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Análise do setor audiovisual do sul do Brasil sob a perspectiva da inovação

Analysis of the audiovisual sector in southern Brazil from the perspective of innovation

Resumo:

Esta pesquisa objetivou identificar o modelo atual da produção do setor audiovisual, considerando as atividades de TV, vídeo e cinema, no estado do Rio Grande do Sul, aplicando o modelo da Hélice Tripla, em função dos declínios de investimentos públicos e privados, que deslocaram o estado para 11ª posição no setor na indústria criativa. Com abordagem qualitativa, o estudo exploratório utilizou entrevistas em profundidade com roteiro semiestruturado aplicado a atores do setor da produção do audiovisual entre as esferas da indústria, governo e universidade, sob a perspectiva da inovação. Os resultados finais indicaram que o setor audiovisual, no estado do Rio Grande do Sul, não pode ser considerado um sistema de inovação, mas seu modelo de setor se encontra em processo de evolução, partindo de uma combinação de modelos anteriores, parte estadista e parte laissez-faire se direcionando ao modelo da teoria da Hélice Tripla. Apontam-se, oportunidades de trabalhos futuros.

Palavras-chave:
inovação; hélice tripla; setor audiovisual

Abstract:

This research aimed to identify the current model of production of the audiovisual sector, considering the TV activities, video and film, in the state of Rio Grande do Sul, applying the model of Triple Helix, due to declines in public and private investment, which moved the state to 11th position in this sector in the creative industry. Using a qualitative approach, the exploratory study used in-depth interviews with semi-structured applied to actors in the audiovisual production sector between industry spheres, government and university, from the perspective of innovation. The final results indicated that the audiovisual sector in the state of Rio Grande do Sul, can’t be considered an innovation system, but your industry model is in the process of evolution, from a combination of previous models, statesman and part laissez-faire tending to the model of the theory of Triple Helix. Point is, opportunities for future work.

Keywords:
innovation; triple helix; audiovisual sector

1 Introdução

De acordo com Barone (2009BARONE, J. G. B. R. S. Comunicação e indústria audiovisual: cenários tecnológicos e institucionais do cinema brasileiro na década de 1990. Porto Alegre: Sulina, 2009.), a denominação de um mercado audiovisual abrange um espaço no qual circula a totalidade dos diferentes produtos elaborados com base na combinação imagem e som, destinados a diferentes mídias e formas de consumo, dentro da perspectiva de fornecimento de produtos e serviços amplamente associados com valores culturais, artísticos ou simplesmente entretenimento, tais como o cinema, a televisão (aberta e codificada), o vídeo em diferentes suportes e formatos, incluindo a internet e a telefonia móvel. A produção de conteúdo para todos esses meios abrange desde os filmes de longa-metragem aos mais recentes jogos eletrônicos, o que evidencia a sua complexidade.

Países como a Inglaterra, Austrália, Espanha, Irlanda, Estados Unidos e até mesmo a China possuem políticas governamentais e conselhos institucionalizados que direcionam cada vez mais incentivos para o setor audiovisual (Cunningham, 2012CUNNINGHAM, S. Emergent innovation through the coevolution of informal and formal media economies. Television and New Media, v. 13, n. 5, p. 415-430, 2012.; Suñe et al., 2012SUÑE, A. et al. Good innovation practices: an exploratory study of technology companies in the Spanish broadcasting sector. Investigaciones Europeas de Direccion y Economia de la Empresa, v. 18, n. 2, p. 139-147, 2012.; Archibugi; Filippetti, 2010ARCHIBUGI, D.; FILIPPETTI, A. The Globalisation of Intellectual Property Rights: Four Learned Lessons and Four Theses. Global Policy, v.1, n. 2, p. 137-149, 2010.; Hong et al., 2014HONG, J. et al. Creative industries agglomeration, regional innovation and productivity growth in China. Chinese Geographical Science, v. 24, n. 2, p. 258-268, 2014.). Universidades de diversos países, em especial, na Inglaterra, estão disponibilizando cursos nesta área no intuito de promover novos empreendedores criativos. Organizações internacionais do porte das agências que compõem o Sistema das Nações Unidas, como a United Nations Conference on Trade And Development (UNCTAD), a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a United Nations Educational Scientificand Cultural Organization (UNESCO) têm elaborado documentos, implementado programas, reunido estatísticas e organizado eventos sobre o tema (Unesco, 2014UNESCO. United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization.. Building Inclusive Knowledge Societies: a review of UNESCO’s action in implementing the WSIS outcomes. Paris, 2014. Disponível em: <Disponível em: http://unctad.org/meetings/en/Contribution/CSTD_2014_Con_UNESCO.pdf >. Acesso em: 13 out. 2014.
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; UNCTAD, 2010UNCTAD. The creative economy report 2010. Geneva, 2010. Disponível em: <Disponível em: http://www.unctad.org/en/docs/ditctab20103_en.pdf >. Acesso em: 09 out 2013.
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).

Ainda, conforme dados da Organização das Nações Unidas (ONU), a economia criativa avança a taxas de 14% de crescimento ao ano, crescimento acima da média se comparado a outros setores. Apenas as exportações de produtos criativos em todo o mundo foram estimadas em U$ 592 bilhões, em 2010. O setor não sofreu abalo com a crise financeira de 2008, apresentando índice de crescimento constante neste mesmo ano. No Brasil, a indústria criativa movimenta mais de R$ 381,3 bilhões ao ano, o equivalente a 16,4% do Produto Interno Bruto (PIB) (UNCTAD, 2010).

Consoante a isso, uma das formas de alavancar o desempenho econômico e social de uma região acontece pela forma com que os recursos de ciência e tecnologia, de capital humano e de conhecimento são utilizados, aplicados e explorados. A intensidade do uso desses recursos determina a intensidade de inovação de uma região (Tidd et al., 2008TIDD, J. et al. Gestão da inovação. Porto Alegre: Bookman, 2008. ; Mattioda et al., 2009MATTIODA, E.; NODARI, C. H.; OLEA, P. M. Vantagens Competitivas em Clusters de Empresas: Estudo de Caso no Arranjo Moveleiro da Serra Gaúcha. Revista de Administração da Unimep, v.7, n.1, p. 21-40, 2009.; Den Hertog et al., 2010DEN HERTOG, P. et al. Capabilities for managing service innovation: Towards a conceptual framework. Journal of Service Management, v. 21, n.4, p. 490-514, 2010.). Em uma época em que uma nova economia se estabelece - a economia do conhecimento - estudos sobre a inovação em setores incipientes, como o setor audiovisual, representam um olhar diferente da administração para um setor econômico bastante promissor (UNCTAD, 2010; Parmentier; Mangematin, 2014PARMENTIER, G.; MANGEMATIN, V. Orchestrating innovation with user communities in the creative industries. Technological Forecasting and Social Change, v. 83, n.1, p. 4053, 2014.; Hong et al., 2014HONG, J. et al. Creative industries agglomeration, regional innovation and productivity growth in China. Chinese Geographical Science, v. 24, n. 2, p. 258-268, 2014.; Feng et al., 2014FENG, K. H. et al. How public private partnerships cocreate value: the case of cultural and creative industry. PICMET 2014 Portland International Center for Management of Engineering and Technology, Proceedings: Infrastructure and Service Integration, art. n. 6921218, p. 2047-2055, 2014.).

Conduzindo a ideia de inovação como sistema, foi escolhido este campo de estudo promissor, surgido recentemente, tanto economicamente pela sua taxa de crescimento e contribuições com o desenvolvimento econômico e social, quanto, cientificamente, por sua relação intensiva com a inovação. Assim, esta pesquisa foi elaborada com o propósito de unir o estudo da inovação como sistema no ambiente do setor audiovisual a partir dos pressupostos da teoria da Hélice Tripla. A identificação do sistema de inovação do qual o setor audiovisual faz parte possibilita a implementação de ações governamentais no sentido de potencializar a produção e intensificar a interação entre os atores componentes, além de contribuir para a produção de conhecimento relacionado ao setor audiovisual, no estado do Rio Grande do Sul.

