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A CIDADE QUE VIROU CASA: CONSIDERAÇÕES SOBRE O BRINCAR LIVRE E ESPONTÂNEO DURANTE O PERÍODO DE ISOLAMENTO SOCIAL DE 2020

THE CITY THAT BECAME HOME: CONSIDERATIONS ON FREE AND SPONTANEOUS PLAY DURING THE 2020 SOCIAL ISOLATION PERIOD

LA CIUDAD QUE SE CONVIRTIÓ EN CASA: CONSIDERACIONES SOBRE EL JUEGO LIBRE Y ESPONTÁNEO DURANTE EL PERÍODO DE AISLAMIENTO SOCIAL 2020

Resumo

Em março de 2020 estávamos nas ruas das cidades observando o brincar livre e espontâneo de crianças em espaços diversos, quando fomos surpreendidos pela pandemia global do novo coronavírus. Medidas variadas de isolamento social foram implementadas. Neste cenário, passamos a indagar sobre como estaria o brincar livre e espontâneo dentro das residências de famílias isoladas. Por meio do olhar fenomenológico, passamos a buscar formas de nos aproximarmos da experiência vivida das crianças de maneira remota e por intermédio de seus responsáveis. Dialogamos com 55 famílias em quatro meses. Percebemos que investigar o brincar durante o isolamento social é investigar um fenômeno que acontece dentro de casa em outros momentos, porém no período de isolamento, com tempos mais amplos e com menos restrições de acesso a objetos e cômodos. Em diálogo com autores da área, evidenciam-se provocações que diferentes cômodos engendraram nas crianças a partir do brincar livre e espontâneo.

Palavras-chave:
Brincar livre; Brincar espontâneo; Fenomenologia; Lazer.

Abstract

In March 2020 we were on the streets of cities observing the free and spontaneous play of children in different spaces, when we were surprised by the global pandemic of the novel coronavirus. Various measures of isolation and social distancing were implemented. In this new scenario, we started to ask ourselves about what free and spontaneous play would be like inside the homes of isolated families. Through the phenomenological perspective, we started to look for ways to approach the lived experience of children remotely and through their guardians. We followed 55 isolated families for four months. We realized that investigating playing during social isolation allowed the approximation of a phenomenon that happens inside the house at other times, but with longer times and with fewer restrictions on access to objects and rooms. In dialogue with authors in the area, the provocations that the different rooms engendered in children from free and spontaneous play are evident.

Keywords:
Free play; Spontaneous play; Phenomenology; Leisure.

Resumen

En marzo de 2020 estábamos en las calles de las ciudades observando el juego libre y espontáneo de los niños en diferentes espacios, cuando nos sorprendió la pandemia global del nuevo coronavirus. Se implementaron diversas medidas de aislamiento y distanciamiento social. En este escenario, comenzamos a preguntarnos cómo sería el juego libre y espontáneo dentro de las residencias de familias aisladas. A través de la mirada fenomenológica, comenzamos a buscar formas de acercarnos a la experiencia vivida de los niños de forma remota y a través de sus responsables. Dialogamos con 55 familias a lo largo de cuatro meses. Nos dimos cuenta de que investigar el juego durante el aislamiento social correspondía a investigar un fenómeno que ocurre dentro de las casas en otros momentos, sin embargo, en el periodo de aislamiento, con tiempos más largos y con menos restricciones de acceso a objetos y habitaciones. En diálogo con autores de ese campo, se evidencian las provocaciones que los distintos espacios de la casa generaron en los niños a partir del juego libre y espontáneo.

Palabras clave:
Juego libre; Juego espontáneo; Fenomenología; Ocio.

1 INTRODUÇÃO1 1 Trabalho do Coletivo de pesquisadores do Projeto Território do Brincar.

Acho que o quintal onde a gente brincou é maior do que a cidade. A gente só descobre isso depois de grande. A gente descobre que o tamanho das coisas há que ser medido pela intimidade que temos com as coisas. Há de ser como acontece com o amor. Assim, as pedrinhas do nosso quintal são sempre maiores do que as outras pedras do mundo. Justo pelo motivo da intimidade. (BARROS, 2015BARROS, Manoel de. Meu quintal é maior do que o mundo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2015., p. 124)

Nos anos de 2018 e 2019 realizamos diversas observações de campo em pontos distintos da cidade, observando o brincar livre e espontâneo2 2 “Por brincar livre e espontâneo entende-se o envolvimento de crianças em atividades livres, escolhidas autonomamente por elas; portanto, atividades não dirigidas por um adulto.” (SAURA, 2013a, p.163) nos grandes centros urbanos. As observações e análises realizadas ao longo de 2018, focadas no aprofundamento da metodologia desenvolvida pelo Projeto Território do Brincar,3 3 O Projeto Território do Brincar é um trabalho de escuta, intercâmbio de saberes, registro e difusão da cultura infantil. Desde 2012 vai a campo registrar como brincam as crianças espontaneamente em diferentes realidades, gerando diversos produtos culturais como livros, filmes e podcasts. O coletivo de pesquisadores estrutura as pesquisas que precedem os produtos, aplicando metodologias científicas de coleta e análise de materiais. Ver: https://territoriodobrincar.com.br/ deram origem ao documentário Miradas (MEIRELLES; ECKSCHMIDT, 2019MEIRELLES, Renata; ECKSCHMIDT, Sandra (dir.). Miradas (documentário). Produção: Território do Brincar. 31 min. 2019.), e publicação de mesmo nome (OLIVAL et al., 2019OLIVAL, Beatriz; et al. Miradas. São Paulo: Instituto Alana, 2019.) que narra as incursões realizadas no período por este coletivo de pesquisadores, evidenciando especialmente a fenomenologia no diálogo do brincar livre entre crianças e o mundo. Após esta etapa de aprofundamento metodológico - realizada e sistematizada a partir de nossos campos de pesquisa, que contaram com quatro meses de observações semanais, realizadas por cada um dos pesquisadores - passamos a desenhar a pesquisa a ser desenvolvida em 2020, que pretendia observar o brincar livre e espontâneo (SIMON; KUNZ, 2014SIMON, Heloisa dos Santos; KUNZ, Elenor. O Brincar como Diálogo / Pergunta e Não como Resposta Á Prática Pedagógica. Movimento, v. 20, n. 1, p. 375-394, 2014. DOI: https://doi.org/10.22456/1982-8918.39749
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)4 4 “O uso de termos como livres e espontâneos são no sentido de movimentos não somente delimitados e com propósitos externos, mas que são, primariamente, desenvolvidos a partir da expressividade própria da pessoa. Tem uma noção diferente de espontaneísmo. É relacionado ao diálogo ativo, original e expressivo do ser-no-mundo.” (SIMON; KUNZ, 2014, p. 378). das crianças em territórios urbanos.

