20210438). doi:10.1590/2175-3369.014.e20210438
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), na participação e apropriação dos espaços citadinos pela população negra, como um movimento entre uma realidade opressora e uma utopia de cidades mais justas e equânimes do ponto de vista racial. A utopia urbana de Lefebvre (2001)Lefebvre, H. (2001). O direito à cidade. São Paulo, SP: Centauro. e a afrotopia de Sarr (2019)Sarr, F. (2019). Afrotopia. São Paulo, SP: n-1 Edições. são reais e inundam de potência o devir negro nas cidades: a transformação social e o uso do espaço urbano relacionados a outras formas de pertencimento e de engajamento e a outras identidades promove o direito do negro à cidade como potência e possibilidade.

Partimos do entendimento que as diferentes iniciativas que concorrem para o direito do negro à cidade (Rezende & Andrade, 2022Rezende, A. F., & Andrade, L. F. S. (2022). Direito do negro à cidade: de uma formação socioespacial racista à utopia lefebvriana. urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana, 14(e20210438). doi:10.1590/2175-3369.014.e20210438
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) constituem importantes marcos para a cultura, sociabilidade e autoestima negras na cidade. Siqueira (1997)Siqueira, M. L. (1997). Ancestralidade e contemporaneidade de organizações de resistência afrobrasileira. In T. Fischer (Org.), Gestão contemporânea: cidades estratégicas e organizações locais (2nd ed.) (pp. 133-150). Rio de Janeiro, RJ: FGV. entende que há um processo de continuidades reelaboradas nas formas de pertencimento por meio das quais os negros se vinculam a organizações étnicas. Tal processo contempla temporalidades e espacialidades/lugares específicos, desde a tradição dos quilombos às formas contemporâneas do organizar negro em elementos culturais, religiosos e litúrgico-existenciais:

É no contexto dos quilombos, a partir de 1830, que nascem as irmandades que viriam a originar os primeiros terreiros de candomblé da Bahia registrados pela historiografia oficial. São, portanto, organizações tradicionais: os terreiros de candomblé, as irmandades religiosas, as rodas de capoeira, que por sua vez dão origem às organizações contemporâneas. (Siqueira, 1997Siqueira, M. L. (1997). Ancestralidade e contemporaneidade de organizações de resistência afrobrasileira. In T. Fischer (Org.), Gestão contemporânea: cidades estratégicas e organizações locais (2nd ed.) (pp. 133-150). Rio de Janeiro, RJ: FGV., p. 141)

A resistência negra comporta diferentes núcleos organizativos, desde os tradicionais até os contemporâneos, sendo exemplos dos últimos os blocos afro, os afoxés, escolas comunitárias, bandas afro e oficinas diversas originadas em torno de núcleos tradicionais (Siqueira, 1997Siqueira, M. L. (1997). Ancestralidade e contemporaneidade de organizações de resistência afrobrasileira. In T. Fischer (Org.), Gestão contemporânea: cidades estratégicas e organizações locais (2nd ed.) (pp. 133-150). Rio de Janeiro, RJ: FGV.). “As organizações contemporâneas surgidas dos núcleos tradicionais de cultura e resistência negra são realimentadas pela sua própria estrutura originária” (Siqueira, 1997Siqueira, M. L. (1997). Ancestralidade e contemporaneidade de organizações de resistência afrobrasileira. In T. Fischer (Org.), Gestão contemporânea: cidades estratégicas e organizações locais (2nd ed.) (pp. 133-150). Rio de Janeiro, RJ: FGV., p. 140). Podemos pensar então que a produção de territórios (Rolnik, 1989Rolnik, R. (1989). Territórios negros nas cidades brasileiras: etnicidade e cidade em São Paulo e Rio de Janeiro. Revista de Estudos Afro-Asiáticos, 17, 1-17. Retrieved from https://raquelrolnik.files.wordpress.com/2013/04/territc3b3rios-negros.pdf
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) e espaços negros (Sansone, 1996Sansone, L. (1996). Nem somente preto ou negro: o sistema de classificação racial no Brasil que muda. Afro-Ásia, (18), 165-187. doi:10.9771/aa.v0i18.20904
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) se manifesta a partir da organização da resistência negra, seja sua materialidade e localização mais ou menos fixa ou classificada como tradicional ou contemporânea.