Este artigo foi dividido em quatro seções, além da seção introdutória. A seção dois apresenta o referencial teórico de aproximação entre os temas de inovação e o modelo da Hélice Tripla. A seção três aponta os principais direcionadores metodológicos da pesquisa, apresentando o setor audiovisual. A seção quatro desenvolveu a análise e a discussão dos resultados do estudo de caso, sob um enfoque qualitativo. E, por fim, a seção cinco apresenta as considerações finais da pesquisa apresentando o posicionamento do setor audiovisual e sua inovação.

2 Referencial teórico

2.1 Inovação

No contexto mercadológico pautado pela competição em todos os níveis, desde os internacionais até os locais, o desempenho econômico de uma região depende da forma com que os recursos básicos de ciência e tecnologia, de capital humano e de conhecimento existentes são utilizados, aplicados e explorados. As empresas que se destacam no mercado geralmente são as que apresentam novidades antes dos concorrentes e possuem um perfil dinâmico objetivando a superação de seus próprios limites, condicionando, portanto, a inovação em seu ambiente. Assim, a inovação proporciona uma trajetória de algo originalmente novo, inédito para o mundo, até significativas melhorias nos produtos e processos com o necessário comprometimento com a aceitação pelo mercado ao qual se destina ou com retorno financeiro sobre a mudança (Schumpeter, 1934SCHUMPETER, A. J. The theory of economic development. Cambridge: Harvard University Press, 1934.; OCDE, 2005).

Ao formular e implementar suas estratégias em inovação, as empresas não podem ignorar os sistemas em que estão inseridas. Pois, é por meio de suas fortes influências sobre demandas e condições competitivas, oferta de recursos humanos e regulação da iniciativa privada pelo governo que os sistemas de inovação geram oportunidades e impõem restrições sobre o que as empresas podem ou não fazer (Tidd et al. 2008TIDD, J. et al. Gestão da inovação. Porto Alegre: Bookman, 2008. ; Sbragia, 2006SBRAGIA, R. (Coord.).Inovação: como vencer esse desafio empresarial. São Paulo: Clio Editora, 2006.; Safiullin et al., 2014SAFIULLIN, L. N. et al. The triple helix model of innovation Mediterranean. Journal of Social Sciences, v. 5 (18 SPEC. ISSUE), p. 203-206, 2014.).

O conceito de sistema de inovação é uma abordagem clássica no fluxo da economia evolucionária para estudar as interações das instituições que determinam o ritmo e a direção da ciência e da tecnologia em um país (Wong, 2011WONG, C-Y. Rent-seeking, industrial policies and national innovation systems in Southeast Asian economies. Technology in Society , v. 33, p. 231-243, 2011.). O desempenho de um sistema de inovação depende basicamente de como os atores e instituições (governo e agências governamentais, universidades, institutos de pesquisas públicos ou privados e outras instituições) funcionam e interagem entre si e, assim, desenvolvem e aplicam conhecimento inovador. Dessa forma, as instituições e suas interações tornam-se o principal foco do estudo de sistemas de inovação (Akpolat; Chang, 2012AKPOLAT, H.; CHANG, L. A comparative analysis of the national innovation systems of China and Australia. Asian Journal on Quality, v. 9, n. 1, p. 153-167, 2012.; Safiullin et al., 2014SAFIULLIN, L. N. et al. The triple helix model of innovation Mediterranean. Journal of Social Sciences, v. 5 (18 SPEC. ISSUE), p. 203-206, 2014.).

Não há uma definição simples para o conceito de sistema de inovação; e precursores como Freeman (1987FREEMAN, C. Technology and economic performance: lessons from Japan. London: Pinter , 1987.), por exemplo, elencam que o sistema nacional de inovação é formado por uma rede de instituições dos setores públicos e privados cujas atividades e interações originam, importam, modificam e difundem novas tecnologias.

Ainda, mantendo o foco nesta interação, Lundvall (1992LUNDVALL, B. (Ed.). National systems of innovation: towards a theory of innovation and interactive learning. London: Pinter, 1992.) destaca que o sistema nacional de inovação é composto de elementos e relacionamentos que interagem na produção, difusão e no uso do novo e economicamente viável e do conhecimento dentro de suas fronteiras. Nelson (1993NELSON, R. R. National innovation systems: a comparative analysis. Oxford: Oxford University Press, 1993.) classifica-o como um conjunto de instituições cujas interações determinam o desempenho da inovação em um país. Patel e Pavitt (1994PATEL, P.; PAVITT, K. The nature and economic importance of national innovation systems. STI Review, Paris, n. 14, 1994.) reforçam os conceitos anteriores afirmando que as estruturas de incentivo e as competências das instituições determinam a direção do aprendizado tecnológico, o volume e a composição da mudança gerando a inovação em um país. Metcalfe (1995METCALFE, S. Technology systems and technology policy in a evolutionary framework. Cambridge Journal of Economics , v. 19, p. 25-46, 1995.) destaca que o sistema nacional de inovação é um conjunto distinto de instituições que articulados ou individualmente contribuem para o desenvolvimento e difusão de novas tecnologias e formam o quadro dentro do qual a forma de governo e as suas políticas influenciam o processo de inovação e, como tal, é um sistema de instituições interconectadas com o objetivo de criar, armazenar e transferir conhecimento, habilidades e novas tecnologias.

Tiwari e Desai (2011TIWARI, S. S.; DESAI, P. N. Stem cell innovation system in India: emerging scenario and future challenges. World Journal of Science, Technology and Sustainable Development, v. 8, n. 1, p. 1-23, 2011.) identificam estes participantes de forma bastante específica, afirmando que o sistema de inovação de qualquer país é formado por instituições (leis, regulamentos, regras, hábitos), por processos políticos, pela infraestrutura (universidades, institutos de pesquisa, recursos públicos), instituições financeiras, competências (força de trabalho), que afetam como o conhecimento é adquirido, gerado, disseminado e aplicado.

Assim, observando os elementos, um sistema nacional de inovação destaca-se com alguns pontos-chave para seu entendimento. O primeiro deles é a palavra “interação” que ocorre dentro de cada setor envolvido e entre eles. Segundo a OCDE (1999)OCDE. Managing national innovation systems. Paris: OCDE, 1999. Disponível em: <Disponível em: http://www.sourceoecd.org/content/html/index.htm >. Acesso em: 27 jan. 2012.
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, as principais formas de interação entre as esferas são (1) atividades da indústria de forma conjunta, (2) interações entre os setores públicos e privados, (3) difusão da tecnologia e (4) mobilidade de pessoas entre as esferas. O segundo termo a ser destacado são os “agentes”, ou seja, quem são os responsáveis (e que tomam a iniciativa) pelas trocas que geram a inovação. E o terceiro termo que também merece destaque é a “difusão”; representando o espraiamento da inovação resultante da interação contínua entre os agentes, objetivando o desenvolvimento do país.

