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SUPREMOCRACIA E INFRALEGALISMO AUTORITÁRIO: O COMPORTAMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL DURANTE O GOVERNO BOLSONARO

Supremocracy and Autocratic Infralegalism: The Behavior of the Brazilian Supreme Court during Bolsonaro’s Government

RESUMO

Neste artigo, analisamos a resposta do stf aos processos que questionaram os ataques à Constituição ocorridos durante o governo de Jair Bolsonaro (2019-22), em sua rapidez e conteúdo. Os dados revelam que, após uma primeira etapa marcada por uma retórica mais conciliadora, o STF passou a se mostrar cada vez mais disposto a controlar atos do governo. Quanto mais Bolsonaro intensificava seus ataques, mais responsivo se mostrava o STF.

PALAVRAS-CHAVE:
supremocracia; Supremo Tribunal Federal; infralegalismo autoritário; Bolsonaro

ABSTRACT

This paper assesses how the Brazilian Supreme Court decided lawsuits and constitutional claims filed against Bolsonaro’s attacks to the Constitution during his mandate (2019-22), both in content and in timing. Data shows that, after a first year marked by a more conciliatory rhetoric, the Supreme Court started adopting a more responsive posture. The more Bolsonaro escalated his attacks, the more responsive became the Supreme Court.

KEYWORDS:
supremocracy; Supremo Tribunal Federal; authoritarian infralegalism; Bolsonaro

INTRODUÇÃO

“Acabou.” Foi assim que Jair Bolsonaro reconheceu sua derrota eleitoral, em reunião fechada com ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), em 1º de novembro de 2022, de acordo com o breve relato do ministro Edson Fachin (Marques; Machado; Chaib, 2022Marques, José; Machado, Renato; Chaib, Julia. “Bolsonaro disse que ‘acabou’, afirma Fachin após encontro com presidente no STF”. Folha de S.Paulo , 1º nov. 2022. Disponível em: <Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/11/bolsonaro-disse-que-acabou-afirma-fachin-apos-encontro-com-presidente-no-stf.shtml >. Acesso em: 5/12/2022.
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022...
).

É irônico que Bolsonaro tenha utilizado a mesma expressão em maio de 2020 para manifestar publicamente sua intenção de acabar com a autonomia do STF (BBC News, 2020BBC News Brasil. “‘Acabou, porra’: as reações de Bolsonaro e aliados um dia após operação contra fake news”. BBC News Brasil, 28 maio 2020. Disponível em: <Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-52842380 >. Acesso em: 8/12/2022.
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-52...
). Uma ameaça que voltaria a ocorrer em setembro de 2020 e de 2021.

Ao longo de seus quatro anos de mandato, Bolsonaro hostilizou o STF e seus ministros por cumprirem a função que lhes cabia, de garantir a aplicação da Constituição. Nesse período, a democracia constitucional brasileira foi submetida ao maior teste de resiliência desde 1988. Jair Bolsonaro, um líder populista autocrático, promoveu um método singular de erosão institucional, exigindo uma postura combativa do STF, Corte dotada de múltiplas competências que lhe permitiram exercer de forma ampla a função de defesa da democracia brasileira.

Como os demais populistas de seu tempo, Bolsonaro foi hostil aos valores e instituições da democracia liberal (Mounk, 2019Mounk, Yascha. O povo contra a democracia: por que nossa liberdade corre perigo e como salvá-la. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.; Müller, 2016Müller, Jan-Werner. What Is Populism? Filadélfia: University of Pennsylvania Press, 2016.), mas seu método de ataque às instituições possuía particularidades em relação a fenômenos que vinham sendo mapeados pela literatura. O método de Bolsonaro nunca se encaixou perfeitamente naquele classificado como legalismo autocrático (Scheppele, 2018Scheppele, Kim Lane. “Autocratic Legalism”. The University of Chicago Law Review, v. 85, n. 2, 2018, pp. 545-83.) nem naquele dito constitucionalismo abusivo (Landau, 2013Landau, David. Abusive Constitutionalism, U.C. Davis Law Review, v. 47, n. 1, 2013, pp. 189-260.).1 1 A menção ao conceito de legalidade autoritária já estava presente, contudo, desde o trabalho de Anthony Pereira, em referência à institucionalização da repressão durante regimes militares (Pereira, 2012). A relação entre o direito administrativo e a repressão também foi abordada em Tom Ginsburg (2008). O foco da atuação de Bolsonaro não se deu pela reforma constitucional nem pela promulgação de leis fundamentais contrárias aos valores e regras liberais e democráticas. Bolsonaro valeu-se de algo que chamamos de infralegalismo autoritário. Esse método privilegiou a implementação de uma agenda populista e autoritária por meio da edição de decretos, nomeações e ações no âmbito administrativo, orçamentário e burocrático, amparadas por pressões parainstitucionais sobre agentes públicos e voltadas para a erosão ou neutralização de diversos direitos e valores estabelecidos pela Constituição de 1988.2 2 Nossos conceitos de populismo, autoritarismo e infralegalismo autocrático são trabalhados com mais detalhe em capítulo de livro a ser publicado em 2023 (Vieira; Glezer; Barbosa, no prelo).

Essa ação centrada em atos infralegais, administrativos e parainstitucionais, conseguiu, em larga medida, fugir ao âmbito de controle do Legislativo. Por esse motivo, o ônus de controlar os excessos inconstitucionais de Bolsonaro recaiu principalmente sobre o Poder Judiciário. Na verdade, recaiu especialmente sobre o STF, que já possuía uma posição central no arbítrio dos conflitos ordinários no sistema político brasileiro.3 3 Essa centralidade do STF na resolução de conflitos políticos é qualificada como supremocracia por Vieira (Vieira, 2008). O STF, por sua vez, havia chegado ao início do governo Bolsonaro fragilizado, emergindo de uma crise política que levara a uma perda de reputação tangível.4 4 Em 2017, dados do ICJ indicavam que 24% da população confiava no STF (Ramos et al., 2017). Rubens Glezer (2020) narra como esse processo de perda de capital reputacional deu-se de forma acentuada entre 2015 e 2018, em larga medida pelo uso reiterado e indiscriminado do que chamou de catimba constitucional.

Nesse contexto, nos dispusemos a analisar o modo como o STF reagiu às investidas de Bolsonaro contra a Constituição e à sua conduta em face da pandemia.5 5 O levantamento das ações no STF abarca o recorte temporal de três anos e meio de governo, ou seja, ações noticiadas no site do STF entre 1/1/2019 e 28/6/2022. As ações identificadas foram monitoradas pelo sistema de acompanhamento processual até 10/8/2022. A análise dessas decisões cobre todo o período relevante de ações dos quatros anos de governo Bolsonaro. No último semestre de governo, o cenário político esteve centrado no processo eleitoral e nas consequências da derrota de Bolsonaro para Luiz Inácio Lula da Silva. O banco de dados foi construído a partir de busca por palavras-chave na seção do site do STF que noticia a atividade do tribunal e alguns dos litígios que a ele chegam. Nela, lançamos os termos “Bolsonaro”, “medida provisória”, “decreto”, “ministério”, “portaria”, “governo” e “União”. As 361 ações cujo ajuizamento ou decisão foram noticiados no site do STF foram registradas em planilha. Em seguida, consultando o andamento processual e, quando fosse o caso, a petição inicial e decisões de cada uma dessas ações, levantamos outras informações sobre o processo, tais como ano de ajuizamento, relatoria, pedido, data de autuação, existência de decisão (decisão liminar, decisão de mérito, convocação de audiência pública ou levantamento de sigilo), data da primeira decisão relevante, existência de decisão final, teor e data da decisão final. As unidades de análise do banco são, portanto, os processos, e não as decisões. Essa opção metodológica é capaz de captar uma fotografia do acervo do tribunal em determinado período e medir a prontidão na primeira reação do tribunal a um processo. , 6 6 Este artigo é fruto de um acompanhamento contínuo do STF durante o mandato de Bolsonaro. Uma primeira publicação derivada da pesquisa discutiu dados dos primeiros seis meses de governo (Vieira; Glezer, 2019). Nela, identificamos uma postura inicialmente amistosa do STF no combate às medidas do governo, constatação que persistiu até o fim do primeiro ano de governo (Vieira; Glezer; Barbosa, 2020a; 2020b). Naqueles trabalhos iniciais, geramos os dados empíricos, parcialmente, a partir de bancos de dados cedidos por terceiros. Em um segundo momento, construímos um banco de dados próprio. A partir desse novo banco é que foram gerados os resultados descritos neste artigo. Apresentamos o argumento desenvolvido neste artigo em diversos eventos ao longo desse período, dentre os quais incluem-se o webinar “Cortes supremas, governança e democracia”, organizado pelo STF em 23 de outubro de 2020 (disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=SxXu-384sJI>); o webinar “Brazilian Democracy under Siege”, organizado pela Universidade de Princeton em 16 de setembro de 2021 (disponível em: https://youtu.be/NRrNuon3oBA). Identificamos que, após uma primeira etapa marcada por uma retórica mais conciliadora, o STF passou a se mostrar cada vez mais preocupado e disposto a controlar atos do governo e repelir a escalada de ataques e ameaças de Bolsonaro e seus apoiadores ao próprio STF e seus ministros. Quanto mais Bolsonaro intensificava seus ataques, mais responsivo se mostrava o STF.

