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AINDA MELODRAMA

Herculano, quem vos fala é uma morta! Eu morri. Me matei. Você pensa que sabe de tudo, mas você não sabe de nada [gargalhada vingativa]. Há uma coisa que você não sabe, nem desconfia e vai saber agora. Eu falo para ti e para mim mesma. Escuta, meu marido, uma noite na casa de suas tias… (Toda nudez será castigada, 1972Toda nudez será castigada. Direção: Arnaldo Jabor. Ventania Produções Cinematográficas Ltda., Produções Cinematográficas R. F. Farias, 1972. 1 disco Blu-ray (103 min).)

A primeira fala de Geni (Darlene Glória) em Toda nudez será castigada, peça de Nelson Rodrigues (1965Rodrigues, Nelson. Toda nudez será castigada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2022 [1965].) adaptada para o cinema por Arnaldo Jabor (1972Toda nudez será castigada. Direção: Arnaldo Jabor. Ventania Produções Cinematográficas Ltda., Produções Cinematográficas R. F. Farias, 1972. 1 disco Blu-ray (103 min).), ecoa a fala de Lisa Berndle (Joan Fontaine) em Carta de uma desconhecida, filme dirigido por Max Ophüls, em 1948Carta de uma desconhecida (Letter From an Unknown Woman). Direção: Max Ophus. Rampart Productions, Universal International, 1948. 1 disco DVD (87 min)., nos Estados Unidos e baseado em novela homônima de Stefan Zweig (2015Zweig, Stefan. Carta de uma desconhecida [1922]. São Paulo: Expresso Zahar, 2015. [1922]). Em ambos os filmes, vozes femininas de protagonistas mortas anunciam seu destino trágico a pares românticos incapacitados, por motivos diversos, de encarnar a jornada do herói. O músico protagonista de Zweig/Ophüls vive em função do glamouroso mundo do espetáculo. Seu narcisismo o torna insensível às investidas sinceras da vizinha apaixonada, até que, tarde demais, já decadente, toma conhecimento de sua própria alienação via missiva lida por ele em silêncio, ao som da voz dela, Fontaine, em over. As duas protagonistas iniciam os filmes anunciando sua própria agonia; vítimas de abandono, introduzem longos flashbacks que explicam seus finais fatais.

No caso da peça brasileira, escrita 43 anos depois da publicação da novela do escritor austríaco, 17 anos depois do lançamento do filme norte-americano, e talvez por ele inspirada (já que aparentemente a novela só foi traduzida no Brasil muito depois do filme), a personagem morta, uma mulher da vida, convertida em esposa burguesa, dispensa as letras para se expressar diretamente por meio sonoro, em fita magnética, prolongamento do corpo e da existência da moribunda no teatro e também em outro meio técnico, o cinema.

No filme de Jabor, o ruído - clique, clique - do gravador de rolo girando em falso atrai a atenção do marido apaixonado, meia-idade, terno e gravata, buquê de flores na mão, em busca da jovem mulher por ele confinada na mansão-mausoléu da família. Durante os cerca de quatro minutos anteriores e iniciais, ele dirige garboso seu carro conversível anos 1950 pelo Rio de Janeiro do início dos anos 1970, ao som de melodia insinuante de Astor Piazzola, em over, enquanto créditos se sobrepõem às imagens a nos apresentar a equipe do filme. No interior do casarão, ponto final do longo trajeto iniciado na Zona Sul, Herculano (Paulo Porto) se move com desenvoltura a chamar pela mulher. O ambiente se apresenta coalhado de obras de arte, móveis, espelhos, esculturas, cortinas, objetos, uma espécie de palco barroco, amontoado de antiguidades perturbadas apenas pela presença moderna e destoante do gravador portátil, suporte para a voz emocionada da esposa morta, vítima das perversidades daquela herança familiar sufocante, que inclui um patriarca que “pensa que sabe de tudo, mas não sabe de nada”.

A voz de Darlene Glória toma a cena a partir do pequeno aparelho para revelar ao marido a verdade por trás das aparências. Da escadaria que delimita a cena e conecta as áreas de estar às áreas mais íntimas da mansão, a voz dela se declara ciente de que viria a se propagar, técnica e fantasmagoricamente, para além da vida. Irreverência e ironia na gargalhada dramática que precede a revelação das verdades ocultas pela aparência de casamento feliz. O relato gravado alterna o tom reflexivo e a emoção explosiva do momento de agonia. E, assim, a fala da personagem funciona como uma espécie de “era uma vez” a introduzir a história das manipulações hipócritas no seio de uma tradicional família carioca, a “anatomia da decadência” de que nos fala Ismail Xavier (2003Xavier, Ismail. O olhar e a cena : melodrama, Hollywood, Cinema Novo. São Paulo: Cosac Naify, 2003., p. 323) em sua avaliação da produção cinematográfica brasileira dos anos 1970, empenhada em desmistificar o discurso ideológico da ditadura militar, que se escorou na afirmação moral, como sugere a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, e que ecoa quase sessenta anos depois no discurso nostálgico da ultradireita contemporânea.

Por meio de metáforas visuais, Toda nudez sugere o contraste entre a natureza livre, sensual, leve e moderna de Geni e a carga pesada, culpada, patriarcal de Herculano e família. Geni é alegre, espontânea em suas formas de pensar e de se manifestar. O quarto arejado em que ela recebe e seduz o futuro marido, que a procura por insistência e intermediação do irmão interesseiro e dependente do provedor travado pelo luto, abre-se generosamente para um balcão e para o movimento da rua; a vida urbana, carros, praça e pessoas povoam o espaço acolhedor do prostíbulo, lugar de afeto popular, a tensionar a frieza do ambiente da família de bem.

Aprisionada no mausoléu afastado da cidade e mobiliado por objetos antigos e amontoados, testemunhas de épocas e pessoas com as quais não se conecta, Geni sofre as consequências do duplo abandono: o constrangimento do marido que a esconde e a traição implacável do enteado tirano, controlador e sedutor. Na impossibilidade da relação incestuosa com o jovem filho do marido, que a rejeita em favor do “ladrão boliviano” que, por sua vez, o estuprou na prisão, ela se mata, mas não sem antes registrar a história do envolvimento improvável, maquinado, mas apaixonado entre uma jovem prostituta e um viúvo burguês no Rio de Janeiro decadente, em plenos anos de chumbo da ditadura militar.

Toda nudez será castigada (1972Toda nudez será castigada. Direção: Arnaldo Jabor. Ventania Produções Cinematográficas Ltda., Produções Cinematográficas R. F. Farias, 1972. 1 disco Blu-ray (103 min).)1 1 O filme é de 1972, mas por problemas com a censura só foi lançado em 1973, ano em que foi exibido nos festivais de Berlim e Cannes. Adoto o registro da filmografia da Cinemateca Brasileira, disponível em: <https://bases.cinemateca.org.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/?IsisScript=iah/iah.xis&base=CATALOGO⟨=p>. Acesso em: 25/1/2023. é parte do corpus que Ismail Xavier mobiliza em sua pesquisa sobre formas da imaginação melodramática, ou modos do excesso, nas relações entre o olhar e a cena, o cinema e o teatro. Essa vertente do trabalho do crítico está sintonizada com a emergência, a partir dos anos 1970, no Brasil, nos Estados Unidos, na Alemanha, na França, de filmes e estudos dedicados à reavaliação do melodrama, reconhecido não como um entre diversos gêneros em que se organiza a produção do cinema industrial, mas como um modo complexo, ambíguo, que se originou na França do século XVIII e que permeia a imaginação moderna. Algo que anos depois, nas reverberações dessa vertente dos estudos de cinema, Linda Williams (2012Williams, Linda. “Mega-Melodrama! Vertical and Horizontal Suspensions of the ‘Classical’”. Modern Drama, v. 55, n. 4, 2012, pp. 523-43., p. 534), emprestando metáfora de Henry James, caracterizaria como um “peixe escorregadio”, difícil de definir, circunscrever ou classificar em alguma categoria pressuposta. Para Williams, o melodrama não se reduz às histórias mais maniqueístas de “vilões bigodudos e malvados a aprisionar mocinhas inocentes”.2 2 Em 2014 a autora desenvolve argumento, em certo sentido análogo ao de Xavier,com relação aodebate sobre a série da hbo The Wire (2002-8), que conquistou audiências e críticos que, surpresos com a densidade do produto, a classificaram como realista. Linda Williams (2012) demonstra que é melodramática, mais uma vez retirando o modo do excesso do lugar pejorativo, e a crítica da limitação taxonômica. Ver Giancarlo Casellato Gozzi (2018, cap. 2). As dificuldades na delimitação dessa forma de imaginação atravessam décadas de debates, que incluem questões fundantes na história e na teoria do cinema em suas relações com a cultura de massa e a modernidade, também em sua dimensão colonial.