Autores como Jacobsson e Bergek (2011JACOBSSON, S.; BERGEK, A. Innovation system analyses and sustainability transitions: contributions and suggestions for research. Environmental Innovation and Societal Transitions, v. 1, p. 41-57, 2011.) afirmam que o sistema é composto por um conjunto de elementos estruturais como atores, redes, instituições e tecnologia. Assim, os processos que ocorrem dentro do sistema são interdependentes e entrelaçados com os outros elementos e, quando alterados, provocam mudanças para os demais componentes ao longo da cadeia, desencadeando uma série de ações e reações que podem levar o sistema ao sucesso ou ao fracasso. A perspectiva, portanto, destaca que a inovação, dentro do sistema, acontece por meio de um modelo interativo de iniciativa da rede de empresas e facilitado pela proximidade geográfica entre os atores. Nesta visão, a inovação é um processo social em que o aprendizado interativo é predominante e socialmente enraizado, e a promoção da interação e colaboração acontece por meio de parcerias, apoio à inovação, redes e aprendizagem interativa (Asheim; Isaksen, 1997ASHEIM, B.; ISAKSEN, A. Location, agglomeration and innovation: towards regional innovation systems in Norway? European Planning Studies, v. 5, n. 3, p. 299-330, 1997.; Autio, 1998AUTIO, E. Evaluation of RTD in regional systems of innovation. European Planning Studies , v. 6, n. 2, p. 131-140, 1998.; Doloreux, 2002DOLOREUX, D. What we should know about regional systems of innovation. Technology in Society, v. 24, p. 243-263, 2002.; Li et al., 2014LI, H. C. et al. A research of hightech industry's original innovation system and evaluation of the system's creative capability. International Conference on Management Science and Engineering Annual Conference Proceedings, art. n. 6930444, p. 1738-1746, 2014.).

A partir da noção de que o funcionamento do sistema de inovação depende da interdependência e do entrelaçamento dos elementos estruturais, surge a ideia de que uma falha em qualquer um destes elementos pode dificultar o desenvolvimento de todo o sistema. Esta falha é identificada na literatura como system failure (Carlsson; Jacobsson, 1997CARLSSON, B.; JACOBSSON, S. In search of a useful technology policy: general lessons and key issues for policy makers. In: CARLSSON, B. (Ed.). Technological Systems and Industrial Dynamics. Boston: Kluwer Press, 1997. p. 299-315.; Edquist, 1999EDQUIST, C. Innovation policy: a systemic approach. TEMA-T Working Paper. Linköping, Linköping University, 1999.). Klein Woolthuis et al. (2005) KLEIN WHOOLTHUIS, R. et al. A system failure framework for innovation policy design. Technovation, v. 25, p. 609-619, 2005.identificaram quatro tipos de falhas do sistema, todos relacionados aos componentes estruturais. Segundo os autores, as falhas podem ocorrer (1) na infraestrutura (relacionada à tecnologia), (2) nas instituições (relacionada às formações de políticas), (3) nas interações (relacionadas às redes ou interações) e (4) na capacidade (relacionada aos atores).

O uso de um modelo sistêmico para a inovação reflete a desatualização do modelo linear de inovação. Este modelo linear, que se destacou após a Segunda Guerra Mundial, espelhava o padrão de organização do trabalho na era Fordista (Freeman, 1995FREEMAN, C. The national system of innovation in historical perspective. Journal of Economics, Cambridge, v. 19, p. 5-24, 1995.). Neste modelo, o fluxo de conhecimento era simples e a inovação iniciava em um setor como pesquisa e desenvolvimento. Segundo OCDE (2005)OCDE. Manual de Oslo: diretrizes para coleta e interpretação de dados sobre inovação. FINEP, 2005. e Vargas e Zawislak (2006VARGAS, E. R.; ZAWISLAK, P. A. Inovação em serviços no paradigma da economia do aprendizado: a pertinência de uma dimensão espacial na abordagem dos sistemas de inovação. RAC, São Paulo, v. 10, n. 1, p. 139-159, jan./mar. 2006.), o modelo linear apresentava dois graves problemas. O primeiro referia-se à ideia de que a inovação era originária do investimento na pesquisa e desenvolvimento, baseado no conhecimento explícito e formal. A ciência era encarada como fator motivador e os governos necessitavam investir em política científica. Já o segundo era a noção de que a inovação consistia em novo equipamento ou objeto técnico, incluindo apenas conhecimento formal. No entanto, devido ao caráter prático para estabelecimento de medidas e comparações, o modelo linear se propagou.

Diferentes autores se preocuparam em derrubar esse conceito. Freeman (1995FREEMAN, C. The national system of innovation in historical perspective. Journal of Economics, Cambridge, v. 19, p. 5-24, 1995.) afirma que as inovações, sua difusão e os ganhos de produtividade associados a ela dependem de uma ampla variedade de influências, além da pesquisa e desenvolvimento. Entretanto, as ideias para a inovação provêm hoje de várias fontes e estão em vários estágios como a pesquisa, o desenvolvimento, o marketing, etc. (OCDE, 2005). Assim, a abordagem sistêmica da inovação caracteriza-se por uma complexa interação entre vários agentes e instituições, não ocorrendo em uma sequência linear, mas através de feedbacks dentro do sistema.

Segundo Sbragia (2006SBRAGIA, R. (Coord.).Inovação: como vencer esse desafio empresarial. São Paulo: Clio Editora, 2006.), as primeiras representações esquemáticas do sistema nacional de inovação são atribuídas a Jorge Sábato por meio do “Triângulo de Sábato” desenvolvido em 1968. Neste esquema triangular, cada vértice representa uma instituição com um papel específico para o desenvolvimento da inovação, representado pelo governo, instituições de ensino e pesquisa e o sistema produtivo. O modelo inicial previa trocas entre as esferas como financiamento público por parte do Governo, ideias por parte da Universidade e o pagamento de impostos pelas empresas. À medida que as interações aumentavam entre as esferas, o modelo sofria alterações, resultando em uma sólida integração entre pessoas e ideias em todos os níveis. No entanto, este modelo representava um modelo linear no qual cada esfera possuía seu papel diferenciado e predeterminado. Assim, ele representava um retrato esquemático simples, pouco interativo e não mais condizente com as mudanças econômicas e sociais dos tempos atuais.

Percebendo o incremento da inovação nas três esferas que constituíam o triângulo, Etzkowitz e Leydesdorff (1997ETZKOWITZ, H; LEYDESDORFF, L. (Eds.) Universities and the global knowledge economy: a triple helix of university-industry-government relations. London: Pinter, 1997.) propuseram um modelo evolutivo chamado de Hélice Tripla, composto por interações entre as esferas em que ocorrem mudanças dentro das esferas com ampliação do papel de cada uma delas. Cada esfera institucional é independente, mas trabalha em cooperação e interdependência com as demais esferas por meio de fluxo de conhecimentos entre elas (Sbragia, 2006SBRAGIA, R. (Coord.).Inovação: como vencer esse desafio empresarial. São Paulo: Clio Editora, 2006.).

2.2 Modelo da hélice tripla

De acordo com a OCDE (2005) e corroborando a teoria de Etzkowitz e Leydesdorff (1997ETZKOWITZ, H; LEYDESDORFF, L. (Eds.) Universities and the global knowledge economy: a triple helix of university-industry-government relations. London: Pinter, 1997.), os fluxos de tecnologia e informação entre pessoas, empresas e instituições são a chave para o processo de inovação, sendo, esta, o resultado de uma complexa configuração de relações entre estes atores (governo - universidade - empresa) no sistema. Por consequência, o desempenho de um país em inovação depende fundamentalmente de como os atores interagem com os outros, funcionando como elementos de um sistema coletivo de criação de conhecimento e de uso de tecnologias.

Segundo Etzkowitz (2003ETZKOWITZ, H. Innovation in innovation: the triple helix of university-industry-government relations. Social Science Information, London, p. 293-337, 2003.), a tese da Hélice Tripla prega que a interação entre os três elementos é a chave para aumentar as condições de inovação em uma sociedade baseada no conhecimento. Além de aumentar as interações entre as esferas, ocorrem mudanças dentro delas, com ampliação do papel de cada uma. Cada esfera institucional é independente, mas trabalha em cooperação e interdependência com as demais esferas por meio de fluxo de conhecimentos entre elas.

A emergência de um novo modelo foi baseada em alterações sociais e econômicas, como o aumento da importância do conhecimento e o papel da universidade na incubação de empresas baseadas em tecnologia. Assim, cabe agora à universidade um papel empreendedor com postura proativa no sentido de pôr o conhecimento em prática e ampliar a entrada em direção à criação de conhecimento acadêmico.