Ainda em 2019, realizamos uma série de encontros com a finalidade de delimitar campos de observação, bem como aprofundamentos teóricos sobre as relações da infância com a cidade. Deparamo-nos com dados estarrecedores que revelavam uma “pandemia de baixa atividade física” (MENDONÇA, 2019MENDONÇA, Paula. Criança, natureza e cidade: cidades brincantes para crianças cidadãs. São Paulo: Instituto Alana: 2019. Aula.), em que as crianças passavam 90% do tempo em espaços fechados (EPA, 2015EPA (ENVIONMENTAL PROTECTION AGENCY). Healthy School Environments - Impact on Performance and Health at Schools. 2015. Disponível em: https://19january2017snapshot.epa.gov/schools/impact-performance-and-health-schools_.html. Acesso em: 2 maio 2021.
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); em média cerca de cinco horas em frente às telas (BRASILEIROS..., 2016BRASILEIROS assistiram mais de seis horas de TV por dia. Kantar Ibope Media, 2016. Disponível em: https://www.kantaribopemedia.com/brasileiros-assistiram-mais-de-6-horas-de-tv-por-dia-em-2016-aponta-kantar-ibope-media/. Acesso em: 15 maio 2021.
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) e menos de uma hora por dia ao ar livre (ALIANÇA PELA INFÂNCIA, 2016ALIANÇA PELA INFÂNCIA. Livre para descobrir. Aliança pela infância: 2016. Disponível em: http://aliancapelainfancia.org.br/movimento-omo-livreparadescobrir-busca-reequilibrar-os-habitos-das-criancas/. Acesso em: 15 maio 2021.
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). De fato, nas observações de campo realizadas até então, percebíamos como, no geral, a cidade, as políticas públicas, os adultos e os serviços de atenção à saúde e qualidade de vida não priorizavam os espaços e tempos de brincar livre para as diferentes infâncias (FRIEDMANN, 2020FRIEDMANN, Adriana. A vez e a voz das crianças: escutas antropológicas e poéticas das infâncias. São Paulo: Panda Books, 2020.; LAROSSA, 2003LAROSSA, Jorge. O enigma da infância: ou o que vai do impossível ao verdadeiro. In: LAROSSA, Jorge. Pedagogia profana: danças, piruetas e mascaradas. Belo Horizonte: Autêntica, 2003, p. 183-198.). Realizamos algumas incursões em campo, iniciando os trabalhos planejados. E fomos todos surpreendidos pela pandemia do novo coronavírus.

Em todos os países, o isolamento social foi a diretriz mais importante na contenção da covid-19 e, no Brasil, mais de 50% das famílias mantiveram, por alguns meses, o distanciamento social imposto no período (AQUINO et al., 2020AQUINO, Estela M. L. et al. Medidas de distanciamento social no controle da pandemia de COVID-19: potenciais impactos e desafios no Brasil. Ciência e Saúde Coletiva, v. 25, supl. 1, p. 2423-2446, jun. 2020.). Subitamente, as famílias voltaram-se para dentro de suas moradias. Neste novo cenário, passamos a nos indagar sobre como estariam o brincar livre e espontâneo dentro das residências de famílias isoladas. E assim desenhamos, a partir da fenomenologia, formas de chegarmos à experiência vivida das crianças de maneira remota e por intermédio dos olhares adultos. Neste caso, falamos de uma abordagem fenomenológica que aproxima o brincar ao campo do lazer no Brasil, por seu caráter desinteressado e como um fim em si mesmo (BRUHNS, 2007BRUHNS, Heloisa Turini. Explorando o lazer contemporâneo: entre a razão e a emoção. Movimento, v. 10, n. 2, p. 93-104, dez. 2007.; SAURA, 2013aSAURA, Soraia Chung. O imaginário do lazer e do lúdico anunciado em práticas espontâneas do corpo brincante. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, v. 8, p. 1-13, 2013a., 2013bSAURA, Soraia Chung. A Pedagogia do movimento na perspectiva do lazer. In: BASSO, Luciano; CORREA, Walter (org.). Pedagogia do Movimento do Corpo Humano. Várzea Paulista: Fontoura, 2013b. v. 1, p. 121-140.; SAURA; MEIRELLES; ECKSCHMIDT, 2015SAURA, Soraia Chung; MEIRELLES, Renata; ECKSCHMIDT, Sandra. Educação Física Escolar: sentir, pensar e agir na Educação Infantil: considerações para um possível caminho do brincar espontâneo. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, v. 29, supl. 9, p. 19-27, 2015.).

Importante salientar que foram muitas as pesquisas que investigaram a situação das infâncias na pandemia, notadamente na área da Saúde, da Educação e da Psicologia Clínica. Por exemplo, com foco em sua invisibilidade (PASTORE, 2020PASTORE, Marina Di Napoli. Infâncias, crianças e pandemia: em que barco navegamos? Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, v. 29, 2020. DOI: https://doi.org/10.1590/2526-8910.ctoEN2116
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); na relação com as telas e as escolas (GUIZO; MARCELLO; MULLER, 2020GUIZZO, Bianca Salazar; MARCELLO, Fabiana de Amorim; MULLER, Fernanda. A reinvenção do cotidiano em tempos de pandemia. Educação e Pesquisa, v. 46, e238077, 2020. DOI: https://doi.org/10.1590/S1678-4634202046238077
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); sobre saúde física e mental (LINHARES; ENUMO, 2020LINHARES, Maria Beatriz Martins; ENUMO, Sônia Regina Fiorim. Reflexões baseadas na Psicologia sobre efeitos da pandemia COVID-19 no desenvolvimento infantil. Estudos de Psicologia, v. 37, n. 1, e200089, 2020. DOI: https://doi.org/10.1590/1982-0275202037e200089
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); sobre maus-tratos e violência doméstica (LEVANDOWSKI et al, 2021LEVANDOWSKI, Mateus Luz et al. Impacto do distanciamento social nas notificações de violência contra crianças e adolescentes no Rio Grande do Sul, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, v. 37, n. 1, e00140020, 2021. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00140020
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); sobre o uso intensivo da internet e os riscos associados (DESLANDES; COUTINHO, 2020DESLANDES, Suely Ferreira; COUTINHO, Tiago. O uso intensivo da internet por crianças e adolescentes no contexto da COVID-19 e os riscos para violências autoinflingidas. Ciência e Saúde Coletiva, v. 25, supl. 1, p. 2479-2486, 2020. DOI: https://doi.org/10.1590/1413-81232020256.1.11472020
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), apoiados em estudos sobre políticas públicas e direito à cidade (CARVALHO; GOUVEA, 2019CARVALHO, Levindo Diniz; GOUVEA, Maria Cristina Soares. Infância urbana, políticas e poéticas: diálogos sobre a experiência da cidade de Rosário/ Argentina. Cadernos de Pesquisa em Educação, n. 49, p.151-170, 2019.).

No nosso caso, como em outras ocasiões, (HORNETT, 2016HORNETT Elisa. Taking children seriously, the art of potential in the land of childhood. Dartington Hall, Schumacher College. Plymouth: Plymouth University; 2016.; MATTOS et al., 2020MATTOS, Lia et al. Aninhar: um olhar para as crianças e seu brincar com as pedras. Florianópolis : Centro de Estudos Casa Amarela, 2020. 109p.; MEIRELLES, 2015MEIRELLES, Renata (org.). Território do Brincar: diálogo com escolas. São Paulo: Instituto Alana, 2015. 108p.; SAURA; ECKSCHMIDT; ZIMMERMANN, 2019SAURA, Soraia Chung; ECKSCHMIDT, Sandra; ZIMMERMANN, Ana. Ensaio sobre um princípio fenomenológico da imagem: as árvores e as crianças. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, v. 33, n. 12, p. 9-14, 2019.), buscamos nos aproximar do fenômeno do brincar livre e espontâneo. A pesquisa fenomenológica aborda o brincar livre como um diálogo do ser-no-mundo (SURDI; MELO; KUNZ, 2015), assim nos mantivemos atentos à escuta do que nos traziam as famílias sobre a experiência vivida do brincar espontâneo, intensificado pela proximidade do período. Os resultados foram surpreendentes. Apresentamos aqui, além do processo de realização desta pesquisa, as relações que as crianças estabeleceram, por meio do brincar livre e espontâneo, com alguns dos diferentes cômodos de uma casa.