Em um tempo em que a distopia saiu das telas para tomar conta da vida cotidiana, como se o maniqueísmo das narrativas bipolares se impusesse como estrutura a enformar julgamentos políticos poucos negociáveis, a discussão de Xavier no artigo e na coletânea - que o coloca em relação com reflexões correlatas, especialmente em torno de Nelson Rodrigues no cinema - não poderia ser mais atual. A partir desse artigo podemos levantar indagações que estão na agenda da crítica e da pesquisa contemporânea acerca da produção de significados e da formação de opiniões em meio à transição digital e à multiplicação de meios e formas que alteram o modo de produção dominante nas relações entre formas da imaginação contemporânea e o capitalismo global, tensionado pela concentração econômica inédita em corporações ávidas por derrubar barreiras alfandegárias e regulações políticas e sociais, pela pulverização da força de trabalho e pelas ameaças à democracia.

Este artigo revisita “Melodrama, ou a sedução da moral negociada”, artigo de Ismail Xavier publicado nesta revista em julho de 2000Xavier, Ismail. “Melodrama ou a sedução da moral negociada”. Novos Estudos, v. 2, n. 57, 2000, pp. 81-90., depois de aparecer originalmente em 1998 no suplemento Mais!, da Folha de S. Paulo (Xavier, 1998Xavier, Ismail. “Melodrama ou a sedução da moral negociada”. Folha de S. Paulo, 31 mai. 1998, pp. 8-9. Disponível em: <Disponível em: https://www.eca.usp.br/acervo/acervo-local/producao-academica/000968383.pdf >. Acesso em: 3/10/2022.
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), e antes de compor a coletânea de ensaios O olhar e a cena (Xavier, 2003Xavier, Ismail. O olhar e a cena : melodrama, Hollywood, Cinema Novo. São Paulo: Cosac Naify, 2003.). O artigo, como a coletânea, está relacionado à vertente da produção do autor - consagrado intérprete da cultura, especialmente do cinema brasileiro - dedicada ao modo melodramático que, ao transbordar conhecidos divisores e atravessar marcos da experiência estética associados ao excesso, organiza relações entre repertórios que extravasam os limites das formas e meios entendidos como eruditos ou populares. Tomo emprestado do artigo de Xavier sua natureza fragmentária como estratégia adequada ao movimento de levantar questões, abrir espaço para o enfrentamento de tabus que organizam o pensamento crítico em caixinhas e encapsulam obras que resistem a classificações simples.

A cada publicação, o artigo de Xavier foi ligeiramente ampliado para fortalecer o argumento, beneficiando a leitura com exemplos e atualizações que contribuem para o adensamento da ideia e a explicitação das tensões em curso. Foram acréscimos significativos, pois contribuem para acentuar o movimento de aproximação de temas tabu, como as relações entre cultura de massa e cinema, as configurações de gênero, no duplo sentido da palavra: gêneros narrativos e relações de gênero. A versão publicada no livro acrescenta, por exemplo, algumas linhas ao primeiro parágrafo da página 82 da versão da Novos Estudos. Nesse caso, o autor insere a dimensão dos meios ao observar que filmes então recentes, como Terra e liberdade, de Ken Loach (1995Terra e liberdade (Land and Freedom). Direção: Ken Loach. Polygram Filmed Entertainment, 1995. Vários distribuidores. 1 disco Blu-ray (109 min).), e Segredos e mentiras, de Mike Leigh (1996Segredos e mentiras (Secrets and Lies). Direção: Mike Leigh. Thin Man Films, Ciby 2000, Channel Four Films, 1996. 1 DVD (142 min).), pertencem ao “caso inglês”, em que “a questão dos gêneros” incide sobre o diálogo entre cinema e televisão pública.

Outros acréscimos na versão de 2003, em relação à de 2000, explicitam o reconhecimento das implicações das relações de gênero na filmografia em tela. A instabilidade das relações familiares e a decadência das figuras patriarcais se fazem notar na apropriação pop do melodrama em Almodóvar, que na versão então atualizada é associada ao camp, com referência a Susan Sontag, e à desestabilização das “normas tradicionais de separação do masculino e feminino” (Xavier, 2003Xavier, Ismail. O olhar e a cena : melodrama, Hollywood, Cinema Novo. São Paulo: Cosac Naify, 2003., p.88). Trata-se do reconhecimento do rompimento da bipolaridade característica das abordagens convencionais das relações de gênero, que se relacionam com “as formas de choque entre o arcaico e moderno” (Xavier, 2000Xavier, Ismail. “Melodrama ou a sedução da moral negociada”. Novos Estudos, v. 2, n. 57, 2000, pp. 81-90., p. 83; 2003Xavier, Ismail. O olhar e a cena : melodrama, Hollywood, Cinema Novo. São Paulo: Cosac Naify, 2003., p. 88) que tiveram seu lugar na queda do regime franquista. No Brasil, a diluição dos limites entre o feminino e o masculino estaria associada ao tropicalismo.

Já na publicação original, mas de maneira ligeiramente mais explícita ao longo das versões, Xavier extravasa cautelosamente os limites do cinema para, usando o aparato técnico desenvolvido para interpretá-lo, se aventurar na seara do teatro, mas também na menos segura, porém de relevância crescente na cultura de massas, inclusive a televisão, já apontando para o processo de diversificação que ocorreria com a emergência das mídias digitais.

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A reflexão de Xavier se apoia em vertente dos estudos literários e dos estudos de cinema que a partir da década de 1970, em seus termos, reabre “o processo do melodrama” (Xavier, 2000Xavier, Ismail. “Melodrama ou a sedução da moral negociada”. Novos Estudos, v. 2, n. 57, 2000, pp. 81-90., p. 82), redefinindo seu lugar no pensamento e na vida moderna, incluindo segmentos da crítica feminista e diretores atuantes no campo do cinema autoral, que se voltam para a interpretação e/ou realização de filmes na busca de contato com o público. O autor define realismo e tragédia como “formas históricas de uma imaginação esclarecida, que se confronta com a verdade, organizando o mundo como rede complexa de contradições” (Xavier, 2000Xavier, Ismail. “Melodrama ou a sedução da moral negociada”. Novos Estudos, v. 2, n. 57, 2000, pp. 81-90., p. 81). Nessa chave, ao melodrama “estaria reservada a organização de um mundo mais simples, em que os projetos humanos parecem ter a vocação de chegar a termo, e o sucesso é produto do mérito e da ajuda da Providência, ao passo que o fracasso resulta de uma conspiração exterior que isenta o sujeito de culpa e o transforma em vítima radical”. Nesse esquema clássico, o melodrama seria “o vértice desvalorizado do triângulo” (Xavier, 2000Xavier, Ismail. “Melodrama ou a sedução da moral negociada”. Novos Estudos, v. 2, n. 57, 2000, pp. 81-90., p. 82). “No entanto, a modalidade mais popular na ficção moderna, aparentemente imbatível no mercado de sonhos e de experiências vicárias consoladoras” merece atenção renovada (Xavier, 2000Xavier, Ismail. “Melodrama ou a sedução da moral negociada”. Novos Estudos, v. 2, n. 57, 2000, pp. 81-90., p. 82).