Siqueira (1997)Siqueira, M. L. (1997). Ancestralidade e contemporaneidade de organizações de resistência afrobrasileira. In T. Fischer (Org.), Gestão contemporânea: cidades estratégicas e organizações locais (2nd ed.) (pp. 133-150). Rio de Janeiro, RJ: FGV. destaca ainda três eixos centrais das organizações de resistência negra e dois objetivos centrais. Os eixos são o conhecimento, referência identitária e energia vital. Ainda que a autora não se detenha nos conceitos desses eixos, entendemos que se trata de um conhecimento afrocentrado, pautado na continuidade africano-brasileira, que muito se relaciona à referência identitária. Como elucida Fanon (2018Fanon, F. (2018). Racismo e Cultura. Revista Convergência Crítica, (13), 78-90. doi:10.22409/rcc.v1i13.38512
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, p. 81), ao tratar de cultura e racismo, o negro, despojado de sua cultura e meios de existir “é destruído no mais profundo da sua existência”, mas a retomada do conhecimento acerca de sua identidade negra promove um êxtase a cada redescoberta, num processo de encantamento permanente. Reencontra-se a tradição na contemporaneidade, em seu próprio tempo e espaço. Assim se dá o contínuo entre África e Brasil, assim “reencontra-se o sentido do passado” (Fanon, 2018Fanon, F. (2018). Racismo e Cultura. Revista Convergência Crítica, (13), 78-90. doi:10.22409/rcc.v1i13.38512
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, p. 89). O conhecimento é adquirido com a experiência, com o vivido, e o conhecimento se dá na encruzilhada, no campo das possibilidades (Simas & Rufino, 2018Simas, L. A., & Rufino, L. (2018). Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas. Rio de Janeiro, RJ: Mórula.). Esse processo também se relaciona à energia vital, assim como se planta axé no terreiro, para que o solo reverbere vida, os espaços e territórios negros impregnam-se de energia vital e de potência: desconstruir e reconstruir mundos, fazeres e o próprio cotidiano.

Os objetivos centrais das organizações de resistência negra são “dinamizar marcas da herança civilizatória que lhe dá referência, enquanto se autodenominam afro-brasileiros, e buscar melhores condições de vida em sociedade, com autoestima e cidadania, em resposta aos processos de exclusão” (Siqueira, 1997Siqueira, M. L. (1997). Ancestralidade e contemporaneidade de organizações de resistência afrobrasileira. In T. Fischer (Org.), Gestão contemporânea: cidades estratégicas e organizações locais (2nd ed.) (pp. 133-150). Rio de Janeiro, RJ: FGV., p. 138), num processo de resistência a uma sociedade fundada no racismo, o que se reflete nas cidades. Dos quilombos às irmandades, dos terreiros aos blocos afro, do sincretismo à clandestinidade dos ritos nos Congados, Congadas e Reinados, ocorre a reafirmação da identidade negra e uma valorização de cultura e de corpos transgressores.

Entendemos que outro eixo central pode ser pensado junto ao conhecimento, referência identitária e energia vital expostos por Siqueira (1997)Siqueira, M. L. (1997). Ancestralidade e contemporaneidade de organizações de resistência afrobrasileira. In T. Fischer (Org.), Gestão contemporânea: cidades estratégicas e organizações locais (2nd ed.) (pp. 133-150). Rio de Janeiro, RJ: FGV.: a espacialidade da resistência negra que, ao se organizar, produz espaço, não apenas um substrato material, mas repositório das memórias e lugar das possibilidades e do encontro das diferenças. O entendimento de uma produção de espaço por organizações de resistência negra pode contribuir para a virada espacial nos Estudos Organizacionais, refletindo sobre os inúmeros caminhos pelos quais a população negra ressignifica seu cotidiano e, assim, faz uma cidade à sua semelhança (Sarr, 2019Sarr, F. (2019). Afrotopia. São Paulo, SP: n-1 Edições.). A dimensão do vivido e da experiência cotidiana na produção de territórios e espaços por organizações de resistência negra indicam a centralidade da questão racial não apenas como resposta ao apagamento das diferenças, mas como projeto ético de emancipação humana e cidadania para os negros, o que pode enriquecer as discussões das cidades nos Estudos Organizacionais.

