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“NINGUÉM QUER SER UM TREZE DE MAIO”: Abolição, raça e identidade nacional nos contos de Astolfo Marques (1903-1907)

“Nobody Wants to Be a May 13 th ”: Abolition, Race and National Identity in the Tales of Astolfo Marques (1903-1907)

RESUMO

O presente artigo aborda a relação entre raça, nacionalidade e Abolição nos contos do intelectual negro maranhense Astolfo Marques (1876-1918) escritos para celebrar o fim da escravidão no Brasil no dia 13 de maio de 1888. A investigação desses textos, publicados na primeira década do século XX, nos permite analisar as formas de integração dos negros à sociedade brasileira moderna através de narrativas construídas por intelectuais negros no pós-abolição.

PALAVRAS-CHAVE:
raça; identidade nacional; Abolição; intelectuais negros; literatura.

ABSTRACT

This article discusses the relationship between race, nationality and Abolition in the short stories of black intellectual Astolfo Marques (1876-1918) written to celebrate the end of Brazilian slavery on May 13 th, 1888. The investigation of these short stories, published in Maranhão in the first decade of the the 20th century, allows us to analyze the forms of social integration of blacks in modern Brazilian society through narratives constructed by black intellectuals after the Abolition in Brazil.

KEYWORDS:
race; national identity; Brazilian abolition; black intellectuals; literature.

No dia 1º de junho de 1903, o escritor negro maranhense Raul Astolfo Marques (1876-1918) publicou na Revista do Norte, importante periódico literário da cidade de São Luís do Maranhão, o conto “O treze de maio (recordações)”. Tratava-se de uma crítica a ausência de festejos para comemorar a Abolição, que à época era um grande feriado nacional. Daí a indignação dos três personagens da narrativa, o quitandeiro Joaquim Matias, o professor Geraldo e o operário Maneco com o tom exclusivamente oficial das comemorações do 13 de maio naquele ano:

-Vejam vocês como se comemora entre nós o maior dia nacional! Comentou o professor. Os operários da Fabril, seu Maneco, que por aí andam a alardear a riqueza e o desenvolvimento da fábrica, deveriam promover com toda pompa, de parceria com as suas congêneres, os festejos da data de hoje.

-Mas é que lá ninguém foi treze; pelo menos não me consta, respondeu placidamente o Maneco.

-O professor ainda se engana com os preconceitos nesta terra?! Pergunta admirado o Joaquim Matias. Ninguém hoje quer ser acoimado de treze, quando há quinze anos atrás era o padrão de glória dos libertos pela lei, cuja data hoje se festeja, dizerem “Eu sou livre por um decreto, assinado com pena de ouro; não tenho carta no cofo!” Ninguém foi treze! Professor, assim o querem, assim seja! E quer que eu lhe diga uma coisa? Falta no Maranhão o patriotismo!…

-E o civismo, acrescentou o Geraldo. (Marques, 1903Marques, Astolfo. “O treze de maio (recordações)”. Revista do Norte, São Luís, 1º jun. 1903, pp. 161-165., p. 162)

Passados quinze anos da Abolição, a honra de ser libertado através da pena de ouro de uma princesa transformara-se num estigma. Aquilo que no mundo aristocrático do Império brasileiro era uma distinção converteu-se, passada pouco mais de uma década republicana, na marca de uma cidadania recente, negra, de segunda classe, signo da integração tardia à nação brasileira. “Depois do 13 de maio, quando se quer cobrir de ridículo qualquer pessoa de cor, diz-lhe: és um treze de maio! Isto é, um liberto, um ex-cativo! Pois bem…”, lamentava o jornal carioca O Carbonário dia 15 de maio de 1889 (Mendonça, 2013Mendonça, Joseli. “Memórias da escravidão nos embates políticos do pós-abolição”. In: Abreu, Martha; Dantas, Carolina; Mattos, Hebe (Orgs.). Histórias do pós-abolição no mundo Atlântico, v. 1: Identidades e projetos políticos. Niterói: Ed. da UFF, 2013., p. 39). A humilhação contida na alcunha “treze de maio” consistia na clivagem racial dos direitos adquiridos pela grande maioria da população negra que já era livre na data da abolição. Ou seja, a extensão do estigma do cativeiro a todos os negros, como se a desejada ampliação da cidadania tivesse o efeito reverso de empurrar a todos para a “vala comum da raça” (Albuquerque, 2010Albuquerque, Wlamyra. “‘A vala comum da “raça emancipada”’: abolição e racialização no Brasil”. História Social, n. 19, pp. 91-108, 2010.). Conforme anotou a historiadora Hebe Mattos (2013Mattos, Hebe. Das cores do silêncio: os significados da liberdade no sudeste escravista-Brasil, século XIX. Campinas: Ed. Unicamp, 2013., p. 361), “negar-se como negro (liberto) significou, fundamentalmente, rejeitar que o estigma da escravidão fosse transformado em estigma racial para mantê-los ‘libertos’, ao invés de livres”. Tentar burlar os “preconceitos” como diz Astolfo Marques.

O presente artigo aborda a relação entre raça, nacionalidade e Abolição nos contos de Astolfo Marques. Todos escritos ainda na primeira década do século XX, qual sejam: “O treze de maio (recordações)” (1903), “Ser treze” (1905), “A comunhão do Romualdo” (1906) e “Aqueles aduladores” (1907). A maioria deles compostos para vir a público no dia 13 de maio em “comemoração da fraternidade dos brasileiros”, como assinala em parênteses ao fim de alguns desses contos. Assim, trata-se de textos engajados contra o progressivo esvaziamento do significado do fim da escravidão, o silêncio e a negação dos “treze de maio”, nas primeiras décadas da Primeira República (1889-1930). Nesse sentido, a investigação desses textos permite retomar a questão clássica, na sociologia brasileira, das formas de integração social dos negros à sociedade brasileira moderna-pautada no trabalho livre e instituições republicanas-, através de narrativas construídas por intelectuais negros no pós-abolição.

Do ponto de vista metodológico, o interesse da análise de contos para interpretar a configuração das hierarquias raciais no pós-abolição brasileiro, além da rara exploração desse tipo de material no campo da sociologia do racismo, é que a realidade social aparece reconfigurada pela imaginação. Assim temos simultaneamente aspectos factuais de um dado contexto histórico em conjunto com as formas nativas como essa mesma realidade era percebida e representada numa dada convenção estética.1 1 No caso de Astolfo Marques, as formas dos contos analisados seguem em geral o estilo do chamado conto clássico, no qual uma história narrada em primeiro plano oculta uma segunda em que é revelado ao leitor o sentido geral da narrativa. Assim, a investigação aqui proposta se interessa pela análise do mundo social configurado nos contos. No caso dos textos analisados, as novas coerções colocadas em jogo pelo fim da escravidão neles se traduzem pela reiterada tentativa de fazer do 13 de maio o símbolo necessário de uma liberdade mais plena no futuro, entretanto, com uma linguagem bem marcada pelas distinções nobiliárquicas herdadas do passado imperial. Por outro lado, é justo esse travo arcaizante, que permite ao autor expressar essas contradições do ponto de vista da gente negra, criando diálogos realistas entre as libertas de seu tempo, cavando fundo na humilhação das pessoas que foram escravas até o derradeiro dia da Abolição.

MEMÓRIAS DO TREZE DE MAIO

Uma das pistas para a relevância desse tema no conjunto de contos de Astolfo Marques é o contexto maranhense de finais do século XIX. Naquela província, a mobilização de uma etiqueta escravista nas relações de trabalho e de sociabilidade de modo a rebaixar o estatuto de pessoas livres de cor marcou o processo de emancipação no Maranhão, onde a população negra e mestiça começou a tornar-se majoritária em meados do século XIX. O Recenseamento Geral do Império Brasileiro publicado em 1872 registra que na cidade de São Luís, que concentrava a maior população escravizada do estado entre os seus 31.604 habitantes, os indivíduos classificados como “pretos” e “pardos” constituíam o dobro daqueles categorizados “brancos”. Entretanto, o conjunto de pardos e pretos livres que habitavam a ilha superava ligeiramente o número de cativos e tenderia a crescer nas últimas décadas da escravidão (Faria, 2004Faria, Regina Helena. “Demografia, escravidão africana e agroexportação no Maranhão oitocentista”. Ciências Humanas em Revista, v. 2, pp. 79-99, 2004.). Nesse contexto de preponderância demográfica de negros e mestiços livres antes da Abolição, a generalização alcunha de “treze de maio” ou mesmo “liberto” realizava toda a sua violência simbólica: rebaixava os direitos civis da imensa maioria de homens e mulheres livres, desclassificando-os através de classificações de cor e outras categorizações de grupo.

