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PARA O CULTIVO DE CORPOS FORTES E SAUDÁVEIS: O FOOT BALL E A MODELAÇÃO DE CORPOS NO COLÉGIO DIOCESANO PIO X - JOÃO PESSOA - PARAÍBA (1910-1954)

NURTURING STRONG AND HEALTHY BODIES: SOCCER AND BODY MODELING AT COLÉGIO DIOCESANO PIO X - JOÃO PESSOA - PARAÍBA (1910-1954)

PARA EL CULTIVO DE CUERPOS FUERTES Y SANOS: FOOT BALL Y MODELADO CORPORAL EN EL COLÉGIO DIOCESANO PIO X - JOÃO PESSOA - PARAÍBA (1910-1954)

Resumo

O presente trabalho tem por objetivo analisar como o foot ball esteve presente no programa de Educação Física e foi utilizado como instrumento modelador de corpos no Colégio Diocesano Pio X, no período de 1910 a 1954. Trata-se de uma pesquisa documental qualitativa, privilegiando os discursos médicos e pedagógicos que circularam nas páginas de jornais e revistas produzidos na Paraíba, durante o recorte proposto pela pesquisa. Como aporte teórico-metodológico, fiz uso das contribuições de Michel Foucault através do conceito de Poder Disciplinar, a fim de refletir sobre a construção do projeto de educação do corpo do Colégio. Assim, dialogo com os campos da História da Saúde, Educação e Corpo, para lançar luz sobre esses objetos de estudo. Como conclusão, destaco que o foot ball e a Educação Física foram responsáveis por colocar em prática um projeto de educação que atuava sobre o corpo dos jovens, modelando-o, disciplinando-o, adestrando-o, medicalizando-o e pedagoziando-o.

Palavras-chave:
Educação Física e Treinamento; História; Saúde; Medicalização

ABSTRACT

This study aims at analyzing the presence of soccer in a physical education program and how it was used as a tool to shape bodies at the educational institution Colégio Diocesano Pio X from 1910 to 1954. To achieve this goal, this qualitative documentary research explored medical and pedagogical discourses published in newspapers and magazines edited in Paraiba, Brazil, from 1910 to 1954. As for the theoretical and methodological frameworks, the study drew on Michel Foucault’s work on Disciplinary Power to reflect upon the construction of a project on body education of the aforementioned institution. Accordingly, it also engaged in dialogue with the field of History of Health, Education, and Body so as to shed light on the areas of research under study. Results emphasized that both soccer and physical education were responsible for enacting an educational project that acted upon the body of the youth to have this body shaped, disciplined, trained, medicalized, and taught.

Keywords:
Physical Education and Training; History; Health; Medicalization

RESUMEN

El presente trabajo tiene como objetivo analizar cómo El fútbol estuvo presente em el programa de educación física y se utilizó como herramienta de modelado corporal en Colégio Diocesano Pio X em el período de 1910 a 1954. Se trata de una investigación documental cualitativa, privilegiando los discursos médicos y pedagógicos que circularon en las páginas de periódicos y revistas producidas en Paraíba, durante la sección propuesta por la investigación. Como aporte teórico y metodológico, aproveché los aportes de Michel Foucault a través del concepto de Poder Disciplinario, para reflexionar sobre La construcción Del proyecto de educación corporal de La escuela. Así, dialogo com los campos de Historia de La Salud, Educación y Cuerpo, para arrojar luz sobre estos objetos de estudio. Como conclusión, quisiera resaltar que El football y La educación física fueronlos encargados de poneren práctica um proyecto educativo que actuó sobre El cuerpo de los jóvenes, modelarlo, disciplinarlo, entrenarlo, medicalizarlo y hacerlo pedagógico.

Palabras clave:
Educación y Entrenamiento Físico; Historia; Salud; Medicalización

1 INTRODUÇÃO

O Colégio Diocesano Pio X1 1 A história do Colégio Diocesano Pio X está dividida em quatro períodos distintos: 1º - da fundação do Colégio em 4 de março de 1894, quando ficou provisoriamente instalado no Palacete Abiahy, mudando-se, logo em seguida, para o Convento de São Francisco, em 26 de abril de 1894; 2º - a partir de 1927, quando o Colégio passou para a gestão dos Irmãos Maristas; 3º - início de 1935, quando a direção do Colégio passou para as mãos do Pe. Lima, ex-diretor do Colégio Pio XI de Campina Grande-PB, que permaneceu no cargo até dezembro de 1940; 4º - de 1940 até fins de dezembro de 1942, quando a direção do Colégio ficou sob a responsabilidade dos Padres Assuncionistas da Holanda; 5º - 1943 quando os Irmãos Maristas reassumem o controle administrativo da direção do Colégio; 6º - 19 de março de 1949, quando a direção do Colégio foi assumida pelo Pe. Carlos Martinez, que substituiu o também Pe. Reginaldo; e 7º - 1952, quando o Pe. Estevão Alberto assume a direção do Colégio. é uma das instituições de ensino mais tradicionais da Paraíba. Criado em 4 de Março de 1894, o Colégio fez parte do projeto de “reconstrução social” da população paraibana, encabeçado pelo então primeiro bispo do estado, Dom Adauto de Henrique Miranda, que visava educar os jovens do sexo masculino2 2 Durante os primeiros anos, a fundação do Colégio Diocesano Pio X só aceitava a matrícula de alunos do gênero masculino. Funcionava nas seguintes modalidades de ensino: internato, externato e semi-internato. em um modelo de pedagogia centrado na ciência e na religião. Para isso, não economizou esforços no sentido de aproximar e fortalecer os laços da Igreja Católica com o Estado e, ao mesmo tempo, tornar a juventude educada e disciplinada em modelos educacionais considerados e vistos como modernos.

Seguindo esse objetivo, o Colégio Diocesano Pio X buscou ofertar “uma base sólida e estável” através de uma educação científica e religiosa. Isso pode ser percebido por meio da leitura do seguinte trecho: “[…] o progresso real e verdadeiro supõe um lastro, um fulcro e ponto de apoio; é condicionado por esses órgãos sadios e instituições robustas que frondescem no seio das raças fortes e civilizadas” (REVISTA DO COLÉGIO DIOCESANO PIO X, 1954, p. 6). O início do século XX significou um momento de importantes transformações econômicas, políticas, pedagógicas, culturais e religiosas no Brasil. Com isso, o discurso em defesa do moderno e do civilizado passou a protagonizar as pautas de discussão de políticos, médicos e pedagogos. O objetivo principal era alcançar a modernidade aproximando-se esteticamente de modelos vigentes nos países europeus.