Conclusões: a encruzilhada é um ponto de partida e de chegada

Neste ensaio, nosso objetivo foi problematizar Belo Horizonte do ponto de vista racial quanto a processos de dominação e resistência mediante a produção de espaços negros por meio de blocos afro de Carnaval, aqui entendidos como espaços de resistência negra. Após uma discussão sobre a necessidade de atrelar a questão racial à produção do espaço urbano no Brasil, passamos a tratar especificamente da capital mineira, uma cidade planejada para representar a modernidade republicana e abandonar as representações urbanas imperiais. A questão racial também se fez presente na fundação de Belo Horizonte, tanto no que se refere ao apagamento da história negra do Curral Del Rey, quanto na segregação dos negros que construíram a capital, uma vez que simplesmente não foi previsto que habitassem a área planejada.

A terceira parte do texto tratou dos blocos afro e da produção de espaços negros no contexto do Carnaval belo-horizontino, uma verdadeira subversão na qual a negritude é condição de potência e não de subalternidade. Na quarta parte, indicamos as contribuições das reflexões acerca da produção de espaços negros para uma virada espacial dos Estudos Organizacionais, já está em curso no Brasil, inclusive com pesquisas que tratam de racialidade e espacialidade. Tratamos especificamente das organizações de resistência negra como produtoras de espaços negros capazes de um fazer cidades rico em diversidade, possibilidades e encontros. Em conjunto, as seções permitem vislumbrar a complexidade do fenômeno urbano, particularmente se atravessado por questões raciais, que estabelecem percursos de existência ou de desaparecimento conforme a cor da pele. As organizações de resistência negra emergiram como importante elemento para a retomada das diferenças nas cidades e concorrem para o direito dos negros à cidade, no sentido de se apropriarem do espaço urbano e tomar parte dos rumos de Belo Horizonte.

Sarr (2019Sarr, F. (2019). Afrotopia. São Paulo, SP: n-1 Edições., p. 143), ao tratar das cidades africanas, defende que não basta “reproduzir cópias desbotadas de Paris, Berlim ou Nova York”, mas fazer com que as cidades se assemelhem a nós, refletindo o que somos e quem queremos ser. Pensamos que tal constatação é válida para a América e para seu povo negro em diáspora, mais especificamente para Belo Horizonte e seus espaços como elementos de um devir negro e como se quer estar no mundo. Será que a capital mineira espelha quem somos e quem seremos ser? Se sim, todos nós ou apenas alguns de nós? Quem não compõe o retrato urbano oficial? O planejamento urbano da capital mineira, ao separar cidade e não cidade, sujeitos e não sujeitos, leva ao questionamento do quanto se pode falar de modernidade ou de república de fato. Saraiva e Silva (2021Saraiva, L. A. S., & Silva, E. J. F. (2021, October). Planejamento urbano e invisibilização racial em Belo Horizonte. Artigo apresentado no XLV Encontro Anual da Associação Nacional de PósGraduação e Pesquisa em Administração, Virtual., p. 13) apontam limites do planejamento urbano, um invento europeu “concebido dentro de universidades, parte de um saber técnico e neutro, insensível a outras possibilidades de existência, o que leva a sobreposições e apagamentos em nome da ordem espacial - um processo que termina por hierarquizar existências a partir da cor da pele”.

O apagamento histórico do povo negro em Belo Horizonte aponta quais sujeitos estão excluídos do “fazer cidade”, em um projeto que reverbera colonialismo e segregação. Por um lado, não temos dúvida de que essa cidade é um bem-sucedido projeto de planejamento urbano, que se afasta das imagens de atraso do Brasil Colônia e Brasil Império. Mas isso foi obtido à custa de quê? E, em especial, de quem? Uma cidade que, desde o primeiro momento, sequer considerou que pessoas negras pudessem habitá-la acabou por inaugurar simultaneamente duas cidades - uma planejada e outra excluída - ao segregar espaços e possibilidades de existência. Isso marca uma urbe em que os negros até hoje podem circular nas regiões privilegiadas nos horários produtivos, mas sob olhares atentos dos que os toleram. Findo o expediente, a expectativa é de que se amontoem no transporte coletivo para retornar às regiões urbanas onde foram segregados e abandonados à própria sorte, onde faltam infraestrutura e qualidade de vida e sobram miséria, violência e morte.