No fim do século XIX, esses conflitos tornaram-se tão visíveis na cidade de São Luís que migraram do foro privado para o debate público, através do enorme sucesso e polêmica do romance O mulato (1881), de Aluísio Azevedo. O livro apresentou ao país um Maranhão arcaico e aristocrático, na contramão das reformas necessárias para integrar o Brasil entre as nações modernas. Os preconceitos e humilhações sofridos pelo personagem central, um mulato instruído, culto e rico no seio das famílias tradicionais da capital maranhense é o móvel da narrativa. Um dos trechos mais famosos é a conversa entre o cônego Diogo e o comerciante português Manuel Pescada:

E no fim de contas estão se vendo por aí todos os dias superiores pretos como nossas cozinheiras! Então isto tem jeito?! O governo! E o cônego inchava a voz-O governo devia até tomar uma medida séria a esse respeito-proibir aos cabras certos misteres.

-Mas, compadre!...

-Que conheçam seu lugar!…

[…] Pois você queria ver sua filha sendo confessada, casada por um negro?! você queria, compadre, que a D. Annica beijasse a mão de um filho da Domingas?! Si ela viesse a ter filhos queria que seus netos apanhassem palmatoadas de um professor negro?! Ora, seu Manoel! Você as vezes até me parece tolo! (A. Azevedo, 1881Azevedo, Aluízio. O mulato. São Luís: Typ. do Paiz, 1881., pp. 30- 31)

Astolfo Marques pertencia a esse segmento que precisava “conhecer o seu lugar”. Famílias negras livres que conviveram com as últimas décadas da escravidão brasileira e apostaram na libertação dos cativos como fundamento de um contrato social sem distinção de cor, origem e nascimento. O escritor, nascido apenas cinco anos após a Lei do Ventre Livre (1871) era o caçula de uma família de mais cinco irmãos chefiados pela cafuza livre Delfina da Conceição Marques, que se ocupava como lavadeira e engomadeira. Uma senhora que investiu na educação do seu menino como via de ascensão social. No ano de 1885, aos nove anos de idade, Astolfo Marques frequentava a primeira escola municipal da primeira freguesia da capital. Nos anos de 1891 e 1892, com quinze e dezesseis anos, ele frequenta as aulas de português e francês ministradas pelo professor Müller, funcionário da escola municipal da primeira freguesia.2 2 A Pacotilha, 30 jun. 1891, p. 2; 3 ago. 1891, p. 3; 16 nov. 1891, p. 3; 23 nov. 1891, p. 3; 7 dez. 1891, p. 3, 14 dez. 1891, p. 3; 5 jan. 1892, p. 3; 19 jan. 1892, p. 3; 9 mai. 1892, p. 3; 23 mai. 1892, p. 3; 6 jun. 1892, p. 2; 13 jun. 1892, p. 3; 26 jul. 1892, p. 3; 9 ago. 1892, p. 3; 23 ago. 1892, p. 2; 27 set. 1892, p. 3; 24 out. 1892, p. 3. Em 1895, rapaz de dezenove anos, Astolfo Marques é aprovado nos exames gerais de francês.3 3 A Pacotilha, 7 jan. 1895, p. 3 Mas estes esforços não lhe permitiram ingressar no Liceu Maranhense, porta de entrada para as faculdades do Império Brasileiro e rota capaz de fazê-lo escapar da linha negra dos serviços manuais e humilhantes do mercado de trabalho em formação. Em 1896, rapaz de vinte anos, ingressou como “vassoura” na Biblioteca Pública de São Luís.

No começo da fase adulta de sua vida, Astolfo Marques enfrentou algumas das barreiras que levaram diversos intelectuais negros e mestiços a sentirem uma profunda descontinuidade entre a Abolição e a liberdade como garantia dos direitos à cidadania. Essa clivagem foi tema de reflexão de diversos escritores brasileiros, alguns deles negros e mulatos. É célebre a crônica de Machado de Assis sobre a alforria do escravo Pancrácio, publicada dia 19 de maio de 1888, uma semana depois do decreto de libertação:

Pancrácio aceitou tudo: aceitou até um peteleco que lhe dei no dia seguinte, por não me escovar bem as botas, efeitos da liberdade. Mas eu expliquei que o peteleco, sendo um impulso natural, não podia anular o direito civil adquirido por um título que lhe dei. Ele continuava livre, e eu de mau humor, eram dois estados naturais, quase divinos. (Assis, 2008Assis, Machado de. Bons dias! Campinas: Ed. Unicamp, 2008., p. 110)

Como sói acontecer em Machado de Assis, nada é evidente, e o texto pode ser interpretado tanto como metáfora da continuidade da exploração dos negros no pós-abolição, como o fez Gledson (2003Gledson, John. Machado de Assis: ficção e história. São Paulo: Paz e Terra, 2003., pp. 145-148), quanto uma crítica cômica da autoimagem da elite senhorial do Segundo Reinado, proclamando a força da sua vontade no instante em que emancipação era um fato consumado (Chalhoub, 1990Chalhoub, Sidney. Visões da liberdade. São Paulo: Companhia da Letras, 1990., pp. 95-102). Mas em ambos os casos, o dia da Abolição, os ritos e comemorações do 13 de maio, simbolizados na crônica através do cerimonial da alforria, não constituem uma ruptura histórica, seja devido à continuidade da concentração de poder entre os antigos senhores, seja devido à primazia concedida aos esforços anteriores à data oficial da libertação.

Numa tonalidade muito diversa, em suas reminiscências sobre a infância, Lima Barreto preenche o hiato entre a Abolição e a liberdade ansiada com a voz saudosa da melancolia:

Era bom saber se a alegria que trouxe à cidade a lei da abolição foi geral pelo país. […] com aquele feitio mental das crianças, só uma coisa me ficou: livre! livre! Julgava que podíamos fazer tudo o que quiséssemos; que dali em diante mais limitações aos progressistas da nossa fantasia. Mas como ainda estamos longe disso! Como ainda nos enleamos nas teias dos preceitos, das regras e das leis! (citado em Schwarcz, 2010_____. “Lima Barreto: termômetro nervoso de uma frágil República”. In: Barreto, Lima. Contos completos. São Paulo: Companhia das Letras, 2010., p. 24)

Nessas lembranças, a liberdade pensada na chave infantil da liberação anárquica dos desejos e fantasias, imagem arcaica da própria criatividade literária, encontra seu limite na própria forma da história. “O tempo inflexível, o tempo que como moço é irmão da Morte, vai matando as aspirações, tirando as perempções, trazendo desalento, e só nos deixa na alma essa saudade do passado […]” (Schwarcz, 2010_____. “Lima Barreto: termômetro nervoso de uma frágil República”. In: Barreto, Lima. Contos completos. São Paulo: Companhia das Letras, 2010., p. 24). Não há lugar para a ironia machadiana, que cava sua liberdade artística movendo-se na matéria mesma da coerção social. A alegria de uma cidade inteira no dia da Abolição perfaz em Lima Barreto a alegoria da inocência perdida nas garras do tempo.

Essa sensibilidade cultural desiludida pela experiência de uma transformação sem mudança na correlação de forças no mundo social também comparece no romance Vencidos e degenerados (1915), do escritor negro maranhense José do Nascimento Moraes (1882-1958). Numa passagem-chave do livro, conversam um intelectual mulato e um professor branco arruinado pela oligarquia política, ambos egressos do movimento abolicionista:

-Eu esperava que depois do 13 de maio, por que trabalhei tanto; depois do 15 de novembro, com que me alegrei bastante; esperava que houvesse uma renovação social. Errônea ou acertadamente eu cuidava que a pública administração com luzes mais fortes e puras, tomasse outro caminho que não esse que hoje nos infelicita.

-Mal cuidaste, bem compreendo. Só se poderia dar semelhante transformação se os ex-escravos e seus filhos depressa aprendessem a ler e a escrever e muito cedo percebessem que coisa é essa que se chama direito político. (Moraes, 1915Moraes, José do Nascimento. Vencidos e degenerados. São Luís: Ramos d’Almeida, 1915., pp. 55-56)

Dessa perspectiva, o 13 de maio constitui uma ruptura negativa. Contra todas as expectativas de liberdade e igualdade que inspiraram a Abolição e a República, a sociedade brasileira permaneceu aquém do progresso e sob um pacto social inautêntico, dada a marginalização social e política dos libertos. “Depois do 13 de maio o Estado precisava de um serviço de instrução pública de primeira ordem. […] O preconceito, o estúpido preconceito afastou o negro das escolas. Maltratados, ridicularizados, insultados, foram a pouco e pouco se retraindo, até se ausentarem de todo” (Moraes, 1915Moraes, José do Nascimento. Vencidos e degenerados. São Luís: Ramos d’Almeida, 1915., p. 194). A combinação entre a força do preconceito de cor e a retração do Estado seria base da desigualdade social na república brasileira.