Ao situar historicamente essa retomada do melodrama, o terceiro vértice, desvalorizado, do triângulo dramatúrgico, Xavier está atento aos rumos pós-cinemas novos da cinematografia mundial. Cineastas tão diferentes como Rainer Werner Fassbinder, Pedro Almodóvar, Alain Resnais, Arnaldo Jabor, entre outros, exploram os limites da imaginação melodramática. Para Xavier a incorporação por esses e outros diretores de alguns traços do melodrama “se dá em filmes em que prevalece uma tonalidade reflexiva, irônica, que se faz estilo de encenação, havendo sempre o toque moderno de não inocência nas relações entre câmera e cena, música e emoção” (Xavier, 2000Xavier, Ismail. “Melodrama ou a sedução da moral negociada”. Novos Estudos, v. 2, n. 57, 2000, pp. 81-90., pp. 82-3). Sintonizado com o debate internacional, que viria a envolver também cinematografias asiáticas, o autor está atento às especificidades da poética de Nelson Rodrigues, marcante dramaturgo moderno brasileiro, como se sabe prolífico autor em vários meios e formatos: peças teatrais, folhetins, crônicas, textos adaptados para o rádio,3 3 As relações entre Nelson Rodrigues e o rádio ainda são pouco conhecidas. Ao pesquisar A dama do lotação, pertencente ao conjunto de crônicas originalmente publicadas no jornal, localizei o anúncio da versão radiofônica que ia ao ar, à época, na voz de Procópio Ferreira. O achado reforça a interpretação de Xavier, que situa Nelson Rodrigues como autor que intersecciona formas dramáticas e meios. Ver Maria Filomena Gregori, Esther Império Hamburger e Eliane Robert Moraes (2022). o cinema e a televisão.

“Melodrama ou a sedução da moral negociada” figura como capítulo 3 da Parte I de O olhar e a cena, denominada “A representação clássica, do melodrama à ironia de Hitchcock”. Nos capítulos das partes II (“Políticas da representação: ‘a vida como ela é’ no cinema e na televisão”) e III (“O cinema novo lê Nelson Rodrigues”), parâmetros conceituais desenvolvidos nesse artigo e em outros que se dedicam ao cinema hollywoodiano relacionam-se com a dramaturgia brasileira, especificamente com adaptações cinematográficas (e televisivas) da obra de Nelson Rodrigues, autor que, como sugere Xavier, conecta de maneira sugestiva os vértices do triângulo. Para Xavier, “de formas variadas, o teatro de Nelson Rodrigues situa-se em um ponto de intersecção. Exibe formas e núcleos temáticos que podem ser referidos ao drama moderno de August Strindberg ou Eugene O’Neill, mas também ao melodrama popular e seus excessos. Marca a continuidade do núcleo familiar como centro do drama, mas encena o fait divers, as mazelas da vida comum burguesa e do pobre da cidade” (Xavier, 2003Xavier, Ismail. O olhar e a cena : melodrama, Hollywood, Cinema Novo. São Paulo: Cosac Naify, 2003., p. 165).

O projeto é original e talvez não tenha ainda encontrado a repercussão que merece. Ele parte do reconhecimento de que “[d]rama, tragédia, melodrama são termos cunhados a cada época para dar conta de transformações na estrutura dramática que se mostram correlatas a determinados assuntos e seu tratamento” (Xavier, 2003Xavier, Ismail. O olhar e a cena : melodrama, Hollywood, Cinema Novo. São Paulo: Cosac Naify, 2003., p. 166), ou seja do reconhecimento das relações entre certas formas da encenação e certas circunstâncias históricas. É possível reconhecer no esforço de interpretar Nelson Rodrigues no cinema a disposição de encarar a impureza das formas fílmicas, bem como o tatear em busca da construção de terreno seguro para reconhecer a presença de formas da imaginação que apelam aos sentidos. O tema retorna nos estudos de cinema em trabalhos de autoras contemporâneas que, a partir de perspectivas diversas, abordam o cinema na chave do afeto, do corpo, da sensibilidade.

Em sua tese de doutoramento, defendida em 2007 e recentemente publicada na forma de livro, Mariana Baltar (2019Baltar, Mariana. Realidade lacrimosa: o melodramático no documentário brasileiro contemporâneo. Niterói : Ed. UFF, 2019., 2007Baltar, Mariana. Realidade lacrimosa: diálogos entre o universo do documentário e a imaginação melodramática. Tese (doutorado em comunicação). Rio de Janeiro: PPG-COM/Universidade Federal Fluminense, 2007.) faz um bom apanhado da literatura com a qual Ismail Xavier dialoga.4 4 Mariana Baltar (2007) menciona a referência isolada em chave negativa ao melodrama no cinema latino-americano na pesquisa de Sílvia Oroz. À linhagem apontada por Ismail, Baltar acrescenta contribuições, como a de Linda Williams. E, fora dessa vertente, a revisão bibliográfica incorpora a proposição em chave positiva da “matriz cultural melodramática” proposta por Jesús Martín-Barbero, com base em seu trabalho sobre telenovelas como característica latino-americana (Martín-Barbero; Muñoz, 1992Martín-Barbero, Jesús; Muñoz, Sonia. Television y melodrama: generos y lecturas de la telenovela en Colombia. Bogotá: Tercer Mundo, 1992.). O trabalho do influente autor colombiano, afinado com a chave de interpretação continental do mexicano Néstor García Canclini, com seu pensamento não essencialista, distante de nacionalismos, e sua aposta no hibridismo, não leva em conta o debate sobre o melodrama iniciado com Peter Brooks (1976Brooks, Peter. The Melodramatic Imagination: Balzac, Henry James and the Mode of Excess. New Haven: Yale University Press, 1976.) e Thomas Elsaesser (1948). A vertente latino-americana está em sintonia com as ciências sociais e os estudos culturais.

Em campos vizinhos, são vertentes que correm em paralelo, uma voltada para a crítica imanente de obras específicas, espécie de crítica engajada com a cinefilia, críticos, realizadores e estudantes do fazer cinematográfico e audiovisual, e outra voltada para a descrição em escala macro de uma característica cultural - “cultura” entendida aqui de maneira bastante ampla. As diferenças são grandes, talvez maiores que as semelhanças. No entanto, há um reconhecimento comum em torno da adequação de algo denominado de maneira diferente em cada um dos casos, mas em ambos bem situado ao sul do Equador.

Em comum, a referência ao trabalho de Marlyse Meyer (1996Meyer, Marlyse. Folhetim: uma história. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.) em torno das raízes folhetinescas da literatura brasileira, em formas modernas emergentes em fins do século XVIII e início do xix na França, o folhetim de pé de página nos jornais, parte da nascente indústria cultural. O feuilleton,5 5 Andreas Huyssen (2015) relaciona a escrita dos principais pensadores da teoria crítica alemã com a vivência que eles tiveram com a emergente cultura urbana, as novas mídias, as teorias da percepção, a visualidade e a atualidade, o comércio, a moda, as tipologias de gênero e sexualidade e o impacto da tecnologia e da ciência, que deslocaram a literatura, a pintura e a arquitetura. O estudo busca recuperar a constelação de novas mídias, metrópole moderna e literatura modernista. Nesse esforço, encontra o que denomina miniaturas e, no caso de Siegfried Kracauer e Walter Benjamin, o feuilleton, que não tem a mesma acepção francesa tal como foi estudada por Marlyse Meyer, até mesmo por uma diferença de temporalidade. A comparação, no entanto, que não cabe aqui, pode se revelar sugestiva de experiências literárias impulsionadas pelas mudanças sensíveis estimuladas pelos meios técnicos. na denominação francesa, era uma publicação seriada que envolvia uma forma de fazer distinta, que incluía a reação, nos próximos capítulos, dos autores a partir de reverberações dos capítulos anteriores. Depois de publicados nos jornais, como se sabe, ganhavam versões na forma de livro e os livros, por sua vez, viajavam além-mar, chegando à colônia.