Esse é um momento de crescimento das ideias propagadas pelo discurso médico de vertente higienista, sendo que a educação, principalmente da saúde e do corpo dos indivíduos, passou a ser vista como um dos instrumentos mais relevantes para a transformação da sociedade brasileira. Foi nesse sentido que as práticas corporais assumiram um espaço de destaque nos projetos de educação então vigentes naquele contexto histórico específico. Para tanto, a escola passou a ser vista como o espaço ideal para a construção de um projeto de educação corporal. Na Paraíba, mais especificamente, a Educação Física e o foot ball foram algumas das práticas corporais que mais se destacaram no projeto de remodelação corporal dos jovens.

Dito isso, o presente estudo problematiza como o foot ball e a Educação Física fizeram parte do projeto educativo de educação corporal do Colégio Diocesano Pio X, durante os anos de 1910 a 1954. No aporte teórico-metodológico, lanço mão das contribuições da Nova História Cultural, principalmente, através do conceito de Poder Disciplinar formulado pelo filósofo francês Michel Foucault, por possibilitar uma melhor compreensão a respeito das inúmeras maneiras pelas quais os jovens exercitaram e fortaleceram seus corpos.

O recorte temporal compreende o período entre os anos de 1910 e 1954, momento em que ocorreu a criação e circulação da Revista do Colégio Diocesano Pio X. Editada pelos alunos e professores do Colégio, essa imprensa escolar assumiu a responsabilidade de divulgar e fazer circular, em meio à sociedade letrada da Paraíba, as principais notícias dos projetos e realizações da presente instituição de ensino. Suas páginas estão recheadas de textos verbais e imagéticos abordando a importância da Educação Física e das práticas esportivas (foot ball e volley ball) enquanto instrumentos indispensáveis para a educação do corpo e, consequentemente, melhoria da qualidade de vida das pessoas. Os discursos defendendo a importância das atividades físicas, como a prática do foot ball, passou a ser uma tendência cada vez mais forte no desenvolvimento de hábitos considerados higiênicos.

Além da Revista do Colégio Diocesano Pio X, também foram utilizadas como fontes os jornais A União, A Notícia e A Imprensa. Essas fontes juntas possibilitam um melhor entendimento sobre o modelo de educação corporal adotado e colocado em prática pela direção do Colégio Diocesano Pio X. De acordo com Tânia Regina de Luca (2011LUCA, Tânia Regina de. Fontes impressas: História dos, nos e por meio dos periódicos. In.: PINSKY, Carla Bassanezi. (org.). Fontes históricas. 2. ed. 2. reimp. São Paulo: Contexto, 2011. p.111-153., p. 111), até a década de 1970, no Brasil, especificamente falando, “[…] era relativamente pequeno o número de trabalhos que se valia de jornais e revistas como fonte para o conhecimento da história do Brasil”. Com o passar dos anos, essa realidade foi ganhando novos contornos, e os jornais e revistas passaram a ser fundamentais para a efetivação do trabalho historiográfico.

Nessa perspectiva, ao se utilizar jornais e revistas como fontes, Albuquerque Júnior (2011ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. Discursos e pronunciamentos: a dimensão retórica da historiografia. In: PINSK, Carla Bassanezi; LUCA, Tânia Regina de (orgs). O Historiador e suas fontes. São Paulo: Contexto, 2011. p.223-249., p. 236) propõe uma análise do discurso “externa e “interna no tratamento delas. Na análise “externa, deve-se ficar atento para a datação e a localização espacial, autoria, o momento histórico, as circunstâncias em que o discurso veio à luz, a situação e os objetivos com que foram emitidos. Enquanto na análise “interna, o historiador deve considerar que o “discurso não é transparente, não é uma lente ou um espelho através do qual vemos o que está fora ou para além dele simplesmente” (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2011ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. Discursos e pronunciamentos: a dimensão retórica da historiografia. In: PINSK, Carla Bassanezi; LUCA, Tânia Regina de (orgs). O Historiador e suas fontes. São Paulo: Contexto, 2011. p.223-249., p. 237). Então, os textos e as imagens publicadas nas e pelas fontes têm de ser investigados, atentando-se para sua espessura, sua existência, suas regras de constituição e de produção, uma estrutura interna que precisa ser vista e analisada.

2 O FOOT BALL E A MODELAÇÃO DE CORPOS

O schut é hoje uma verdadeira manta, com foros de ideia fixa [...] No campo, schuta-se a bola de coro, bem arredondada pelo ar comprimido do pneumático; nas ruas, praças e recreios, schutam-se trapos de panno e palha de milho ou qualquer troço que, por ventura, se nos depare. E em último logar, schutam-se até as pernas dos companheiros, dispensando-lhes, quantas vezes, tremendos canelões (REVISTA DO COLÉGIO DIOCESANO PIO X, 1928, s.p., grifos nossos).

Ao ser adotado como modalidade de Educação Física, ainda no início do século XX, pela direção do Colégio Diocesano Pio X, o foot ball assumiu a responsabilidade de produzir corpos fortes, saudáveis, disciplinados, modernos e civilizados. Jovens alunos empolgados com o novo instrumento de exercitação corporal. É disso que trata o texto Ainda o Foot-Ball3 3 Na escrita do presente texto, optei por manter a grafia da época, foot ball, que está presente na maior parte dos artigos publicados na imprensa que circulou na Paraíba e que tive oportunidade de analisar. , de autoria de Almicar de Araújo, aluno do Colégio Diocesano Pio X, publicado em maio de 1928, nas páginas da Revista do Colégio Diocesano Pio X.

Os alunos e professores do Colégio viram no “esporte bretão” uma excelente oportunidade de educação do corpo. Nas fontes aqui analisadas, encontrei uma quantidade bastante significativa de textos escritos e imagéticos exaltando as qualidades físicas do foot ball como um importante instrumento de educação corporal. Isso é representativo da importância que a prática do esporte teve naquele período como modalidade de educação do corpo.