2 O PROCESSO DE FAZER PESQUISA SOBRE O BRINCAR LIVRE E ESPONTÂNEO - E NO MODO REMOTO

A salinha agora virou uma grande cabana. Faz três dias que não consigo sentar no sofá, porque ela está forrada de panos com essa construção dele. Tudo bem, eu não faço muita questão do sofá, e deixa lá a cabana dele. (depoimento de mãe entrevistada)

Desde 2000, Reeks e Meirelles (2017)REEKS, David; MEIRELLES, Renata. Terreiros do brincar. Documentário. 52 min. São Paulo: Maria Farinha Filmes, 2017. realizam incursões de longa duração em campo para investigar o brincar livre e espontâneo em diferentes contextos. Busca-se o que há de vivo no brincar, a percepção da experiência vivida em relação ao espaço, também ao tempo e às relações que se estabelecem entre crianças, o corpo vivo e o mundo vivido5 5 “Nosso corpo vivo sente o mundo, antes que tenhamos consciência do que nomeamos como a fenomenologia do corpo vivido.” (ANDRIEU, 2015, p.6) (ANDRIEU, 2015ANDRIEU, Bernard. A emersão do corpo vivo através da consciência: uma ecologização do corpo. HOLOS, v. 5, p. 3-11, jan. 2015. DOI: https://doi.org/10.15628/holos.2014.2582
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). De fato, a fenomenologia busca apreender a experiência vivida, voltar às coisas mesmas, olhar para as essências (KUNZ, 2019KUNZ Elenor; Marques Daniel Alves. A Educação Física vista pela fenomenologia. In: PETRÚCIA, Nóbrega Terezinha; CAMINHA, Iraquitan de Oliveira (org.). Merleau-Ponty e a Educação Física. São Paulo: Liber Arts, 2019. p. 39-56.). Trata-se de um olhar processual e aberto, direcionado à percepção espaço-temporal e para as relações dialógicas com as coisas do mundo (NÓBREGA; CAMINHA, 2019NÓBREGA, Terezinha Petrúcia da; CAMINHA Iraquitan de Oliveira (org.). Corpo e espanto na filosofia de Merleau-Ponty. Merleau-Ponty e a Educação Física. São Paulo: Liber Arts, 2019. p. 39-56.). Inspirados em autores de grandeza como Bachelard (1998)BACHELARD, Gaston. A água e os sonhos: ensaio sobre a imaginação da matéria. São Paulo: Martins Fontes; 1998., Goethe (2012)GOETHE, Johann. Ensaios científicos: uma metodologia para o estudo da natureza. São Paulo: Barany Editora; 2012. e Merleau-Ponty (1994)MERLEAU- PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1994., consideramos a superioridade das atividades livres, que, segundo Husserl,

deixam fluir a imaginação e abrem possibilidades para a criança fazer de seu jeito, de outro jeito além do comumente realizado, de modo que a criança possa descobrir novas maneiras de se-movimentar para ampliar os horizontes de habilidades e seu mundo de vida. (SIMON; KUNZ, 2014SIMON, Heloisa dos Santos; KUNZ, Elenor. O Brincar como Diálogo / Pergunta e Não como Resposta Á Prática Pedagógica. Movimento, v. 20, n. 1, p. 375-394, 2014. DOI: https://doi.org/10.22456/1982-8918.39749
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, p. 378)

Temos exercitado ao longo dos anos o observar atento, a descrição minuciosa, identificando atravessamentos e recorrências (SAURA, MEIRELLES, 2015SAURA, Soraia Chung; MEIRELLES, Renata. Brincantes e Goleiros: considerações sobre o brincar e o jogo a partir da fenomenologia da imagem. In: CORREIA, Walter; MUGLIA-RODRIGUES, Bárbara (org). Educação Física no Ensino Fundamental: da inspiração à ação. São Paulo: Fontoura, 2015, v.1, p. 35-60.). Essas observações e escutas se processam na vivência, na experiência corpórea do pesquisador, por isso tem sido tão importante realizar o trabalho em conjunto. Pois quando coletivizamos nossas percepções, encontramos atravessamentos e subjetividades expandidas (SAURA; ZIMMERMANN, 2021SAURA, Soraia Chung; ZIMMERMANN, Ana Cristina. Traditional sports and games: intercultural dialog, sustainability, and empowerment. Frontiers in Psychology, v. 22, p. 32-60, 2021. DOI: https://doi.org/10.3389/fpsyg.2020.590301
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), intercorporeidades (NÓBREGA, 2016NÓBREGA, Terezinha Petrúcia da. Corporeidades: Inspirações merleau-pontianas. Natal : IFRN, 2016.), seguindo a direção goethiana na qual “só o interesse de muitos, dirigido a um só ponto, é capaz de produzir algo excelente" (GOETHE, 2012GOETHE, Johann. Ensaios científicos: uma metodologia para o estudo da natureza. São Paulo: Barany Editora; 2012., p. 57).

Buscamos na experiência singular de cada um, a partir da suspensão do juízo e descrição do vivido, uma aproximação com as essências. Também o que repercute, ressoa e entusiasma (BACHELARD, 2001BACHELARD, Gaston. O ar e os sonhos: ensaio sobre a imaginação do movimento. São Paulo: Martins Fontes, 2001.; ECKSCHMIDT, 2021ECKSCHMIDT, Sandra. Um Caminho de observação fenomenológica: gestos e narrativas do brincar na educação infantil. Tese. (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis: 2021.; LAMEIRÃO, 2007LAMEIRÃO, Luíza. Criança brincando, quem a educa? São Paulo: João de Barro, 2007.), ou o que temos chamado de recorrências (SAURA; MEIRELLES, 2015SAURA, Soraia Chung; MEIRELLES, Renata; ECKSCHMIDT, Sandra. Educação Física Escolar: sentir, pensar e agir na Educação Infantil: considerações para um possível caminho do brincar espontâneo. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, v. 29, supl. 9, p. 19-27, 2015.). Desta forma, identificamos no relato de cada pai, mãe, tia ou avó, o que se manifestava de forma contundente, as sobreposições entusiasmantes para nós, diferentes ângulos ou camadas sobre o brincar livre e espontâneo que se desvelavam à nossa frente.

As primeiras famílias foram selecionadas a partir de nossos contatos acessíveis, e essas indicaram outras em cadeia e de acordo com a diversidade pretendida na amostra, do tipo snowball (BIERNACK; WALFORD, 1981BIERNACKI P; WALFORD D. Snowball sampling: problems and techniques of chain referral sampling. Sociological Methods & Research, v. 10, p. 141-163, 1981.), e assim chegamos, por exemplo, no contato com famílias estrangeiras. Nossa preocupação em relação a essa amostragem foi garantir uma diversidade de famílias - diferentes entre si em suas interseccionalidades e especificidades - buscando identificar atravessamentos do brincar espontâneo dentro de diferenças tantas vezes estruturais. Buscamos intencionalmente agrupamentos familiares com diferentes atributos. Isso incluiu um equilíbrio na diversidade socioeconômica autodeclarada e em grupos de famílias com diferentes formações. Atentamos também para características gerais das crianças: algumas com algum tipo de deficiência, filhos únicos, com um, dois, três ou mais irmãos. Nesta amostra, 30 crianças são da primeira infância e 33 enquadram-se na segunda infância. No entanto, entrevistamos apenas famílias com crianças em isolamento social e que residiam em grandes centros urbanos.

Quando atingimos a diversidade almejada, seguimos com materiais de apresentação de pesquisa, assinatura de termos de consentimento e autorizações de uso de imagem para fins de pesquisa e difusão científica e cultural. A pesquisa segue as normas técnicas do Comitê de Ética em Pesquisa do Conselho Nacional de Saúde, estando sob o jugo do Instituto Alana, entidade sem fins lucrativos que atua em defesa dos direitos da infância e seu desenvolvimento integral. As normas de sua política de proteção a crianças e adolescentes objetiva assegurar que nenhuma atividade ou ação desenvolvida pelos programas, plataformas e projetos do Instituto cause danos a crianças, adolescentes e adultos participantes de qualquer uma de suas iniciativas.6 6 Disponível em: https://alana.org.br/. Acesso em: 23 out. 2022.