A própria formação do movimento negro brasileiro em São Paulo, na primeira metade do século XX, contando em suas fileiras filhos e netos de escravos e libertos, colocou em jogo a simbologia do 13 de maio. Mas agora a desilusão se converte em utopia. Florestan Fernandes notou com pioneirismo e originalidade que as formas de contestações do preconceito racial articuladas nos jornais da imprensa negra nas décadas de 1920 e 1930 construíram uma visão crítica sobre a história nacional condensada na utopia de uma Segunda Abolição. Uma revolução dentro da ordem na qual o pleno acesso dos negros à educação e às benesses da modernidade paulista permitiria completar, pelo fim do preconceito de cor, a obra da construção nacional firmada na Abolição (Domingues, 2008Domingues, Petrônio. A nova abolição. São Paulo: Selo Negro, 2008., p. 53).4 4 O historiador Petrônio Domingues (2008, p. 53) enfatizou que a reivindicação por oportunidades educacionais constituía um dos principais conteúdos materiais dessa nova libertação. “[…] o lema de todos os jornais era incisivo: educar os descendentes de escravos. O conceito de educação articulado não tinha uma conotação estritamente formal, e sim um sentido moral (isto é, do caráter) e o aprendizado dos valores civilizatórios que amiúde transcendiam a instrução escolar”. “Dessa perspectiva o passado e o presente da sociedade brasileira podiam ser explicados por meio da ‘espoliação secular do negro’ e do significado histórico que a luta contra essa espoliação possui para a ‘gente negra’” (Fernandes, 2008Fernandes. Florestan. A integração do negro na sociedade de classes. São Paulo: Global, 2008., pp. 40-41).

A mobilização do 13 de maio enquanto ruptura histórica também constituiu reivindicações operárias no pós-abolição, como é o caso da luta dos trabalhadores portuários que fundaram a Sociedade de Resistência dos Trabalhadores em Trapiche e Café no Rio de Janeiro em 1905. Uma das principais bandeiras da associação, composta majoritariamente por homens negros, era o fim do uso do chicote e outros castigos corporais como forma de punição. Conforme o depoimento de um trabalhador: “essa situação se para alguns era natural, porque sua infeliz condição de trabalhador do café era um prolongamento da do eito, que o 13 de maio demoliu, para a maioria era uma afronta […] e um desmentido à bondade de Deus” (citado em Cruz, 2006Cruz, Maria Cecília Velasco. “Cor, etnicidade, e formação de classe no porto do Rio de Janeiro: a Sociedade de Resistência dos Trabalhadores em Trapiche e Café e o conflito de 1908”. Revista USP, n. 68, pp. 188-209, 2006., p. 195). Assim, a luta pela dignidade do trabalhador enquanto plenamente homem livre é ancorada na memória da Abolição.

O estudo de Joseph L. Love sobre a rebelião pelo fim do açoite na marinha brasileira conhecida como Revolta da Chibata (1910) explorou esse aspecto. Na época, o Brasil era o único país do Ocidente que ainda lançava mão da chibata para punir marinheiros de baixa patente. “Para os marinheiros, alguns dos quais filhos de pais nascidos escravos, o chicote estava intimamente associado ao regime escravocrata, sendo provavelmente ainda mais intolerável do que teria sido nas marinhas, onde não havia tal associação” (Love, 2012Love, Joseph L. The Revolt of the Whip. Stanford: Stanford University Press, 2012., p. 67, tradução livre)5 5 “In the minds of the seamen, some of whose parents were born slaves, the lash was intimately associated with the slave regime and was therefore probably even more intolerable than it would have been in navies where the was no such association”. . O negro João Candido, principal líder da sublevação, era filho de escravos ou de pessoas recentemente alforriadas quando nasceu por volta de 1880. “O desejo de ‘liberdade’, um slogan da revolta e direito manifesto de todos os cidadãos, provavelmente se origina da memória da escravidão […]”(Love, 2012, p. 85, tradução livre)6 6 “The desire for ‘freedom’, a slogan of the revolt and a manifest right of all citizens, probably has its origins in the memory of slavery […]”.

Nesse sentido, pode-se argumentar que, em diferentes contextos, linguagens e enquadramentos, o 13 de maio como símbolo alimentou com ironia, melancolia, desilusão, utopia e até mesmo com mentira e farsa a narrativa e o imaginário brasileiro sobre a relação entre raça, nacionalidade e cidadania (Schwarcz, 1990Schwarcz, Lilia. “De festa também se vive: reflexões sobre o centenário da abolição em São Paulo”. Estudos Afro-asiáticos, n. 18, pp. 13-25, 1990.; Cavalcanti, 1990Cavalcanti, Maria Laura V. de Castro. “A temática racial no carnaval carioca: algumas reflexões”. Estudos Afro-Asiáticos, n. 18, 1990.; Abreu e Dantas, 2011Abreu, Martha; Dantas, Carolina Vianna. “É chegada ‘a ocasião da negrada bumbar’: comemorações da abolição, música e política na Primeira República”. Varia Historia, v. 27, n. 45, pp. 97-120, 2011.; Domingues, 2011_____. “‘A redempção de nossa raça’: as comemorações da abolição da escravatura no Brasil”. Revista Brasileira de História, v. 31, n. 62, pp. 19-48, dez. 2011.; Rios, 2012Rios, Flavia. “O protesto negro no Brasil contemporâneo (1978-2010)”. Lua Nova, n. 85, pp. 41-79, 2012.; e Moraes, 2015Moraes, Renata Figueiredo. “A abolição no Brasil para além do parlamento: as festas de maio de 1888”. In: Machado, Maria Helena Pereira Toledo; Castilho, Celso Thomas (Orgs.). Tornando-se livre. São Paulo: Edusp, 2015.).7 7 Um punhado dileto de especialistas tratou do assunto: Schwarcz (1990), Cavalcanti (1990), Abreu e Dantas (2011), Domingues (2011), Rios (2012) e Moraes (2015). As formas e os sentimentos acerca de como os negros tornaram-se cidadãos brasileiros.

Nos contos de Astolfo Marques essa dimensão aparece ligada ao problema da memória histórica da luta contra a escravidão no Brasil, ponto central do texto “O treze de maio (recordações)”. Conforme afirma um dos personagens: “Eu nunca me esquecerei […] da solenidade com que um clube carnavalesco-o Francisquinha, alforriou nhá Sara e mais outra mulher, cujo nome não me lembro, escrava do Cerqueira Pinto” e mais adiante “Houve a célebre alforria conhecida como ‘grito do Bazola’, e como consequência a organização do Club Artístico Abolicionista Maranhense em 1886” (Marques, 1903_____. “O fundador”. A Pacotilha, São Luís, 9 abr. 1904, pp. 1-2., p. 162).

A liberdade que jaz esquecida no rechaço e na vergonha dos “treze de maio” é a que emergiu do esforço coletivo, popular, a liberdade de nhá Sara, das alforrias públicas promovidas por grupos carnavalescos, pela Irmandade de São Benedito, a liberdade cívica do movimento social abolicionista. A liberdade que remodelou a relação entre os súditos do Império Brasileiro e a formação da res pública ao desnaturalizar a escravidão dos hábitos e costumes. “[…] não me esquecerei nunca dum chefe de polícia que aqui houve, muito abolicionista. Quando ia algum senhor pedir a captura de um escravo fugido, ele sempre de saía com esta: ‘como se chama o seu escravizado? Quais os principais sinais do seu escravizado?’” (Moraes, 1903, p. 163). Essa liberdade que ao transformar formas de pensar e sentir conectou a emancipação dos indivíduos à transformação das instituições daquela sociedade.

Nesse sentido, o tema central do conto “O treze de maio (recordações)” é o abolicionismo, pensado enquanto o fundamento cívico para a sociedade brasileira moderna. Um dado interessante, pois o esforço das ciências sociais e da historiografia contemporâneas para evidenciar a agência dos escravos em prol de sua liberdade tendeu a enquadrar o movimento social contra a escravidão como mais uma face elitista e branca do paternalismo brasileiro e com vistas à contenção da revolução social (Azevedo, 2001Azevedo, Celia Maria Marinho. “Quem precisa de São Nabuco?”. Estudos Afro-Asiáticos, v. 23, n. 1, pp. 85-97, 2001.).8 8 Essa perspectiva é flagrante em C. Azevedo (2001). Entretanto, descura-se da influência do repertório moral do abolicionismo para a formação das retóricas negras de inclusão social no pós-abolição (Guimarães, 2012Guimarães, Antonio Sergio Alfredo. “Cidadania e retóricas negras de inclusão social”. Lua Nova, n. 85, pp. 13-40, 2012., p. 29). Especialmente no tocante às noções de cidadania e nacionalidade:

Um diferencial da retórica brasileira (abolicionista) vis-à-vis o repertório estrangeiro esteve na adição da ideia de cidadania incompleta. Nos Estados Unidos, a convivência entre liberalismo e escravidão não alarmava a elite política, no entanto aqui causava desconforto. Os abolicionistas o exploraram: a liberdade, como a igualdade civil entre todos os brasileiros, seria indispensável para completar a formação da nação. (Alonso, 2015Alonso, Angela. Flores, votos e balas: o movimento abolicionista brasileiro (1868-1888). São Paulo: Companhia das Letras, 2015., p. 101)

A noção de cidadania incompleta talvez seja o legado mais influente do abolicionismo no pensamento social brasileiro e, em particular, entre os intelectuais negros que mobilizaram a simbologia do 13 de maio para interpretar a sociedade brasileira moderna. No caso das “recordações” de Astolfo Marques, o destaque é para a articulação entre a construção do espaço público, do civismo, na campanha abolicionista, e a emergência de formas de sociabilidade e solidariedade nacionais, isto é, capazes de transcender as barreiras de status social e cor insuflando a conexão entre o mundo dos letrados e o povo.