Nesse sentido, dentro do Colégio Diocesano Pio X, o esporte alinhado ao programa de Educação Física passa a ter um papel fundamental na educação do corpo, preparando física e moralmente sujeitos produtores de saberes e poderes. A escola fornece uma educação considerada como eficiente na produção de corpos capazes de expressar e exibir os signos, as normas e as marcas corporais da sociedade industrial. O corpo ideal a ser produzido era aquele retilíneo, vigoroso, elegante, delicado e comedido nos gestos, traduzindo seu pertencimento à burguesia da época. Do outro lado, um corpo volumoso, indócil, desmedido, fanfarrão e excessivo era representado como sendo inferior ao que se buscava e se desejava produzir. “Lembre-nos: um corpo não é só um corpo. É, ainda, o conjunto de signos que compõe sua produção” (GOELLNER, 2013GOELLNER, Silvana Vilodre. A produção cultural do corpo. In.: LOURO, Guacira Lopes; FELIPE, Jane; GOELLNER, Silvana Vilodre (orgs.). Corpo, gênero e sexualidade: um debate contemporâneo na educação. 9. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013. p.28-40., p. 39).

O foot ball e a Educação Física, por meio da exercitação e da higienização corporal, assumiu a responsabilidade de educar os gestos, as atitudes, os movimentos, os sentimentos e o comportamento de homens e de mulheres. A prática de exercícios físicos na escola contribui para a correção corporal dos alunos, educando gestos e comportamentos, inculcando hábitos sadios e evitando os desvios de conduta, tornando-se, dessa maneira, evidente que o corpo é algo produzido na e pela cultura.

É uma construção na qual são atribuídas diferentes marcas em diferentes tempos, espaços, conjunturas econômicas, grupos sociais e étnicos:

É provisório, mutável e mutante, suscetível a inúmeras intervenções consoante o desenvolvimento científico e tecnológico de cada cultura, bem como suas leis, seus códigos morais, as representações que cria sobre os corpos, os discursos que sobre ele produz e reproduz (GOELLNER, 2013GOELLNER, Silvana Vilodre. A produção cultural do corpo. In.: LOURO, Guacira Lopes; FELIPE, Jane; GOELLNER, Silvana Vilodre (orgs.). Corpo, gênero e sexualidade: um debate contemporâneo na educação. 9. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013. p.28-40., p. 30).

Os hábitos higiênicos e os exercícios físicos têm a função de regenerar fisicamente o corpo dos indivíduos. Àquela época, uma nova cultura física4 4 Aqui, a cultura física é compreendida como um conceito extenso e múltiplo, flexível e transversal ao mesmo tempo, que ultrapassa as dimensões psicológicas e práticas, abrangendo os aspectos objetivos (prática de exercícios e esportes vários) e também subjetivos (aqueles condizentes com o desejo de cada um pelo gosto pelo esporte). É muito mais amplo do que se pensa convencionalmente. Diz respeito às inúmeras formas pelas quais os sujeitos - homens, mulheres, idosos, jovens e crianças - buscam se exercitar e tornar seus corpos mais adequados às necessidades de uma sociedade moderna e civilizada, ou seja, fortes, saudáveis e esteticamente belos. , ou seja, uma nova maneira de educação corporal emerge na Paraíba. O foot ball caiu no gosto de crianças, adolescentes e adultos. Uma nova forma de educação corporal ganhou contornos. No Colégio Diocesano Pio X, foi treinado e incentivado como modalidade de Educação Física pelo professor Renato Hortênsio da Silva, entusiasta dessa modalidade esportiva que, em sua opinião, era responsável por fortalecer os laços de “amor pelo nosso Estabelecimento, o espírito de competição, a lealdade e o caráter firme dos nossos jovens, futuros atletas e homens de letras” (REVISTA DO COLÉGIO DIOCESANO PIO X, 1941, n. 6, s.p).

Esse período ficou marcado “pelo cultivo do futebol no cotidiano dos paraibanos. Realidade comum a algumas capitais brasileiras desde a segunda metade do século XIX” (SOARES JÚNIOR, 2015SOARES JÚNIOR, Azemar dos Santos. Physicamente vigorosos: medicalização escolar e modelação de corpos na Paraíba (1913-1942). 2015. 271 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa - PB, 2015., p. 149). O foot ball adentrou a geografia do território nacional via bagagem dos ingleses5 5 Segundo Souza (2014, p. 09), no Brasil, foi Charles Miller que, “ao retornar da Inglaterra trouxe consigo duas bolas e a certeza de converter seus expatriados britânicos que aqui residiam na cidade de São Paulo, em jogadores futebolistas”. Charles William Miller era filho de pai escocês e mãe inglesa. Foi o responsável direto pela introdução do futebol no Brasil. Conheceu o esporte quando viajou para a Inglaterra, para estudar. Ao retornar ao país natal, trouxe em sua bagagem duas bolas, um par de chuteiras, um livro contendo as principais regras do esporte e alguns uniformes. “Realizou em 14 de abril de 1895, no bairro do Brás em São Paulo, a primeira partida de futebol, entre os funcionários de estatais da época. Foi fundamental na montagem do time do São Paulo Athletic Club (SPAC) e da primeira liga do país, a Liga Paulista de Futebol”. que aqui desembarcaram (FRANZINI, 2009FRANZINI, Fábio. A futura paixão nacional: chega o futebol. In: PRIORE, Mary Del; MELO, Victor Andrade. História do esporte no Brasil. São Paulo: Unesp, 2009. p. 107-132., p. 109). Primeiro, chegou como uma prática esportiva que não exigia dos atletas muitos atributos físicos. Qualquer pessoa, independentemente de estatura, força física, peso ou idade poderia correr atrás da bola e testar seus chutes. “A bola ganhava o coração, ou melhor, os pés dos competidores. A tarefa de driblar o adversário e chutar rumo ao gol contribuiu decisivamente para o surgimento de uma identidade nacional” (SOARES JÚNIOR, 2015, p. 150).