Durante o primeiro ano de governo, o STF interferiu pouco nos atos de Bolsonaro. Já a partir de dezembro de 2019, começou uma inflexão nessa conduta. O STF passou a reagir de forma mais robusta ao presidente e seus apoiadores mais radicais. Essa mudança de postura coincidiu com a escalada de ameaças e acusações do presidente contra os demais poderes, a instauração de inquéritos para investigar denúncias do então ministro da Justiça contra Bolsonaro e a atitude negacionista e negligente de Bolsonaro durante a pandemia de Covid-19.7 7 Diversos trabalhos recentes inserem-se na agenda de pesquisas relacionada à investigação da postura do STF no combate a ações do governo Bolsonaro, sobretudo no ano de 2020, apontando uma mudança no posicionamento do tribunal a partir do segundo ano de governo. Por exemplo, Marjorie Marona e Lucas Guimarães (2021) têm uma percepção de mudança na postura do STF no combate às medidas de Bolsonaro a partir do segundo ano de governo, com o acirramento da postura combativa de Bolsonaro e a chegada da pandemia de Covid-19. A postura ativa do STF no combate a ações do governo Bolsonaro durante a pandemia foi apontada em artigo por Luciana Cunha, Eloisa Almeida e Luiza Ferraro (2021) no qual descrevem o perfil do litígio de temas relacionados à pandemia no STF. Constatam que a pandemia dominou a agenda do tribunal em 2020 e discrimina, dentre as ações relativas à pandemia, que envolvem atos praticados pelo governo Bolsonaro. Ainda no que diz respeito à postura do STF no combate à pandemia, há trabalho que aponta que o STF teria sido a instituição mais combativa ao governo (Biehl; Prates; Amon, 2021). Por último, Vanessa Oliveira e Lígia Madeira (2021) apresentaram constatação empírica de que o presidente mais perdeu do que ganhou no STF em casos relativos à pandemia.

Na primeira seção deste artigo, descrevemos como o STF migra de uma postura contida no início do governo para uma postura mais robusta de controle a partir do fim de 2019. Já na segunda seção, descrevemos o controle que o STF exerceu sobre o método do infralegalismo autocrático em quatro âmbitos distintos: a desestabilização do controle e da participação social no governo por mudanças burocráticas, a subversão de políticas públicas por decreto, a omissão governamental como forma de frustrar valores e objetivos constitucionais, bem como a intervenção direta em órgãos de fiscalização e controle.

PRIMEIRO ATO: A SUPREMOCRACIA DEFERENTE

Durante o primeiro ano de mandato do governo Bolsonaro, o STF apresentou uma postura menos incisiva no controle de atos e omissões do governo, em comparação com os anos seguintes. A quantidade de casos julgados no ano e a demora para decidi-los são indícios relevantes dessa mudança, como indica a Figura 1.

FIGURA 1
Demora entre autuação e primeira decisão das ações ajuizadas contra atos do governo Bolsonaro

As barras do gráfico na Figura 1 ilustram quantos processos do acervo de casos pendentes de julgamento tiveram uma primeira decisão do tribunal no ano e quantos permaneceram sem decisão até o encerramento do ano.8 8 Para os fins desta pesquisa, o acervo diz respeito aos casos que aguardavam uma primeira decisão relevante do tribunal em cada ano, tenham eles sido ajuizados no próprio ano ou sejam eles um legado de anos anteriores. Isso significa que, se um processo foi ajuizado em 2019 e só teve uma decisão em 2021, ele será contabilizado como pendente nos acervos de 2019, 2020 e 2021. Por outro lado, processos que tiveram uma primeira decisão em determinado ano, mas permaneceram aguardando o julgamento de mérito ou de recurso no decorrer dos anos, só foram contabilizados como julgados no ano de sua primeira decisão. Por exemplo, um processo que teve liminar concedida em 2019 não foi computado no acervo de 2020, mesmo que o julgamento de mérito ou de algum recurso interno ainda estivesse pendente. Já as linhas indicam a média de dias que o tribunal demorou para decidir um caso.9 9 As linhas de cor cinza indicam a média entre a autuação e a data do julgamento do processo e incluem tanto processos que tiveram uma primeira decisão no mesmo ano em que foram ajuizados quanto processos que foram decididos nos anos subsequentes. As linhas de cor preta indicam a média entre a autuação e a data do julgamento do processo e incluem apenas os processos que tiveram uma primeira decisão no mesmo ano em que foram ajuizados (sua média é, portanto, inferior, porque está adstrita a um teto de 364 dias). A figura mostra que o STF passou a decidir mais ações, e com maior rapidez, a partir de 2020, em comparação com 2019.10 10 É possível que a quantidade de ações ajuizadas e decisões contra o governo Bolsonaro já fosse maior do que a de governos anteriores. Se esse for o caso, STF já tinha uma postura mais responsiva desde o início do governo. Agradecemos a Diego Werneck Arguelhes por nos alertar sobre esse ponto. De todo modo, isso não muda a constatação sobre a inflexão ocorrida a partir do início de 2020. Quando comparados com o ano anterior, os dados de 2020 mostram que o tribunal começou a decidir mais casos e de forma mais rápida.

Há uma diferença notável no ritmo de decisões entre 2019 e 2020. Enquanto em 2019 apenas 33,9% (18 de 53) das ações ajuizadas contra o governo tiveram uma primeira decisão proferida no mesmo ano, em 2020 esse número subiu para 68,5% (107 das 156). Além disso, o tempo médio entre a autuação do processo e a primeira decisão diminuiu a partir de 2020: de 70,72 dias em 2019 passou para 23,5 em 2020. Além disso, algumas ações ajuizadas em 2019 contra atos do governo foram julgadas apenas nos anos posteriores. É o caso do decreto que retirou a remuneração de peritos do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (ADPF 607), da proibição da publicação do balanço financeiro de empresas na imprensa (ADI 6.315) e da proibição de visita social em estabelecimentos de segurança máxima (ADPF 579).11 11 Agradecemos a Diego Werneck Arguelhes por apontar que seria importante discriminar as ações que chegaram ao fim do primeiro ano de governo sem um julgamento final. Ações contra o decreto de armas (ADPF 581) e a liberação de agrotóxicos (ADPF 559) também haviam sido ajuizadas no primeiro ano de governo e não foram enfrentadas nesse período. Além de decidir mais rápido, o tribunal, sobretudo em 2020, pareceu mais unido, pois proferiu mais decisões colegiadas.12 12 Para esse cálculo, é relevante discriminar em que tipo de decisão consistiu no primeiro pronunciamento do tribunal. Isso porque algumas decisões são, por determinação regimental, obrigatoriamente monocráticas. Não há como esperar que essas decisões sejam colegiadas. Com essa premissa, diferenciamos: (i) decisões liminares, (ii) decisões de mérito, (iii) negativa de seguimento (art. 21, §1º), (iv) reconhecimento de perda de objeto, ou (v) determinação de diligência. Os percentuais referem-se apenas às decisões liminares ou de mérito, que são aquelas das quais se espera, de fato, uma decisão colegiada. Das 361 ações do banco de dados, 277 contavam com uma primeira decisão até a data de fechamento da pesquisa. Destas, 154 consistiam em decisões liminares ou de mérito. O percentual de decisões colegiadas descrito é calculado a partir dessas 154 decisões. Em 2019, 41,67% das decisões liminares e de mérito foram proferidas por um órgão colegiado. Em 2020, esse percentual saltou para 73,68%. Importante mencionar que, em 2021, houve novamente uma queda do percentual para 49,12%.