O trabalho de Xavier tem como referência o repertório literário, dramatúrgico e cinematográfico em sua tentativa de diferenciar gênero, como convenção narrativa, e modo, como forma mais aberta e ampla da imaginação, em discussão que se baseia na definição aristotélica e no debate introduzido por Denis Diderot. Xavier se distingue nesse debate justamente por retirar a crítica do drama de Nelson Rodrigues da discussão classificatória em peças psicológicas, míticas ou trágicas. No escopo de um debate em terreno relativamente bem definido, Xavier leva adiante, impulsionado pelo caso do dramaturgo brasileiro, o esforço de compreensão do que seria uma forma histórica de imaginação, a interseccionar vértices.

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O movimento de reposicionamento do melodrama ao qual Ismail Xavier se refere no artigo da Novos Estudos, e de maneira ampliada em O olhar e a cena, é denso, diversificado, e continua a reverberar em conjunção com o interesse crescente pelas relações entre o cinema, o audiovisual e os sentidos. Nos anos 1980, no campo dos estudos de cinema e mídia, pesquisas que reequacionaram as relações entre o cinema e a emergência da vida moderna levaram à redefinição da teoria e da historiografia do primeiro cinema e também colocaram em questão distinções que se tornaram canônicas, entre fase clássica e moderna, como movimentos de referência na história mundial do cinema centrados respectivamente em Hollywood e na Europa. Na esteira dos debates contemporâneos, a percepção de que a modernidade é a cara-metade do colonialismo trouxe finalmente aos estudos de cinema a complexidade das relações internacionais desiguais.

No artigo “Melodrama ou a sedução da moral negociada”, Xavier se refere a textos inaugurais em uma vertente da bibliografia dos estudos de cinema de língua inglesa que continua a reverberar em reflexões que abordam o cinema colonial, ou o cinema e a televisão, em conexão com redefinições teóricas e historiográficas que reposicionam os movimentos estéticos que caracterizam o campo ao questionar a cronologia que anteriormente organizou a história do cinema em função de categorias anacrônicas emprestadas à história da arte. Theorizing Colonial Cinema (Kwon; Odagiri; Baek, 2022Kwon, Nayoung Aimee; Odagiri, Takushi; Baek, Moonim (orgs.). Theorizing Colonial Cinema, Reframing Production, Circulation, and Consumption of Film in Asia. Bloomington: University of Indiana Press , 2022.) é um exemplo de coletânea recente que reflete sobre as especificidades do cinema em diversas ex-colônias asiáticas inglesas e cada uma é um mundo.

Nesses e em outros autores contemporâneos, o melodrama aparece em conexão com Hollywood, e não com os diversos cinemas locais, que se estruturaram na confluência da referência estrangeira, mas de acordo com apropriações específicas, relacionadas a seus legados culturais. The Melodramatic Imagination: Balzac, Henry James and the Mode of Excess, do crítico literário Peter Brooks (1976Brooks, Peter. The Melodramatic Imagination: Balzac, Henry James and the Mode of Excess. New Haven: Yale University Press, 1976.) é uma das referências iniciais do debate nos estudos de cinema. O autor sugere pontos de contato entre obras canônicas do modernismo literário e o que ele denomina, calcado em revisão histórica da emergência do teatro popular na França do século XIX, “imaginação melodramática” ou “modo do excesso”. Brooks associa essa forma de imaginação à Revolução Francesa e à consolidação do capitalismo industrial. Sabemos que esse longo processo histórico inclui a migração dos camponeses, base do feudalismo, das relações de vassalagem e da agricultura de subsistência, para as cidades, onde a ausência de condições de higiene, a pobreza e a peste convivem com o surgimento da classe operária, o trabalho fabril não regulado. E com a luta política por igualdade, liberdade e fraternidade, que questionaria direitos aristocráticos e estabeleceria um conceito de república mais pleno do que até então se conhecia. A existência dessacralizada reivindicada pela burguesia emergente afirma o interesse na vida ordinária de personagens comuns. Em um mundo em transformação, o melodrama ofereceria estruturas pedagógicas de interpretação, comportamento e posicionamento moral. Nessa forma de imaginação, há a articulação de um princípio moral oculto, que estaria no âmago das coisas e que ajudaria a encontrar sentidos para além da superfície, mas plenos de significação.

O escopo limitado da pesquisa de Brooks - teatro popular na Paris do início do século XIX -, ao mesmo tempo que limita o trabalho, propicia descrição preciosa do que o autor denomina “imaginação melodramática”. Em sua origem, o teatro popular francês era mímico, a fala era ainda prerrogativa dos grandes palcos do teatro institucional, herança da corte. A ausência de fala estimula o mélos e acentua a expressividade das formas visuais, corpo, performance, cenários, figurinos, maquiagem, música, ruídos, formas de expressividade simbólica, excesso.6 6 Essa configuração levou a crítica a supervalorizar o silêncio como expressividade associada ao modo melodramático, valorizando o aspecto visual do modo do excesso, em detrimento das dimensões sensoriais associadas aos sons, entendidos de maneira ampla como não restritos à fala. O trabalho de Felipe Ferro Rodrigues (2020 e 2021) retoma a dimensão mélos dessa forma de imaginação, incluindo vozes, ruídos, gemidos, suspiros, respirações, e músicas, diegéticas ou não. Ao historicizar o melodrama, associando essa forma de imaginação à Revolução Francesa e ao advento da modernidade, Brooks enfatiza a presença desse modo pervasivo na literatura realista canônica da literatura moderna, como na obra de Honoré de Balzac e Henry James. Com Balzac, o narrador pressiona a superfície das coisas em busca de significados simbólicos, interpreta a banalidade inscrita em atos corriqueiros, como o gesto cotidiano de tirar o chapéu. Quantas sensações podem ser interpretadas a partir de detalhes desse gesto ritual cotidiano, mais lento, mais rápido, acompanhado de olhares, de observações sobre o tempo. A literatura que se debruçou sobre o melodrama no cinema busca interpretar a hipersignificação do ordinário tal como construída por cineastas que falam línguas diferentes, atuam ou atuaram em períodos históricos diversos, autores de estilísticas também diferenciadas.

Nos estudos de cinema essa vertente crítica se inicia com o estudo hoje clássico de Thomas Elsaesser, “Tales of Sound and Fury” (1987Elsaesser, Thomas. “Tales of Sound and Fury: Observations on the Family Melodrama” [1972]. In: Gledhill, Christine (ed.). Home is where the Heart is: Studies in Melodrama and the Woman. London: British Film Institute, 1987, pp. 43-69.), em que o autor aponta a presença do melodrama no cinema de Hollywood. O artigo do professor alcançou seu intento provocativo ao afirmar a força da coerência técnica, estilística e temática presente na ativação da imaginação melodramática em filmes hollywoodianos realizados entre os anos 1940 e 1960. O artigo abre com a citação de exemplo sugestivo da relevância de elementos visuais, como o uso da lente grande-angular a salientar texturas e temperaturas da cor verde em Palavras ao vento (1956Palavras ao vento (Written on the Wind). Direção: Douglas Sirk. Universal International Pictures, 1956. 1 disco Blu-ray (100 min.).), de Douglas Sirk, o mestre, alemão como ele, do melodrama em Hollywood, cujos filmes, anteriormente pouco analisados, foram extensivamente destrinchados nessa bibliografia, e também na filmografia de cineastas como Rainer Werner Fassbinder, que interage com o mestre por meio de referências explícitas em seus filmes. Elsaesser associa a presença do modo do excesso a narrativas definidas não por motivação psicológica de personagens, mas em função de atributos “externos”, como figurinos, cenários, corporalidades.