Decerto, nenhuma vitória ou derrota é absoluta: ainda que a historiografia local não se ocupe adequadamente das pessoas negras no Curral Del Rey ou desde a fundação de Belo

Horizonte, esses sujeitos inscreveram outras experiências, corpos e saberes na cidade, rompendo parcialmente a lógica urbana que os têm excluído. No contexto do Carnaval, os blocos afro ocupam um lugar particular na capital mineira. Ao lado de outras manifestações urbanas, são capazes de romper, ainda que por momentos, com o cotidiano de racismo ao qual as pessoas negras estão submetidas, mostrando que, de um lado, ser negro é resistência e potência e, de outro, que é preciso enegrecer a cidade.

As principais contribuições do presente artigo se relacionam não apenas ao desvelamento de uma realidade opressora, histórica e espacialmente construída nas cidades brasileiras, mas com a potência da resistência à medida que os corpos negros usam como estratégia as suas manifestações culturais e étnicas para negociar espaços sociais junto aos setores dominantes. É preciso reconhecer que, do outro lado da segregação, estão as formas de (re)existir do povo negro, que luta para fazer parte dessa cidade ao mesmo tempo em que busca fortalecer a sua identidade e cultura afrodiaspórica. Os blocos afro ou projetos como o Kandandu ressignificam a marginalização dos corpos negros. Para além de evidenciar o seu caráter organizacional, essas manifestações recorrem a elementos estéticos e colocam os negros em um lugar de (re)existência que sinaliza o direito que também possuem de ocupar a urbe para o lazer e não apenas para a exploração de sua força de trabalho.

Organizações de resistência negra, tais como os blocos afro, são campos de possibilidades que, ao se reafirmarem em outros territórios, inclusive naqueles não periféricos, acabam por gritar à urbe que o corpo negro também é transgressor, capaz de somar com as diferenças, lutar por direitos e, assim, evoluir de vítimas de opressão a atores políticos que protagonizam resistência e luta na busca pela produção de espaços urbanos para além das periferias, aumentando as possibilidades de ganho coletivo para a cidade como um todo. Consideramos que as organizações de resistência negra, como produtoras de espaços e territórios negros, podem ser lidas por uma perspectiva da encruzilhada. A encruzilhada é onde se promove o encantamento do mundo e onde as diferenças se cruzam. É um lugar em que saberes ancestrais e a contemporaneidade das formas de fazer cidade se encontram, gerando inúmeras possibilidades e caminhos. A resistência negra e a produção de espaços negros são, em si, encruzilhadas, pontos de partida e de chegada.

  • Financiamento
    Os autores não receberam apoio financeiro para a pesquisa, autoria ou publicação deste artigo.

Notas

  • 1
    A Prefeitura de Belo Horizonte se relaciona com os produtores culturais que atuam no carnaval da cidade por meio da Belotur, a Empresa Municipal de Turismo de Belo Horizonte, responsável por gerir as festividades de caráter carnavalesco da capital mineira.

Linguagem inclusiva

Os autores usam linguagem inclusiva que reconhece a diversidade, demonstra respeito por todas as pessoas, é sensível a diferenças e promove oportunidades iguais.

Verificação de plágio

A O&S submete todos os documentos aprovados para a publicação à verificação de plágio, mediante o uso de ferramenta específica.

Disponibilidade de dados

A O&S incentiva o compartilhamento de dados. Entretanto, por respeito a ditames éticos, não requer a divulgação de qualquer meio de identificação dos participantes de pesquisa, preservando plenamente sua privacidade. A prática do open data busca assegurar a transparência dos resultados da pesquisa, sem que seja revelada a identidade dos participantes da pesquisa.

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Editora Associada: Letícia Dias Fantinel

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    25 Ago 2022
  • Aceito
    16 Maio 2023
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