Daí a importância que o autor confere ao surgimento do jornal A Pacotilha em 1881. “Nesse jornal se zurziu sem pena e sem dó o pelo dos escravocratas”, afirma o contista acerca do vespertino. Numa crônica dedicada exclusivamente ao fundador da folha, Victor Lobato, o escritor negro afirma que sua grande novidade foi “por em prática o que até então ninguém cogitara de fazer: o jornal para todos, que um punhado de crianças enjaquetadas de zuarte americano, trazendo na cabeça barretes vermelhos, apregoavam pelo centro da cidade e pelos subúrbios-‘Pacotilha’, 40 réis!” (A Pacotilha, 9 abr. 1904, p. 1). Nessa perspectiva, o “jornalismo popular” como diz o contista, voltado à ampliação de direitos no Império Brasileiro, era um corolário da libertação dos cativos. Uma anotação interessante, na medida em que o próprio trabalho intelectual de Astolfo Marques, que tanto publicou em A Pacotilha na década de 1900, vincula-se, em certa medida, à emergência desses novos espaços de vocalização política e literária.

Nesse mesmo sentido, outro aspecto valorizado na narrativa de Astolfo Marques sobre o abolicionismo é a sociabilidade da boemia literária.

Na Casa Queiroz, um botequim que havia ali onde era o High-Life, defronte do Teatro, se reunia a rapaziada abolicionista, e era o quartel-general dum grande número de rapazes e d’alguns macróbios que bebericavam e palravam todas as noites, até as dez horas, quando, ao toque de silêncio, em S. João, se iam atirando ao caminho dos penates.

Havia à porta do célebre botequim uma tribuna, especialmente construída para nela se discursar pelos festejos do 13 de maio. Não havia passeata que por ali não passasse, havendo naquele ponto sempre uns três ou quatro oradores notáveis. (Marques, 1903Marques, Astolfo. “O treze de maio (recordações)”. Revista do Norte, São Luís, 1º jun. 1903, pp. 161-165., p. 163)

O botequim de tanta cerveja e camaradagem, onde os que mal encostavam na pena também são chamados de “literatos” e fazem longos discursos aos passantes, aparece como um território crucial na construção do espaço público brasileiro. Tanto no sentido de ensejar a organização política civil através de clubes, jornais e associações como por viabilizar uma sociabilidade mais aberta, menos marcada pela etiqueta escravista e aristocrática que então moldava comportamentos e costumes. O desprestígio das pessoas libertadas no dia 13 de maio rejeitava o engendramento dessas formas de conduta e estilos de vida modernos construídos em meio ao lento processo de emancipação.

De qualquer maneira-é preciso que recordemos-as críticas do texto se dirigem aos próprios “treze de maio”, a ausência das festas que essas pessoas tinham a obrigação cultural de realizar durante o feriado nacional. Ângulo controverso com que o conto internaliza o tema da formação da nação. “Quem será o patriota que toca foguetes?” (Marques, 1903Marques, Astolfo. “O treze de maio (recordações)”. Revista do Norte, São Luís, 1º jun. 1903, pp. 161-165., p. 165, grifo meu), pergunta uma das personagens ao notar que havia festa nalgum canto de São Luís. Uma das mensagens subliminares de contos como “O treze de maio (recordações)” e “Ser treze”, em que a questão retorna em nova chave, é que não há identidade brasileira digna se aqueles que foram os últimos escravos do país não conquistarem o sentimento de pertencer à nação. Tanto no sentido de que a vergonha e o não reconhecimento público dessas pessoas significam a vitória social do preconceito, como em relação ao enfraquecimento das festas, das formas gregárias da cultura popular, das celebrações públicas organizadas pelos pobres, que articulam a um só tempo os signos diacríticos, considerados “autênticos”, de uma identidade nacional quanto o valor da fraternidade, que junto com a liberdade e a igualdade constituem o fundamento ético da política moderna.

Desse ponto de vista, a experiência cívica de formação da res pública, construída na luta pela emancipação, precisa articular-se às formas de expressão e sentimento presentes na cultura popular, marcadamente negra e mestiça, para forjar uma nação livre e identificada com sua gente. Daí que a mais alta homenagem das “recordações” dirija-se a duas senhoras. A vendedora do tradicional mingau de milho maranhense nhá Domingas, que junta seus poucos recursos para realizar uma missa em intenção dos abolicionistas já falecidos no dia 13 de maio e também “nhá Sebastiana [que] reúne na sua choupana uma meia dúzia de libertos e faz que eles, numa rutilante alegria, dancem o carimbó, requebrada e batidinhamente!…” (Marques, 1903Marques, Astolfo. “O treze de maio (recordações)”. Revista do Norte, São Luís, 1º jun. 1903, pp. 161-165., p. 165). É preciso a festa para construir uma nação.

FESTA E FRATERNIDADE

Essa ênfase na importância das manifestações populares e das festas para a construção do espaço público brasileiro e como via de criação de uma nacionalidade autêntica é uma herança intelectual dos pioneiros do estudo folclore no país no século XIX, como Celso Magalhães, Sílvio Romero e, especialmente, Melo Moraes Filho com o livro Festas e tradições populares no Brasil, publicado em 1888. Em O império do Divino, a historiadora Martha Abreu observou que:

As festas populares […] fizeram parte de um importante campo de luta intelectual em torno da questão nacional, onde circulavam e disputavam, concomitantemente, visões ufanistas e saudosistas de uma antiga tradição e identidade da cidade, e concepções favoráveis, ou não, à miscigenação e às teorias cientificistas racistas. (Abreu, 1999Abreu, Martha. O império do Divino. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999., p. 141)

Astolfo Marques inseriu-se nesse campo de disputas, marcando o papel integrador da cultura popular, desde os seus primeiros textos publicados a partir de 1900 no boletim Os Novos, através de artigos como: “O cancioneiro maranhense”; “O romanceiro maranhense”; “Os tipos populares i: o caroba”; “Os tipos populares ii: o troíra”; “Os tipos populares iii: o pomada”. Na verdade, o projeto de maior envergadura intelectual do autor não era ficcional, mas justamente uma obra em dois volumes intitulada As festas populares maranhenses, da qual só nos restou o capítulo sobre a festa de São Benedito. Neste texto, o contista enfatiza a importância das “alforrias de São Benedito” como marco fundador do abolicionismo no Maranhão, bem como a força da fé e do festejo dedicado ao “santo preto” para comunhão dos devotos independente da origem, cor e condição social (Gato, 2013Gato, Matheus. “Astolfo Marques e as festas populares maranhenses”. Afro-Ásia, n. 48, pp. 337-360, 2013.).9 9 Para uma leitura mais detalhada ver Gato (2013).

Essa relação entre festa, cultura popular, abolição e a formação de um sentimento de pertença à nação aparece de modo flagrante no conto “A comunhão do Romualdo (cenas da roça)”. Um subtítulo que demarca a intencionalidade realista do texto assim como o enfoque descritivo de matiz regionalista.

Era em 1888, na fazenda Santa Rosa, do coronel Gonzaga, a margem do Mearim.

Situada, como quase todas as outras da província, num quadrilátero, cercada de acapu, havendo três panos de cerca canceladas dando fácil acesso a outras tantas tortuosas e estreitas estradas, a Santa Rosa era importante e obedecia a sagaz e produtiva direção.

A casa de vivenda, casa grande ou casa dos brancos, como a chamavam os escravos, vistosamente erguida do lado do poente, ficava ao término de dois renques de coqueiros paralelos que, simetricamente estendidos, iam tocar ao cercado que lhe ficava fronteiro.

Ladeavam a casa grande o engenho de açúcar e a bolandeira.

Atrás do coqueiral erguiam-se a rancharia, pequenas casas de porta e janela, toscas, cobertas de telhas, sem reboco, mais ou menos bem alinhadas.

Pelo meio do sítio cresciam árvores frutíferas-mangueiras, cajueiros, bacurizeiros, jaqueiras, oitizeiros-com espessos troncos, junto dos quais se viam pesados carros com as cangas.

Também aos lados da casa de vivenda situavam-se outras casas, como as de carpintaria, da ferraria, o armazém de açúcar e a morada do feitor da fazenda.

Os escravos, além da sua habitação, no andar térreo, possuíam um a oura, a que chamavam girau, onde, depositavam os surrões, os baús, as canastras e o cofo, companheiro inseparável de todas jornadas, na caça, na pesca, na colheita, na salga, na matulagem.

Na habitação dos brancos, um edifício assobradado, tinha-se entrada por uma escadaria, fora do corpo da vivenda, que levava do patamar à larga e comprida varanda que circundava a casa por três lados.