Por fim, houve uma mudança tênue no tom das razões apresentadas para controlar o governo ao longo do tempo. Durante a maior parte do primeiro ano de mandato, as decisões que exerceram controle sobre as ações do governo não fizeram considerações políticas mais contundentes sobre ameaças à democracia por parte do presidente. Os atos foram declarados inconstitucionais, sobretudo por vícios formais,13 13 Foi com fundamentos formais que o STF derrubou a medida provisória que transferia a responsabilidade sobre a demarcação de terras indígenas para o Ministério da Agricultura (ADI 6.172, 6.173, 6.174 e 6.062) ou impediu a extinção do DPVAT por meio de medida provisória, por se tratar de matéria reservada à regulação por meio de lei complementar (ADI 6.262). sem que fossem realizadas considerações adicionais relevantes sobre a agressão do governo a normas ou valores constitucionais.

A postura inicial, mais amistosa, não impediu que o tribunal contrariasse interesses do governo em alguns casos, como na decisão que proibiu a extinção de conselhos federais da administração criados por lei (ADI 6.121). A ação questionava o decreto n. 9.759/19, editado por Bolsonaro no início do governo, que extinguia todos os colegiados da administração pública. Na decisão, o STF suspendeu, por ausência de chancela do legislativo, a extinção de colegiados criados por lei.14 14 Foi em razão dessa decisão que Bolsonaro, impedido de extinguir a totalidade dos conselhos, optou por fragilizar os conselhos remanescentes por meio de alterações estruturais.

Esse é um tom condizente com a postura mais conciliatória adotada pelo então presidente do tribunal, José Antonio Dias Toffoli, que externou a intenção de estabelecer uma relação menos conflituosa com o presidente Bolsonaro. Em maio de 2019, o presidente do STF se propôs assinar um “pacto republicano” (Benites, 2019Benites, Afonso. “Pacto entre poderes, a ideia que une Bolsonaro e Toffoli”. El País Brasil, 27 maio 2019. Disponível em: <Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/05/28/politica/1559000662_221947.html >. Acesso em: 30/10/2019.
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), sob a justificativa de remover obstáculos às reformas da previdência e tributária, no que foi duramente criticado por magistrados e políticos de oposição (Onofre, 2019Onofre, Renato. “Juízes federais reagem a Toffoli e dizem que pacto com Executivo e Legislativo é para ‘atores políticos’”. Uol, 29 maio 2019. Disponível em: <Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2019/05/29/juizes-federais-reagem-a-toffoli-e-dizem-que-pacto-e-para-atores-politicos.htm >. Acesso em: 30/10/2019.
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).Porém, essa postura menos conflituosa não se mostrou sustentável ao longo do tempo, dada a escalada de ataques a valores e instituições constitucionais por parte do presidente e de seus aliados. Ainda em 2019, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, chegou a sugerir que o governo deveria decretar um novo Ato Institucional n. 5, caso houvesse uma “radicalização da esquerda” brasileira (Uol, 2019UOL . “Eduardo Bolsonaro fala em novo AI-5 ‘se esquerda radicalizar’".UOL , 30 out. 2019. Disponível em: <Disponível em: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2019/10/31/eduardo-bolsonaro-fala-em-novo-ai-5-se-esquerda-radicalizar.htm >. Acesso em: 8/12/2022.
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). A ameaça foi reafirmada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes (Betim, 2019Betim, Felipe. “Moro promete destruir material apreendido por pf com hackers e eleva debate sobre ingerência”. El País Brasil, 24 jul. 2019. Disponível em: <Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/07/26/politica/1564098183_656802.html >. Acesso em: 17/3/2020.
https://brasil.elpais.com/brasil/2019/07...
). Como reação a essas investidas, houve uma mudança de tom do STF já em dezembro de 2019. Em mais um caso no qual Bolsonaro tentava excluir a participação e o controle popular na formulação de políticas públicas federais, o ministro Luís Roberto Barroso não apenas derrubou a medida, como fez referência explícita a práticas de constitucionalismo abusivo por parte do governo (ADPF 622).No início de 2020, Bolsonaro compartilhou em suas redes sociais a convocação de uma ampla manifestação contra o Congresso Nacional e o STF. Chegou a participar de manifestações dessa natureza, endossando apoiadores que possuíam faixas pedindo o fechamento das instituições democráticas (G1, 2020aG1. “Bolsonaro discursa em Brasília para manifestantes que pediam intervenção militar”. G1, 19 abr. 2020a. Disponível em: <Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/04/19/bolsonaro-discursa-em-manifestacao-em-brasilia-que-defendeu-intervencao-militar.ghtml >. Acesso em: 19/10/2020.
https://g1.globo.com/politica/noticia/20...
). Nas semanas seguintes, o ministro da Justiça, Sérgio Moro, renunciou ao cargo por considerar que o presidente estava interferindo na autonomia da Polícia Federal, o que seria evidenciado, entre outras coisas, por declarações do presidente em sede de uma reunião ministerial (ISTOÉ, 2020IstoÉ. “Sergio Moro renuncia ao Ministério da Justiça por ‘interferências políticas’ de Bolsonaro”. IstoÉ Dinheiro, 24 abr. 2020. Disponível em: <Disponível em: https://www.istoedinheiro.com.br/sergio-moro-renuncia-ao-ministerio-da-justica-por-interferencias-politicas-de-bolsonaro/ >. Acesso em: 19/10/2020.
https://www.istoedinheiro.com.br/sergio-...
). Essa suspeita levou à abertura de um inquérito no STF, a pedido do procurador-geral da República. A publicização da gravação dessa reunião ministerial revelou que Bolsonaro e seus ministros falavam em prender governadores, aproveitar o contexto de pandemia para revogar medidas de proteção ambiental e “[botar] esses vagabundos todos na cadeia, começando pelo STF” (CNN Brasil, 2020CNN Brasil. “Reunião ministerial de Bolsonaro: assista ao vídeo na íntegra e leia transcrição”. CNN Brasil, 22 maio 2020. Disponível em: <Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/assista-ao-video-da-reuniao-ministerial-com-bolsonaro/ >. Acesso em: 19/10/2020.
https://www.cnnbrasil.com.br/politica/as...
). A mudança nas relações, já sinalizada no fim de 2019, não teve retorno. Nesse contexto, o STF passou a ser acionado com mais frequência pelos partidos de oposição e a exercer um controle mais assertivo e expedito sobre os atos do governo.

SEGUNDO ATO: A SUPREMOCRACIA RESPONSIVA

Para superar as dificuldades na arena legislativa e implementar sua agenda, Bolsonaro abusou dos poderes discricionários da Presidência, empregou ações parainstitucionais, assim como buscou impedir a implementação de políticas públicas, muitas delas de origem constitucional, contrárias à sua orientação ideológica. A crescente responsividade do STF passou a oferecer resistência aos métodos empregados por Bolsonaro. As subseções a seguir descrevem, de maneira exemplificativa e não exaustiva, como o STF respondeu às estocadas do governo Bolsonaro em diversos campos da administração federal.

Controle sobre o esvaziamento e desestruturação de conselhos

No início do governo, o STF impôs limites à iniciativa do presidente da República de extinguir, por meio de decreto, todos os colegiados da administração pública federal criados por governos anteriores. Esse decreto foi o primeiro de um conjunto de atos destinados a centralizar a tomada de decisão do governo e diminuir a participação e a fiscalização da sociedade civil sobre a execução de políticas públicas.

Colegiados são órgãos consultivos que viabilizam a participação da sociedade civil, de interessados e especialistas na elaboração e implementação de políticas públicas. O decreto n. 9.759/19 promoveu uma extinção ampla e indiscriminada de todos os colegiados existentes.15 15 “Conselhos, comitês, comissões, grupos, juntas, equipes, mesas, fóruns, salas ou qualquer outra denominação dada ao colegiado” (art. 20, decreto n. 9.759/19). Alguns desses conselhos haviam sido criados por lei; outros, por atos infralegais. O modo como o STF lidou com essa extinção mudou de 2019 para 2022.