O crítico e professor alemão, que faleceu pouco antes da pandemia e dividia seu tempo entre a Universidade de Amsterdã, onde era professor emérito, e a Universidade de Columbia, em Nova York, aponta antecedentes literários e/ou dramáticos do melodrama em diferentes países europeus, como a ópera italiana, o que Linda Williams (2012Williams, Linda. “Mega-Melodrama! Vertical and Horizontal Suspensions of the ‘Classical’”. Modern Drama, v. 55, n. 4, 2012, pp. 523-43.), em passagem já citada, define como forma “elusiva”, difícil de delimitar. Como outros autores nessa vertente, engajado em reconhecer a complexidade de uma forma dramática em geral menosprezada, Elsaesser afirma que “mais do que tática de choque ou flagrante manipulação da audiência”, ela se definiria como “concepção não psicológica da persona dramatis, que figura menos como indivíduos autônomos que para transmitir a ação e conectar vários locales em uma constelação total” (Elsaesser, 1987Elsaesser, Thomas. “Tales of Sound and Fury: Observations on the Family Melodrama” [1972]. In: Gledhill, Christine (ed.). Home is where the Heart is: Studies in Melodrama and the Woman. London: British Film Institute, 1987, pp. 43-69., p. 71).7 7 Interessante que, pensando assim, o melodrama extrapolaria a concepção individualista do mundo associada ao pensamento burguês ocidental, o que ajudaria a entender sua força pervasiva em outras partes do mundo, como a China, o Japão, a Índia ou a América Latina. Mas até que ponto podemos pensar em uma forma pervasiva em países tão distintos permanece uma questão.

O privilégio de elementos de cena, cores, objetos, da corporalidade das personagens, a ênfase em atos corriqueiros, em detrimento de atributos “interiores” realça elementos “externos” às personagens como dimensões significativas caras ao melodrama. Sons, ruídos, pessoais ou não, também participam dessa definição.

Entre as coletâneas que reuniram contribuições a esse debate, Home Is Where the Heart Is, organizada por Christine Gledhill (1987Gledhill, Christine (org.). Home Is Where the Heart Is, Studies in Melodrama and the Woman’s Film. Londres: British Film Institute, 1987.), traz na introdução da autora um apanhado bastante amplo das diversas abordagens e vertentes teóricas a trabalhar com a noção de melodrama. Os filmes de Douglas Sirk, presentes no artigo original de Elsaesser, republicado por Gledhill,8 8 Ver também Marcia Landy (1991). inspiram o debate que envolve a então nascente crítica feminista, interessada na interpretação de títulos até então desvalorizados porque em muitos casos eram associados justamente à recepção feminina.9 9 O cinema de Douglas Sirk mereceu diversos estudos sintonizados com as relações entre cinema, melodrama e mulher. Não cabe aqui um levantamento completo. Ver, por exemplo, entre outros, Bárbara Klinger (1994) e Arlindo Machado e Marta Velez (2018), que analisam o clip “Imitation of Life”, da banda REM, no primeiro capítulo do livro Análise de televisão, escrito a quatro mãos e editado por Machado. Em seu ensaio sobre as implicações políticas do olhar para a resistência, dominação e a discriminação, bell hooks menciona Imitation of Life como exemplo de filme que mobiliza a sensibilidade de mulheres negras. Esse debate em geral reconhece algum potencial crítico aos filmes melodramáticos. Mesmo Laura Mulvey, autora paradigmática da crítica feminista ao cinema industrial, em suas contribuições para o debate em “Notes on Sirk and Melodrama”, reconhece que, em Sirk, é como se “o ponto de vista feminino dominante na narrativa produzisse um excesso” (Mulvey, 1987Mulvey, Laura. “Notes on Sirk”. In: Gledhill, Christine (org.). Home Is Where the Heart Is, Studies in Melodrama and the Woman’s Film. Londres: British Film Institute , 1987. , p. 79) que criaria um estranhamento, que, por sua vez, impediria a satisfação fácil, ou a conciliação (Mulvey, 1987Mulvey, Laura. “Notes on Sirk”. In: Gledhill, Christine (org.). Home Is Where the Heart Is, Studies in Melodrama and the Woman’s Film. Londres: British Film Institute , 1987. ).10 10 Em “Afterthoughts on ‘Visual Pleasure and Narrative Cinema’ Inspired by Duel in the Sun (King Vidor, 1946)”, Mulvey (1981) responde às críticas que seu artigo pioneiro da crítica feminista, praticamente um manifesto escrito em 1974, “Visual Pleasure and Narrative Cinema”, provocou. Nessa interlocução com a reflexão que o artigo estimulou,a autora extrapola o foco exclusivo na análise fílmica ao incluir a preocupação com espectadoras mulheres, especialmente em tramas na qual há ambiguidade de gênero e foco na sexualidade feminina,ambos associados por Mulvey ao melodrama. Interessante que a opção suicida e apaixonada da heroína de Duel in the Sun está reproduzida em Irmãos Coragem (Janete Clair e Daniel Filho, 1970) Vale notar que versão desse artigo pioneiro foi logo publicada no Brasil em coletânea organizada por Ismail Xavier (1975).No artigo, a autora informa que o texto “Visual Pleasure and Narrative Cinema” é uma versão de apresentação feita no Departamento de Francês da Universidade de Madison (Wisconsin), na primavera de 1973, o que sugere que a publicação no Brasil de um dos textos pioneiros da crítica feminista de cinema ocorreu em paralelo à publicação inglesa. Xavier também publicou em 1995, em O cinema no século, outro artigo da autora, professora e cineasta inglesa, como capítulo intitulado “Cinema e sexualidade”.

O interesse pelo melodrama, assim como a dificuldade de sua definição, confirma-se em mostras e publicações mais recentes de autores relacionados a essa vertente. Porém, em certo sentido essas abordagens esvaziam a forma do potencial de relacionar os campos em geral opostos da cultura erudita e popular, o alto e o baixo, distinção (para usar o termo de Pierre Bourdieu) que Andreas Huyssen (1986Huyssen, Andreas. After the Great Divide: Modernism, Mass Culture, Post-Modernism. Bloomington: University of Indiana Press, 1986.) situa no século XIX, quando surge a tensão entre cultura de massa e modernismo como polos opostos interdependentes, uma vez que se definem no contraste um com o outro.11 11 Andreas Huyssen (1986) faz uma espécie de arqueologia dos termos “cultura de massa” e “modernismo” em que associa, grosso modo, a mulher, o âmbito privado, o espaço doméstico, à cultura de massa e, ao modernismo, o âmbito político, o espaço público, o homem. No capítulo “A cultura de massa como mulher”, o autor inicia sua exposição interpretando a declaração de Gustave Flaubert, “Mme Bovary c’est moi”, como um movimento do autor francês modernista em direção ao polo oposto, o polo da cultura de massa, no qual se situa sua heroína, leitora de romances baratos, aqueles que se originam nos pés de página dos jornais e aos quais Marlyse Meyer (1996) se dedicou para encontrar neles uma referência para a literatura no Brasil. Rainer Werner Fassbinder alude a Flaubert ao falar do protagonista de Berlin Alexanderplatz, romance modernista de Alfred Döblin, adaptado para a televisão pública alemã pelo polêmico diretor alemão, estudioso de Douglas Sirk, em uma série homônima em 1980. Em meio ao escândalo provocado pela adaptação, que introduziu uma insinuação de homossexualidade no romance canônico, Fassbinder disse:“Biberkopf c’est moi”. Ver Jane Shattuc (1996).

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Ao longo dos anos o debate continua a reverberar no cinema, por exemplo, na filmografia de Todd Haynes, de maneira explícita em Longe do Paraíso (Far from Heaven) (2002), mais uma versão de Tudo o que o Céu Permite (All That Heaven Allows) (1955Tudo que o céu permite (All that Heaven Allows). Direção: Douglas Sirk. Universal International, Universal Pictures, 1955. 1 DVD (89 min).), de Douglas Sirk, mas também de maneira implícita em outras obras do diretor. Readaptação motivada pela atualização da diversidade das relações de gênero, raça e configurações familiares. Curiosamente, como que para salientar o artifício, Longe do Paraíso (como a série Mildred PierceMildred Pierce. Criador: Todd Haynes. Killer Films e HBO, 2011. 1 disco Blu-ray (5 episódios entre 58 e 79 min)., do mesmo diretor) é de época. Histórias de amor que se passam nos anos de glória dos filmes de Douglas Sirk, estes situados na temporalidade contemporânea dos anos 1950, pós-guerra, quando ajudaram a afirmar a invenção da vida no subúrbio, para mulheres que voltavam ao âmbito doméstico. A recomposição familiar fazia-se em lares equipados com os eletrodomésticos oferecidos na sociedade do consumo, entre os quais a televisão que acena com o acesso a imagens do mundo sem sair de casa.12 12 Para uma análise sugestiva da introdução da televisão como parte do movimento em direção aos subúrbios, ver Lynn Spiegel (1992).