As empresas, por sua vez, ampliaram seu nível tecnológico, aproximando-se de um modelo acadêmico e fornecendo treinamento e compartilhamento de conhecimento. E o governo age como empreendedor público, além de manter sua função reguladora do mercado. Sob esta nova ótica, de relações híbridas entre as esferas, ou seja, cada qual desempenhando parte do papel das outras, a inovação torna-se um processo não mais localizado em uma esfera, mas que acontece na interação entre elas (Rodrigues; Melo, 2013RODRIGUES, C.; MELO, A. I. The triple helix model as inspiration for local development policies: An experience based perspective. International Journal of Urban and Regional Research, v. 37, n. 5, p. 1675-1687, 2013.).

No entanto, a origem do modelo da Hélice Tripla de Etzkowitz e Leydesdorff (1997ETZKOWITZ, H; LEYDESDORFF, L. (Eds.) Universities and the global knowledge economy: a triple helix of university-industry-government relations. London: Pinter, 1997.) acontece a partir de dois outros modelos desenvolvidos por este mesmo autor, de acordo com a Figura 1. A etapa começa em dois pontos de vistas opostos, sendo o primeiro um modelo estadista, no qual a esfera governamental controla as demais esferas da indústria e da academia e, o segundo, modelo laissez-faire, com as três esferas separadas umas das outras e interagindo de forma modesta entre fortes fronteiras. Esta última etapa do modelo é similar ao modelo do Triângulo de Sábato. Segundo Etzkowitz e Leydesdorff (1997), partindo de qualquer um dos dois modelos citados acima, as mudanças históricas, novos arranjos estruturais e momentos de mudança emergentes geram uma nova dinâmica da inovação em direção a um novo modelo que represente uma forma global de gerenciamento do conhecimento e tecnologia.

Neste modelo - a Hélice Tripla - as esferas preservam suas características especiais e identidades enquanto também assumem o papel das outras esferas. Daí vem a metáfora da hélice, na qual cada esfera representa uma espiral entrelaçada com diferentes relações com os regimes de inovação das outras esferas Etzkowitz e Leydesdorff.

Figura 1:
Modelos estadista, laissez-faire e hélice tripla

No regime estadista, o Governo tem o papel principal, liderando a economia e a indústria. Para Etzkowitz e Leydesdorff (1997ETZKOWITZ, H; LEYDESDORFF, L. (Eds.) Universities and the global knowledge economy: a triple helix of university-industry-government relations. London: Pinter, 1997.), neste modelo, o Governo coordena e fornece recursos para novas iniciativas de duas outras esferas - universidade e empresas - vistas como relativamente fracas esferas institucionais e que requerem forte orientação. A essência desse modelo, uma espécie de controle top-down, é que o Estado possa a manter sua própria indústria tecnológica local separada do que acontece no mundo. O papel da universidade é o de fornecer pessoas treinadas para as duas outras esferas, podendo conduzir pesquisas, porém não se espera que assuma um papel de criação de novos empreendimentos (Ivanova; Leydesdorff, 2014IVANOVA, I. A.; LEYDESDORFF, L. A simulation model of the Triple Helix of university industry government relations and the decomposition of the redundancy. Scientometrics, v. 99, n. 3, p. 927-948, 2014.).

No modelo laissez-faire, a indústria assume o papel de líder, com as outras espirais agindo como estruturas de apoio. Com as esferas institucionais separadas e sem estabelecer conexões, elas competem entre si ao invés de agir cooperadamente, criando fortes fronteiras e regras institucionais internas. Nesse modelo, a universidade é fornecedora de pesquisa básica e de pessoas treinadas, e seu papel com a indústria é prover conhecimento (Garcia et al., 2005GARCIA, R. et al. Desenvolvimento local e desconcentração industrial: uma análise da dinâmica do sistema local de empresas de eletrônica de Santa Rita do Sapucaí e suas implicações de políticas. Nova Economia, v. 25, n.1, p. 105-122, 2005.). Cabe à indústria encontrar conhecimento útil da Universidade por conta própria. Sua interação era desencorajada por leis antitrustes criadas pelo governo, desempenhando sua função reguladora (Lastres, 1996LASTRES, H. M. M. Gestão da inovação e sistemas nacionais de inovação: a experiência japonesa. Brasília: SEBRAE, 1996.; Lahorgue; Costa, 2001LAHORGUE, M. A.; COSTA, C. F. Inovação e cooperação tecnológica: Fórum Brasil-França. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 2001.). Quando há interação entre as esferas institucionais, esta ocorre geralmente por meio de um intermediário que identifica necessidades em duas esferas e estabelece uma relação (Safiullin et al., 2014SAFIULLIN, L. N. et al. The triple helix model of innovation Mediterranean. Journal of Social Sciences, v. 5 (18 SPEC. ISSUE), p. 203-206, 2014.).

Em ambos os modelos, as espirais não são iguais e geralmente uma delas impulsiona as demais, mudando-as e conduzindo-as a uma série de etapas que levam à inovação. Assim, a inovação oferece um novo significado de esfera entrelaçada, fugindo de um quadro de autonomia para aumentar a performance de todas as esferas em seus papéis. O aumento da interação entre as esferas gera novos desenvolvimentos em estratégias e inovações e essas práticas refletem a essência do modelo híbrido e interativo da Hélice Tripla. Assim, são criadas novas instituições para promoção da inovação como incubadoras, parques científicos e empresas de capital de risco.

Segundo Etzkowitz e Leydesdorff (1997ETZKOWITZ, H; LEYDESDORFF, L. (Eds.) Universities and the global knowledge economy: a triple helix of university-industry-government relations. London: Pinter, 1997.), a Hélice Tripla representa o melhor modelo de desenvolvimento econômico e social, pois torna-se uma plataforma para formação de instituições. As novas organizações formadas (incubadoras, parques científicos, etc.) surgem da interação entre as esferas no sentido de promover a inovação, resultando em um fenômeno chamado de “inovação em inovação”.

O modelo da Hélice Tripla começa com as três esferas institucionais em relações recíprocas. Com uma tentando aumentar a performance da outra. Essas iniciativas geralmente ocorrem em nível regional, quando questões como problemas em aglomerados industriais, desenvolvimento acadêmico e falta de autoridade do Governo influenciam o desenvolvimento da Hélice Tripla. O movimento das esferas em direção ao formato da Hélice Tripla acontece em dois passos. O primeiro deles, a colaboração, é o elemento principal entre as esferas institucionais no sentido de buscar a inovação. Assim, as três esferas geram discussões para promoção do aumento da economia local, acordos de cooperação, transferência de tecnologia e conhecimento. O segundo passo, chamado de “assumir o papel do outro”, significa que cada esfera, além de desempenhar seu papel tradicional, deve desenvolver algumas capacidades comuns às outras esferas, indo além de seus papéis tradicionais, com o objetivo de gerar uma iniciativa em uma área afim, apoiando áreas de emergência em outras esferas. Assim, a universidade, por exemplo, mantém sua função de transmissão de conhecimento, porém começa a aplicar o conhecimento na prática, criando incubadoras para dar início a novos empreendimentos (Plonski, 1998PLONSKI, G. A. Cooperação empresa-universidade no Brasil: um novo balanço prospectivo. In: IBICT - Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia. Interação Universidade-Empresa. Brasília: IBICT, p. 9-23, 1998.; Lahorgue; Costa, 2001LAHORGUE, M. A.; COSTA, C. F. Inovação e cooperação tecnológica: Fórum Brasil-França. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 2001.; Etzkowitz, 2003ETZKOWITZ, H. Innovation in innovation: the triple helix of university-industry-government relations. Social Science Information, London, p. 293-337, 2003.).