Mesmo em sua fase mais tímida de controle sobre o governo, o plenário do STF decidiu que Bolsonaro não poderia extinguir por decreto os conselhos criados por lei, pois isso seria uma burla ao Legislativo. Contudo, reconheceu a constitucionalidade da extinção por decreto de conselhos criados por atos do Executivo em outros mandatos (ADI 6.121).

Diante da sobrevivência de diversos colegiados criados por lei, o governo adotou a estratégia alternativa de alterar a estrutura desses órgãos por meio de decretos, de modo a esvaziar sua importância ou dificultar tomadas de decisão. Foi essa a medida adotada contra o Conselho Nacional da Criança e do Adolescente (Conanda). O decreto n. 10.003/2019 alterou a estrutura do conselho e destituiu seus membros, no curso de seus mandatos. O mesmo ocorreu em diversos outros colegiados (Vieira; Glezer; Barbosa, 2023Vieira, Oscar Vilhena; Glezer, Rubens; Barbosa, Ana Laura Pereira. “Infralegalismo autoritário: uma análise do governo Bolsonaro nos dois primeiros anos de governo”. In: Gouvêa, Catarina Barbosa; Castelo Branco, Pedro H. Villas Bôas; Cunha, Bruno Santos (orgs.). Democracia, constitucionalismo e crises. Belo Horizonte: Casa do Direito, 2023 (no prelo).; no prelo). Como reação, o ministro Roberto Barroso deferiu liminar, ainda em 2019, para restabelecer o mandato dos conselheiros que haviam sido destituídos, bem como assegurar a manutenção das reuniões mensais pelo órgão, o custeio público do deslocamento dos conselheiros e a legalidade do processo seletivo para novos conselheiros. O plenário do STF chancelou essa liminar, mas só avaliou a inconstitucionalidade do decreto em 2021, quando fixou a tese de que “é inconstitucional norma que, a pretexto de regulamentar, dificulta a participação da sociedade civil em conselhos deliberativos” (Barroso, 2021, p. 2). A fundamentação do voto do relator considerou que a participação da sociedade civil em políticas voltadas para crianças e adolescentes seria exigência constitucional expressa do art. 227, CF, caput e §7, CF, em conjunto com o art. 204, II. A conclusão, portanto, ainda estava restrita às políticas nas quais a própria Constituição demandava, expressamente, a participação da sociedade civil.

Em 2022, o tribunal impediu modificações no Conselho Deliberativo do Fundo Nacional do Meio Ambiente, do Conselho Nacional da Amazônia Legal e do Comitê Orientador do Fundo Amazônia, declarando inconstitucionais, respectivamente, dispositivos dos decretos n. 10.224/20, n. 10.239/20 e n. 10.223/20 (ADPF 651). Assim como no caso anterior, a maioria dos ministros reconheceu que, a pretexto de reorganizar a administração, esses decretos frustravam a participação da sociedade civil e dos governadores nesses conselhos. A fundamentação, porém, foi ainda além do que havia sido estabelecido no julgamento da ADPF 622. Isso porque o voto da relatora derivou da noção de cidadania e pluralismo político (art. 1º, incisos II e V, CF) um princípio da participação popular em instâncias de poder, o que impediria a exclusão da sociedade civil dessas arenas. Dessa forma, ao longo dos anos, o STF passou de uma proteção apenas dos valores procedimentais da separação de poderes para uma proteção substantiva e material de valores constitucionais.

Controle sobre a descaracterização de políticas públicas

Um dos pilares do método de Bolsonaro foi a edição de decretos que, a pretexto de regulamentar leis (art. 84, CF), contrariavam a lei regulamentada e descaracterizavam incrementalmente políticas públicas. Nesse âmbito, o STF suspendeu decretos e outros atos infralegais no campo da política de armas, política educacional, trabalhista e ambiental. Porém, a judicialização desses decretos e atos infralegais foi dificultada pela estratégia bolsonarista de revogar com frequência seus atos e publicar em seguida atos semelhantes. A cada novo ato, a tentativa de julgamento era frustrada.

Essa estratégia foi empregada nos diversos decretos voltados para a flexibilização da política de armas definida no Estatuto do Desarmamento (Lei n. 10.826/03). As primeiras ações foram ajuizadas logo após a edição do decreto n. 9.685/19 (ADI 6.058 e ADI 6.119). Porém, o decreto foi revogado na véspera do julgamento dessas ações no STF pelo decreto n. 9.785/19, que disciplinava o porte de armas de modo ainda mais abrangente. Contra esse decreto e outros que seguiram flexibilizando progressivamente a política de armas foram ajuizadas, no total, quinze ações.

Em abril de 2021, decisão liminar da ministra Rosa Weber suspendeu a eficácia dos decretos n. 10.627, n. 10.628, n. 10.629 e n. 10.630, todos de 12 de fevereiro de 2021. Sob o pretexto de regulamentar o Estatuto do Desarmamento (Lei n. 10.826/2003), esses decretos facilitavam o registro e o porte de armas, impondo modificações significativas na política pública prevista na lei. Em sua decisão, a ministra afirmou que a atribuição do presidente da República de editar decretos que regulamentam leis é prevista pela Constituição e por ela circunscrita (art. 84, IV, CF).16 16 Trata-se de decisão liminar, ou seja, temporária, e também monocrática, ou seja, aguarda referendo do colegiado. O tribunal já começou a julgar o referendo da liminar, com alguns ministros já acompanhando a relatora no mesmo sentido. Mas o julgamento foi interrompido por pedido de vista, que ocorre quando um ministro solicita uma pausa no julgamento para, ao menos em tese, refletir mais sobre o caso. A vista interrompe indefinidamente a continuidade do julgamento. Contudo, durante todo o período de interrupção do julgamento, continua valendo a liminar deferida monocraticamente. Decretos não poderiam, por isso, exceder ou contrariar previsões legais. Os dispositivos questionados seriam contrapostos à sistemática do Estatuto do Desarmamento, que condiciona a aquisição de armas de fogo à efetiva necessidade, prevê fiscalização e controle de armas e seus acessórios. Há uma decisão no mesmo sentido quanto à política de educação. Em dezembro de 2020, o ministro Dias Toffoli deferiu medida cautelar para suspender a eficácia do decreto n. 10.502/20, que estabelecia a segregação de alunos com deficiência em escolas e classes especializadas (ADI 6.590). De acordo com o ministro, o decreto descaracterizava a política educacional estabelecida na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 9.394/1996), “com o estabelecimento de institutos, serviços e obrigações que, até então, não estavam inseridos na disciplina educacional do país”.

No campo da regulação ambiental, por fim, há decisões que barraram decretos ou atos infralegais em contrariedade com o art. 225 da Constituição Federal ou com os valores da política de proteção do meio ambiente. É o caso da portaria interministerial n. 43/2020, do Ministério da Agricultura, editada como suposta regulamentação de uma lei que alterou pontos da legislação trabalhista e flexibilizou regras que disciplinam o exercício de atividades empresariais (Lei n. 13.874/19). A portaria estabelecia que pedidos de registro de agrotóxicos, fertilizantes e produtos químicos deveriam ter aprovação tácita dos órgãos reguladores quando passados 120 dias da data de requerimento. Em sede cautelar, o STF barrou a norma por violação do disposto no art. 225, CF, e na Lei n. 7.802/1989, de modo incompatível com os valores atinentes à proteção do meio ambiente (ADPF 656 e 658). A ministra Rosa Weber, por sua vez, suspendeu a resolução 500/2020 do Conselho Nacional do Meio Ambiente, que liberava a exploração de manguezais (ADPF 747 e outras). Na decisão, a ministra afirmou que, apesar de o conselho possuir competência para editar normas que regulamentam a legislação ambiental, os limites dessa atribuição são os parâmetros fixados na Constituição, em seu art. 225, e na legislação ambiental.

Em 2022, o colegiado do STF decidiu uma ação que aguardava julgamento desde 2019, concluindo que uma resolução editada pelo Conama teria sido muito permissiva quanto aos limites estabelecidos para a qualidade do ar e determinando que o órgão edite uma nova resolução em doze meses (ADI 6.148). O tribunal também impediu a concessão de licenças ambientais por um modelo simplificado que havia sido criado pela mp 1.040/21 (ADPF 6.808). Decisão monocrática, por fim, suspendeu dispositivos do decreto n. 10.935/22, que permitia a exploração de cavernas, grutas, lapas e abismos com grau máximo de proteção (ADPF 935 e 937).