Sensível à força da forma muitas vezes desprezada em circuitos experimentais e eruditos, em 2017 o Lincoln Center realizou uma mostra de cinema dedicada a filmes emocionais e ao melodrama internacional.13 13 Emotion Pictures: International Melodrama. Disponível em: <https://www.filmlinc.org/series/emotion-pictures-international-melodrama>. Acesso em: 16/1/2023. Em resenha crítica a essa mostra, Linda Williams aponta a ingenuidade da curadoria, que ignora a bibliografia que, desde Elsaesser e também Brooks, considera o melodrama um modo da imaginação moderna e não simplesmente um gênero cinematográfico surgido em Hollywood, já no século XX. A autora critica também a suposição de que o melodrama teria se espalhado pelo mundo a partir do cinema de Hollywood. Espécie de delírio autocentrado, a mostra incluiu obras de mestres que decididamente não se enquadram em filmes classificáveis como inspirados no melodrama Hollywoodiano, como Pier Paolo Pasolini e Federico Fellini na Itália ou Kenji Mizoguchi no Japão (Williams, 2018Williams, Linda; Gledhill, Christine (orgs.). Melodrama Unbound: Across History, Media, and National Cultures. Nova York: Columbia University Press, 2018.).

A publicação de nova coletânea sobre o assunto, editada pela própria Linda Williams e por Christine Gledhill (2018Gledhill, Christine and Linda Williams (eds.). Melodrama Unbound, across History, Media, and National Cultures. Nova York: University of Columbia Press, 2018.), trinta anos depois de Home Is Where the Heart Is, diversifica o debate. A partir do próprio título, Melodrama Unbound: Across History, Media, and National Cultures, a publicação se move para longe de casa. O novo volume contrasta com o primeiro ao afirmar a heterogeneidade relacionada a repertórios culturais preexistentes, outros meios e épocas, especialmente em países como Japão, Índia e México. Enriquecida com autores provenientes das próprias situações abordadas, a coletânea contribui para desfazer a ideia de uma homogeneidade global que acompanharia a noção de melodrama, trazendo à tona formas locais que se interseccionam de maneiras específicas com repertórios também diversos do cinema ocidental. Afinal nem só filmes de Hollywood circularam.

A coletânea busca diferenciar. Nem tudo é melodrama e a palavra melodrama não necessariamente implicaria uma uniformização global em torno de uma forma ocidental. O trabalho seminal de Brooks é relativizado. A pesquisa do crítico literário não se refere, afinal, ao cinema. Sua pesquisa é, nesse sentido, pontual e circunscrita ao teatro popular francês do início do século XIX, na medida em que estabelece o que poderia ser pensado como uma espécie de “remediação” (Bolter; Grusin, 1999Bolter, Jay D.; Grusin, Richard. Remediation, Understanding New Media. Cambridge: MIT Press, 1999.) entre esse repertório cênico e a literatura moderna (pré-cinema) da França do século XIX, onde residiam os autores dos quais ele se ocupa: o francês Honoré de Balzac e o norte-americano Henry James. Matthew Buckley (2018Buckley, Matthew. “Unbinding Melodrama”. In: Gledhill, Christine; William, Linda (eds.). Melodrama Unbound: Across History, Media, and National Cultures. New York Chichester, West Sussex: Columbia University Press , 2018.) aponta o foco restrito a trinta anos de história do teatro francês como limitação para a compreensão do melodrama no cinema, um meio que se desenvolveu em diversos países a partir do final do século XIX e principalmente no século XX. Baseado em pesquisas medievalistas que apontam adaptações religiosas à dessacralização do mundo trazida pela sociedade industrial, Richard Allen (2018Allen, Richard. “The Passion of Christ and the Melodramatic Imagination”. In: Gledhill, Christine; William, Linda (eds.). Melodrama Unbound: Across History, Media, and National Cultures. New York Chichester, West Sussex: Columbia University Press, 2018.) relativiza a interpretação proposta por Brooks, que vê no que denomina modo do excesso uma espécie de adaptação, ao nível da imaginação dramática, da dessacralização do mundo.14 14 A própria noção de melodrama, ao enfatizar o modo do excesso, a valorização da emoção e das sensações, pode ser entendida como uma relativização da fórmula weberiana, que em certo sentido considera dado o clamor racionalista. Martin Shingler (2018Shingler, Martin. “Modernizing Melodrama: The Petrified Forest on American Stage and Screen (1935-1936)”. In: Gledhill, Christine; William, Linda (eds.). Melodrama Unbound: Across History, Media, and National Cultures. New York Chichester, West Sussex: Columbia University Press , 2018.), na mesma coletânea, propõe a noção de verossimilhança para mediar a relação entre melodrama e realismo.

Reafirmado como modo, a coletânea celebra o melodrama como “a mais proeminente das formas culturais modernas” (Xavier, 2003Xavier, Ismail. O olhar e a cena : melodrama, Hollywood, Cinema Novo. São Paulo: Cosac Naify, 2003., p. 85), mas outras formas subsistem, como realismo, comédia, romance. O melodrama, tal como definido aqui, mantém-se no que Xavier há tempos definiu como o terceiro vértice do triângulo, ainda na formulação simples, anterior ao reposicionamento operado a partir dos anos 1970 por cineastas e críticos.

Simplificada de um lado, a noção se complica de outro. Respondendo aos desafios postos à conceituação do cinema com base em conceitos cunhados para dar conta da história da arte, as editoras afirmam o melodrama como alternativa: “No cinema convencional e em muito da televisão, a estética central é o melodrama e não algo denominado cinema clássico” (Gledhill; Williams, 2018Williams, Linda. “Emotion Pictures: International Melodrama, a Virtual Report”. Film Quarterly, v. 71, n. 4, 2018, pp. 16-21., p. 1). Sabemos que o chamado cinema clássico se refere basicamente ao cinema industrial de Hollywood. Seria o melodrama a forma de imaginação por excelência de Hollywood? Mas como ficam as origens latinas, identificadas por Brooks no teatro, mas também por Marlyse Meyer (1996Meyer, Marlyse. Folhetim: uma história. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.), que estuda o folhetim de pé de página, lançado nos jornais franceses do século XIX e que vem bater no Brasil? Thomas Elsaesser (1987 [1972]Elsaesser, Thomas. “Tales of Sound and Fury: Observations on the Family Melodrama” [1972]. In: Gledhill, Christine (ed.). Home is where the Heart is: Studies in Melodrama and the Woman. London: British Film Institute, 1987, pp. 43-69.), por sua vez, menciona de passagem a ópera italiana como uma das raízes do que ele concebe como modo melodramático.

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Em seus próprios termos, Ismail Xavier detecta o domínio das formas melodramáticas e pesquisa cineastas e dramaturgos que exploram os limites dessa forma de imaginação histórica em busca de reflexão e ruptura. Identifica no gesto heterodoxo de Nelson Rodrigues, na lida com repertórios advindos de mídias diversas, a possibilidade da intersecção dos três vértices do triângulo - tragédia, realismo e melodrama -, uma espécie de espaço comum, espaço potencial de redistribuição do sensível. O dramaturgo articula elementos de sua experiência como público de cinema, escritor de peças de teatro, romances, crônicas e comentários, para abordar dramas relacionados ao que percebe como decadência moral da família tradicional, corroída por perversidades variadas e surpreendentes. A disposição do crítico em encarar a heterodoxia do autor brasileiro, independentemente de suas opções ideológicas, ajuda a entender a obra rodrigueana e sua sintonia com o cinema, como forma complexa, densa de significados, ambígua em sua potência dramática.