A partir daí agendamos as entrevistas, que partiram de dois questionários semiestruturados. Consideramos as entrevistas o recurso principal para a coleta de dados nesta situação de pesquisa no modo remoto. Com cada uma das famílias realizamos um contato inicial, seguido de uma entrevista no modo remoto no início do quadrimestre e ao final, ambos com as mesmas questões. O questionário continha apenas perguntas abertas, nos moldes do escopo das pesquisas fenomenológicas e as perguntas - dez no total - solicitavam que os entrevistados descrevessem o espaço das residências das famílias isoladas, bem como os locais, objetos, materiais e brincares observados em cada espaço. Também se dedicou a ouvir sobre os tempos, ritmos e rotinas das crianças, sobre as brincadeiras mais frequentes do período, e sobre o brincar com os diferentes integrantes da família. Também sobre como brincavam no modo remoto. Do mesmo modo, foram realizadas indagações sobre as atividades corporais e expressivas das crianças.

Com aproximadamente 1 hora e meia de duração, as entrevistas foram realizadas em plataformas de interação social como o Google Meet, Zoom ou mesmo por WhatsApp, tendo sido gravadas e transcritas. Mais do que responder a perguntas, muitas vezes a relação envolveu cumplicidade, pois é sempre entusiasmante, tanto para pais quanto para pesquisadores, dialogar sobre os fazeres, as narrativas e os gestos infantis (ECKSCHMIDT, 2021ECKSCHMIDT, Sandra. Um Caminho de observação fenomenológica: gestos e narrativas do brincar na educação infantil. Tese. (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis: 2021.). De março a junho de 2020, as famílias entrevistadas nos enviaram imagens destes momentos do brincar livre e espontâneo. Estas imagens, incluídas na análise, constituíram importante fonte de dados7 7 Foi a partir destas imagens que surgiu o média-metragem "Brincar em Casa" disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=-hTzF0MV9oQ&list=PL1IlaKMcWzeycqVVuf6GmNcc9QtGdDffi , uma vez que os trabalhos de campo estiveram interrompidos. A segunda entrevista, realizada no final do período desta pesquisa, repetia as perguntas do início do quadrimestre e foi também uma boa conversa sobre o tempo. Preservamos aqui o anonimato dessas famílias, aludindo os dados a formas mais genéricas, como "a mãe", "o pai", "a filha", "o filho". Pela repercussão que os depoimentos geraram em nós e a título de exemplo, compartilhamos alguns deles ao longo deste trabalho.

As formas de análise respeitaram a metodologia, tratando de suspender o juízo sobre o que se considera natural. O que nos apareceu foi considerado fidedigno. Aquilo que se evidenciava de maneira mais contundente, que mobilizava os pesquisadores e que se mostrava de modo categórico tornou-se tema (ECKSCHMIDT, 2021ECKSCHMIDT, Sandra. Um Caminho de observação fenomenológica: gestos e narrativas do brincar na educação infantil. Tese. (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis: 2021.; HORNETT, 2021HORNETT Elisa. Hanging by a thread. Research-in-action community. 2021 Disponível em: https://researchinaction.schumachersociety.net/pub/5dyy6uph/release/2. Acesso em: 23 out. 2022.
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; MATTOS, 2020MATTOS, Lia et al. Aninhar: um olhar para as crianças e seu brincar com as pedras. Florianópolis : Centro de Estudos Casa Amarela, 2020. 109p.). Entrevistas e imagens audiovisuais foram analisadas no todo e em partes, decupadas e minutadas. O grupo de pesquisadores realizou reuniões quinzenais durante todo o período de coleta; e semanais, durante a análise do material, compartilhando impressões, temáticas, literatura e afetos, totalizando 16 encontros, também eles gravados e transcritos.

E foi assim, passo a passo, entrevista após entrevista, imagem após imagem, que se descortinaram evidências sobre se, o quê e como, afinal, as crianças estavam brincando no interior de suas casas no período inicial de isolamento social de 2020.

3 SALA, QUINTAL E COZINHA: O CONVITE PARA ATUAR SOBRE AS COISAS DO MUNDO

Ela corre e, no final do corredor, como dá na sala que tem um sofá, ela dá umas piruetas, depois de pegar velocidade. Esses dias ela chamou a gente para ver: ela dá três saltos e cai em pé, então ela brinca que virou acrobata. Está fazendo muitos movimentos corporais. Está pulando nos móveis e subindo nos batentes das portas. (depoimento de mãe entrevistada)

Conversamos com famílias de crianças que moram em espaços muito diferentes uns dos outros, como casas, apartamentos, ocupações, abrigos, comunidades e até em moradias compartilhadas. Compuseram a amostra crianças de famílias pretas, de famílias homoafetivas, de famílias indígenas que moram em cidade grande, de mães e pais separados, de mães solteiras, também as que vivem com o pai e com a mãe, com a tia e com a avó. Crianças com tipos diferentes de deficiências, filhos únicos ou com muitos irmãos, e de variados perfis. Das 55 famílias entrevistadas estivemos conversando com 42 mães, seis pais, três casais respondendo em conjunto, uma avó, uma tia, uma gerente de abrigo e uma coordenadora de um projeto hospitalar. A amostra incluiu ainda famílias de outros países, sendo eles: África do Sul, Alemanha, Argentina, Bélgica, Estados Unidos, Índia, Inglaterra, Itália, Malawi, Moçambique, Peru e Suíça.

Algo que ficou evidente em um primeiro momento foi identificar que, antes da pandemia, independentemente de suas muitas diferenças, as famílias tinham os tempos cotidianos regidos por atividades externas, e, assim, o núcleo familiar conseguia reunir-se somente no fim do dia ou aos finais de semana.

A rotina dela antes do corona era bem cansativa. Ela acordava muito cedo, saía para trabalhar comigo, daí eu deixava ela na escola. Ela ficava o dia inteiro na escola e, quando eu saía, eu a pegava na escola, às 18h. (depoimento de mãe entrevistada)

Foram raras as famílias que realizavam refeições em conjunto durante a semana, algo que passa a ocorrer durante o período de isolamento. Especialmente no primeiro mês de pandemia, percebemos um certo alívio na cessão das atividades externas, particularmente por parte das crianças, descritas pela voz de seus responsáveis. Esse dado é corroborado por outros estudos sobre o período de isolamento (PERROTA; CRUZ, 2021PERROTTA, Isabella; CRUZ, Lucia Santa. Objetos da Quarentena: Urgência de Memória. Estudos Históricos, v. 34, n. 73, p. 320-342, 2021. DOI: https://doi.org/10.1590/S2178-149420210206
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).

Outra evidência inconteste é que, apesar da diversidade de tipos de residência - casas horizontais, verticais, coletivas, de um, dois ou mais cômodos, airbnbs, apartamentos, ocupações - as crianças passam, com tempo disponível, a viver estes espaços de maneira bastante completa. Assim, elas nos mostram como o brincar mantém a centralidade do corpo nas relações com o mundo e com os outros (MERLEAU-PONTY, 1994MERLEAU- PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1994.). Relatos como esse foram assíduos: “A minha filha brinca pela casa inteira (risos). É uma loucura às vezes. Tem dias que eu falo: ‘Filha, vamos passar recolhendo tudo que foi ficando pelos diversos espaços, né?’”. (depoimento de mãe entrevistada).