Controle de condutas abusivas relativas à pandemia de Covid-19

Diversas estratégias do infralegalismo autoritário de Bolsonaro tinham como pano de fundo a omissão: é o caso do estímulo à paralisia em órgãos administrativos, a manutenção de cargos da burocracia média vazios e a criação de entraves à execução de políticas públicas. A pandemia de Covid-19 é o melhor exemplo do papel da omissão no método de Bolsonaro.17 17 Esse padrão de atuação omissiva chamou a atenção da literatura internacional e foi denominado “executive underreach” (Pozen; Scheppele, 2020). O STF reagiu prontamente nas ocasiões em que provocado a manifestar-se sobre atos do governo durante a pandemia.

Diante da tentativa do governo de impedir que estados e municípios adotassem medidas de distanciamento social, o STF decidiu que as medidas federais de combate à Covid-19 não poderiam afastar a competência concorrente de estados e municípios para legislar sobre o tema. Também estabeleceu que o exercício do poder discricionário da administração pública não poderia ser exercido em descompasso com critérios racionais e científicos (ADI 6.341 e ADPF 672).

O STF também tomou diversas decisões para conter o ímpeto negacionista de Bolsonaro. Declarou que o governo deveria parar de produzir e circular campanhas publicitárias contrárias a medidas restritivas de combate à pandemia em decisões nas ADPF 668 e 669 (Maia, 2020Maia, Gustavo. “Secom apaga postagens com slogan ‘O Brasil não pode parar’ e diz que campanha não existe”. O Globo, 28 mar. 2020. Disponível em: <Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/secom-apaga-postagens-com-slogan-brasil-nao-pode-parar-diz-que-campanha-nao-existe-1-24335636 >. Acesso em: 21/5/2021.
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); determinou que o governo deveria manter a divulgação de dados oficiais de infecção e óbitos relacionados à Covid-19; impôs critérios de transparência e publicidade ao Ministério da Saúde (ADPF 690, 691 e 692); e barrou restrições indevidas à Lei de Acesso à Informação (ADI 6.351, 6.347 e 6.353).

Além disso, o STF demandou do Poder Executivo a adoção de medidas ativas no enfrentamento à Covid-19 em terras indígenas (ADPF 709) e no que concerne à população quilombola (ADPF 742), bem como obrigou o governo a elaborar planos de vacinação (ADPF 754 e 756) ou de medidas de contenção da pandemia, com especificidade suficiente para ser controlados pelo STF (ADPF 709). Diante da insuficiência do sistema de saúde no estado do Amazonas, o Ministério da Saúde foi obrigado a apresentar um plano de estratégias para lidar com a crise naquele local (ADPF 756).

Ao impedir que o negacionismo de Bolsonaro implicasse boicote à vacinação, o STF decidiu pela obrigatoriedade da vacinação, estabelecendo tanto a impossibilidade de que crenças ou convicções pessoais impeçam os pais de vacinarem seus filhos (ADI 6.586 e 6.578) quanto a possibilidade de estados e municípios importarem e distribuírem vacinas por conta própria, desde que em acordo com o plano federal de vacinação (ADPF 770). O STF também determinou que o governo federal divulgasse a ordem de preferência entre os grupos prioritários para a vacinação contra a Covid-19 (ADPF 754).

Desvios na atuação de órgãos de investigação

O método de Bolsonaro também incidiu sobre a autonomia de instituições de controle e vigilância, com destaque para a Polícia Federal. O STF proferiu decisões que impediram a apropriação de instituições de controle para fins particulares ou a fragilização dessas instituições de controle. Em junho de 2019, o portal de notícias The Intercept Brasil divulgou aqueles que seriam os primeiros de diversos diálogos que revelavam a existência de uma comunicação paralela e extraoficial entre procuradores responsáveis pela acusação de políticos possivelmente envolvidos em esquemas de corrupção investigados pela Operação Lava-Jato e Sérgio Moro, juiz responsável pelo julgamento da maior parte dos casos relativos à operação. Na época em que foram divulgadas as conversas, Sérgio Moro havia abandonado a magistratura para assumir o Ministério da Justiça (Greenwald, 2019Greenwald, Glenn. “How and Why The Intercept Is Reporting on a Vast Trove of Materials About Brazil’s Operation Car Wash and Justice Minister Sergio Moro”. The Intercept, 9 jun. 2019. Disponível em: <Disponível em: https://theintercept.com/2019/06/09/brazil-archive-operation-car-wash/ >. Acesso em: 26/5/2021.
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), ao qual o diretor-geral da Polícia Federal é subordinado. As trocas de conversas foram obtidas por hackers e anonimamente compartilhadas com o portal de notícias. Após a identificação dos responsáveis pela invasão dos celulares, Sérgio Moro declarou à imprensa que pretendia descartar as mensagens apreendidas (Betim, 2019Betim, Felipe. “Paulo Guedes repete ameaça de AI-5 e reforça investida radical do Governo Bolsonaro”. El País Brasil , 22 nov. 2019. Disponível em: <Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/11/22/politica/1574424459_017981.html >. Acesso em: 19/10/2020.
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).

A declaração foi questionada perante o STF, que impediu a destruição de provas apreendidas com os hackers (ADPF 605), ainda em 2019. Após a decisão do tribunal, contudo, Moro prestou informações no processo, indicando que não teria a pretensão de destruir tais provas e jamais teria oferecido orientação à Polícia Federal em tal sentido (Coelho, 2019Coelho, Gabriela. “Moro agora diz ao STF que não mandou destruir provas obtidas com hackers”. Consultor Jurídico, 8 ago. 2019. Disponível em: <Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-ago-08/moro-agora-stf-nao-mandou-destruir-provas-hackers >. Acesso em: 26/5/2021.
https://www.conjur.com.br/2019-ago-08/mo...
). O STF também impediu a abertura de inquérito contra Glenn Greenwald, fundador do Intercept (ADPF 601). A decisão foi proferida após divulgação, pela imprensa, de que a Polícia Federal teria iniciado investigação a respeito de movimentações financeiras de Greenwald para averiguar suposta atividade criminosa relacionada aos vazamentos.

Em abril de 2020, o ministro Alexandre de Moraes impediu a nomeação do novo diretor da Polícia Federal, Alexandre Ramagem (MS 37.097). A troca no comando da Polícia Federal ocorreu após tensão entre Sérgio Moro e Bolsonaro e relatos de incômodo deste último com investigações da Polícia Federal do Rio de Janeiro cujo alvo era seus familiares. Para o ministro, a nomeação de Ramagem era um caso típico de desvio de finalidade, pois o objetivo seria beneficiar a família do presidente e ampliar seu poder sobre a instituição. Sendo classificado como desvio de finalidade, o ato da administração pública pôde ser judicialmente anulado.18 18 O controle pelo Judiciário de atos discricionários do Poder Executivo é uma temática controvertida na literatura de direito administrativo. No campo das nomeações para a alta administração pública, todos os precedentes do tribunal são monocráticos, e não colegiados, e denotam uma inconsistência decisória. Em seu primeiro precedente, o ministro Gilmar Mendes assentou que a mera perspectiva de assunção de foro por prerrogativa de função pelo indivíduo nomeado seria suficiente para caracterizar desvio de finalidade na nomeação (MS 34.070, rel. min. Gilmar Mendes, julg. 18/3/2016). No ano seguinte, decisão do tribunal em sede do MS 34.609 assentou que a assunção de foro por prerrogativa de função pelo nomeado não seria elemento a caracterizar, por si só, desvio de finalidade (MS 34.609, rel. min. Celso de Mello, julg. 14/2/2017).