Aos poucos, o foot ball foi se espalhando “pelo Brasil, tornando-se fator de integração territorial e um dos mais poderosos elementos definidores da nacionalidade” (MASCARENHAS, 2012MASCARENHAS, Gilmar. O futebol no Brasil: reflexões sobre paisagem e identidade através dos estádios. In: BARTHE-DELOIZY, Francine; SERPA, Angelo (orgs). Visões do Brasil: estudos culturais em Geografia [online]. Salvador: EDUFBA; Edições L'Harmattan, 2012. p. 67-85., p. 67). Para isso, as “experiências de jogos de futebol se espalharam por todo o território nacional. Chegaram primeiro por meio de divertimento, adentraram os clubes, surgiram os campeonatos e por fim ganharam as escolas” (SOARES JÚNIOR, 2015SOARES JÚNIOR, Azemar dos Santos. Physicamente vigorosos: medicalização escolar e modelação de corpos na Paraíba (1913-1942). 2015. 271 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa - PB, 2015., p. 150). Foi dentro dos espaços escolares que o esporte ganhou novos adeptos e se tornou uma paixão nacional.

A primeira “demonstração de futebol” em terras paraibanas data do dia 15 de Janeiro de 1908, e após o primeiro contato com esse esporte,

Houve uma mobilização dos paraibanos para providenciar os preparativos, tais como: encontrar um lugar que servisse como campo, sem ser necessário realizar melhoramentos, comunicar aos amigos, familiares e pessoas mais próximas (SOUZA, 2014SOUZA, João Paulo Ribeiro de. Modernidade, Esporte e Lazer na cidade da Parahyba do Norte - 1908 - 1925. 170f. 2014. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal de Campina Grande, Campina Grande - PB, 2014., p. 78).

Foi grande a organização pelas ruas da cidade de João Pessoa, com a aglomeração de pessoas dispostas a assistirem à primeira partida de foot ball. João Paulo Ribeiro de Souza conta que o estudante do Colégio Diocesano Pio X José Eugênio Soares foi o responsável pela introdução desse esporte em terras paraibanas. Logo a empolgação com a nova forma de cultura corporal tomou conta dos espectadores locais.

Segundo Soares Júnior (2015SOARES JÚNIOR, Azemar dos Santos. Physicamente vigorosos: medicalização escolar e modelação de corpos na Paraíba (1913-1942). 2015. 271 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa - PB, 2015.), os únicos que parecem não ter gostado muito da ideia de ver o foot ball sendo praticado no estado foram aqueles que defendiam o método de ginástica sueca6 6 A ginástica sueca foi, durante as primeiras décadas do século XX, a modalidade de Educação Física como educação do corpo preferida pelas principais escolas paraibanas, principalmente as particulares, a exemplo do Colégio Diocesano Pio X. , que era bastante forte dentro das escolas de João Pessoa àquela época, como modalidade de Educação Física (leia-se educação do corpo). Na imprensa local, foram inúmeros os discursos que criticavam a prática do esporte.

Entre as críticas direcionadas a essa nova modalidade, encontram-se alusões ao clima e, até mesmo, à violência atribuída ao esporte. Todavia, os discursos de negação não surtiram os efeitos esperados: “o futebol tornou-se a modalidade esportiva mais desejada pela população paraibana, seja nas escolas, nos clubes, nas ruas ou praças” (SOARES JÚNIOR, 2015SOARES JÚNIOR, Azemar dos Santos. Physicamente vigorosos: medicalização escolar e modelação de corpos na Paraíba (1913-1942). 2015. 271 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa - PB, 2015., p. 152). A nova modalidade esportiva, aos poucos, foi assumindo um lugar de destaque nas práticas escolares. Dentro do Colégio Diocesano Pio X não foi diferente. O foot ball caiu no gosto de alunos e professores, amantes do esporte e da Educação Física, e transformou-se numa das práticas esportivas prediletas, contribuindo significativamente para o adestramento e disciplina de seus praticantes.

Segundo Michel Foucault (2010FOUCAULT, Michael. Vigiar e Punir: nascimento da prisão; tradução de Raquel Ramalhete. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.), a disciplina executa a distribuição dos indivíduos no espaço, e ao mesmo tempo em que aumenta as forças do corpo, contribui para diminui-las. O corpo é objeto e alvo de poder. A partir da época clássica, as pessoas passam a depositar uma maior atenção a ele. São corpos manipuláveis, moldáveis, treinados, obedientes, hábeis e que têm suas forças produtivas ampliadas. “É dócil um corpo que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado” (FOUCAULT, 2010FOUCAULT, Michael. Vigiar e Punir: nascimento da prisão; tradução de Raquel Ramalhete. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010., p. 132). Trabalha-se o corpo atentando-se para seus gestos e comportamentos. A disciplina é responsável pela fabricação e pela produção de corpos submissos e exercitados, ou seja, “corpos dóceis”. O poder disciplinar é exercido nas mais diversas instituições: nos hospitais, nas prisões, nas fábricas e, principalmente, nas escolas.

Nas escolas da Paraíba, o esporte foi se transformando no principal mecanismo de pedagogização e medicalização do corpo. E essa medicalização, por sua vez, é resultado de um processo que engloba “sofrimento psíquico que, de origem social, política e/ou escolar, é interpretado como problema de origem biológica e médica” (BENEDITTI et al., 2018, p. 2). Trata-se, assim, de “um dispositivo que transforma problemas políticos, sociais e culturais em questões pessoais a serem tratadas ou medicadas” (CHRISTOFARI; FREITAS; BAPTISTA, 2015CHRISTOFARI, Ana Carolina; FREITAS, Claudia Rodrigues de; BAPTISTA Claudio Roberto. Medicalização dos Modos de Ser e de Aprender. Educação e Realidade, v. 40, n. 4, p. 1079 -1102, 2015., p. 1), e uma vez afastado de seu contexto, o individuo é analisado em detalhes.

Dentro do espaço escolar, a medicalização assume a função de revelar as características biológicas e comportamentais, buscando, dessa forma, construir um ideário de perfeição física. Ela é responsável pela gestação de uma estética corporal. Nesse sentido, o Colégio Diocesano Pio X adotou o foot ball com o objetivo de melhorar e incentivar o desenvolvimento físico dos alunos e esse esporte passou a ser uma das atividades físicas preferidas; pois era tida como um momento de lazer. O foot boall adentrou as escolas da capital paraibana durante os anos de 1915 e 1916. “Em pouco espaço de tempo fortaleceu-se como prática esportiva e deu início à formação dos primeiros teams colegiais” (SOUZA, 2014SOUZA, João Paulo Ribeiro de. Modernidade, Esporte e Lazer na cidade da Parahyba do Norte - 1908 - 1925. 170f. 2014. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal de Campina Grande, Campina Grande - PB, 2014., p. 106). Num primeiro momento, as disputas futebolísticas eram realizadas entre os alunos de uma mesma escola. Posteriormente, esses embates foram ganhando novos contornos, e os times dos colégios passaram a se enfrentar em competições extraescolares.