Como visto, a Hélice Tripla não é um modelo rígido, mas flexível, pois é formado pela captura de tendências emergentes entre as áreas de intersecção das esferas sobrepostas. Assim, se um elemento do sistema está faltando, uma das esferas assume a falta e a compensa com o objetivo de crescimento nacional, baseado na colaboração entre esferas institucionais. O modelo da Hélice Tripla incorpora o novo ao velho papel e, portanto, desempenhando diversas funções sem diminuir o papel principal (Lahorgue; Costa, 2001LAHORGUE, M. A.; COSTA, C. F. Inovação e cooperação tecnológica: Fórum Brasil-França. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 2001.; Safiullin et al., 2014SAFIULLIN, L. N. et al. The triple helix model of innovation Mediterranean. Journal of Social Sciences, v. 5 (18 SPEC. ISSUE), p. 203-206, 2014.; Ivanova; Leydesdorff, 2014IVANOVA, I. A.; LEYDESDORFF, L. A simulation model of the Triple Helix of university industry government relations and the decomposition of the redundancy. Scientometrics, v. 99, n. 3, p. 927-948, 2014.).

3 Metodologia

Este trabalho trata-se de uma pesquisa exploratória com abordagem qualitativa, na qual o método de trabalho escolhido foi o estudo de caso (Yin, 2010YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman , 2010.) envolvendo levantamento bibliográfico, entrevistas com atores relacionados a cada uma das esferas institucionais, além da caracterização do setor de audiovisual e a identificação do sistema de inovação, a fim de compor a familiaridade com o problema de pesquisa (Robson, 2002ROBSON, C. Real World Research: a resource for users of social research methods in applied settings. Chichester: West Sussex, England, John Wiley & Sons, 2002.).

Dessa forma, o objetivo deste artigo foi identificar o modelo atual da produção do setor audiovisual, considerando apenas as atividades de TV, vídeo e cinema no estado do Rio Grande do Sul, aplicando o modelo da teoria da Hélice Tripla de Etzkowitz e Leydesdorff (1997ETZKOWITZ, H; LEYDESDORFF, L. (Eds.) Universities and the global knowledge economy: a triple helix of university-industry-government relations. London: Pinter, 1997.). A identificação de um modelo para este setor possibilita a implementação de ações governamentais no sentido de melhorar a produção e intensificar a interação entre os atores componentes, além de contribuir para a produção de conhecimento relacionado ao setor audiovisual no estado do RS.

De acordo com o objetivo proposto, a coleta de dados obedeceu a critérios e foi pautada pelo recolhimento de dados primários e secundários em duas etapas distintas e concomitantes. Na primeira etapa, a coleta de dados foi direcionada à identificação dos atores componentes do setor audiovisual envolvendo pesquisa documental em folders, manuais e documentos oficiais produzidos no contexto da pesquisa. Na segunda etapa, a pesquisa buscou entrevistas individuais semiestruturadas com experts, selecionados em cada uma das esferas do sistema de inovação - governo, universidade e indústria - para coleta dos dados primários, procurando identificar a cooperação e interação, elencando elementos relacionados à dimensão da inovação nas diferentes esferas.

O universo pertinente a esta pesquisa ainda não possui dados confiáveis que representem, precisamente, os limites da população, pois não existem estudos de mapeamento concluídos sobre o setor audiovisual no estado do RS (UNCTAD, 2010)UNCTAD. The creative economy report 2010. Geneva, 2010. Disponível em: <Disponível em: http://www.unctad.org/en/docs/ditctab20103_en.pdf >. Acesso em: 09 out 2013.
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. Não obstante aos problemas de identificação dos limites, a amostra desta pesquisa não apresentou fundamentação estatística e, portanto, possui caráter não probabilístico demandando amostragem intencional (Creswell, 1994CRESWELL, J. W. Research design - qualitative and quantitative approaches. London: Sage, 1994.).

Foram entrevistados onze agentes entre diretores, gerentes e produtores, que representavam os atores mais significativos do setor audiovisual do estado do RS, conforme demonstra a Quadro 1. Todos eles mantêm contato direto com a produção audiovisual, fato que os qualificam como autoridades na área em que atuam e que têm um olhar amplo de todo o setor e também sobre as interações e inovações. Três agentes mantinham sua dimensão de atuação profissional nas três esferas, ou seja, no governo, na indústria e na universidade. O restante, oito agentes entrevistados, tinha sua atuação profissional em uma das esferas, apresentando uma distribuição equilibrada para a análise desta pesquisa.

As entrevistas foram realizadas no período de seis meses e obteve-se em média uma hora de duração para cada uma. Após a coleta de dados, foram transcritas e submetidas à análise de conteúdo, que, de acordo com Bardin (2004BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2004.) consiste no conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores que permitem a interferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção das mensagens.

Quadro 1:
Perfil dos Entrevistados

Em relação ao roteiro de entrevista semiestruturada, as questões foram divididas em três blocos, com o intuito de identificação dos atores, interações e se essas interações geraram inovação para os representantes das três esferas, conforme destaca-se na Quadro 2. O primeiro e segundo bloco constituíram-se por questões comuns para as três esferas analisadas. O terceiro bloco constituiu-se de questões realizadas, especificamente, para os atores do governo, universidade e indústria, além de questões comuns.

Quadro 2:
Recorte do roteiro de entrevista da pesquisa

3.1 Caracterização do ambiente da pesquisa

De acordo com Getino (1988GETINO, O. Cine latinoamericano, economia y nuevas tecnologias. Buenos Aires: Legasa, 1988.), quatro são os níveis estruturais que oferecem sustentação para a estrutura de atividade audiovisual de produção, distribuição e exibição. São eles: (1) regulação e controle da atividade: responsabilidade do Estado para regular ou fomentar a atividade dos diversos agentes; (2) execução: nível que dá origem ao produto audiovisual e sua comercialização; (3) provisão de insumos e serviços: são as empresas fornecedoras de equipamentos, laboratórios de processamento de imagem e som, empresas de divulgação e lançamento de produtos e (4) formação: escolas e universidades que se dedicam à pesquisa e à elaboração teórico-prática, objetivando realimentar a produção.

A atuação e funcionamento de cada um desses níveis podem variar conforme a estrutura econômica e social de cada território, podendo ser adaptada para um estudo em termos de Brasil ou para um estado, como o Rio Grande do Sul. Apesar de possuírem características próprias, os territórios seguem a mesma estrutura apresentada, variando conforme sua organização (Selonk; Gutfreind, 2007SELONK, A.; GUTFREIND, C. F. O imaginário do produtor cinematográfico do tipo comunicativo: um estudo do espaço audiovisual do Brasil. 2007. Tese (Doutorado em Comunicação Social) - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2007.).

Ainda segundo Getino (1988GETINO, O. Cine latinoamericano, economia y nuevas tecnologias. Buenos Aires: Legasa, 1988.), há dois elementos que são fundamentais para o funcionamento da atividade audiovisual em uma localidade. Primeiro, o papel das instituições governamentais em definir políticas para a atividade, regulando, fomentando, censurando ou simplesmente permitindo que as leis de mercado exerçam sua força. Segundo, o público, outro componente decisivo na atividade, sujeito permanente de informação e respeito, que possui capacidade de decisão para determinar o crescimento ou falência da atividade quando suas necessidades e demandas não são atendidas, sejam elas reais ou falsas.

O mercado audiovisual no Brasil pode ser dividido em duas realidades distintas: um modelo comercial e outro não comercial (Bertini, 2008BERTINI, A. Economia da cultura: a indústria do entretenimento e o audiovisual no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2008.). O modelo comercial apresenta dois fatores principais: (1) a massificação do consumo televisivo e (2) o cinema comercial que está longe de ser um consumo de massa, com a preferência voltada para o produto norte-americano. No modelo não comercial, a produção audiovisual, basicamente formada por longas, médias e curtas-metragens, disputa oportunidades de exibição paralelas ao modelo comercial, representadas pelos festivais e mostras de cinema e vídeo.