São originais as varandas no norte do Brasil pois não formam nem terraço, nem o termo propriamente dito, e sim um complemento da casa. E tão grande são elas que, as mais das vezes, servem de salas de visita, de jantar ou de trabalho; salão de dança e-quantas vezes!-alcova, além de que constituem o lugar predileto do lavrador. (Marques, 1906_____. “A comunhão do Romualdo”. Revista do Norte, São Luís, abr. 1906, pp. 152-154., p. 152, grifos do autor)

É nítida a pretensão etnográfica do texto. Não se trata apenas de elaborar uma história ficcional, mas de revelar aspectos concretos do mundo social através da literatura. O que se busca aqui é a tipicidade. A fazenda descrita deve ser considerada pelo leitor como um modelo genuíno das casas-grandes e senzalas do Maranhão. Daí o apreço aos detalhes, às formas de designação utilizada pelos escravos para nominar os territórios do lugar, à descrição meticulosa da casa de vivenda e das árvores do sítio, das pobres moradas de rancharia habitadas por trabalhadores livres, da posição do engenho de açúcar, da identificação do lugar às margens do rio Mearim, enfim, tudo numa disposição absolutamente verossímil para o leitor. É preciosa a descrição da varanda da casa de vivenda e dos usos e costumes ligados àquela parte da casa num trecho que revela o acento regionalista, “nortista”, presente na maioria dos contos de Astolfo Marques.

O excerto também é marcado pela valorização das diferenças e desigualdades sociais e raciais na composição do ambiente ficcional. A narração do espaço é inteiramente marcada por essas assimetrias, visíveis na distinção entre a “casa dos brancos”, a morada do feitor, as casas de porta e janela com telhas e sem rebocos da rancharia e o “girau” dos escravos. A posição social dos cativos também é demarcada com relação aos utensílios de trabalho que lhes caracterizam, como o cofo, enquanto que os brancos são observados pelos gostos aristocráticos que moldam a arquitetura da casa-grande, como a longa escada e a espaçosa varanda. A fazenda Santa Rosa, imagem regional do Brasil, é uma terra de contraste, como diria Roger Bastide, um lugar onde a proximidade entre pessoas diferentes e desiguais são superpostas de modo contíguo, sem misturas, no espaço social.

Mas estamos justamente na páscoa de 1888, às vésperas da Abolição, quando toda aquela sociedade será reconfigurada. Essa escolha pelo momento imediatamente anterior ao fim da escravidão valoriza o modo como o conto põe em cena a esperteza dos pobres, suas habilidades para contornar as hierarquias rígidas e os conflitos polarizados, bem como a força da festa popular para gerar um sentimento de comunhão entre todos, a despeito das diferenças sociais. Assim é que o personagem central da história, o preto Romualdo, coloca sutilmente em xeque as regras católicas da casa dos brancos. Todos os anos, na Páscoa da Ressureição, o vigário Mirasol vinha realizar os sacramentos da penitência e da eucaristia, à qual os escravos também estavam submetidos.

Havia, porém, na Santa Rosa uma pessoa que circunstâncias imprevistas e ocorridas todos os anos por aquela época arredavam do confessionário. Era o preto Romualdo, um dos mais queridos escravizados dos Gonzagas e que nunca se confessara, uma vez que fosse na sua vida, que já ia por uns quarenta janeiros. Viagens a pontos longínquos, ora como guia de viajadores, ora como tangedor de gado vacum que era, formavam sério obstáculo para que a mira do vigário assestasse o sol do remisso pecador. (Marques, 1906_____. “A comunhão do Romualdo”. Revista do Norte, São Luís, abr. 1906, pp. 152-154., p. 152, grifos do autor)

E foi o próprio fazendeiro quem avisou ao padre que naquele ano o Romualdo iria ao confessionário com direito ao jejum obrigatório da comunhão da Páscoa. Muitos foram os risos e o deboche da sua aflitiva situação. “A parceirada do preto trazia-o num cortado de nossa morte, fazendo-o passar por uma tremenda saraivada de motejos. Queriam ver como ele, tapado e moleirão, se haveria diante do confessor. E depois, a penitência, o jejum, as rezas…” (Marques, 1906_____. “A comunhão do Romualdo”. Revista do Norte, São Luís, abr. 1906, pp. 152-154., p. 153). De qualquer forma, os ensinamentos das sinhás moças o haviam tranquilizado quanto aos procedimentos do rito. O seu único pavor “era sofrer de fome com o jejum, privação obrigatória na fazenda pela Páscoa” (Marques, 1906, p. 153). Para fugir dessa situação, Romualdo elaborou um plano. No dia mesmo da sua comunhão, ele não teve dúvidas, seguiu para o poleiro ainda de madrugada e, sem que ninguém o visse, matou e comeu um dos galos mais belos do seu senhor. Na manhã seguinte estava armada a confusão entre os escravos:

Sacrilégio! Bradaram. Comer antes de tomar o senhor.

Mas o Romualdo explicou-se, procurando mostrar que tinha a razão ao seu lado. Ouvira falar que um galo anunciara o nascimento de Cristo, e fora por isso que achando que o seu estômago, que nunca recebera o corpo do Senhor, estranharia a visita, se ela não fosse precedida da dum galo anunciante tomara tal resolução. (Marques, 1906_____. “A comunhão do Romualdo”. Revista do Norte, São Luís, abr. 1906, pp. 152-154., pp. 153-154)

E ainda se saiu com esta:

Então que vocês queriam? Eu havia de botar galo pra dentro por cima do Nosso Senhor?! Deus Nosso Senhor é que devia ir por cima do galo! (Marques, 1906_____. “A comunhão do Romualdo”. Revista do Norte, São Luís, abr. 1906, pp. 152-154., p. 154)

Como não é raro ocorrer nos contos de Astolfo Marques, um personagem subalterno ameaça as regras sociais por uma razão completamente pessoal e fortuita gerando conflitos de ordem política. Essa a “razão” que estava ao lado de Romualdo que convoca a importância do galo como símbolo bíblico e a hierarquia religiosa entre o céu e a terra, o alto e o baixo, para contornar regras que implicam na experiência continuada da privação. A esperteza dos pobres, dos que têm medo da fome, consiste em defender seus desejos e interesses lançando mão da linguagem mesma da ordem. Mas há algo mais. Essa artimanha do preto em rearticular as diferenças numa chave que amplia sua autonomia, ainda que não destrua a rigidez das convenções sociais, é matriz de um novo sentimento de pertencimento coletivo que será traduzido no espaço da festa. Quando o padre se foi desobrigando a todos do jejum e o senhor concedeu três dias de descanso à escravaria:

A viola estrugiu, os pandeiros chocalharam vivazes com maestria, acompanhando-os a marimba e a harmônica. Tão imensa era a alegria, tão vibrante o prazer que dizia-se começar a refletir aos olhos daquela gente uma como que luminosa miragem ou-quem sabe?-festejando já os prelúdios da confraternização social, que, um mês após, irmanava os brasileiros. (Marques, 1906_____. “A comunhão do Romualdo”. Revista do Norte, São Luís, abr. 1906, pp. 152-154., p. 154, grifo meu)

Nesse sentido, a malícia dos pobres traduzida na cultura popular e a força da festa como que antecipam o senso da “confraternização social” estimulada pela Abolição. Mas as condições brasileiras fazem da raça a linguagem implícita da fraternidade. Como afirmou Astolfo Marques dia 13 de maio de 1905_____. “Ser treze”. A Pacotiha, São Luís, 13 maio 1905, p. 1.: “a estas horas certamente que […] muitos comemoram no coração a data da lei que fraternizou os nacionais e que, igualando pretos e brancos, prenunciou uma nova era […]” (Marques, 1905, p. 1). A fraternidade entre os brasileiros pressupõe direitos iguais entre grupos sociais pensados como raças. Mas esse já é outro conto.

LIBERDADE E RECONHECIMENTO

Dois anos após escrever as suas “recordações” do 13 de maio em 1903 na Revista do Norte, o problema da ausência de festas organizadas pelos treze de maio continuava incomodando Astolfo Marques. Tanto assim que retomou o tema em “Ser treze”. Mas se antes privilegiou a importância da luta civil pelo fim da escravidão para a construção e para a formação de um espaço público moderno no Brasil, desta vez o ângulo se volta inteiramente para o ex-escravo. A questão é qual o lugar dessas pessoas, parte representativa e expressiva da gente negra brasileira à época, para a construção de uma nação livre. Esse é o fio tenso que amarra a conversa entre as comadres Eleuteria e Raimunda Codó num banco em frente à catedral da Sé na avenida maranhense:

-Sabes de que me alembro quando eu olho ali pra igreja da Sé? De quando gritou a liberdade; da festa de arromba que ali se fez, Eleuteria!

-É verdade minha comadre, parece que foi ontem… Mas já se vão dezessete anos, que não são dezessete dias!

-A procissão de N. S. da Victoria, ali naquela Sé, pelo 13 de maio, eu nunca vi outra mais bonita!

-E foi só isso? E as passeatas? Chega a gente não tinha mais tempo nem pra comer. De vez em quando os foguetes estoiravam e a música zabumbava por aí afora, e lá gente, se estava em casa, descansando, era só trançar a saia na cintura e ganhava o bredo.

-Tu te alembra da Margarida, aquela da casa das Macedos?