Em Setembro de 1916, foi realizada a primeira partida oficial de foot ball envolvendo times de colégios de João Pessoa. Na ocasião, os alunos do Colégio Diocesano Pio X e Liceu Paraibano protagonizaram uma demonstração de exaltação à cultura física. A partida ocorreu no “campo do Rogger às 7 ½ horas da manhã”. O jornal A Notícia, de 1916, descreve o embate travado entre os times dos dois colégios:

Tirado o toos coube a saída ao Lyceu, que escolheu o goal contrário ao sol. Os colegiais apresentaram em campo um team bastante forte e treinado, o que não aconteceu com o team adversário que estava fraco e sem combinação. Ao iniciar-se o jogo era esperada a derrota desse último. Dado o sinal da luta os colegiais em boa combinação levaram a bola até o goal defendido por Polary, e 3 minutos após, Mário com um fortíssimo shoot consegue marcar o primeiro ponto contra os adversários. O Lyceu procura tirar a vantagem, mas debalde, porque qualquer ofensiva ia morrer de encontro a defesa contrária e a bola voltava a se localizar na área do Lyceu, cujo goal-keeper muito se esforçava, porém estava fraco. Aproveitando um novo pass da extrema esquerda, Gomes II envia novamente a pelota ao goal inimigo, fazendo assim o 2º ponto. Polary, não podendo defender, consegue trocar a posição com Anchises, que fez ótimas defesas, sendo muito aplaudido pelos espectadores. No segundo half-time o jogo tomou um caráter mais sério tendo os alunos do Lyceu procurado minorar a situação, que já era bem difícil. A linha estava bastante fraca, e a defesa mal combinada.

Os jogadores não se colocavam nos devidos lugares, tanto assim que muitas vezes as extremas perdiam ótimas ocasiões de fazer pontos para o antagonista. Houve um penalty que foi tirado por Gomes I, sendo defendido muito bem por Anchises. Muitos assistentes, aliás entendidos, declararam quando foi tirado o penalty que o referee Manoel Veloso não deveria ter feito, porque era um band. Continuando que foi o jogo, Gomes II consegue com um schoot bem dirigido vasar pela terceira e última vez o goal do Lyceu, e assim terminou o encontro com o seguinte resultado: Colégio Pio X 3 x 0 Lyceu Paraibano (A NOTÍCIA, 1916, p. 05, grifos nossos).

Esse foi apenas o primeiro embate esportivo protagonizado pelos alunos dos dois colégios. Os colégios Diocesano Pio X e Liceu Paraibano iriam, nos anos seguintes, travar grandes duelos esportivos nos gramados da cidade. A leitura da reportagem sugere que os principais termos utilizados na época, pênalti, gol, chute, time, passe, eram pronunciados em inglês, origem do futebol. Apesar da pouca técnica e da organização verificadas entre os dois times, os atletas do Colégio Diocesano Pio X demonstraram ao público presente e adversário que, tecnicamente, eram superiores. O que fica dessa primeira demonstração esportiva é que se tratou de “um ato inaugural que mudou a relação escola-esporte na cidade da Parahyba daquela época” (SOUZA, 2014SOUZA, João Paulo Ribeiro de. Modernidade, Esporte e Lazer na cidade da Parahyba do Norte - 1908 - 1925. 170f. 2014. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal de Campina Grande, Campina Grande - PB, 2014., p. 108). No dia 15 de Setembro de 1916, a Revista do Colégio Diocesano Pio X publicou uma matéria intitulada de Foot-Ball, detalhando a realização em gramados paraibanos da primeira partida oficial de futebol. A informação diz o seguinte

Foot-ball

Domingo 10 do corrente, como fora anunciado nos diversos jornaes que circulam nesta Capital, apresentaram-se em campo de foot-ball, no ficle do Roggers, os alunos, do Collégio Diocesano “Pio X” e o LyceuParahybano, devidamente uniformizados, afim de disputarem um interessante match de foot-ball, como de facto o foi.

O club “Guarany”, dos diocesanos, com uma equipe muito bem organizada e activa, suplantou o adversário, merecendo ardentes aplausos (REVISTA DO COLÉGIO DIOCESANO PIO X, 1916, s. p., grifos nossos).

O tão esperado encontro desportivo ocorreu no campo do “Ficle do Roggers”. Segundo a matéria, a organização do time do Colégio Diocesano Pio X era bem superior à do Liceu Paraibano. De acordo com informações que circularam na imprensa da época (jornais A União, A Imprensa, A Notícia e Revista do Colégio Diocesano Pio X), já fazia um certo tempo que a prática do foot ball no Colégio vinha sendo levada a sério. Passou a ter espaço garantido no currículo de educação física da escola. Voltando ao teor da matéria jornalística, os times entraram em campo com a seguinte formação:

Colégio Diocesano Pio X: Leal/ Aparício/Gomes II/ Braz/Rique/Fernando/Baracuhy/Vieira/Gomes I/Paulo/Coelho.

Lyceu Paraibano:Polary/Archises/Aderaldo/Mario/Balthasar/ Vianna

Manfredo/Paulino/Aluizio (cap)/Arsenio/Sobreira (REVISTA DO COLÉGIO DIOCESANO PIO X, 1916, s. p., grifos nossos).

Conforme a matéria, o time formado pelos alunos do Colégio Liceu Paraibano “foi completamente dominado; no entanto, cumpre notar que o Anchises, Aderaldo, Polary e Manfredo, jogadores estes de tradição se mostraram sempre fortes e corajosos”. Durante o intervalo e ao final do jogo, a torcida entusiasmada ergueu “fervorosos vivas, pelo club triunfhante, ao Lyceu Parahybano, ao Dr. Alvaro de Carvalho, a mocidade e diretoria do Diocesano “Pio X’”7 7 Ver Revista do Colégio Diocesano Pio X, 1916, s. p. . Com a presença do foot ball nas aulas de educação física do Colégio, surgiu a necessidade de organização de um espaço adequado para o treinamento e realização das partidas esportivas por parte dos atletas.