O STF também proferiu decisões que impediam o monitoramento de informações relativas a servidores públicos ou outros cidadãos pelo poder público. Em agosto de 2020, o plenário do tribunal deferiu parcialmente medida cautelar para estabelecer que órgãos componentes do Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin) somente podem fornecer dados e conhecimentos específicos à Agência Brasileira de Inteligência (Abin) quando comprovado o interesse público da medida (ADI 6.529). Além disso, qualquer decisão pelo compartilhamento deveria ser devidamente motivada para eventual controle de legalidade pelo Poder Judiciário, bem como passar por procedimento administrativo formalmente instaurado. A ação havia sido ajuizada pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) em face do decreto n. 10.445/2020, que passou a condicionar o fornecimento de informações no âmbito do Sisbin a uma requisição do diretor-geral. Antes do decreto, as hipóteses de requisição de informações eram mais restritas. Em dezembro de 2020, diante de notícia da utilização da estrutura da Abin para fornecer assessoria à defesa da família do presidente em processos criminais, despacho da relatora da ação solicitou informações e reiterou a censura a essa desvirtuação do órgão (ADI 6.529).

Na ADPF 722, o plenário do STF deferiu parcialmente cautelar para suspender todo e qualquer ato do Ministério da Justiça e Segurança Pública de produção ou compartilhamento de informações sobre vida pessoal, escolhas pessoais e políticas, práticas cívicas de cidadãos, servidores públicos federais, estaduais e municipais identificados como integrantes de movimento político antifascista, professores universitários e quaisquer outros que, atuando nos limites da legalidade, exerçam seus direitos de livremente expressar-se, reunir-se e associar-se, causando mais uma derrota ao Governo. A ação foi ajuizada após notícias da existência de um dossiê do Ministério da Justiça que mapeava a orientação ideológica de 579 servidores federais, estaduais e professores universitários (Teixeira, 2020Teixeira, Lucas Borges. “O que é, quem fez e quem está no dossiê antifascista”. UOL , 18 ago. 2020. Disponível em: <Disponível em: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/08/18/uol-explica-o-que-e-quem-fez-e-quem-atinge-o-dossie-antifascista.htm >. Acesso em: 19/10/2020.
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).

CONCLUSÃO

Este artigo teve como objetivo analisar o comportamento do STF em face dos ataques de Jair Bolsonaro à Constituição, entre 2019 e 2022. Identificamos que o STF assumiu uma posição de proeminência na defesa da Constituição, reagindo de maneira progressiva à escalada anticonstitucional de Bolsonaro e transformando-se no principal obstáculo ao seu projeto autoritário. Conforme os ataques à Constituição e à democracia aumentavam, o STF reagia de maneira mais contundente, com o objetivo de conter as tentativas de Bolsonaro e dos seus apoiadores de fragilizar o Estado democrático de direito. É verdade que, nesse percurso, o tribunal adotou algumas posições polêmicas e pouco ortodoxas. O maior exemplo disso é a inédita abertura de inquéritos de ofício, conduzidos por um ministro do tribunal que passou a ser estigmatizado como inimigo do presidente.19 19 O primeiro desses inquéritos (Inq 4.781), que ficou conhecido como Inquérito das Fake News, foi aberto em março de 2019. O então presidente do tribunal, Dias Toffoli, amparou-se em um dispositivo do Regimento Interno do STF que confere ao tribunal a possibilidade de instaurar inquérito quando há “infração à lei penal na sede ou dependência do tribunal” (art. 43). Afirmou que, como os crimes ocorreram na internet, a competência do STF para abertura do inquérito podia ser aplicada. Além de instaurar o inquérito de ofício, Dias Toffoli indicou como relator o ministro Alexandre de Moraes. No decorrer do governo, e conforme Bolsonaro intensificou suas ameaças, essas investigações acabaram se redirecionando para fake news e movimentações de ataque ao tribunal concertadas por apoiadores de Bolsonaro. A análise vertical de todos os inquéritos contra Bolsonaro e seus apoiadores fugiria, contudo, do escopo deste artigo, pois mereceria um aprofundamento em trabalho próprio. Cabe a ressalva de que decisões e posturas pouco ortodoxas não são novidade para esse tribunal, que viu seus poderes expandidos ao longo de três décadas, sobretudo em sua história recente (Vieira, 2018Vieira, Oscar Vilhena. A batalha dos poderes. São Paulo: Companhia das Letras , 2018.; Glezer, 2020Glezer, Rubens. Catimba constitucional: o STF, do antijogo à crise constitucional. Belo Horizonte: Arraes, 2020.).

Esse protagonismo do STF se contrapôs à resposta insuficiente de atores políticos e institucionais que compartilham a responsabilidade de controlar e fiscalizar os atos do governo, especialmente a Procuradoria Geral da República e a própria Câmara dos Deputados (Almeida; Ferraro, 2023Almeida, Eloisa Machado; Ferraro, Luiza Pavan. “Advocacia Geral da União e Procuradoria Geral da República no embate entre Jair Bolsonaro e Supremo Tribunal Federal”. In: Almeida, Eloisa Machado; Ferraro, Luiza Pavan. Uma ferramenta para autocracia ou uma força de resistência? Decifrando o papel do direito durante o governo Bolsonaro. São Paulo: Editora FGV, 2023 (no prelo).; no prelo). Importa destacar que o Senado Federal também teve, em algumas ocasiões, uma postura vigilante, não apenas após a instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a Covid-19 (determinada pelo STF), mas também nas circunstâncias em que não deu seguimento a diversas medidas legislativas aprovadas na Câmara dos Deputados. A omissão e a timidez dos demais atores institucionais em resposta aos ataques do bolsonarismo demonstraram as limitações e a dificuldade que mesmo um regime consensual como o brasileiro pode ter ao se deparar com a ascensão ao poder de um presidente populista, de viés autoritário, como Bolsonaro.

Ainda que se possa invocar o protagonismo de alguns ministros do STF nesse embate com o presidente Bolsonaro, o fato é que a maioria do tribunal deu respaldo a essa postura combativa. A distância entre as onze ilhas foi reduzida nesse período de embate com o Executivo e mesmo com alguns setores militares, quando estes ousaram assumir uma posição moderadora em nosso sistema político.

Derrotado nas urnas, Bolsonaro recorreu ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), alegando uma suposta fraude eleitoral no segundo turno das eleições. O presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, não apenas negou o pedido, como condenou o partido do presidente a uma multa por litigância de má-fé, em face do claro propósito de conturbar o processo democrático. É, portanto, simbólico o fato de que a rendição do presidente Bolsonaro tenha se dado a membros do tribunal que lhe impôs, ainda que de forma idiossincrática em algumas circunstâncias, a regra da lei.

Os efeitos desse protagonismo, para sua reputação no longo prazo, precisarão ser analisados. De todo modo, esse desfecho ilustra a constatação, já presente na literatura (Boese et al., 2021Boese, Vanessa A. et al. “How Democracies Prevail: Democratic Resilience as a Two-Stage Process”. Democratization, v. 28, n. 5, 2021, pp. 885-907.), de que democracias com um Judiciário forte podem sofrer ataques, mas têm mais chances de evitar uma ruptura no regime. Não fosse a atuação do Supremo Tribunal Federal, as feridas abertas por Bolsonaro seriam ainda maiores.