-Eh! Essa rapariga era levada da bréca. Pois ela não teve a coragem de, assim que chegou o telegrama dizendo que não havia mais escravos, chegar-se para as senhoras e dizer: “Agora todos somos iguais, quem quiser que vá ao Açougue. Quando as senhoras quiserem tem uma casa às ordens no beco do Rancho!”… E foi saindo acompanhada dum carroceiro com o seu baú na cabeça. As brancas ficaram todas com cara de André.

E quando se fez uma passeata para cumprimentar o Maranhense e o Victor Castelo-que Deus os chame lá-que os pretos do Jeronimo Tavares apedrejam a casa daqueles brancos que tinham muitos escravos, lá na praça da Alegria?

-Mas, minha comadre, tudo isso contado não é acreditado. E a Victoria, das “Corações de Ferro”, que largou o balde lá no mercado, e não apareceu mais na casa das senhoras…

-…Que elas mandaram chamar a polícia e o chefe respondeu que o tempo de prender escravos havia acabado, que agora eram todos iguais.

-E elas ficaram com a cara deste tamanho!

-E nunca que a Vitória foi perdoada, pois, quando o Queirós foi delegado de polícia, elas arranjaram um aranzel com a rapariga que ela não só meteu em bolos como teve a cabeça a raspada. (Marques, 1905_____. “Ser treze”. A Pacotiha, São Luís, 13 maio 1905, p. 1., p. 2)

A história vista pelos de baixo. O conto possui quase todas as principais características da obra de literária de Astolfo Marques: a ambientação da ficção no universo popular, protagonismo das mulheres negras, uso de termos típicos do falar maranhense, o acento regionalista e a tematização histórica. O autor narra o significado da Abolição na perspectiva de duas mulheres que foram escravas na cidade de São Luís. É através da especificidade dessa memória coletiva, suas maneiras de falar, valores culturais e religiosos, posição social, que os eventos do dia 13 de maio na capital maranhense ganham sentido na narrativa. Desse ponto de vista que o escritor negro conhecia de muito perto, Abolição quer dizer “quando gritou a liberdade”. Uma temporalidade que revestia tudo de um brilho especial. As festas foram as mais alegres e as procissões belas como jamais se viu igual.

Conforme afirma uma das comadres: “mas o que não se pode negar é que as festas foram um estrondo”. A festa da Abolição no dia 13 de maio de 1888 é tomada como exemplo cabal de como a liberdade dos “pretos” pode transmutar-se em fraternidade nacional. A energia extática e contagiante que empurra a todos para procissões, passeatas, para batuque das zabumbas, nos fala ficcionalmente da emergência do povo como sujeito político moderno no Brasil. “Agora somos todos iguais”, disse a treze Margarida às suas senhoras.

O dilema era a política do reconhecimento. Nos termos de Charles Taylor (2000Taylor, Charles. Argumentos filosóficos. São Paulo: Loyola, 2000., p. 242), podemos dizer que a Abolição dá luz ao confronto, tipicamente moderno, entre a noção de honra e o sentido de status que perfazem a ontologia aristocrática dos senhores de escravos no Império Brasileiro e a “noção moderna de dignidade, agora usada num sentido universalista e igualitário que nos permite falar da “dignidade [inerente] dos seres humanos” ou de “dignidade do cidadão”. Esse é o incômodo com a vergonha e o rechaço dos últimos escravos a serem libertados no Brasil.

O conflito entre os libertos e seus antigos senhores no próprio dia 13 de maio é retratado no âmbito da quebra da etiqueta aristocrática que regulava as formas de reconhecimento social entre os indivíduos e os grupos. As casas conhecidas por seus numerosos escravos foram apedrejadas pelos pretos, e houve quem usasse, não sem retaliações, o expediente da fuga para romper com as antigas obrigações do cativeiro, deixando o serviço incompleto no meio da rua. Mesmo a polícia recusou-se a atender os protestos dos senhores afirmando que “agora eram todos iguais”. O problema do reconhecimento fica ainda mais visível quando o conto assinala que, sob a ótica dos brancos, a liberdade é apreendida como uma grande ofensa aos seus modos e costumes, jamais como direito e pacto de fraternidade nacional. A Abolição entre os brancos também é simbolizada, veremos adiante, como uma forma de “fazer bonito”, através da concessão de alforrias por conveniência social, mas também como fruto do espírito católico de caridade e amor ao próximo.

O que está em jogo na vergonha e no preconceito contra os treze de maio é se a liberdade conquistada na Abolição pode ser afirmada como base para um contrato social ancorado no reconhecimento digno entre os cidadãos. É digno de nota a menção à tortura sofrida pela ex-escrava Vitória nos tempos da República, quando o delegado Queirós perseguia os negros taxando-os de monarquistas. Daí parte da lamentação em torno da ausência das festas:

-Mas o que não se pode negar é que as festas foram um estrondo.

-Também foi só naquele tempo. Hoje está tudo mudado. Nem uma festinha mais se faz pro treze de maio.

-Sabe quem ainda faz um festejozinho, muito limitado, quase só pros de casa e os mais amigos. É nhá Amancia, lá no Caminho Grande.

-E que não tinha a obrigação, pois ela não foi “treze”. Ela é das que tem “carta no cofo”; ao passo que as tais de “alforria por decreto assinado com pena d’ouro, essas vão se esquivando”…

-É, minha comadre, a grande questão é que, hoje, ninguém quer ser “treze”; quando se puxa uma conversazinha diante dos que foram, eles vão logo escapulindo-se.

-Pois, outro dia, senhora, eu não tive uma pega com a Maria Benedita, lá no canto do Ribeirão?

-Deveras, minha comadre?

-E como te digo. Ora, nós que conhecemos Maria Benedita desde negrinha, com aquela canela seca, vendendo arroz de Veneza, da fazenda do coronel Gonzaga!… Sabes o que ela teve coragem de dizer, na minha presença? Que ela foi fôrra na pia, que nunca conheceu o cativeiro, que foi criada como branca e outras gabolices mais. Ora dá se pra isso!

-Muito bem arranjado, esse negócio! Ora a Maria Benedita! Ela que dê uma folga nisso, e que faça por menos…

-Mas também eu desanquei a negra que ela ainda fiou restando! E ela agora há de andar na certa comigo. Trajestando, eu estou-lhe no piso…

-Quando ela estiver com essas pabulagens, diga-lhe: “Cuida com o teu corpo, rapariga, que tu não estás fazendo nada”!…

-Não, pra cá agora ela vem de carrinho; quando não, estamos com o carro no toco. Na minha presença ninguém vai se apurar.

-Bem faço eu, que não nego o que fui. E pro que? Eu sei perfeitamente que Deus Nosso Senhor não deixou cativo no mundo, que isso foi uma história dos homens. Por isso não vejo de que hei de me envergonhar. Digo em alto e bom som que fui escrava e que achei um filho de Deus que deu por minha carta quinhentos bagarotes! Tenho-a no meu cofo!

-E eu digo em alto e bom som que fui liberta no dia primeiro do ano de oitenta e oito, do mesmo em que veio a lei de 13 de Maio. Sabes como os meus brancos era atilados. Parece que a coisa rosnou lá por cima e eles, pra fazerem “um bonito”, passaram a minha carta. Já se vê que eu também tenho “carta no cofo”…

-Bom, assim come nós, está bem, porque só dizemos a verdade. Mas essas outras que por aí andam, que pra não dizer que foram “treze” nem que tem “carta no cofo”, dizem que foram forras na pia? Ah! Uma onça! (Marques, 1905_____. “Ser treze”. A Pacotiha, São Luís, 13 maio 1905, p. 1., p. 2)

Astolfo Marques não indaga as razões que levavam alguns ex-escravos a silenciarem seu passado no cativeiro, mas toma resoluto partido em contrário. “Ser treze é uma grande coisa”, “uma honra”, diz a mensagem final do conto. O crescente desprestígio do 13 de maio entre os negros no pós-abolição lançava no esquecimento todos os sofrimentos e esforços para destruir a escravidão, ameaçando fazer tábula rasa das diferenças no seio da gente negra, dos percursos específicos e diversos da emancipação no Brasil.

É interessante que o contista apresenta pelo uso diligente de “aspas”, indicando o caráter extraliterário da informação, três classificações que diferenciavam a população negra com passado escravo, os chamados “forros à pia” (libertos pela Lei do Ventre Livre), as pessoas alforriadas de “carta no cofo” e os libertos “treze de maio”. Note-se que o autor flagra a utilização dessas categorias nas primeiras décadas do século XX demarcando identidades sociais em rituais públicos específicos. Muito da irritação das personagens do conto é que os “treze de maio” não estavam mais realizando as festas da Abolição como era a sua “obrigação”. Nesse sentido, para a liberdade ser efetiva as pessoas precisam assumir sua identidade social. É assim que as comadres Eleuteria e Raimunda Codó, indignadas com a baixa autoestima dos treze de maio, tinham cuidadosamente guardadas as suas cartas de alforria dezessete anos depois da Abolição.