Em dezembro de 1931, a Revista do Colégio Diocesano Pio X publicou a imagem do campo de foot ball do Colégio. Ali, desfilaram produções discursivas de culto à saúde, à disciplina e à ordem. Pelo que é possível enxergar na Figura 1, o campo de futebol ficava localizado em um lugar rodeado por árvores. A estrutura do espaço não parecia ser das melhores. Mesmo assim, tornou-se um dos locais preferidos pelos professores e alunos de educação física. O espaço era de terra batida, e o gramado não era dos mais adequados para a prática esportiva. A bola rolava mesmo era sobre um terreno mal planeado e com um mato ralo e desigual:

Figura 1
Campo de foot ball do Collegio.

Em maio de 1941, a Revista do Colégio Diocesano Pio X, em seu segundo número, publicou uma fotografia em que aparece um grupo de homens (pelo que é possível ler da imagem, tratava-se de um grupo de alunos do próprio Colégio) trabalhando no que iria se tornar o tão aguardado “novo estádio” de foot ball, espaço de muito treinamento físico e de disputas esportivas.

Pelo que pode ser afirmado, o branco dos uniformes era norma obrigatória no Colégio e ocupou um espaço de destaque à época. A cor foi vista pelos médicos higienistas como indicativo de saúde, de limpeza e de cuidado com o próprio corpo. Uma pessoa zelosa e atenciosa com sua saúde tinha que expressar isso em público, e nada melhor do que a vestimenta como sinal de cuidado e zelo com o que era entendido como saudável. Nesse sentido, o branco representava um corpo livre de doenças e higiênico. Na Figura 2, é possível observar o trabalho de reforma do campo de foot ball do Colégio:

Figura 2
A primeira mão para o novo estádio.

Um novo espaço para os amantes de um corpo forte e saudável estava sendo construído. A leitura da Figura 2 dá uma ideia da importância que o esporte ganhou dentro do Colégio Diocesano Pio X. Na imagem, o que se vê é um grupo formado por alguns homens - nove, de acordo com a leitura - realizando um trabalho braçal, fazendo a limpeza e campinando mato do espaço do futuro campo de foot ball do Colégio, um espaço de exaltação da cultura física, de construção de corpos educados, malhados, vigorosamente disciplinados e pedagogizados pela prática esportiva. Foi nesse lugar de terra batida e de quase nenhuma tecnologia que a bola rolou, despertando a paixão dos paraibanos por aquele que iria se tornar, nas décadas seguintes, o esporte preferido de quase todos os brasileiros.

Apesar da falta de conforto do campo e da ausência de arquibancadas para a acomodação da torcida, os jovens paraibanos não pararam de se entusiasmar com o esporte. O foot ball, primeiro, conquistou as ruas da cidade de João Pessoa, a capital, e, posteriormente, foi ganhando espaços pelas ruas de outras cidades do estado. A decisão do Colégio Diocesano Pio X, de construir seu próprio espaço para o treinamento e realização de um campeonato em suas dependências, possibilitou a organização de competições com times de outras escolas. O objetivo era a organização de “um campeonato colegial que pudesse envolver os teams das divisões ginasiais (1º, 2º e 3º ano ginasial) do colégio e contasse com a participação dos clubs da Escola da Marinha, Liceu Paraibano e Academia de Comércio” (SOUZA, 2014SOUZA, João Paulo Ribeiro de. Modernidade, Esporte e Lazer na cidade da Parahyba do Norte - 1908 - 1925. 170f. 2014. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal de Campina Grande, Campina Grande - PB, 2014., p. 110-111). Através da leitura da Figura 3, publicada pela Revista do Colégio Diocesano Pio X, em dezembro de 1931, é possível visualizar a organização do campeonato.

Figura 3
Campeonato Collégial

O campeonato ocorreu em dois turnos. Todos os times mediram forças entre si. No primeiro turno, as quatro equipes (Colégio Diocesano Pio X, Escola da Marinha, Liceu Paraibano e Academia de Comércio) mediram forças. No returno do campeonato, apenas os times do Colégio Pio X, da Marinha e do Liceu se enfrentaram. A Revista do Colégio Diocesano Pio X não deu detalhes das outras esquipes. Em compensação, o time do Colégio ganhou um colorido especial. Em dezembro de 1931, a revista publicou uma imagem do “invencível primeiro team de foot ball” do Colégio.

A leitura da Figura 4 leva o leitor ao encontro de um grupo de jovens estudantes que parecem ter “consciência” da importância que o foot ball havia conquistado no Colégio. O time era formado por onze jogadores. Oito atletas aparecem na imagem, em pé, ao lado do treinador, que, elegantemente, veste um terno, gravata e calça. Com as mãos sobre os bolsos da calça, o treinador demonstra seriedade e postura ereta. Três dos atletas são capturados pela lente da câmera fotográfica, deitados sobre o chão, exibindo, para os futuros leitores, o escudo do “invencível primeiro time de futebol”. Quase todos usavam uma espécie de toca na cabeça, provavelmente, para facilitar o cabeceio da bola.

Figura 4
O invencível primeiro team de foot ball.

Em 1931, a Revista do Colégio Diocesano Pio X publicou uma imagem do “valoroso segundo quadro de foot ball” do Colégio. Pela fisionomia dos alunos presentes na Figura 5, o time do segundo quadro era formado por atletas mais novos. Como pode ser notado, a prática esportiva encabeçou o projeto de educação do corpo contemplando os aspectos morais, intelectuais e físicos:

Figura 5
O valoroso segundo quadro de foot ball.

Com o tempo, o foot ball foi ganhando cada vez mais espaço nas aulas de educação física. Foi devido ao sucesso que as práticas esportivas tiveram entre os alunos do Colégio que a sua direção resolveu iniciar o projeto de organização da Liga Esportiva dos Alunos Internos do Colégio. O campeonato contou com as equipes de foot ball e de volley ball. A fundação da Liga Esportiva foi tema de reportagem publicada pela Revista do Colégio Diocesano Pio X (1932, s. p., grifos nossos) em dezembro de 1931, e ela diz que “foi fundada este ano a Liga Esportiva dos Alunos Internos do Colégio com o nobre fim de estimular o desenvolvimento physico dos estudantes, do qual depende o desenvolvimento intelectual e consequentemente moral”. A inclusão do esporte no currículo de educação física visou colocar em prática o “’projeto educacional da escola’, de educação do corpo, através de um modelo de ensino que passava pela formação física, moral e intelectual” (SOUZA, 2014SOUZA, João Paulo Ribeiro de. Modernidade, Esporte e Lazer na cidade da Parahyba do Norte - 1908 - 1925. 170f. 2014. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal de Campina Grande, Campina Grande - PB, 2014., p. 112).