À medida que avançávamos nas perguntas, nas descrições dos espaços e dos brincares, descortina-se aos nossos olhos a intensa relação das crianças com os diferentes cômodos da casa. Por exemplo, a sala, esse espaço coletivo, foi palco da diversidade que habita em cada família. Ali estiveram presentes os movimentos expansivos e, com eles, grandes transformações. As crianças modificaram toda a organização original, empurrando móveis, pendurando panos, trazendo novas cadeiras e até colchões, dando a impressão de desordem. Um ambiente que, ativado pelas crianças e seus brincares, ia do caos à ordem, da bagunça à arrumação minuciosa. A sala mostrou-se também um local propício a criações, onde se inventa e se produz arte. Há relatos de apresentações musicais e teatrais. Jogos de tabuleiros, quebra-cabeças e maquetes estiveram permanentemente pelo chão, sendo muitas vezes montados coletivamente. Se a casa fosse uma cidade, certamente a sala seria o local de encontros, a praça pública. Falamos de espaços mais amplos cuja confluência convida ao encontro com a diversidade, expandindo fronteiras e subjetividades (BACHELARD, 1990BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Nova Cultural, 1990.; HISSA; NOGUEIRA, 2013HISSA, Cássio Eduardo V.; NOGUEIRA, Maria Luísa M. Cidade-corpo. Revista da Universidade Federal de Minas Gerais, v. 20, n. 1, p. 54-77, 2013. DOI: https://doi.org/10.35699/2316-770X.2013.2674
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).

Para fins desta pesquisa, consideramos o “quintal” um local tal e qual descrito pelas famílias: uma gama de diferentes ambientes que apresentam em comum o fato de serem espaços mais abertos. Considerando que muitas crianças que vivem nos centros urbanos não contam com um quintal em casa, e que durante o isolamento social os espaços tornaram-se mais exíguos na medida de suas interdições (BORGES; MARQUES, 2020BORGES, Andrea; MARQUES, Leila. Coronavírus e as cidades no Brasil: reflexões durante a pandemia. Rio de Janeiro: Outras Letras, 2020.), a ideia de quintal traz diversidade. Desde um espaço da casa a céu aberto, até a garagem, a rua, o pátio do prédio ou mesmo a pracinha em frente à residência. Percebemos algo como uma extensão da casa, ou um certo lugar ao sol.

Na varanda eu guardava muita caixa com brinquedo, não era um espaço bem aproveitado. Então, conforme fomos ficando mais tempo em casa, fui mudando algumas coisas principalmente na varanda. Acabei comprando pela internet uma esteira de palha para poder ficar mais agradável para a minha filha brincar, porque ela gosta muito de dançar e dar cambalhotas. Agora aproveitamos bem a varanda. Eu comprei plantas, porque ela gosta de plantas, então a gente acaba tendo mais contato com a natureza aqui dentro. (depoimento de mãe entrevistada)

Nos relatos e descrições do brincar nestas áreas, predominou o contato com elementos da natureza, como plantas, vasos, água, terra. É neste cenário também que surgem as relações com os animais domésticos, cuja participação na família foi redimensionada durante o período: tornaram-se mais centrais na vida das crianças e famílias, com destaque aos afetos promovidos, como atestado por outros estudos (HOY-GERLACH; RAUKTIS; NEWHILL, 2020HOY-GERLACH, Janet; RAUKTIS, Mary; NEWHILL, Christina. (Non-Human) Animal companionship: a crucial support for people during the COVID-19 pandemic. Society Register, v. 4, n. 2, p. 109-120, 2020.; NAGENDRAPPA et al., 2020NAGENDRAPPA, Sachin et al. Recognizing the role of animal-assisted therapies in addressing mental health needs during the COVID-19 pandemic. Asian Journal of Psychiatry, v. 53, 102390, 2020. DOI: https://doi.org/10.1016/j.ajp.2020.102390
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; RATSCHEN et al., 2020RATSCHEN Elena et al. Human-animal relationships and interactions during the Covid-19 lockdown phase in the UK: investigating links with mental health and loneliness. PLoS ONE, v. 15, n. 9, p. e0239397, 2020. DOI: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0239397
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).

Em dezembro quando pegamos o cachorrinho... a gente nem imaginava que tudo isso ia acontecer, mas ele interage muito com elas, correm juntos. Elas desenvolveram com ele uma brincadeira de pega-pega. E agora, com essa pandemia, ele tem ajudado bastante aqui em casa, porque ele faz muita companhia para elas. (depoimento de mãe entrevistada)

Já a cozinha, esse laboratório vivo de sentidos, proporcionou o fazer coletivo, o fazer-junto (SAURA, 2008SAURA, Soraia Chung. Planeta de Boieiros: culturas populares e educação de sensibilidade no imaginário do bumba-meu-boi. Tese. (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008., ZIMMERMANN; SAURA, 2020ZIMMERMANN, Ana Cristina; SAURA, Soraia Chung. Les savois oubliés: corps, tradition et environnement dans les communautés brésiliennes et latino-américaines. Recherches & Éducations, 2020. DOI: https://doi.org/10.4000/rechercheseducations.9147
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), esse aprender sobretudo corporal, anunciado mais pelos gestos do que pelas palavras. Amassar, descascar, cortar, picar, misturar e transformar diferentes ingredientes. Aqui, foi recorrente perceber o fascínio que as crianças sentem em ver os adultos agindo e transformando o mundo. “Eu não sabia que meu pai podia cozinhar!”, ouviu uma das pesquisadoras de uma criança maravilhada. Adultos foram referência com suas mãos e seus instrumentos (SAURA; MEIRELLES, 2015SAURA, Soraia Chung; MEIRELLES, Renata; ECKSCHMIDT, Sandra. Educação Física Escolar: sentir, pensar e agir na Educação Infantil: considerações para um possível caminho do brincar espontâneo. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, v. 29, supl. 9, p. 19-27, 2015.). “Ela acha muito divertido me ajudar com a batedeira. Não tenho nem espaço para guardar uma batedeira, mas acabei comprando uma nessa pandemia” (depoimento de mãe entrevistada). Estas experiências frequentemente sugerem aprofundamentos, despertam encanto e curiosidade ontológica, uma vez que atuam com a matéria humana em nossa própria corporeidade (BACHELARD, 2008BACHELARD, Gaston. A psicanálise do fogo. São Paulo: Martins Fontes, 2008.; MERLEAU-PONTY, 1980MERLEAU- PONTY, Maurice. O olho e o espírito: textos selecionados. São Paulo: Abril Cultural, 1980. Coleção: Os pensadores.). Foi também na cozinha que as crianças realizaram exercícios de autonomia. “Mas lembra que sou eu que faço o suco do almoço?”, nos contou uma mãe sobre os dizeres de seu filho. As mãos que se ativam nas cozinhas fazem brotar o sentimento do “eu consigo”, “eu sei fazer”, do eu posso merleau-pontyano (MERLEAU-PONTY, 1994MERLEAU- PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1994.). Percebemos como isso nutriu um espaço interno nas crianças que nenhum brócolis, nos pareceu, conseguiria substituir. Por fim, importante mencionar que este espaço produtor de calor e transformador regeu o ritmo das famílias neste período, por meio do horário das refeições conjuntas, que, alinhado às necessidades das crianças, incutiu ordem e cadência ao dia a dia dos grupos entrevistados.

Depois de três meses do primeiro contato com essas famílias, voltamos à entrevista para saber o que mudou nas atitudes e brincadeiras espontâneas das crianças. Os relatos variaram bastante. Houve os que entenderam uma crescente fluidez no brincar, ou os que viram um aumento do desânimo, do tédio. As telas entraram com força no universo infantil.8 8 O Projeto Território do Brincar apresenta, ao final de cada período de pesquisa seus resultados em produtos culturais para difusão dos seus resultados. No caso desta investigação, foram produzidos além do média-metragem "Brincar em Casa", uma série de podcasts, disponíveis nas principais plataformas de áudio. Em relação às telas, produzimos um episódio inteiro sobre elas nos podcasts. Disponível em: https://territoriodobrincar.com.br/nossas-reportagens/territorio-do-brincar-lanca-documentario-brincar-em-casa/. Acesso em: 24 out. 2022. Também a ausência dos relacionamentos sociais se mostrou com frequência dolorosa nesta segunda entrevista, especialmente para os filhos únicos.