Mas talvez o conto mereça uma leitura contra a ideologia do autor. Em sentido contrário ao republicanismo de Astolfo Marques, a sua própria ficção revela uma gente negra bastante hierarquizada no espaço social de São Luís e, no limite, refratária à homogeneização que a alcunha “treze” parecia implicar. O conflito com a “negra” Maria Benedita é uma disputa que revela como o status civil das pessoas durante o cativeiro era importante para a diferenciação dos indivíduos e as formas de reconhecimento social no pós-abolição. Se confiarmos no escritor maranhense, o problema que o conto nos revela, contra as intenções do autor, é que as expectativas de liberdade e igualdade para os treze de maio pareciam ser mais bem traduzidas em categorias da escravidão como “forros à pia”, na negação da experiência do cativeiro, através da exibição das “cartas no cofo”, com a linguagem dos direitos conquistados antes da Abolição, nos tempos do Império. A persistência cultural do passado revelaria assim os limites raciais da cidadania durante as primeiras décadas da Primeira República.

PÓS-ABOLIÇÃO

Era qual uma miragem de uma nova era que o futuro era pressentido e imaginado ao som de pandeiros, harmônica, marimba e viola pelos escravos que festejam a Páscoa às vésperas da Abolição em “A comunhão do Romualdo”. Os novos tempos para onde os pretos da fazenda Santa Bárbara dirigiram suas aspirações correspondem à própria época em que viveu Astolfo Marques, contemporâneo das transformações sociais narradas em sua ficção. Assim, vale a pena indagar as conexões que o autor deixa ver entre o 13 de maio e a configuração do pós-abolição, tema dileto do texto “Aqueles aduladores…” publicado em 1907. Estamos novamente dentro da festa, mas agora trata-se de um baile de elite realizado poucos dias depois da Abolição em homenagem ao presidente da província:

Quando se gritou a liberdade no torrão brasiliano, nenhuma província festejou com mais entusiasmo e estridor a áurea lei que o Maranhão.

Duraram mais de mês as expansões de júbilo, as mostras de alegria que era presa toda alma maranhense.

O Clube Surpresa, uma das agremiações recreativas mais em voga, na época, promovera, em regozijo, um baile oferecido ao Presidente da Província, Moreira Alves.

Convites foram distribuídos em profusão e, nas lojas, os vendedores não tinham mão a medir aviando a freguesia, que pressurosa se aprestava para o festival. Sedas e musselinas, coile, a fazenda do anel da fama, tornulhos para as saias, invisíveis para os toucados, luvas de cinco botões, tudo quanto consistia na moda do tempo, foi vendido as mancheias e por bom preço, pois ninguém se lembrava, naquele tempo, de regatear.

Na cocheira do Porto não havia mais um único carro disponível-todos achando-se para transportar sócios e convivas ao belo palacete a rua de S. Pantaleão, antigo Colégio dos Padres, onde o Surpresa ia realizar o seu baile.

Uma comissão de sócios, havia uma semana, achava-se instalada, noite e dia, no espaçoso sobrado, a esmerar-se numa ornamentação caprichosa e feérica.

De outra coisa não se falava naqueles dias. Na Casa do Diabo, nos botequins do Queirós e do Hermeto, nos bancos do largo do Quartel, às portas das farmácias, por todas as rodas e centros de palestra cotidiana, a fama dos primorosos preparativos postos em prática na ornamentação dos salões do Clube era o assunto obrigatório, todos se achavam maravilhados pelo bom gosto e pela coragem pouco comuns que se organizava ao presidente da província. (Marques, 1907_____. “Aqueles aduladores…”. A Pacotilha, São Luís, 13 maio 1907, p. 1., p. 1)

Nem todas as festas são inclusivas. Existem comemorações que não servem à confraternização de uma comunidade. Astolfo Marques, que frequentou os salões reservados da oligarquia política maranhense, sabia bem disso. A sociedade que vai ao baile do Clube Surpresa carrega toda etiqueta aristocrática do mundo senhorial. A hierarquia social precisa ser vista em todos os mínimos detalhes, desde as carruagens que conduziriam damas e cavalheiros com suas roupas de seda e luvas de cinco botões até o “bom gosto” dos ornamentos que decoravam o “espaçoso” e “belo palacete” para a festa. A cerimônia feita em homenagem ao presidente da província também revela o caráter político do empreendimento que não se dirige aos grupos sociais que conquistavam ou alargavam suas expectativas de cidadania, mas ao mandatário responsável por preservar a ordem social a despeito da reforma sancionada pelo 13 de maio. Todo o falatório que o baile despertou naqueles dias alegres pelos largos, casas comercias, bancos e botequins evoca a distinção, o status elevado dos indivíduos convidados à roda seleta dos oligarcas.

É de se adivinhar a enorme alegria que tomou Agnelo Berredo, personagem central do conto, quando recebeu o convite ao seletíssimo baile em homenagem ao presidente da província:

O Agnelo Berredo era um rapaz oficial de carpina, que trabalhava na serralheria ao Desterro.

Não tinha sido treze…

A lei que extinguira a escravidão o encontrara livresinho da Silva, alforriado na pia batismal, na igreja do Carmo, em 68.

Dotado de regular instrução, frequentava boa roda e gozava de certa estima e afeição na sociedade, mas era dado a pândegas, na cidade, nos sítios dos subúrbios; nunca lhe tendo deparado ocasião de comparecer a um baile familiar de imponência e brilhantismo tão grandes como ia ser o do Surpresa…

Rejubilou-se, portanto, no dia em que, ao anoitecer, lhe foi ter as mãos um lindo cartão impresso a cores e encerrado num róseo envelope, cartão de convite para a festa daquele Clube.

O Agnelo chegou a ficar alguns instantes banzado, a desconfiar dos seus merecimentos.

-Mas que diabo! Pensou. De que admirar? O Sant’Anna, o José Inocêncio e tantos outros manda-chuva lá do Surpresa eram seus amigos e que Deus era lhe enviarem um convite! Além de tudo, conjeturou ainda, agora éramos todos iguais. E tanto assim era que lá ia o presidente como seus ajudantes de ordens e o secretário, e sem dúvida, haveria brindes, abraços, e apertos de mão. Cessara o império das basófias, das presunções, do rei-na-barriga, do luxo a fazer curso. (Marques, 1907_____. “Aqueles aduladores…”. A Pacotilha, São Luís, 13 maio 1907, p. 1., p. 1)

Astolfo Marques constrói seu personagem central revelando as alternativas de ascensão social existentes para os libertos nas duas últimas décadas da escravidão brasileira. O fato de ser um “alforriado na pia” em 1868 e não um “treze”, isto é, libertado apenas devido à Lei Áurea, lhe permitiu o exercício do trabalho formal como serralheiro e ser “dotado de regular instrução”, ultrapassando a linha do analfabetismo generalizado que caracterizava a maioria da população negra e pobre no século XIX. Essas credenciais haviam lhe possibilitado frequentar uma “boa roda”, além de gozar “certa estima e afeição na sociedade”, sendo inclusive “amigo” dos “manda-chuva” que organizaram o baile para o presidente da província. Entretanto, Agnelo Berredo não se furtava às práticas sociais típicas e estigmatizadas de seu grupo social, sendo dado a “pândegas” na cidade e nos subúrbios, uma conduta reprovável e ofensiva ao recato elitista e preconceituoso das famílias aristocráticas de São Luís.

Não sem razão o jovem oficial de carpina surpreende-se com o convite ao baile, chegando “a desconfiar dos seus merecimentos”, mas rapidamente se convence que não há razão para isso. O ingresso para o baile era um sinal e uma confirmação dos novos tempos. O 13 de maio havia feito ruir o império das “presunções” e do “luxo a fazer curso” que sustentava a escravidão. “Agora éramos todos iguais”. Nesse sentido, a confiar em Astolfo, a expectativa que a população liberta antes da Lei Áurea depositou na Abolição foi a igualdade. Pessoas como Agnelo tiveram a experiência das chances exíguas de educação e trabalho que apenas um homem livre pode usufruir ainda que na base da pirâmide social, mas também sentiam a clivagem desse direito num mundo em que a escravidão se impunha nos modos, regras e costumes de toda a sociedade.

Assim, não faltavam motivos para comemorar o acontecimento em alto e bom estilo. Logo no dia seguinte, o serralheiro “deu medida para um terno de sobrecasaca de casimira diagonal, recomendando urgência na sua confecção”, também foi à chapelaria em busca de uma cartola “que lhe foi fornecida como modelo da última moda parisiense” e conseguiu ainda alugar o último carro disponível na cocheira do Porto. Astolfo Marques revela a tensão entre o desejo de status social do personagem e sua ideologia de que após ao 13 de maio todos eram iguais. No dia do baile, uma quinta-feira, Agnelo Berredo estava muito ansioso.

Aguardando a chegada da carruagem, passeava pela sala, dum lado para o outro, ensaiando a elegância para deitar nos salões; de quando em vez ia à janela, sem debruçar-se para não quebrar o colete branco, caprichosamente engomado, e, espalmando as mãos no peitoril observava a rua, e, no céu, as estrelas a fulgurarem. Súbito, chega apressado a casa, e vai ganhando a sala, o Ramiro, um seu amigo e companheiro de pândegas.