Esse objetivo é expresso na Crônica Esportiva escrita pelo professor de educação física do Colégio Renato Hortênsio da Silva e publicada nas páginas da Revista do Colégio Diocesano Pio X, em 1941. Na ocasião, o professor chama a atenção “dos outros alunos de Educação Física” para que tivessem “consciência” da importância dos treinos e das competições. Esse projeto pedagógico buscava produzir corpos saudáveis, belos, fortes, vigorosos e esbeltos.

Da Liga Esportiva dos Alunos Internos, organizada pela direção do Colégio Diocesano Pio X, fizeram parte três times de foot ball: o Royal S. C., tendo como presidente Wamberto Zenaydes, com 14 sócios; o Flamengo S. C., presidido por Olavo Maia, com 12 sócios; e o América S. C, sob a presidência de Luiz Ribeiro, com 14 sócios. “Houve dois animados campeonatos, um de foot ball, e outro de volley ball, cada um em quatro turnos; em ambos sahiu victorioso o valoroso Royal S.C, conforme veremos adeante”8 8 A organização do campeonato e prática do volley ball, enquanto parte do projeto de educação corporal encabeçada pela direção do Colégio Diocesano Pio X, será discutida em outro texto com a mesma finalidade. (REVISTA DO COLÉGIO DIOCESANO PIO X, 1932, s. p., grifos nossos). A organização dos times obedeceu a seguinte ordem:

Royal

Foot-ball: Claudio/Wamberto/Zecunha/Bacalhau/ Lourival/Onofre/Olivio/Alvaro/Joaquin/Bercilino e Holanda.

Flamengo

Foot-Ball: Benedito I/Quitiliano/Helio/Benedito II/Zacharias/Elisio/Flavio/Onevaldo/Duda/Simplicio e Walfredo.

América

Foot-Ball: Beltrão/Firmino/Washington/Camra/Medeiros/Olympio/Democrito/Aristacho/Appolonio/Brayner e Cabral9 9 Ver Revista do Colégio Diocesano Pio X, 1932, s/p, grifos nossos. .

Ao final do campeonato, o time vencedor, o Royal S. C., recebeu das mãos do “Revmo. Ir. Director, uma rica taça”, além de “uma medalha comemorativa a cada um dos seus componentes”10 10 Ver Revista do Colégio Diocesano Pio X, 1932, s/p, grifos nossos. . Em Dezembro de 1932, a Revista do Colégio Diocesano Pio X publicou imagens dos três times de foot ball (Royal, Flamengo e América) que participaram da Liga Esportiva dos Alunos Internos. Na Figura 6, é perceptível a visualização das características físicas dos atletas de: “O futuroso ROYAL S. C: Vencedor do Campeonato da Liga Esportiva dos alunos internos”11 11 Ver Revista do Colégio Diocesano Pio X, 1932, s/p, grifos nossos. :

Figura 6
O futuroso ROYAL S. C: Vencedor do Campeonato da Liga Esportiva dos alunos internos.

A imagem dos jogadores do time do Royal S. C. é capturada pelo fotógrafo com status de campeão. Os onze atletas são fotografados ao lado do treinador e educador físico, com o objetivo claro de divulgar as eventuais qualidades médicas e pedagógicas do esporte. No centro da imagem, a taça rouba a cena. É o símbolo da conquista de um campeonato que teve como objetivo a divulgação e incentivo das práticas esportivas dentro do Colégio. Nas Figuras 7 e 8 a seguir, é possível visualizar os atletas das outras duas equipes que disputaram o campeonato interno contra o time do Royal: o Flamengo S. C. e o América S. C:

Figura 7
O diplomata team de foot ball do América S. C.

Figura 8
O esforçado team de foot ball do Flamengo S. C.

É perceptível que o preparo físico dos atletas deixava a desejar. Eles se destacavam mais pela dedicação, “elegância e o ar de seriedade” do que pelo preparo físico (SOUZA, 2014SOUZA, João Paulo Ribeiro de. Modernidade, Esporte e Lazer na cidade da Parahyba do Norte - 1908 - 1925. 170f. 2014. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal de Campina Grande, Campina Grande - PB, 2014., p. 112). As imagens e textos produzidos pela Revista do Colégio Diocesano Pio X são representativas da importância que a direção, os alunos e professores da instituição atribuíram ao foot ball como modelo de recreação e atividade física. Assim como as demais atividades físicas, ele se transformou em um poderoso instrumento de educação do corpo. Diante disso, é inegável que uma nova sensibilidade em relação ao cuidado com o corpo dos alunos foi gestada, e o foot ball encabeçou esse audacioso projeto de educação corporal.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao folhear as páginas da imprensa que circulou no início do século XX, na Paraíba, notei que o foot ball e a educação física foram utilizados pela direção do Colégio Diocesano Pio X como instrumento de educação corporal. Tanto a medicalização quanto a pedagogização do corpo dos jovens passaram pelas práticas esportivas, consideradas como um poderoso instrumento pedagógico. O objetivo era movimentar o corpo para adestrá-lo e educá-lo. Tornando-o flexível, forte e saudável.

Para isso, médicos e professores uniram forças ao defender o caráter pedagógico do esporte, construindo, assim, um projeto de educação pautado na valorização das práticas esportivas. Para tanto, saíram em defesa do foot ball incluindo-o nas aulas de educação física como alternativa para se alcançar tais objetivos. Dessa forma, os campos de terra batida serviram de espaço para que os atletas exercitassem seus corpos, correndo, soando e chutando a bola com entusiasmo. Ou seja, corpos foram educados, disciplinados, medicalizados e pedagogizados durantes as aulas e competições.