Como um último resultado mais geral e recorrente, encontramos neste momento depoimentos nos quais percebeu-se que nosso questionário inicial também favoreceu crianças e famílias de algum modo, na medida em que direcionou olhares para os seus brincares:

Acho que o questionário, esse trabalho de vocês, no meu olhar, na nossa vida fez com que a gente olhasse para eles não procurando o sofrimento deste momento, mas procurando a brincadeira, procurando o que é saudável. (depoimento de mãe entrevistada)

Talvez uma coisa que eu acho que é interessante, e que foi reflexo da primeira entrevista, foi que a gente passou a deixar a brincadeira acontecer um pouco mais, da zona ficar mais tempo, de ficar tudo espalhado por mais tempo. Apesar da gente sempre deixar a brincadeira acontecer, chegava no final do dia tinha um momento de ‘Bom, encerrou, agora a gente vai dar uma organizada juntos na casa’. E agora a gente passou a deixar a brincadeira durar e a coisa se estender. (depoimento de mãe entrevistada)

Sala, quintal, cozinha e seus objetos participaram da criação de memórias deste período (PERROTA; CRUZ, 2021PERROTTA, Isabella; CRUZ, Lucia Santa. Objetos da Quarentena: Urgência de Memória. Estudos Históricos, v. 34, n. 73, p. 320-342, 2021. DOI: https://doi.org/10.1590/S2178-149420210206
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). A serem lembrados pelos sabores e aromas de singelas refeições cotidianas em família; dos quebra-cabeças e das disputas ferrenhas em jogos de tabuleiro espalhados pelo chão; deste corpo criativo e solto no quintal; ou se apresentando nas salas, para todos verem. Sabemos, vivemos e acompanhamos diferentes dificuldades no período, mas as famílias destacaram que versar sobre o brincar era falar de vida, de saúde, de movimento, de superação e de resistência. Foi assim que constatamos o quanto o brincar livre e espontâneo, convidado e provocado a acontecer no corpo a partir do ambiente e dos objetos disponíveis para as crianças, também nele exerceu influência. De maneira irrefutável, cada cômodo modificou-se com a presença das infâncias, convidando-as a movimentar-se. Do mesmo modo, os objetos e móveis que compõem uma residência realizaram este papel. Brinquedos aqui foram coadjuvantes deste processo, pois nada do que havia em casa pareceu passar despercebido à atenta apreensão infantil. E as casas, esses espaços do habitar (BACHELARD, 1990BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Nova Cultural, 1990.), independentemente de seu tamanho ou número de cômodos, foram acolhendo e escutando essas crianças. Querendo ou não, outro dia amanheceu. E de repente, a casa virou lar.

4 A INTIMIDADE DO BRINCAR “SOZINHA-SOZINHA”

Percebi que nesta quarentena ela desenvolveu muito a fala e a imaginação. Começou a conversar com seus brinquedos, suas bonecas e a inventar algumas histórias que ela conta baixinho. (depoimento de pai entrevistado)

Cômodos de uma casa, aliados aos seus objetos, provocaram o brincar, e, deste modo, suscitaram vontades e desejos (BACHELARD, 2001BACHELARD, Gaston. O ar e os sonhos: ensaio sobre a imaginação do movimento. São Paulo: Martins Fontes, 2001.). Camas, colchões e sofás podem convidar ao aconchego, mas a partir de períodos mais longos dentro de casa, convidaram também aos saltos, piruetas e outros desafios corporais. Mesas, beliches, telhados, lajes e escadas promoveram desejos de ascensão e subida, sendo suporte para que crianças se pendurassem em alturas duvidosas (DURAND, 2002DURAND, Gilbert. As estruturas antropológicas do imaginário: introdução à arquetipologia geral. São Paulo: Martins Fontes, 2002.). Bachelard, assim como Merleau-Ponty, auxilia-nos a olhar para o brincar de um modo instigante. Para o autor, as coisas do mundo, criadas a partir de matérias-primas encarnadas em um meio físico, são consideradas uma provocação para o movimentar-se e para a imaginação: "O mundo é minha provocação, compreendo o mundo porque o surpreendo com minhas forças incisivas, com minhas forças dirigidas" (BACHELARD, 1998BACHELARD, Gaston. A água e os sonhos: ensaio sobre a imaginação da matéria. São Paulo: Martins Fontes; 1998., p. 166). É deste modo que os objetos da casa se mostram ora desafiantes, ora aconchegantes. Essas polaridades materiais são destacadas nos estudos fenomenológicos bachelardianos (BACHELARD,1990) e goethianos (GOETHE, 2012GOETHE, Johann. Ensaios científicos: uma metodologia para o estudo da natureza. São Paulo: Barany Editora; 2012.). Contribuições da fenomenologia da imagem bachelardiana tanto para a área pedagógica quanto para a área da atividade física, esporte e lazer foram destacadas em trabalhos anteriores (SAURA; ECKSCHMIDT; ZIMMERMANN, 2019SAURA, Soraia Chung; ECKSCHMIDT, Sandra; ZIMMERMANN, Ana. Ensaio sobre um princípio fenomenológico da imagem: as árvores e as crianças. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, v. 33, n. 12, p. 9-14, 2019.; SAURA; ZIMMERMANN, 2019SAURA, Soraia Chung; ZIMMERMANN, Ana. O espaço, o esporte e o lazer: considerações bachelardianas. In: ROZESTRATEN, Artur; BECCARI, Marcos; ALMEIDA, Rogério de (org.). Imaginários intempestivos: arquitetura, design, arte & educação. São Paulo: FEUSP, 2019. v. 1, p. 341-357.). Especialmente aqui, reduções fenomenológicas frequentemente nos conduziram a enunciações abordadas por Bachelard. Entre as diferentes intencionalidades possíveis, destacamos um brincar de intimidade, pois discorremos sobre um período em que o brincar livre sofreu restrições de circulação e de encontros.

Certamente uma das expressões deste brincar sozinho foram as cabanas e casinhas. Construí-las é algo comum entre as crianças, facilmente observável em diferentes realidades (SAURA; MEIRELLES, 2015SAURA, Soraia Chung; MEIRELLES, Renata; ECKSCHMIDT, Sandra. Educação Física Escolar: sentir, pensar e agir na Educação Infantil: considerações para um possível caminho do brincar espontâneo. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, v. 29, supl. 9, p. 19-27, 2015.). Mas as entrevistas e imagens deste período enalteceram a sua recorrência, particularmente no primeiro mês do isolamento social. Em meio a tantas incertezas, crianças de diversas partes do mundo passaram a se envolver em panos e papelões. Enfiaram-se para brincar em cantinhos estreitos e redutos de acolhimento. As descrições assíduas acabaram por essencializar uma ideia de ninho, este que é sempre forrado à medida do nosso corpo. Um contorno aparece neste brincar, um abrigo que sugere proteger as crianças dos ruídos estranhos que aconteciam lá fora.