A formulação do crítico é sugestiva para se pensar formas da imaginação contemporânea. Na segunda década do século XXI, em plena revolução digital e vinte anos depois da publicação de “Melodrama ou a sedução da moral negociada” (Xavier, 2020), o debate continua a repercutir em diversas vertentes da produção e da crítica audiovisual. Podemos talvez diagnosticar que a imaginação melodramática domina as redes sociais em suas articulações com os meios convencionais. A disseminação de aparelhos de captação, edição e difusão de imagens e sons, infelizmente, não resultou em uma diversificação de repertórios, não favoreceu o sonhado compartilhamento de saberes; ou talvez tenha propiciado esse movimento de crescimento do acesso à produção de conhecimento, porém restrito a uma parcela da população mundial. Em que medida a formulação de Xavier sobre a intersecção entre três formas canônicas da imaginação em Nelson Rodrigues abre a possibilidade do debate público, em que diferenças étnicas, ideológicas, de classe, de geração, de gosto, podem se enfrentar?

A economia digital inclui a produção e a distribuição de cinema e audiovisual e opera concentração inédita de capital em torno de algumas empresas de alta tecnologia, em geral com sede nos Estados Unidos, mas com atuação distribuída no planeta. A concentração de informações e a possibilidade do controle social exercido nem sempre pelo Estado, mas por essas corporações, também não possuem precedentes na história mundial. A concentração do capital se dá à custa da fragmentação da força de trabalho. Artistas e profissionais do audiovisual atuam de maneira precarizada em uma cadeia de produção em ebulição, com poucas regras definidas. Estados nacionais perdem o controle sobre suas fronteiras, erodidas pelos fluxos de capital, mas também de conteúdos audiovisuais. A erosão dos sistemas democráticos por dentro, pela inadequação de quadros políticos, escândalos de corrupção e fluxos de imigrantes fortalecem o movimento também inédito da ultradireita, espécie de força pré-hobbesiana que sonha com um mundo sem limites aos desígnios da mais utilitária das lógicas econômicas.

No início do século XX a teoria crítica problematizou alterações sensoriais provocadas pelas possibilidades de movimento no tempo e no espaço introduzidas pelo que Walter Benjamin, em seu célebre ensaio, inspirador de interpretações e reinterpretações, denominou “meios técnicos”.15 15 Sobre a percepção precoce de Benjamin, especialmente sua noção de enervação, ver Miriam Hansen (2012, cap. 5). Cem anos depois, estamos diante de uma nova onda de atenção a mudanças sensoriais, dadas, desta feita, pelas tecnologias digitais: redução da imagem a pixels numéricos, imagens que se referem a imagens, possibilidade de manipulação do referente. O enfraquecimento de espaços virtuais compartilhados em favor de redes privativas favorece dissociações cognitivas que reduzem possibilidades de diálogo.

Poderíamos dizer que hoje vivemos uma espécie de Weimar global, crises políticas e econômicas em diversos países reacendem os discursos morais em busca de identidades puras e nacionalistas, que estimulam o desejo de aniquilar alteridades. Em muitos países, as últimas décadas viram o desmantelamento de estruturas de bem-estar social, o empobrecimento da classe média, a imigração de trabalhadores vindos de regiões em conflito.

Não é o caso do Brasil, onde décadas de democracia regida por uma constituição inclusiva transformaram o país, embora sem conseguir romper desigualdades crônicas. A persistência da discriminação social ainda se inscreve nas paisagens urbanas segregadas, na segurança pública desigual, em práticas genocidas. Mas décadas de inclusão sistemática estimularam a formação de quadros, homens e mulheres, lideranças, intelectuais e artistas. O cinema brasileiro participou das transformações em curso. A consolidação de cinemas feitos por mulheres, indígenas e negros e gestados em comunidades urbanas inscreve a diversificação de vozes e corpos nas telas. Em meio à crise ambiental do planeta, e entre as dez maiores economias do mundo, podemos reconhecer nossa diversidade humana, vegetal e animal, como um trunfo a ser cultivado.

Em artigo de 2004, escrito na esteira do debate provocado pelos ataques de 11 de Setembro de 2001 - traduzido para o português no início da pandemia, quando o negacionismo do poder executivo federal retardou a aquisição de vacinas, chamando a atenção para o potencial genocida do questionamento da eficácia científica - Bruno Latour (2020Latour, Bruno. “Por que a crítica perdeu a força? De questões de fato a questões de interesse”. O que nos faz pensar, v. 29, n. 46, 2020, pp. 173-204.) acendeu um sinal de alerta. O que pode a crítica em face da disseminação de redes de desinformação? A reflexão de Ismail Xavier, aliada a outros questionamentos contemporâneos ocupados com os modos do excesso, interessados nas manifestações sensoriais e em formas de imaginação com potencial de inventar futuros justos, plurais, democráticos e criativos, é sugestiva de caminhos para a pesquisa em cinema e audiovisual que encare os desafios postos por objetos industriais e por produções das redes sociais, no esforço de criar espaços e repertórios comuns.