REFERÊNCIAS

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  • CHRISTOFARI, Ana Carolina; FREITAS, Claudia Rodrigues de; BAPTISTA Claudio Roberto. Medicalização dos Modos de Ser e de Aprender. Educação e Realidade, v. 40, n. 4, p. 1079 -1102, 2015.
  • FOUCAULT, Michael. Vigiar e Punir: nascimento da prisão; tradução de Raquel Ramalhete. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.
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  • A IMPRENSA. João Pessoa: [s.n.],1915- . [Edições das décadas de 1930 a 1940. Arquivo Eclesiástico da Paraíba, João Pessoa].
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  • MASCARENHAS, Gilmar. O futebol no Brasil: reflexões sobre paisagem e identidade através dos estádios. In: BARTHE-DELOIZY, Francine; SERPA, Angelo (orgs). Visões do Brasil: estudos culturais em Geografia [online]. Salvador: EDUFBA; Edições L'Harmattan, 2012. p. 67-85.
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  • REVISTA DO COLÉGIO DIOCESANO PIO X. João Pessoa: [s.n.],1910 a 1954. [Edições das décadas de 1910, 1920, 1930 a 1940. Arquivo do Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba (IHGP), João Pessoa, PB e Arquivo da Biblioteca Átila de Almeida - UEPB, Campina Grande, PB].
  • SOARES JÚNIOR, Azemar dos Santos. Physicamente vigorosos: medicalização escolar e modelação de corpos na Paraíba (1913-1942). 2015. 271 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa - PB, 2015.
  • SOUZA, João Paulo Ribeiro de. Modernidade, Esporte e Lazer na cidade da Parahyba do Norte - 1908 - 1925. 170f. 2014. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal de Campina Grande, Campina Grande - PB, 2014.
  • A UNIÃO. João Pessoa: [s.n.],1893- . [Edições das décadas de 1920, 1930 a 1940. Arquivo do Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba e Biblioteca da Secretária de Educação do Município de Esperança, Paraíba].
  • FINANCIAMENTO

    O presente trabalho foi realizado sem o apoio de fontes financiadoras.
  • 1
    A história do Colégio Diocesano Pio X está dividida em quatro períodos distintos: 1º - da fundação do Colégio em 4 de março de 1894, quando ficou provisoriamente instalado no Palacete Abiahy, mudando-se, logo em seguida, para o Convento de São Francisco, em 26 de abril de 1894; 2º - a partir de 1927, quando o Colégio passou para a gestão dos Irmãos Maristas; 3º - início de 1935, quando a direção do Colégio passou para as mãos do Pe. Lima, ex-diretor do Colégio Pio XI de Campina Grande-PB, que permaneceu no cargo até dezembro de 1940; 4º - de 1940 até fins de dezembro de 1942, quando a direção do Colégio ficou sob a responsabilidade dos Padres Assuncionistas da Holanda; 5º - 1943 quando os Irmãos Maristas reassumem o controle administrativo da direção do Colégio; 6º - 19 de março de 1949, quando a direção do Colégio foi assumida pelo Pe. Carlos Martinez, que substituiu o também Pe. Reginaldo; e 7º - 1952, quando o Pe. Estevão Alberto assume a direção do Colégio.
  • 2
    Durante os primeiros anos, a fundação do Colégio Diocesano Pio X só aceitava a matrícula de alunos do gênero masculino. Funcionava nas seguintes modalidades de ensino: internato, externato e semi-internato.
  • 3
    Na escrita do presente texto, optei por manter a grafia da época, foot ball, que está presente na maior parte dos artigos publicados na imprensa que circulou na Paraíba e que tive oportunidade de analisar.
  • 4
    Aqui, a cultura física é compreendida como um conceito extenso e múltiplo, flexível e transversal ao mesmo tempo, que ultrapassa as dimensões psicológicas e práticas, abrangendo os aspectos objetivos (prática de exercícios e esportes vários) e também subjetivos (aqueles condizentes com o desejo de cada um pelo gosto pelo esporte). É muito mais amplo do que se pensa convencionalmente. Diz respeito às inúmeras formas pelas quais os sujeitos - homens, mulheres, idosos, jovens e crianças - buscam se exercitar e tornar seus corpos mais adequados às necessidades de uma sociedade moderna e civilizada, ou seja, fortes, saudáveis e esteticamente belos.
  • 5
    Segundo Souza (2014, p. 09), no Brasil, foi Charles Miller que, “ao retornar da Inglaterra trouxe consigo duas bolas e a certeza de converter seus expatriados britânicos que aqui residiam na cidade de São Paulo, em jogadores futebolistas”. Charles William Miller era filho de pai escocês e mãe inglesa. Foi o responsável direto pela introdução do futebol no Brasil. Conheceu o esporte quando viajou para a Inglaterra, para estudar. Ao retornar ao país natal, trouxe em sua bagagem duas bolas, um par de chuteiras, um livro contendo as principais regras do esporte e alguns uniformes. “Realizou em 14 de abril de 1895, no bairro do Brás em São Paulo, a primeira partida de futebol, entre os funcionários de estatais da época. Foi fundamental na montagem do time do São Paulo Athletic Club (SPAC) e da primeira liga do país, a Liga Paulista de Futebol”.
  • 6
    A ginástica sueca foi, durante as primeiras décadas do século XX, a modalidade de Educação Física como educação do corpo preferida pelas principais escolas paraibanas, principalmente as particulares, a exemplo do Colégio Diocesano Pio X.
  • 7
    Ver Revista do Colégio Diocesano Pio X, 1916, s. p.
  • 8
    A organização do campeonato e prática do volley ball, enquanto parte do projeto de educação corporal encabeçada pela direção do Colégio Diocesano Pio X, será discutida em outro texto com a mesma finalidade.
  • 9
    Ver Revista do Colégio Diocesano Pio X, 1932, s/p, grifos nossos.
  • 10
    Ver Revista do Colégio Diocesano Pio X, 1932, s/p, grifos nossos.
  • 11
    Ver Revista do Colégio Diocesano Pio X, 1932, s/p, grifos nossos.

Editado por

RESPONSABILIDADE EDITORIAL

Alex Branco Fraga *, Elisandro Schultz Wittizorecki *, Ivone Job *, Mauro Myskiw *, Raquel da Silveira *
* Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança, Porto Alegre, RS, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    30 Dez 2020
  • Aceito
    17 Jun 2021
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