Minha filha parece buscar a todo instante pela casa um esconderijo. Gavetas, frestas escuras entre os móveis e o vão embaixo do sofá também despertam seu fascínio e uma pitada de frio na barriga. O Caco de pelúcia, o Bacon e o sapo Pepe também são a cada instante, bem guardados em cestos, mochilas, embaixo da cadeira, tecidos e por que não, entre os vinis preciosos do papai. Ela parece sempre construir um ninho dentro de um ninho. Uma obra que parece nunca ficar acabada, mas só pelo simples fato dela buscar novas possibilidades de morada já traz outra dimensão para nossa própria casa nestes dias. (depoimento de mãe entrevistada)

No quieto e no sozinho, o silêncio. O canto. O cantinho. Bachelard alertou que “a solidão da criança é mais secreta que a solidão do adulto" (BACHELARD, 1988BACHELARD, Gaston. Poética do devaneio. São Paulo: Martins Fontes, 1988., p. 103). Aprendemos com as crianças a reconhecer estes espaços de aconchego e intimidade que encontramos na obra deste filósofo. Pudemos ver como esses espaços se fizeram necessários na insistência ontológica de brincar sozinho. Esse brincar encontra um locus de expressão sobretudo nos quartos, onde entrar e fechar a porta significa estar só. “Sozinha-sozinha” foi a expressão de um pai contando como a sua filha brinca no quarto. Ainda que muitas vezes a casa das famílias envolvidas nesta pesquisa não contasse necessariamente com um espaço-quarto - sendo às vezes um local compartilhado com a sala, por exemplo - as crianças encontraram seus cantos para este brincar íntimo e solitário, seja embaixo de mesas, entre prateleiras de estantes, beliches e até mesmo dentro de armários. E uma grande característica deste brincar sozinho é que nele não há espaço para os adultos:

Ela sobe rapidamente para seu quarto e fecha a porta. Senta no chão e organiza a brincadeira, sempre com muito foco. Depois de tudo organizado, começa a brincadeira em si. Ouvimos as vozinhas de todos os personagens. Quando entramos no quarto para guardar algo ou ver como ela está, ela para tudo e fica nos olhando até sairmos novamente. Aí então ela retoma a brincadeira. A atenção à brincadeira é total. (depoimento de pai entrevistado)

É notável que quando pais e responsáveis nos descrevem o que conseguem observar deste brincar, oferecem-nos o diminutivo. Brinquedinhos, coisinhas pequeninas, cantinhos, teatrinhos. Lols, Pollys, Playmobils, Legos, casinhas, bichinhos, cartas Pokemons, bonequinhos de ação, arminhas e carrinhos… De fato, foi inconteste que brincar no quarto é brincar com o pequenino. Em seus exercícios de solidão (BACHELARD, 1988BACHELARD, Gaston. Poética do devaneio. São Paulo: Martins Fontes, 1988.), as crianças criam mundos inteiros com seus pequenos brinquedos (PIORSKI, 2016PIORSKI, Gandhy. Brinquedos do Chão: a natureza, o imaginário e o brincar. São Paulo: Peirópolis, 2016.). Ouvimos como organizam criteriosamente cada pecinha no seu lugar, criando cidades, planetas e florestas. Percebemos que essa etapa de organização não é uma parte anterior ao brincar, ela já é em si o próprio brincar. Depois disso, os personagens ganham vida, voz e narrativa. “Eu só fico escutando os barulhos sendo feitos, é o universo dele esses bonequinhos. Parece que tem muitas lutas, muitas disputas ali.” (depoimento de mãe entrevistada)

Há ordens, pedidos, sons de quedas, de lutas, de choques. Também se nina um filho, ou toma-se um chá da tarde entre bonequinhas amigas. A cena ganha voz, e o brincar, vida e animação. No quarto e sozinha, a criança se faz ouvida por ela mesma. Escuta o mundo por ela criado, seus diálogos e narrativas inventados. Parecem ser ao mesmo tempo som e silêncio, criador e criatura. Tal e qual no pensamento merleau-pontiano, em que a experiência seria como "algo que age em nós quando agimos, como se fôssemos agidos no instante mesmo em que somos agentes” (CHAUÍ, 2002CHAUÍ, Marilena. Experiência do pensamento. São Paulo: Martins Fontes, 2002., p.166). Destarte, nesse brincar o corpo se movimenta menos, estando usualmente acocorado e concentrado. Mas nota-se que as mãos fervilham junto com a atividade imaginativa. Habitar o mundo, tal e qual fazem as crianças é vê-lo não como mundo à parte, mas como parte de nós mesmos. É reconhecer o entrela­çamento corpo-mundo de que nos fala Merleau-Ponty. Testemunhamos como ali, neste pequeno espaço do quarto, se engrandecem o mundo e as coisas da vida (ZIMMERMANN; SAURA, 2019ZIMMERMANN, Ana Cristina; SAURA, Soraia Chung. Corpo e espanto na Filosofia de Merleau-Ponty. In: NÓBREGA, Terezinha Petrúcia da; CAMINHA Iraquitan de Oliveira (org.). Merleau-Ponty e a Educação Física. São Paulo: Liber Arts, 2019. v. 1, p. 119-132.). Bachelard, que explorou em sua fenomenologia da imagem (SAURA; ZIMMERMANN, 2019SAURA, Soraia Chung; ZIMMERMANN, Ana. O espaço, o esporte e o lazer: considerações bachelardianas. In: ROZESTRATEN, Artur; BECCARI, Marcos; ALMEIDA, Rogério de (org.). Imaginários intempestivos: arquitetura, design, arte & educação. São Paulo: FEUSP, 2019. v. 1, p. 341-357.) também os devaneios da solidão infantil, nos lembra que “a miniatura é uma das moradas da grandeza" (BACHELARD, 1990BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Nova Cultural, 1990., p. 164). De fato, percebemos nas miniaturas infantis como o mundo se concentra. Mas sobretudo, como também se amplia. Uma mãe menciona: "parecem roteiros de filmes incríveis". E o filósofo insiste: “possuo tanto melhor o mundo quanto mais hábil for em miniaturizá-lo. Mas, fazendo isso, preciso compreender que na miniatura os valores se condensam e se enriquecem” (BACHELARD, 1990BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Nova Cultural, 1990., p. 159).

No brincar no quarto foram regulares as imagens do ninho e das miniaturas. Mas, ao cair do dia, outra cena emblemática aconteceu nestes espaços, parecendo unir as duas anteriores: as narrações de histórias. As famílias aconchegadas leem livros para crianças ou contam histórias, conhecidas ou inventadas. Crianças mais velhas realizaram também longos exercícios de leitura. No silêncio da exploração dos livros ou na alegria das miniaturas, a criança conhece um devaneio natural de solidão, um devaneio que não se deve confundir com o da criança amuada. Em suas solidões felizes, a criança sonhadora conhece o devaneio cósmico, aquele que nos une ao mundo (BACHELARD, 1988BACHELARD, Gaston. Poética do devaneio. São Paulo: Martins Fontes, 1988., p. 105).

Histórias lidas ou contadas, é no quieto que as ouvimos. Invariavelmente, antes de dormir. Saídas de livros ilustrados ou projetadas em sombras na parede, apresentam um repertório maior de imagens em movimento. Grandes dramas humanos, os contrários, as tragédias e as soluções fantásticas. Os heróis, as batalhas e as conquistas. Aqui, ambiguidades e polaridades condensam imagens de formação humana. Lidas ou narradas pelas próprias crianças nas brincadeiras de miniaturas, essas imagens parecem ser nossas primeiras aulas de humanidade. "Tempo em que se conta é igual ao tempo em que se sonha." (BACHELARD, 1988BACHELARD, Gaston. Poética do devaneio. São Paulo: Martins Fontes, 1988., p. 104). E assim como para Merleau-Ponty, para quem a percepção vem antes de uma racionalidade, para Bachelard, “as imagens vêm antes da experiência” (1990, p.45), uma vez que o sensível, do qual fazem parte as imagens e a percepção, "é precisamente aquilo que, sem sair de seu lugar, pode assediar mais de um corpo" (MERLEAU-PONTY, 1991MERLEAU- PONTY, Maurice. Signos. São Paulo: Martins Fontes, 1991., p.15).

Espaço interdito aos adultos, no quarto a manifestação deste brincar de intimidade permite a presença de irmãos, mais velhos ou mais novos. No quarto e em torno das vivificações imagéticas e narrativas, tanto das miniaturas quanto das histórias, irmãos tornaram-se parceiros de criação, intensificada pelas condicionantes do período. Irmanaram-se construindo valores de intimidade (BACHELARD, 1988BACHELARD, Gaston. Poética do devaneio. São Paulo: Martins Fontes, 1988.). Muitas das descrições nos contam como as crianças passam a preferir dormir juntas, no mesmo quarto. E, se possível, na mesma cama, entre cochichos, planos e sonhos.