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  • Oliveira, Vanessa Elias de; Madeira, Lígia Mori. “Judicialização da política no enfrentamento à Covid-19: um novo padrão decisório do STF?”. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 35, 2021.
  • Onofre, Renato. “Juízes federais reagem a Toffoli e dizem que pacto com Executivo e Legislativo é para ‘atores políticos’”. Uol, 29 maio 2019. Disponível em: <Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2019/05/29/juizes-federais-reagem-a-toffoli-e-dizem-que-pacto-e-para-atores-politicos.htm >. Acesso em: 30/10/2019.
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  • Pereira, Anthony W. Ditadura e repressão. São Paulo: Paz & Terra, 2012.
  • Pozen, David E.; Scheppele, Kim Lane. “Executive Underreach, in Pandemics and Otherwise”. American Journal of International Law, v. 114, n. 4, 2020, pp. 608-17.
  • Ramos, Luciana et al. Relatório ICJBrasil - 1º semestre/2017. São Paulo: Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas, 2017.
  • Scheppele, Kim Lane. “Autocratic Legalism”. The University of Chicago Law Review, v. 85, n. 2, 2018, pp. 545-83.
  • Teixeira, Lucas Borges. “O que é, quem fez e quem está no dossiê antifascista”. UOL , 18 ago. 2020. Disponível em: <Disponível em: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/08/18/uol-explica-o-que-e-quem-fez-e-quem-atinge-o-dossie-antifascista.htm >. Acesso em: 19/10/2020.
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  • UOL . “Eduardo Bolsonaro fala em novo AI-5 ‘se esquerda radicalizar’".UOL , 30 out. 2019. Disponível em: <Disponível em: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2019/10/31/eduardo-bolsonaro-fala-em-novo-ai-5-se-esquerda-radicalizar.htm >. Acesso em: 8/12/2022.
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  • Vieira, Oscar Vilhena, “Supremocracia”. Revista Direito GV, v. 4, n. 2, 2008, p. 441-63.
  • Vieira, Oscar Vilhena. A batalha dos poderes. São Paulo: Companhia das Letras , 2018.
  • Vieira, Oscar Vilhena; Glezer, Rubens. “Populismo autocrático e resiliência constitucional”. Revista Interesse Nacional, v. 47, 2019, p. 66-76.
  • Vieira, Oscar Vilhena; Glezer, Rubens; Barbosa, Ana Laura Pereira. “Infralegalismo autoritário: uma análise do governo Bolsonaro nos dois primeiros anos de governo”. In: Gouvêa, Catarina Barbosa; Castelo Branco, Pedro H. Villas Bôas; Cunha, Bruno Santos (orgs.). Democracia, constitucionalismo e crises. Belo Horizonte: Casa do Direito, 2023 (no prelo).
  • Vieira, Oscar Vilhena ; Glezer, Rubens; Barbosa , Ana Laura Pereira . “Entre a estabilidade precária e a crise institucional: uma análise da performance do governo Bolsonaro”. In: Lunardi, Soraya; Glezer, Rubens; Bispo, Nikolay Henrique (orgs.). Desafios à estabilidade constitucional. Belo Horizonte: Arraes , 2020a.
  • Vieira, Oscar Vilhena ; Glezer, Rubens; Barbosa , Ana Laura Pereira . “Governando sem coalizão: um balanço sobre o primeiro ano do mandato do Bolsonaro”. In: Castelo Branco, Pedro H. Villas Bôas; Gouvêa, Carina Barbosa; Lamenha, Bruno (orgs.). Populismo, constitucionalismo populista, jurisdição populista e crise da democracia. Belo Horizonte: Letramento/Casa do Direito, 2020b.
  • 1
    A menção ao conceito de legalidade autoritária já estava presente, contudo, desde o trabalho de Anthony Pereira, em referência à institucionalização da repressão durante regimes militares (Pereira, 2012Pereira, Anthony W. Ditadura e repressão. São Paulo: Paz & Terra, 2012.). A relação entre o direito administrativo e a repressão também foi abordada em Tom Ginsburg (2008Ginsburg, Tom. “Administrative Law and the Judicial Control of Agents in Authoritarian Regimes”. In: Ginsburg, Tom; Moustafa, Tamir (orgs.). Rule by Law: The Politics of Courts in Authoritarian Regimes. Cambridge: Cambridge University Press, 2008.).
  • 2
    Nossos conceitos de populismo, autoritarismo e infralegalismo autocrático são trabalhados com mais detalhe em capítulo de livro a ser publicado em 2023 (Vieira; Glezer; Barbosa, no prelo).
  • 3
    Essa centralidade do STF na resolução de conflitos políticos é qualificada como supremocracia por Vieira (Vieira, 2008Vieira, Oscar Vilhena, “Supremocracia”. Revista Direito GV, v. 4, n. 2, 2008, p. 441-63.).
  • 4
    Em 2017, dados do ICJ indicavam que 24% da população confiava no STF (Ramos et al., 2017Ramos, Luciana et al. Relatório ICJBrasil - 1º semestre/2017. São Paulo: Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas, 2017.). Rubens Glezer (2020) narra como esse processo de perda de capital reputacional deu-se de forma acentuada entre 2015 e 2018, em larga medida pelo uso reiterado e indiscriminado do que chamou de catimba constitucional.
  • 5
    O levantamento das ações no STF abarca o recorte temporal de três anos e meio de governo, ou seja, ações noticiadas no site do STF entre 1/1/2019 e 28/6/2022. As ações identificadas foram monitoradas pelo sistema de acompanhamento processual até 10/8/2022. A análise dessas decisões cobre todo o período relevante de ações dos quatros anos de governo Bolsonaro. No último semestre de governo, o cenário político esteve centrado no processo eleitoral e nas consequências da derrota de Bolsonaro para Luiz Inácio Lula da Silva. O banco de dados foi construído a partir de busca por palavras-chave na seção do site do STF que noticia a atividade do tribunal e alguns dos litígios que a ele chegam. Nela, lançamos os termos “Bolsonaro”, “medida provisória”, “decreto”, “ministério”, “portaria”, “governo” e “União”. As 361 ações cujo ajuizamento ou decisão foram noticiados no site do STF foram registradas em planilha. Em seguida, consultando o andamento processual e, quando fosse o caso, a petição inicial e decisões de cada uma dessas ações, levantamos outras informações sobre o processo, tais como ano de ajuizamento, relatoria, pedido, data de autuação, existência de decisão (decisão liminar, decisão de mérito, convocação de audiência pública ou levantamento de sigilo), data da primeira decisão relevante, existência de decisão final, teor e data da decisão final. As unidades de análise do banco são, portanto, os processos, e não as decisões. Essa opção metodológica é capaz de captar uma fotografia do acervo do tribunal em determinado período e medir a prontidão na primeira reação do tribunal a um processo.
  • 6
    Este artigo é fruto de um acompanhamento contínuo do STF durante o mandato de Bolsonaro. Uma primeira publicação derivada da pesquisa discutiu dados dos primeiros seis meses de governo (Vieira; Glezer, 2019Vieira, Oscar Vilhena; Glezer, Rubens. “Populismo autocrático e resiliência constitucional”. Revista Interesse Nacional, v. 47, 2019, p. 66-76.). Nela, identificamos uma postura inicialmente amistosa do STF no combate às medidas do governo, constatação que persistiu até o fim do primeiro ano de governo (Vieira; Glezer; Barbosa, 2020aVieira, Oscar Vilhena ; Glezer, Rubens; Barbosa , Ana Laura Pereira . “Entre a estabilidade precária e a crise institucional: uma análise da performance do governo Bolsonaro”. In: Lunardi, Soraya; Glezer, Rubens; Bispo, Nikolay Henrique (orgs.). Desafios à estabilidade constitucional. Belo Horizonte: Arraes , 2020a.; 2020bVieira, Oscar Vilhena ; Glezer, Rubens; Barbosa , Ana Laura Pereira . “Governando sem coalizão: um balanço sobre o primeiro ano do mandato do Bolsonaro”. In: Castelo Branco, Pedro H. Villas Bôas; Gouvêa, Carina Barbosa; Lamenha, Bruno (orgs.). Populismo, constitucionalismo populista, jurisdição populista e crise da democracia. Belo Horizonte: Letramento/Casa do Direito, 2020b.). Naqueles trabalhos iniciais, geramos os dados empíricos, parcialmente, a partir de bancos de dados cedidos por terceiros. Em um segundo momento, construímos um banco de dados próprio. A partir desse novo banco é que foram gerados os resultados descritos neste artigo. Apresentamos o argumento desenvolvido neste artigo em diversos eventos ao longo desse período, dentre os quais incluem-se o webinar “Cortes supremas, governança e democracia”, organizado pelo STF em 23 de outubro de 2020 (disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=SxXu-384sJI>); o webinar “Brazilian Democracy under Siege”, organizado pela Universidade de Princeton em 16 de setembro de 2021 (disponível em: https://youtu.be/NRrNuon3oBA).
  • 7