A penetração, que mede a incidência de consumo de determinada mídia nos diferentes agrupamentos da sociedade, dos meios de comunicação no Brasil demonstra a força popular da televisão. Com base nos dados do relatório Media Books 2012IBOPE. Media book 2012: hábitos de mídia e investimento publicitário em 2011. Disponível em: <http://issuu.com/pedrocordier/docs/consumo-midia-brasil-e-america-latina-2011-mediab/31>. Acesso em: 16 fev. 2014.
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, lançado pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope), que envolveu uma amostragem populacional das 13 principais localidades do país, nota-se que a TV aberta é o meio de maior penetração, atingindo quase 100% das pessoas entrevistadas. Nesta pesquisa, o cinema apresentou uma penetração abaixo dos demais meios audiovisuais, 16%, com a TV por assinatura representando 35%.

Com relação a aos três segmentos - cinema, TV aberta e TV por assinatura - cabe uma análise específica de cada meio de comunicação em relação à produção audiovisual. O cenário atual de produção de filmes brasileiros, principalmente de longas-metragens, está baseado quase em sua totalidade na dependência de recursos públicos (fomento indireto por meio de renúncia fiscal), principalmente federais. A TV aberta brasileira se constitui, na grande maioria das instituições, em um sistema comercial privado apresentando em sua programação o predomínio de conteúdos de entretenimento em detrimento de conteúdos educativos ou culturais. Isso se deve ao modelo econômico dessas empresas, baseado em anunciantes e na audiência. No cenário da TV e por assinatura, de acordo com dados da Ancine (2012)ANCINE. Informe de acompanhamento de mercado: TV aberta. Monitoramento da programação 2011. Superintendência de Acompanhamento de Mercado, 2012. Disponível em: <Disponível em: http://oca.ancine.gov.br/media/SAM/2010/MonitoramentoObrasLongaMetragem/Informe_TV_Aberta_2011_Versao_Final_Publicada_11072012.pdf >. Acesso em: 16 fev. 2015.
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, o consumo não é tão elevado quanto o da televisão aberta. Mesmo assim, o mercado do cinema, longe de ser um produto massificado, não apresenta ligação entre o público e o tipo de produto ofertado. O consumo apresenta preferência exercida em favor do produto norte-americano de uma forma absurdamente elevada (Michel; Avellar, 2014MICHEL, R. C.; AVELLAR, A. P. Indústria cinematográfica brasileira de 1995 a 2012: estrutura de mercado e políticas públicas. Nova Economia , v. 24, n. 3, p. 491-516, set./dez. 2014.).

Uma análise dos números da distribuição das receitas do mercado audiovisual brasileiro, de forma segmentada, possibilita perceber a dimensão da diferença entre os setores. Segundo dados da Fundacine (2012a)FUNDACINE. Arranjo Produtivo Local (APL): setor audiovisual do RS. Porto Alegre, 2012a., no Brasil, em 2011, as salas de exibição faturaram R$ 1,25 bilhão, o vídeo doméstico faturou R$ 1,25 bilhão, a televisão aberta, com a publicidade, faturou R$ 16,5 bilhões e a televisão paga, com a publicidade e com o valor pago pelas assinaturas, faturou R$ 13,5 bilhões, contemplando um total de R$ 31,3 bilhões de faturamento. Nota-se uma nítida concentração de renda no setor da televisão.

O setor audiovisual no estado do Rio Grande do Sul, até o final da década de 90, era considerado o terceiro polo de produção audiovisual do país, atrás do Rio de Janeiro e de São Paulo e, assim como no Brasil, apresentava uma dinâmica própria com processos gerais de produção de conteúdo em diferentes formatos. Essa posição classificava o estado como um dos maiores produtores de audiovisual do país. No entanto, de acordo com a Associação Profissional dos Técnicos Cinematográficos (APTC ABD/RS), a Fundação Cinema RS (Fundacine) e o Sindicato da Indústria Audiovisual (SIAV/RS) em carta enviada ao Governador do Estado (Fundacine, 2012)FUNDACINE. Estatuto. Porto Alegre, 2012. Disponível em: <Disponível em: http://www.fundacine.org.br/institucional/estatuto >. Acesso em: 23 jul. 2012.
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, nos últimos anos, a falta de investimentos públicos e privados para a consolidação de modelos de produção e distribuição sólidos acarretou a ultrapassagem por outros estados em termos quantitativos de produção, rebaixando o estado do Rio Grande do Sul, para a 11ª posição em investimentos diretos no setor.

No Rio Grande do Sul, observando a cadeia de produção do audiovisual, a maioria das empresas atua no ramo da produção. Dados da Ancine (2012a)ANCINE. Informe de acompanhamento de mercado: informe anual preliminar filmes e bilheterias. Superintendência de Acompanhamento de Mercado, 2012a. Disponível em: <Disponível em: http://oca.ancine.gov.br/media/SAM/Informes/2012/Informe-anual-2012-preliminar.pdf >. Acesso em: 14 jan. 2014.
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indicam que existem 5.470 empresas produtoras no Brasil. No Rio Grande do Sul, o quadro se mantém constante, trabalhando na produção de filmes de longas e curtas-metragens, conteúdo para televisão aberta e por assinatura e filmes publicitários. Além das empresas produtoras do núcleo da cadeia, participam também fornecedores especializados em equipamentos e serviços de imagem e som, iluminação, maquinário, transporte, cenografia, efeitos, etc. (Fundacine, 2012a).

O mercado gaúcho, no entanto, apresenta uma posição privilegiada por ser o quarto maior mercado de exibição do país e o maior mercado fora da Região Sudeste. A capital gaúcha é a única cidade brasileira com mais de 1 milhão de habitantes que apresenta a melhor relação entre salas de cinema per capita, tendo uma sala para cada 21 mil habitantes. Além disso, possui um percentual de frequência às salas de cinema muito maior que outras capitais (Valiati, 2010VALIATI, L. Economia da cultura e cinema: notas empíricas sobre o Rio Grande do Sul. São Paulo: Terceiro Nome, 2010.).

A produção gaúcha, entre 2003 e 2011, apresentou em média 6,5 longas-metragens por ano e 40 curtas-metragens, totalizando desde esta data 52 longas e mais de 300 curtas-metragens. Quanto à produção de conteúdo para televisão, o Núcleo de Especiais da RBS TV produziu 78 programas “Curtas Gaúchos” e 16 “Séries de TV” entre 2010 e 2012 (Fundacine, 2012a).

4 Análise e discussão dos resultados

Buscou-se identificar no discurso dos entrevistados, nesta pesquisa, opiniões cruciais sobre as principais questões apresentadas. Os pontos de vista dos participantes são resumidos a respeito dos temas principais. A interpretação respeitou o critério objetivo da pesquisa e estabelece uma divisão em seis categorias de análise para melhor compreensão:

a) Atores: todos os entrevistados informaram que concordavam com os atores selecionados e reconheciam entre eles os que interagiam. Seis entrevistados sugeriram novos atores, que serão destacados ao longo desta análise.

b) Interações: de maneira unânime, as respostas das entrevistas indicam que há interações nas duas modalidades. No entanto, estas interações não são uniformes. A maioria dos entrevistados afirmou que essas interações ainda trazem poucos resultados práticos para o mercado e, considerando todo o setor audiovisual do estado, elas poderiam contribuir para a inovação. Evidentemente, algumas dessas interações funcionam perfeitamente bem, principalmente em relação aos fundos e às leis de incentivos promovidos pelo Governo. Outras ocorrem de forma ocasional ou até mesmo isolada, sem que o resultado da interação seja distribuído para o setor.