E por fim o mundo se acalma, entra em suspensão. No ninho da cama dos pais ou com irmãos, confiança e entrega. Uma confiança “cósmica”, de “um ninho tranquilo na nossa velha casa” (BACHELARD, 1990BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Nova Cultural, 1990., p. 68).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

É, que mais... O que que eu esqueci? Me fala? Ela falou que eu esqueci de te contar que ela gosta de desenhar no vidro do quintal. Ela gosta muito de desenhar. (depoimento de mãe entrevistada)

Não basta considerar a casa como um ‘objeto’ sobre o qual pudéssemos fazer reagir julgamentos e devaneios. Para um fenomenólogo, para um psicanalista, para um psicólogo (estando os três pontos de vista dispostos numa ordem de interesses decrescentes), não se trata de descrever casas, de detalhar os seus aspectos pitorescos e de analisar as razões de seu conforto. É preciso, ao contrário, superar os problemas da descrição -seja essa descrição objetiva ou subjetiva, isto é, que ela diga fatos ou impressões - para atingir as virtudes primeiras, aquelas em que se revela uma adesão, de qualquer forma, inerente à função primeira de habitar. O geógrafo, o etnógrafo, podem descrever bem os tipos mais variados de habitação. Sob essa variedade, o fenomenólogo faz o esforço preciso para compreender o germe da felicidade central, seguro e imediato. Encontrar a concha inicial, em toda moradia, mesmo no castelo, eis a tarefa primeira do fenomenólogo (BACHELARD, 1990BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Nova Cultural, 1990., p. 199).

Ao fim e ao cabo, percebemos que investigar o brincar durante o isolamento social foi de certo modo, investigar o brincar que acontece dentro de casa. Como e do que as crianças estiveram brincando no período de isolamento também se manifesta em outros períodos. A diferença está nos tempos possíveis e no acesso a objetos e cômodos, nas relações que podem estabelecer com o mundo, a partir de suas provocações. Oferecemos aqui os resultados mais notáveis, mas neste momento, ressaltamos o brincar livre e espontâneo como um fenômeno em constante devir, em permanente diálogo corpo-mundo. E que nunca cessou de acontecer - mesmo em períodos desafiadores como este. O brincar nos deu notícias de um mecanismo regulador de saúde e de inteiração com o mundo por meio de sua vitalidade, pulsão e resiliência. Para os responsáveis que estiveram em diálogo conosco, bem como para nós, pesquisadores, o brincar espontâneo tem sido um fenômeno que se apresenta e se oculta, sendo fluido. Um fenômeno instigante, em que na tríade do observar, perscrutar e descrever fenomenologicamente, compreendemos que ele não se esgota em uma pesquisa, em um recorte, tampouco almeja uma conclusão. Avançamos com esta pesquisa, atualmente em uma nova etapa. As famílias exercitam um delicado contato com os ambientes externos. Nesta primeira etapa, o brincar, na trilha fenomenológica, nos deu a ver que o espaço, os materiais e o tempo são variáveis essenciais para a qualidade deste brincar livre e espontâneo, ampliando ou contraindo suas possibilidades. Essas variáveis podem contribuir com a reflexão deste fenômeno em espaços escolares ou em atividades físicas e de lazer. Sobretudo, em relação à propulsão do movimentar-se, para que os espaços de brincar sejam ampliados; para que os materiais sejam variados e disponíveis; e para que o tempo do acontecimento se alargue, engrandecendo, quiçá, nossos saberes sobre as infâncias e sobre nós mesmos.

  • 1
    Trabalho do Coletivo de pesquisadores do Projeto Território do Brincar.
  • 2
    “Por brincar livre e espontâneo entende-se o envolvimento de crianças em atividades livres, escolhidas autonomamente por elas; portanto, atividades não dirigidas por um adulto.” (SAURA, 2013aSAURA, Soraia Chung. O imaginário do lazer e do lúdico anunciado em práticas espontâneas do corpo brincante. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, v. 8, p. 1-13, 2013a., p.163)
  • 3
    O Projeto Território do Brincar é um trabalho de escuta, intercâmbio de saberes, registro e difusão da cultura infantil. Desde 2012 vai a campo registrar como brincam as crianças espontaneamente em diferentes realidades, gerando diversos produtos culturais como livros, filmes e podcasts. O coletivo de pesquisadores estrutura as pesquisas que precedem os produtos, aplicando metodologias científicas de coleta e análise de materiais. Ver: https://territoriodobrincar.com.br/
  • 4
    “O uso de termos como livres e espontâneos são no sentido de movimentos não somente delimitados e com propósitos externos, mas que são, primariamente, desenvolvidos a partir da expressividade própria da pessoa. Tem uma noção diferente de espontaneísmo. É relacionado ao diálogo ativo, original e expressivo do ser-no-mundo.” (SIMON; KUNZ, 2014SIMON, Heloisa dos Santos; KUNZ, Elenor. O Brincar como Diálogo / Pergunta e Não como Resposta Á Prática Pedagógica. Movimento, v. 20, n. 1, p. 375-394, 2014. DOI: https://doi.org/10.22456/1982-8918.39749
    https://doi.org/10.22456/1982-8918.39749...
    , p. 378).
  • 5
    “Nosso corpo vivo sente o mundo, antes que tenhamos consciência do que nomeamos como a fenomenologia do corpo vivido.” (ANDRIEU, 2015ANDRIEU, Bernard. A emersão do corpo vivo através da consciência: uma ecologização do corpo. HOLOS, v. 5, p. 3-11, jan. 2015. DOI: https://doi.org/10.15628/holos.2014.2582
    https://doi.org/10.15628/holos.2014.2582...
    , p.6)
  • 6
    Disponível em: https://alana.org.br/. Acesso em: 23 out. 2022.
  • 7
    Foi a partir destas imagens que surgiu o média-metragem "Brincar em Casa" disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=-hTzF0MV9oQ&list=PL1IlaKMcWzeycqVVuf6GmNcc9QtGdDffi
  • 8
    O Projeto Território do Brincar apresenta, ao final de cada período de pesquisa seus resultados em produtos culturais para difusão dos seus resultados. No caso desta investigação, foram produzidos além do média-metragem "Brincar em Casa", uma série de podcasts, disponíveis nas principais plataformas de áudio. Em relação às telas, produzimos um episódio inteiro sobre elas nos podcasts. Disponível em: https://territoriodobrincar.com.br/nossas-reportagens/territorio-do-brincar-lanca-documentario-brincar-em-casa/. Acesso em: 24 out. 2022.
  • FINANCIAMENTO
    O presente trabalho foi realizado com apoio do Instituto Alana.

ÉTICA DE PESQUISA

A pesquisa seguiu os protocolos vigentes nas Resoluções 466/12 e 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde do Brasil, Guia de Integridade em Pesquisa Científica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Committee on Publication Ethics (COPE) e Princípios éticos de Advocacy e Direitos das Crianças para pesquisa adotado pelo Instituto Alana.

SOBRE O INSTITUTO ALANA

Trata-se de uma organização de impacto socioambiental que promove o direito e o desenvolvimento integral da criança e fomenta novas formas de bem viver. Seu Instituto - uma organização da sociedade civil, sem fins lucrativos - nasceu com a missão de “honrar a criança”. O Instituto conta hoje com programas próprios e com parceiros, que buscam a garantia de condições para a vivência plena da infância e é mantido pelos rendimentos de um fundo patrimonial desde 2013. https://alana.org.br/

RESPONSABILIDADE EDITORIAL

Alex Branco Fraga *, Elisandro Schultz Wittizorecki *, Mauro Myskiw *, Raquel da Silveira*

*Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança, Porto Alegre, RS, Brasil.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    05 Ago 2021
  • Aceito
    21 Ago 2022
  • Publicado
    20 Dez 2022
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