Essa inesperada visita embaraçou deveras o conviva, pois não queria de forma alguma que os seus soubessem que ele ia passar a frequentar a boa roda, conviver com gente fina e polida. Quando soubessem, já ele estaria de dentro consideradíssimo.

O Ramiro, sem reparar no traje que envergava o amigo, falou:

-Então, vens ou não?

-Espera, rapaz, estou aguardando o carro! Respondeu com entusiasmo.

-Quê? Olé!… só agora reparo; nesse luxo e a carro, para aquela pândega? Ah! Ah! Ah! Gracejou o Ramiro.

-Pândega de quê? Então um baile oferecido ao presidente, ao maioral da província, é pândega?

-Vais ao Surpresa? Indagou espantado.

-Como vês…

-Por quem convidado?

-Está visto que por quem podia.

-Duvido!

-Então ousas?!

-Se esteve nas minhas mãos a lista dos convidados…

O Agnelo não se demorou a ir buscar o convite. Antes, porém, de apresentar ao Ramiro, para desmascará-lo, confundi-lo, atentou no sobrescrito e empalideceu.-Ao Sr. Angelo Barreto-nesta cidade-rezava o invólucro, e o não o seu próprio nome. Com a satisfação com que o lêra, ao recebê-lo não dera pelo engano.

Ficou estupefato, o Agnelo. Tanta labuta, tamanha despesa para no fim ficar a ver o baile por um óculo. Era demais! Mas porque não lhe mandaram o convite! Clamava. O próprio Angelo, fora escravo dos Lopes, e os outros a quem foram distribuídos os convites em que eram melhor do que ele? E, cada vez mais revoltado, apostrofava:

-E eu não puder esmagar aqueles aduladores do presidente!

E os elogios, até então feitos aos sócios do Surpresa, passaram a ser invectivas, que cresceria desmesuradamente, se não fosse a intervenção do Ramiro:

-Ora não te vá arrebentar a aneurisma! Despe-se desta trapalhada e vamos daí para pândega, que foi para isso que aqui vim!

E o conviva enganado acedeu.

Num abrir e fechar de olhos quando o Adriano Manteiga, cocheiro, fez parar o carro a sua porta, já ele com Ramiro se achavam na casa de nhá Sebastiana, ao Caminho Grande, onde, ainda hoje em regozijo ao 13 de maio, os piquis comiam, os pandeiros rufavam sonoros e as harmônicas e reque-reques fremiam estridentes.

O folguedo ia animado, e os bailarinos a sapatear entre os entusiásticos que davam vivas a Princesa Isabel, ao Clube Abolicionista e à igualdade.

No auge do prazer, o Agnelo não se furtava em exclamar, bamboleando-se entre a rapaziada:

-Ah uma onça, para comer aqueles aduladores do presidente! (Marques, 1907_____. “Aqueles aduladores…”. A Pacotilha, São Luís, 13 maio 1907, p. 1., p. 1)

Mais uma vez foi nos dado ver os significados da diferenciação social entre a gente negra. A chegada de Ramiro surpreende Agnelo porque o serralheiro não queria que os “seus” soubessem de antemão que ele agora frequentaria as rodas de gente “boa” e “fina”. Talvez Agnelo se sentisse algo superior aos companheiros de pândega. Foi uma ofensa quando o inoportuno visitante além de mal reparar nos seus trajes duvidou que ele tinha sido convidado ao baile. Desagravo confirmado quando enfim o personagem central descobre que o convite não era para ele, mas para certo Angelo Barreto, que ademais “fora escravo dos Lopes”.

O autor nos deixa ver a complexidade dos critérios de inclusão e exclusão social em jogo naquela sociedade. Num baile de elite, um liberto de regular instrução e trabalho formal, “amigo” dos organizadores da festa, não é convidado a comparecer, mas alguém que havia sido escravo de senhores conhecidos em São Luís fora agraciado com o convite. Por quê? A reposta é dada pelo rancor da personagem: “E eu não puder esmagar aqueles aduladores do presidente”. Nesse sentido, o Brasil moderno que está se configurando a partir do pós-abolição é uma sociedade hierárquica, nas quais a liberdade conquistada antes e no 13 de maio não representa nenhuma garantia de mobilidade social através do trabalho, mas por outro lado conforma um universo, controlado pela esfera política, na qual dominantes e subalternos mantêm laços de proximidade que podem ser agenciadas pelos de baixo. A existência dessa expectativa no âmbito individual recrudesce a perspectivas de ascensão social em termos coletivos.

Pessoas como o oficial de carpina Agnelo não dominavam os códigos para entrar na roda dos aduladores que marcou o estilo de vida dos intelectuais maranhenses na Primeira República. Sua a festa era outra, junto aos treze de maio reunidos todos os anos por nhá Sebastiana no Caminho Grande. Essa mulher, a grande homenageada de todos esses contos, que ao relutar pela festa insistia na dignidade das pessoas que viveram sob a escravidão até seu último dia. É essa voz, expurgada dos registros históricos oficiais, que esses contos conseguiram acolher, obrigando o código letrado a se haver com a imaginação, os gestos, as ideias e os sentimentos da última geração de negros que assistiu ao fim do cativeiro quanto aos desafios e os significados da liberdade.

REFERÊNCIAS

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  • Taylor, Charles. Argumentos filosóficos. São Paulo: Loyola, 2000.
  • 1
    No caso de Astolfo Marques, as formas dos contos analisados seguem em geral o estilo do chamado conto clássico, no qual uma história narrada em primeiro plano oculta uma segunda em que é revelado ao leitor o sentido geral da narrativa.
  • 2
    A Pacotilha, 30 jun. 1891, p. 2; 3 ago. 1891, p. 3; 16 nov. 1891, p. 3; 23 nov. 1891, p. 3; 7 dez. 1891, p. 3, 14 dez. 1891, p. 3; 5 jan. 1892, p. 3; 19 jan. 1892, p. 3; 9 mai. 1892, p. 3; 23 mai. 1892, p. 3; 6 jun. 1892, p. 2; 13 jun. 1892, p. 3; 26 jul. 1892, p. 3; 9 ago. 1892, p. 3; 23 ago. 1892, p. 2; 27 set. 1892, p. 3; 24 out. 1892, p. 3.
  • 3
    A Pacotilha, 7 jan. 1895, p. 3
  • 4
    O historiador Petrônio Domingues (2008Domingues, Petrônio. A nova abolição. São Paulo: Selo Negro, 2008., p. 53) enfatizou que a reivindicação por oportunidades educacionais constituía um dos principais conteúdos materiais dessa nova libertação. “[…] o lema de todos os jornais era incisivo: educar os descendentes de escravos. O conceito de educação articulado não tinha uma conotação estritamente formal, e sim um sentido moral (isto é, do caráter) e o aprendizado dos valores civilizatórios que amiúde transcendiam a instrução escolar”.
  • 5
    “In the minds of the seamen, some of whose parents were born slaves, the lash was intimately associated with the slave regime and was therefore probably even more intolerable than it would have been in navies where the was no such association”.
  • 6
    “The desire for ‘freedom’, a slogan of the revolt and a manifest right of all citizens, probably has its origins in the memory of slavery […]”.
  • 7
    Um punhado dileto de especialistas tratou do assunto: Schwarcz (1990Schwarcz, Lilia. “De festa também se vive: reflexões sobre o centenário da abolição em São Paulo”. Estudos Afro-asiáticos, n. 18, pp. 13-25, 1990.), Cavalcanti (1990Cavalcanti, Maria Laura V. de Castro. “A temática racial no carnaval carioca: algumas reflexões”. Estudos Afro-Asiáticos, n. 18, 1990.), Abreu e Dantas (2011Abreu, Martha; Dantas, Carolina Vianna. “É chegada ‘a ocasião da negrada bumbar’: comemorações da abolição, música e política na Primeira República”. Varia Historia, v. 27, n. 45, pp. 97-120, 2011.), Domingues (2011_____. “‘A redempção de nossa raça’: as comemorações da abolição da escravatura no Brasil”. Revista Brasileira de História, v. 31, n. 62, pp. 19-48, dez. 2011.), Rios (2012Rios, Flavia. “O protesto negro no Brasil contemporâneo (1978-2010)”. Lua Nova, n. 85, pp. 41-79, 2012.) e Moraes (2015Moraes, Renata Figueiredo. “A abolição no Brasil para além do parlamento: as festas de maio de 1888”. In: Machado, Maria Helena Pereira Toledo; Castilho, Celso Thomas (Orgs.). Tornando-se livre. São Paulo: Edusp, 2015.).
  • 8
    Essa perspectiva é flagrante em C. Azevedo (2001Azevedo, Celia Maria Marinho. “Quem precisa de São Nabuco?”. Estudos Afro-Asiáticos, v. 23, n. 1, pp. 85-97, 2001.).
  • 9
    Para uma leitura mais detalhada ver Gato (2013Gato, Matheus. “Astolfo Marques e as festas populares maranhenses”. Afro-Ásia, n. 48, pp. 337-360, 2013.).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2018

Histórico

  • Recebido
    02 Jan 2018
  • Aceito
    09 Mar 2018
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