As interações acontecem com maior frequência entre governo e indústria. Em termos de interação, a universidade é o ator que mais resiste, pois possui uma estrutura tradicional e seus professores possuem práticas voltadas ao ensino, e não ao empreendedorismo exigido pelas invenções resultantes dessa interação, porém possui condições humanas e de infraestrutura para avançar neste sentido (Etzkowitz, 2009ETZKOWITZ, H. Hélice Tríplice. Universidade-Indústria-Governo: Inovação em Movimento. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2009.).

Assim, ao se analisar separadamente as áreas de produção para a TV e de produção para o cinema, percebe-se que as interações entre governo e empresas produtoras de cinema são intensas em função dos incentivos, lei e editais que beneficiam essa produção. Ao governo cabe a função de prover recursos de forma correta para o apoio e incentivo à iniciativa privada em prol do desenvolvimento social e econômico do país. Existem funções chamadas diretas e indiretas ao se tratar o papel do governo na Hélice Tripla. Pode-se dizer que as políticas tecnológicas são indiretas, pois não atuam diretamente na criação das ideias e na geração de conhecimento e, mesmo dessa forma, são consideradas fundamentais para o desenvolvimento tecnológico de um país. Por outro lado, para a produção das TVs, o governo praticamente não possui incentivo, uma vez que este mercado possui características sustentáveis pelo escopo estritamente comercial que apresenta.

c) Geração da inovação: a interpretação das entrevistas sugere que o setor de produção audiovisual é inovador nas esferas do governo, indústria e universidade, afinal, todos os entrevistados afirmaram que seus produtos ou empresas inovam. Cada ator inova em seu ambiente de atuação de maneira própria, de acordo com o papel de cada esfera, apresentando basicamente inovação incremental. Na esfera da indústria, há uma preferência pela inovação em produto, assim como na esfera da universidade e na esfera do governo há uma incidência maior em inovação organizacional.

Considerando o produto voltado para o cinema ou para a TV, pode-se afirmar que se trata de um produto inovador. No caso da TV, o produto possui uma audiência altíssima, no entanto, somente uma emissora consegue implementar produções e veiculá-las. Depois da inovação de produto, a inovação de processo é constante na produção audiovisual.

d) Investimento em inovação: no discurso dos entrevistados não há nenhum ator que tenha verba específica para inovação. Esta é a percepção dos entrevistados. No entanto, a partir de um olhar sobre as três esferas, há investimentos na infraestrutura tecnológica para a produção e para a contratação de pessoal especializado para tal finalidade. Tais investimentos representam, respectivamente, investimento em inovação de insumos e inovações organizacionais que resultam em inovação de processos e de produtos.

e) Mobilidade de pessoas: a mobilidade de pessoas entre as esferas é reconhecida pelos entrevistados. Ela é baseada no conhecimento do agente e no benefício que trará à instituição que estabelece a mobilidade. Ainda assim, essa mobilidade é pontual, conforme afirma o entrevistado A, sendo, em muitos casos, restrita a alguns agentes que estabelecem uma ponte (de conhecimento) entre duas esferas. Essa ponte entre duas ou mais esferas qualifica o agente e promove, por consequência, a ativação de uma série de atividades entre tais esferas. De todas as interações, a ponte estabelecida e originada na esfera da indústria com as demais é a mais valorizada. A experiência do profissional de mercado é muito importante para a contribuição nas outras esferas, pois detém conhecimento sobre um ambiente repleto de incertezas, variáveis de mercado e variáveis operacionais que qualificam o sujeito.

f) Inovação através da interação: apesar de a interação acontecer entre as esferas e ser destacada por todos eles, em poucos casos ela resulta em inovação. A maioria dos entrevistados afirma que a troca acontece entre os agentes, e é destacada como importante para o desenvolvimento de novas ideias, mas nem sempre essas ideias chegam à fase final, ou seja, na fase de um novo produto ou novo processo. Destaca-se issoporque a inovação surge da pesquisa aplicada, e na pesquisa nem sempre se chega ao resultado esperado, em alguns casos a pesquisa necessita de um tempo maior de maturação e entendimento dos resultados encontrados ou até mesmo ao fracasso (Fonseca, 2001FONSECA, R. Inovação tecnológica e o papel do governo. Parcerias estratégicas, v. 6. n. 13, p. 64-79, 2001. ).

A interação é feita com o propósito de necessidade ou por carências da empresa e essas empresas ainda não enxergaram essa interação com objetivo de apresentar um diferencial competitivo, principalmente na geração de inovações. A interação funciona, ou seja, resulta em inovação, quando ambos os atores possuem os mesmos objetivos. Uma prova disso são as ações do governo no sentido de criar projetos que envolvam todas as áreas em que os participantes são beneficiados, como o Programa Setorial do audiovisual O programa só existe com o objetivo de que cada projeto gere ao menos uma inovação para o setor em que o governo estará investindo, dessa forma, todos os envolvidos terão uma única meta: a inovação. As necessidades dos atores e as exigências do mercado puxam a interação, mas trazem consigo alguns problemas no caminho em direção à inovação, como a falta de sistematicidade nos processos de troca. Além da falta de sistematicidade, existem também questões humanas envolvendo o choque de egos. Dessa forma, a interação torna-se prejudicada pela falta da destituição de egocentrismos ao arbítrio da burocracia.

As percepções dos entrevistados provam que há grande quantidade de recursos a serem explorados dentro do setor audiovisual e que deveriam ser levados em consideração para o planejamento de qualquer ator, em qualquer esfera. Atuando no sentido de ampliar as interações entre elas, as esferas precisam gerar inovações que contribuam com o desenvolvimento do setor e com o crescimento econômico, social e cultural do estado.

A interpretação das entrevistas sugere uma visão polarizada entre dois campos, TV por um lado e cinema e vídeo por outro, por serem os mais representativos do mercado e reforçando a teoria apresentada. Analisando separadamente cada campo, quando se trata do setor envolvendo o cinema, a relação entre as esferas apresenta uma fusão entre os modelos estadista e laissez-faire. A relação da esfera do governo com a esfera da indústria possui características do modelo estadista, uma vez que a produção de cinema não é autossustentável no estado (assim como no país), pois o mercado sobrevive basicamente com recursos e incentivos governamentais. No que diz respeito às outras duas interações, envolvendo a esfera da universidade com as outras duas esferas, percebe-se um afastamento da primeira em virtude das poucas interações estabelecidas em relação ao fluxo de informações que circula neste setor. Assim, o modelo mais adequado é o laissez-faire, em que contatos pontuais são efetivados, mas que não geram produção conjunta nem produtos coletivos de maneira significativa.

Por outro lado, no caso da produção voltada ao mercado de televisão, o modelo que representa o setor é o laissez-faire, no qual as esferas estão separadas e interligadas por pequenas interações. A relação entre as esferas da Universidade com as demais permanece afastada e a relação entre a esfera do Governo com a esfera da Indústria não possui a mesma dimensão como a direcionada para o cinema, ou seja, o governo oferece poucos incentivos à produção para as TVs, pois entende que o mercado publicitário para a TV aberta e o mercado de assinantes para a TV a cabo podem financiar essa produção sem necessitar de sua intervenção. Mesmo considerando a recente Lei da TV por assinatura, a participação do governo nesta esfera continua reduzida.

Portanto, considerando esse cenário de interações sem resultados significativos entre as esferas, surgem dois tipos de iniciativas dentro do setor: iniciativas próprias de cada esfera no sentido de suprir a carência promovida pela falta de interação, e iniciativas coletivas de alguns atores que puxam o setor em direção ao conceito da Hélice Tripla.