    Diversos trabalhos recentes inserem-se na agenda de pesquisas relacionada à investigação da postura do STF no combate a ações do governo Bolsonaro, sobretudo no ano de 2020, apontando uma mudança no posicionamento do tribunal a partir do segundo ano de governo. Por exemplo, Marjorie Marona e Lucas Guimarães (2021Marona, Majorie; Guimarães, Lucas. “Guerra e paz? O Supremo Tribunal Federal nos dois primeiros anos de governo”. In: Avritzer, Leonardo; Kerche, Fábio; Marona, Marjorie (orgs.). Governo Bolsonaro: retrocesso democrático e degradação política. Belo Horizonte: Autêntica, 2021.) têm uma percepção de mudança na postura do STF no combate às medidas de Bolsonaro a partir do segundo ano de governo, com o acirramento da postura combativa de Bolsonaro e a chegada da pandemia de Covid-19. A postura ativa do STF no combate a ações do governo Bolsonaro durante a pandemia foi apontada em artigo por Luciana Cunha, Eloisa Almeida e Luiza Ferraro (2021Cunha, Luciana Gross; Almeida, Eloisa Machado; Ferraro, Luiza Pavan. “STF e a pandemia: controle constitucional concentrado durante o primeiro ano da pandemia Covid-19 no Brasil”. In: 45º Encontro Anual da Anpocs, 2019. Realização remota. Anais... São Paulo: Anpocs, 2021.) no qual descrevem o perfil do litígio de temas relacionados à pandemia no STF. Constatam que a pandemia dominou a agenda do tribunal em 2020 e discrimina, dentre as ações relativas à pandemia, que envolvem atos praticados pelo governo Bolsonaro. Ainda no que diz respeito à postura do STF no combate à pandemia, há trabalho que aponta que o STF teria sido a instituição mais combativa ao governo (Biehl; Prates; Amon, 2021Biehl, João; Prates, Lucas E. A.; Amon, Joseph J. “Supreme Court v. Necropolitics”. Health and Human Rights, v. 23, n. 1, 2021, pp. 151-62.). Por último, Vanessa Oliveira e Lígia Madeira (2021Oliveira, Vanessa Elias de; Madeira, Lígia Mori. “Judicialização da política no enfrentamento à Covid-19: um novo padrão decisório do STF?”. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 35, 2021.) apresentaram constatação empírica de que o presidente mais perdeu do que ganhou no STF em casos relativos à pandemia.
  • 8
    Para os fins desta pesquisa, o acervo diz respeito aos casos que aguardavam uma primeira decisão relevante do tribunal em cada ano, tenham eles sido ajuizados no próprio ano ou sejam eles um legado de anos anteriores. Isso significa que, se um processo foi ajuizado em 2019 e só teve uma decisão em 2021, ele será contabilizado como pendente nos acervos de 2019, 2020 e 2021. Por outro lado, processos que tiveram uma primeira decisão em determinado ano, mas permaneceram aguardando o julgamento de mérito ou de recurso no decorrer dos anos, só foram contabilizados como julgados no ano de sua primeira decisão. Por exemplo, um processo que teve liminar concedida em 2019 não foi computado no acervo de 2020, mesmo que o julgamento de mérito ou de algum recurso interno ainda estivesse pendente.
  • 9
    As linhas de cor cinza indicam a média entre a autuação e a data do julgamento do processo e incluem tanto processos que tiveram uma primeira decisão no mesmo ano em que foram ajuizados quanto processos que foram decididos nos anos subsequentes. As linhas de cor preta indicam a média entre a autuação e a data do julgamento do processo e incluem apenas os processos que tiveram uma primeira decisão no mesmo ano em que foram ajuizados (sua média é, portanto, inferior, porque está adstrita a um teto de 364 dias).
  • 10
    É possível que a quantidade de ações ajuizadas e decisões contra o governo Bolsonaro já fosse maior do que a de governos anteriores. Se esse for o caso, STF já tinha uma postura mais responsiva desde o início do governo. Agradecemos a Diego Werneck Arguelhes por nos alertar sobre esse ponto. De todo modo, isso não muda a constatação sobre a inflexão ocorrida a partir do início de 2020. Quando comparados com o ano anterior, os dados de 2020 mostram que o tribunal começou a decidir mais casos e de forma mais rápida.
  • 11
    Agradecemos a Diego Werneck Arguelhes por apontar que seria importante discriminar as ações que chegaram ao fim do primeiro ano de governo sem um julgamento final.
  • 12
    Para esse cálculo, é relevante discriminar em que tipo de decisão consistiu no primeiro pronunciamento do tribunal. Isso porque algumas decisões são, por determinação regimental, obrigatoriamente monocráticas. Não há como esperar que essas decisões sejam colegiadas. Com essa premissa, diferenciamos: (i) decisões liminares, (ii) decisões de mérito, (iii) negativa de seguimento (art. 21, §1º), (iv) reconhecimento de perda de objeto, ou (v) determinação de diligência. Os percentuais referem-se apenas às decisões liminares ou de mérito, que são aquelas das quais se espera, de fato, uma decisão colegiada. Das 361 ações do banco de dados, 277 contavam com uma primeira decisão até a data de fechamento da pesquisa. Destas, 154 consistiam em decisões liminares ou de mérito. O percentual de decisões colegiadas descrito é calculado a partir dessas 154 decisões.
  • 13
    Foi com fundamentos formais que o STF derrubou a medida provisória que transferia a responsabilidade sobre a demarcação de terras indígenas para o Ministério da Agricultura (ADI 6.172, 6.173, 6.174 e 6.062) ou impediu a extinção do DPVAT por meio de medida provisória, por se tratar de matéria reservada à regulação por meio de lei complementar (ADI 6.262).
  • 14
    Foi em razão dessa decisão que Bolsonaro, impedido de extinguir a totalidade dos conselhos, optou por fragilizar os conselhos remanescentes por meio de alterações estruturais.
  • 15
    “Conselhos, comitês, comissões, grupos, juntas, equipes, mesas, fóruns, salas ou qualquer outra denominação dada ao colegiado” (art. 20, decreto n. 9.759/19).
  • 16
    Trata-se de decisão liminar, ou seja, temporária, e também monocrática, ou seja, aguarda referendo do colegiado. O tribunal já começou a julgar o referendo da liminar, com alguns ministros já acompanhando a relatora no mesmo sentido. Mas o julgamento foi interrompido por pedido de vista, que ocorre quando um ministro solicita uma pausa no julgamento para, ao menos em tese, refletir mais sobre o caso. A vista interrompe indefinidamente a continuidade do julgamento. Contudo, durante todo o período de interrupção do julgamento, continua valendo a liminar deferida monocraticamente.
  • 17
    Esse padrão de atuação omissiva chamou a atenção da literatura internacional e foi denominado “executive underreach” (Pozen; Scheppele, 2020Pozen, David E.; Scheppele, Kim Lane. “Executive Underreach, in Pandemics and Otherwise”. American Journal of International Law, v. 114, n. 4, 2020, pp. 608-17.).
  • 18
    O controle pelo Judiciário de atos discricionários do Poder Executivo é uma temática controvertida na literatura de direito administrativo. No campo das nomeações para a alta administração pública, todos os precedentes do tribunal são monocráticos, e não colegiados, e denotam uma inconsistência decisória. Em seu primeiro precedente, o ministro Gilmar Mendes assentou que a mera perspectiva de assunção de foro por prerrogativa de função pelo indivíduo nomeado seria suficiente para caracterizar desvio de finalidade na nomeação (MS 34.070, rel. min. Gilmar Mendes, julg. 18/3/2016). No ano seguinte, decisão do tribunal em sede do MS 34.609 assentou que a assunção de foro por prerrogativa de função pelo nomeado não seria elemento a caracterizar, por si só, desvio de finalidade (MS 34.609, rel. min. Celso de Mello, julg. 14/2/2017).
  • 19
    O primeiro desses inquéritos (Inq 4.781), que ficou conhecido como Inquérito das Fake News, foi aberto em março de 2019. O então presidente do tribunal, Dias Toffoli, amparou-se em um dispositivo do Regimento Interno do STF que confere ao tribunal a possibilidade de instaurar inquérito quando há “infração à lei penal na sede ou dependência do tribunal” (art. 43). Afirmou que, como os crimes ocorreram na internet, a competência do STF para abertura do inquérito podia ser aplicada. Além de instaurar o inquérito de ofício, Dias Toffoli indicou como relator o ministro Alexandre de Moraes. No decorrer do governo, e conforme Bolsonaro intensificou suas ameaças, essas investigações acabaram se redirecionando para fake news e movimentações de ataque ao tribunal concertadas por apoiadores de Bolsonaro. A análise vertical de todos os inquéritos contra Bolsonaro e seus apoiadores fugiria, contudo, do escopo deste artigo, pois mereceria um aprofundamento em trabalho próprio.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    30 Set 2022
  • Aceito
    08 Dez 2022
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