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  • Xavier, Ismail. O olhar e a cena : melodrama, Hollywood, Cinema Novo. São Paulo: Cosac Naify, 2003.
  • Xavier, Ismail. “Melodrama ou a sedução da moral negociada”. Folha de S. Paulo, 31 mai. 1998, pp. 8-9. Disponível em: <Disponível em: https://www.eca.usp.br/acervo/acervo-local/producao-academica/000968383.pdf >. Acesso em: 3/10/2022.
    » https://www.eca.usp.br/acervo/acervo-local/producao-academica/000968383.pdf
  • Xavier, Ismail. “Melodrama ou a sedução da moral negociada”. Novos Estudos, v. 2, n. 57, 2000, pp. 81-90.
  • Zweig, Stefan. Carta de uma desconhecida [1922]. São Paulo: Expresso Zahar, 2015.
  • 1
    O filme é de 1972, mas por problemas com a censura só foi lançado em 1973, ano em que foi exibido nos festivais de Berlim e Cannes. Adoto o registro da filmografia da Cinemateca Brasileira, disponível em: <https://bases.cinemateca.org.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/?IsisScript=iah/iah.xis&base=CATALOGO⟨=p>. Acesso em: 25/1/2023.
  • 2
    Em 2014 a autora desenvolve argumento, em certo sentido análogo ao de Xavier,com relação aodebate sobre a série da hbo The Wire (2002-8), que conquistou audiências e críticos que, surpresos com a densidade do produto, a classificaram como realista. Linda Williams (2012Williams, Linda. “Mega-Melodrama! Vertical and Horizontal Suspensions of the ‘Classical’”. Modern Drama, v. 55, n. 4, 2012, pp. 523-43.) demonstra que é melodramática, mais uma vez retirando o modo do excesso do lugar pejorativo, e a crítica da limitação taxonômica. Ver Giancarlo Casellato Gozzi (2018Gozzi, Giancarlo Casellato. As vantagens da amoralidade: melodrama, comentário político e interação com o público em House of Cards. Dissertação (mestrado em meios e processos audiovisuais). São Paulo: PPGMA/Universidade de São Paulo, 2018., cap. 2).
  • 3
    As relações entre Nelson Rodrigues e o rádio ainda são pouco conhecidas. Ao pesquisar A dama do lotação, pertencente ao conjunto de crônicas originalmente publicadas no jornal, localizei o anúncio da versão radiofônica que ia ao ar, à época, na voz de Procópio Ferreira. O achado reforça a interpretação de Xavier, que situa Nelson Rodrigues como autor que intersecciona formas dramáticas e meios. Ver Maria Filomena Gregori, Esther Império Hamburger e Eliane Robert Moraes (2022Gregori, Maria Filomena; Hamburger, Esther Império; Moraes, Eliane Robert. “A dama do lotação, o conto, o filme e outros transportes perigosos”. In: Kleiman, Olinda; Moraes, Eliane Robert (orgs.). Sexe et sexualité: de la pratique sociale à la représentation dans les lettres et les arts visuels. Paris: Presses Sorbonne Nouvelle, 2022, pp. 233-62.).
  • 4
    Mariana Baltar (2007Baltar, Mariana. Realidade lacrimosa: diálogos entre o universo do documentário e a imaginação melodramática. Tese (doutorado em comunicação). Rio de Janeiro: PPG-COM/Universidade Federal Fluminense, 2007.) menciona a referência isolada em chave negativa ao melodrama no cinema latino-americano na pesquisa de Sílvia Oroz.
  • 5
    Andreas Huyssen (2015Huyssen, Andreas. Miniature Metropolis, Literature in Age of Photography and Film. Cambridge: University of Harvard Press, 2015.) relaciona a escrita dos principais pensadores da teoria crítica alemã com a vivência que eles tiveram com a emergente cultura urbana, as novas mídias, as teorias da percepção, a visualidade e a atualidade, o comércio, a moda, as tipologias de gênero e sexualidade e o impacto da tecnologia e da ciência, que deslocaram a literatura, a pintura e a arquitetura. O estudo busca recuperar a constelação de novas mídias, metrópole moderna e literatura modernista. Nesse esforço, encontra o que denomina miniaturas e, no caso de Siegfried Kracauer e Walter Benjamin, o feuilleton, que não tem a mesma acepção francesa tal como foi estudada por Marlyse Meyer, até mesmo por uma diferença de temporalidade. A comparação, no entanto, que não cabe aqui, pode se revelar sugestiva de experiências literárias impulsionadas pelas mudanças sensíveis estimuladas pelos meios técnicos.
  • 6
    Essa configuração levou a crítica a supervalorizar o silêncio como expressividade associada ao modo melodramático, valorizando o aspecto visual do modo do excesso, em detrimento das dimensões sensoriais associadas aos sons, entendidos de maneira ampla como não restritos à fala. O trabalho de Felipe Ferro Rodrigues (2020Rodrigues, Felipe Ferro. Mais do que Palavras ao vento: voz, corpo e melodrama no cinema. Dissertação (mestrado em meios e processos audiovisuais). PPGMA/ Universidade de São Paulo, 2020. e 2021Rodrigues, Felipe Ferro. “Palavras ao vento: voz, corpo e melodrama no cinema sonoro”. Revista Brasileira de Música, v. 33, n. 1, 2020, pp. 313-35.) retoma a dimensão mélos dessa forma de imaginação, incluindo vozes, ruídos, gemidos, suspiros, respirações, e músicas, diegéticas ou não.
  • 7
    Interessante que, pensando assim, o melodrama extrapolaria a concepção individualista do mundo associada ao pensamento burguês ocidental, o que ajudaria a entender sua força pervasiva em outras partes do mundo, como a China, o Japão, a Índia ou a América Latina. Mas até que ponto podemos pensar em uma forma pervasiva em países tão distintos permanece uma questão.
  • 8
    Ver também Marcia Landy (1991Landy, Marcia (org.). Imitations of Life: A Reader of Film and Television Melodrama. Detroit: Wayne University Press, 1991.).
  • 9
    O cinema de Douglas Sirk mereceu diversos estudos sintonizados com as relações entre cinema, melodrama e mulher. Não cabe aqui um levantamento completo. Ver, por exemplo, entre outros, Bárbara Klinger (1994Klinger, Bárbara. Melodrama and Meaning, History, Culture, and the Films of Douglas Sirk. Bloomington: University of Indiana Press , 1994.) e Arlindo Machado e Marta Velez (2018Machado, Arlindo; Velez, Marta. Análise de televisão. São Paulo: Edições Machado, 2018.), que analisam o clip “Imitation of Life”, da banda REM, no primeiro capítulo do livro Análise de televisão, escrito a quatro mãos e editado por Machado. Em seu ensaio sobre as implicações políticas do olhar para a resistência, dominação e a discriminação, bell hooks menciona Imitation of Life como exemplo de filme que mobiliza a sensibilidade de mulheres negras.
  • 10
    Em “Afterthoughts on ‘Visual Pleasure and Narrative Cinema’ Inspired by Duel in the Sun (King Vidor, 1946)”, Mulvey (1981Mulvey, Laura. “Afterthoughts on ‘Visual Pleasure and Narrative Cinema’ Inspired by King Vidor’s Duel in the Sun (1946)”. Framework, n. 15-17, 1981, pp. 12-5.) responde às críticas que seu artigo pioneiro da crítica feminista, praticamente um manifesto escrito em 1974, “Visual Pleasure and Narrative Cinema”, provocou. Nessa interlocução com a reflexão que o artigo estimulou,a autora extrapola o foco exclusivo na análise fílmica ao incluir a preocupação com espectadoras mulheres, especialmente em tramas na qual há ambiguidade de gênero e foco na sexualidade feminina,ambos associados por Mulvey ao melodrama. Interessante que a opção suicida e apaixonada da heroína de Duel in the Sun está reproduzida em Irmãos Coragem (Janete Clair e Daniel Filho, 1970Irmãos Coragem. Direção: Daniel Filho. Roteiro: Janete Clair. Produção e Distribuição Rede Globo de Televisão, 1970.) Vale notar que versão desse artigo pioneiro foi logo publicada no Brasil em coletânea organizada por Ismail Xavier (1975Xavier, Ismail. A experiência do cinema. Rio de Janeiro: Embrafilme, 1975. ).No artigo, a autora informa que o texto “Visual Pleasure and Narrative Cinema” é uma versão de apresentação feita no Departamento de Francês da Universidade de Madison (Wisconsin), na primavera de 1973, o que sugere que a publicação no Brasil de um dos textos pioneiros da crítica feminista de cinema ocorreu em paralelo à publicação inglesa. Xavier também publicou em 1995, em O cinema no século, outro artigo da autora, professora e cineasta inglesa, como capítulo intitulado “Cinema e sexualidade”.
  • 11
    Andreas Huyssen (1986Huyssen, Andreas. After the Great Divide: Modernism, Mass Culture, Post-Modernism. Bloomington: University of Indiana Press, 1986.) faz uma espécie de arqueologia dos termos “cultura de massa” e “modernismo” em que associa, grosso modo, a mulher, o âmbito privado, o espaço doméstico, à cultura de massa e, ao modernismo, o âmbito político, o espaço público, o homem. No capítulo “A cultura de massa como mulher”, o autor inicia sua exposição interpretando a declaração de Gustave Flaubert, “Mme Bovary c’est moi”, como um movimento do autor francês modernista em direção ao polo oposto, o polo da cultura de massa, no qual se situa sua heroína, leitora de romances baratos, aqueles que se originam nos pés de página dos jornais e aos quais Marlyse Meyer (1996Meyer, Marlyse. Folhetim: uma história. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.) se dedicou para encontrar neles uma referência para a literatura no Brasil. Rainer Werner Fassbinder alude a Flaubert ao falar do protagonista de Berlin Alexanderplatz, romance modernista de Alfred Döblin, adaptado para a televisão pública alemã pelo polêmico diretor alemão, estudioso de Douglas Sirk, em uma série homônima em 1980. Em meio ao escândalo provocado pela adaptação, que introduziu uma insinuação de homossexualidade no romance canônico, Fassbinder disse:“Biberkopf c’est moi”. Ver Jane Shattuc (1996Shattuc, Jane. Television, Tabloids and Tears, Fassbinder and Popular Culture. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1996.).
  • 12
    Para uma análise sugestiva da introdução da televisão como parte do movimento em direção aos subúrbios, ver Lynn Spiegel (1992Spiegel, Lynn. Make Room for tv: Television and the Family Ideal in Postwar America. Chicago: University of Chicago Press, 1992.).
  • 13
    Emotion Pictures: International Melodrama. Disponível em: <https://www.filmlinc.org/series/emotion-pictures-international-melodrama>. Acesso em: 16/1/2023.
  • 14
    A própria noção de melodrama, ao enfatizar o modo do excesso, a valorização da emoção e das sensações, pode ser entendida como uma relativização da fórmula weberiana, que em certo sentido considera dado o clamor racionalista.
  • 15
    Sobre a percepção precoce de Benjamin, especialmente sua noção de enervação, ver Miriam Hansen (2012Hansen, Miriam. Cinema and Experience: Siegrifield Kracauer, Walter Benjamin and Theodor Adorno. Berkeley: University of California Press, 2012., cap. 5).
Editora responsável: Renata Francisco.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2023
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