As iniciativas próprias das esferas se apresentam como uma saída para a resolução de necessidades pontuais das instituições que fazem parte do setor. Por exemplo, as empresas produtoras sofrem com a carência de profissionais qualificados que deveria ser atendida pela esfera da universidade. Esta, por sua vez, fornece mão de obra, na maioria dos casos, para funções como roteirista, diretor, etc., com menor espaço para funções de caráter técnico como eletricista, iluminador, entre outros. E essa menor oferta é percebida pelas produtoras. Nesses casos, percebe-se a esfera da indústria assumindo o papel da esfera da universidade, promovendo cursos nestas áreas e desempenhando o papel que a universidade não cumpre. Além disso, percebe-se também que as produtoras de cinema, principalmente em razão da forte dominação estrangeira da distribuição no mercado cinematográfico brasileiro, começaram a atuar também na distribuição, objetivando desenvolver seu próprio mercado sem depender de terceiros e melhorar a capitalização sobre sua produção que ficava restrita apenas à cobertura de custos de produção. Por outro lado, a intervenção do governo no setor fornece novas oportunidades para as produtoras de cinema.

A criação da Lei da TV por assinatura faz com que algumas produtoras de cinema criem novos departamentos voltados para o atendimento à produção televisiva, ampliando os segmentos de atuação. Essas iniciativas, apesar de concordarem com a teoria da Hélice Tripla, operam isoladas e oferecem pistas da evolução do modelo atual em direção ao modelo da teoria de Etzkowitz e Leydesdorff (1997ETZKOWITZ, H; LEYDESDORFF, L. (Eds.) Universities and the global knowledge economy: a triple helix of university-industry-government relations. London: Pinter, 1997.).

As iniciativas coletivas originadas pela interação de alguns atores do setor estabelecem aquilo que a teoria determina como organizações híbridas. Os entrevistados citaram alguns atores e interações-chave que se destacam no sentido de puxar o setor audiovisual do estado do Rio Grande do Sul ao estágio da Hélice Tripla. Como atores-chave foram destacados o Centro Tecnológico Audiovisual do Rio Grande do Sul (TECNA), por ser uma instituição formada pelas três esferas que promete promover a interação do setor de maneira ímpar, buscando a inovação; a Fundacine, como ator que também congrega as três esferas e que se estabelece como uma instituição que opera no padrão da Hélice Tripla; o arranjo produtivo local (APL) do Audiovisual como interação entre as esferas no sentido de identificar as forças e fraquezas do setor, mapear o setor audiovisual e promover políticas; o Programa Setorial do Governo do Estado para a indústria criativa na medida em que reúne em uma mesma discussão representantes de vários segmentos dessa indústria; e a Lei da TV por assinatura que, ao reservar horários para conteúdo nacional, promoverá a atuação das produtoras nacionais. Esses exemplos são os agentes catalizadores de um sistema de inovação que puxam o setor todo no sentido de contribuir para que o cenário atual do audiovisual no estado se desenvolva com o estímulo à inovação de forma mais acentuada do que a mera busca pela sobrevivência dos atores.

Interessante observar que a teoria da Hélice Tripla de Etzkowitz e Leydesdorff (1997ETZKOWITZ, H; LEYDESDORFF, L. (Eds.) Universities and the global knowledge economy: a triple helix of university-industry-government relations. London: Pinter, 1997.) estabelece dois passos de um setor em direção ao sistema de inovação. O primeiro deles é a colaboração entre as esferas que resulta na inovação e o segundo passo é o fato de uma esfera assumir o papel da outra. No caso da produção do setor audiovisual no estado do Rio Grande do Sul - exceto a área de sobreposição das três esferas - essa ordem parece não ser respeitada, apesar do setor oferecer evidências de evoluir na direção da Hélice Tripla. Há mais iniciativas no sentido de um ator assumir o papel de outros atores do que a colaboração em busca da inovação, ou seja, o segundo passo proposto pela teoria acontece antes do estabelecimento do primeiro.

5 Considerações finais

Considerando a teoria apresentada sobre o modelo de sistema de inovação, baseada na teoria de Etzkowitz e Leydesdorff (1997ETZKOWITZ, H; LEYDESDORFF, L. (Eds.) Universities and the global knowledge economy: a triple helix of university-industry-government relations. London: Pinter, 1997.), e o material empírico, concluiu-se que a produção do setor audiovisual no estado do RS não representa o modelo da Hélice Tripla. De forma geral, e observando o setor como um todo, o modelo atual que representa a área da produção do setor audiovisual encontra-se em processo de evolução partindo de uma mescla dos modelos de sistema anteriores, parte estadista e parte laissez-faire, e se encaminha em direção ao modelo ideal da Hélice Tripla.

Assim, no cenário de interações encontrado na pesquisa, sem resultados expressivos entre as esferas, surgem dois tipos de iniciativas dentro do setor: iniciativas próprias de cada esfera no sentido de suprir a carência promovida pela falta de interação, e iniciativas coletivas de alguns atores que puxam o setor em direção ao conceito da Hélice Tripla.

As iniciativas próprias das esferas se apresentam como uma saída para a resolução de necessidades pontuais das instituições que fazem parte do setor. Por exemplo, as empresas produtoras sofrem com a carência de profissionais qualificados. A universidade, por sua vez, fornece mão-de-obra apenas para algumas funções como roteirista, diretor, etc., deixando a desejar na oferta de cursos para funções de caráter técnico como eletricista, iluminador, entre outros. Nesses casos, percebe-se a esfera da indústria assumindo o papel da esfera da universidade promovendo cursos nessas áreas, o que ajuda a minimizar o impacto da falta de profissionais. Além disso, percebe-se também que as produtoras de cinema, principalmente em razão da forte dominação estrangeira da distribuição no mercado cinematográfico brasileiro, começaram a atuar também na distribuição, objetivando desenvolver seu próprio mercado sem depender de terceiros e desejando melhorar a capitalização sobre sua produção que ficava restrita apenas à cobertura de custos de produção. Por outro lado, a intervenção do Governo no setor fornece novas oportunidades para as produtoras de cinema.

A criação da Lei da TV por assinatura faz com que algumas produtoras de cinema criem novos departamentos voltados para o atendimento à produção televisiva, ampliando os segmentos de atuação. Essas iniciativas, apesar de concordarem com a teoria da Hélice Tripla, operam isoladas e oferecem pistas da evolução do modelo atual em direção ao modelo da teoria de Etzkowitz e Leydesdorff (1997ETZKOWITZ, H; LEYDESDORFF, L. (Eds.) Universities and the global knowledge economy: a triple helix of university-industry-government relations. London: Pinter, 1997.).

Assim, é preciso entender este setor composto por uma variedade de segmentos e a compreensão do funcionamento de cada um deles, investindo em um produto audiovisual destinado ao segmento do qual faz parte. Então, quando o Governo investe R$ 5 milhões em uma produção que atingirá 10 mil pessoas e que obterá receitas de um décimo do investimento, significa que não se trabalha para um segmento autossustentável, nem se trabalha com o conceito de indústria criativa, no qual a cultura e a criatividade são vistas como negócio e, portanto, visam ao lucro e à autossustentabilidade conforme elenca a UNCTAD (2010). Um setor que se sustenta pelo financiamento do governo não pode ser considerado indústria criativa. Estudos futuros podem identificar os gargalos em cada um dos segmentos. Porém, tratar o gargalo da distribuição como principal problema do setor é enxergar apenas o problema das produtoras de cinema e não do desenvolvimento do setor em sua totalidade. Dessa forma, como oportunidade de trabalhos futuros destacam-se iniciativas de pesquisar o sistema de inovação nas demais atividades da cadeia produtiva como a distribuição e a exibição regional e nacional, oferecendo continuidade e complementaridade a esta pesquisa, destacando de forma mais congruente o comportamento da inovação em todo o sistema. Então, poder-se-ia incorrer na análise da estrutura completa da atividade audiovisual fomentando as especificidades de pesquisa do modelo da Hélice Tripla como condicionante para concepção de uma “indústria criativa”.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2017

Histórico

  • Recebido
    13 Ago 2015
  • Aceito
    11 Mar 2016
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