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LUGARES DO ENVELHECIMENTO CRI-ATIVO

LUGARES DE ENVEJECIMIENTO CRE-ACTIVO

Resumo

O Brasil, assim como outros países do mundo, vem apresentando um crescimento populacional cada vez mais longevo. Na última década, muitas pesquisas se concentraram em compreender a complexidade e os impactos sobre o envelhecimento. Porém, ainda não está claro se existe alguma relação entre os modos específicos de vida dos idosos com o sentido de lugar que eles vivenciam. Questionamos: que lugares e tipos de atividades podem contribuir para uma melhor qualidade de vida do idoso na sua casa, vizinhança, bairro e cidade? Com o objetivo de analisar como o idoso convive com os lugares que habita na urbanidade contemporânea, a fim de proporcionar novas estratégias para um planejamento urbano inclusivo, a pesquisa utilizou o método dos diários fotográficos para compreender essas dinâmicas. O estudo foi aplicado nas cidades brasileiras de Pelotas/RS, Belo Horizonte/MG e Brasília/DF, cada uma com três recortes de bairros escolhidos por distintas faixas de renda (alta, média e baixa). Mesmo com suas grandes diferenças urbanas, econômicas e culturais, essas cidades têm em comum as transformações na pirâmide etária, tornando o estudo mais heterogêneo e diverso. Como resultado, foi possível fazer a aproximação com o conceito de “devir-criança”, agenciando a filosofia contemporânea francesa com o sentido do "bom lugar" encontrado nos idosos da pesquisa. Essas coexistências nos levaram a propor o exercício de composição de um “devir-criança-idoso”, na direção de uma vontade de potência e afirmação da vida arquitetônica e urbana para um idoso "cri-ativo".

Palavras-chave:
Envelhecimento; Diários Fotográficos; Devir-Criança-Idoso; Territórios; Cidade Amiga do Idoso; Sentido de Lugar

Resumen

Brasil, al igual que otros países del mundo, ha venido mostrando un crecimiento demográfico cada vez más duradero. Durante la última década, muchas investigaciones se han centrado en comprender la complejidad y los impactos del envejecimiento. Sin embargo, todavía no está claro si existe alguna relación entre las formas específicas de vida de las personas mayores y el sentido de lugar que experimentan. Nos preguntamos: ¿qué lugares y tipos de actividades pueden contribuir a una mejor calidad de vida de las personas mayores en su hogar, barrio, barrio y ciudad? Con el fin de analizar cómo las personas mayores conviven con los lugares que habitan en la urbanidad contemporánea, con el fin de brindar nuevas estrategias de planificación urbana inclusiva, la investigación utilizó el método de los diarios fotográficos para comprender estas dinámicas. El estudio se aplicó en las ciudades brasileñas de Pelotas / RS, Belo Horizonte / MG y Brasília / DF, cada una con tres secciones de barrios elegidos por diferentes grupos de ingresos (alto, medio y bajo). Incluso con sus grandes diferencias urbanísticas, económicas y culturales, estas ciudades tienen en común las transformaciones en la pirámide de edades, lo que hace que el estudio sea más heterogéneo y diverso. Como resultado, fue posible abordar el concepto de “convertirse en niño”, uniendo la filosofía francesa contemporánea con el sentido de “buen lugar” que se encuentra en los ancianos en la investigación. Estas coexistencias nos llevaron a proponer el ejercicio de la composición de un “hacerse-niño-anciano”, hacia una voluntad de poder y afirmación de la vida arquitectónica y urbana para un anciano “creativo-activo”.

Palabras-clave:
Envejecimiento; Diarios Fotográficos; Devenir-Niño-Anciano; Territorios; Ciudad Amigable de Ancianos; Sentido de Lugar

Abstract

Brazil, like other countries in the world, has been showing an increasingly long-lasting population growth. Over the last decade, much research has focused on understanding the complexity and impacts of aging. However, it is still not clear whether there is any relationship between the specific ways of life of the elderly and the sense of place they experience. We ask: what places and types of activities can contribute to a better quality of life for the elderly in their home, neighborhood, neighborhood and city? In order to analyze how the elderly live with the places they inhabit in contemporary urbanity, in order to provide new strategies for inclusive urban planning, the research used the method of photographic diaries to understand these dynamics. The study was applied in the Brazilian cities of Pelotas/RS, Belo Horizonte/MG and Brasília/DF, each one with three sections of neighborhoods chosen by different income groups (high, medium and low). Even with their great urban, economic and cultural differences, these cities have in common the transformations in the age pyramid, making the study more heterogeneous and diverse. As a result, it was possible to approach the concept of “becoming-child”, bringing together contemporary French philosophy with the sense of "good place" found in the elderly in the research. These coexistences led us to propose the exercise of composition of a “becoming-child-elderly”, towards a will to power and affirmation of architectural and urban life for a “creative-active” elderly person.

Keywords:
Aging; Photographicdiaries; Becoming-Child-Elderly; Territories; Elderlyfriendlycity,Senseofplace

INTRODUÇÃO

Este artigo é resultado do acompanhamento de parte da pesquisa “Projetando lugares com idosos: rumo às comunidades amigas do envelhecimento”1 1 Pesquisa realizada através de parceria entre universidades do Brasil (Universidade Federal de Pelotas), do Reino Unido (Heriot-Watt University) e da Índia (Sri VenkateswaraUniversity), financiadas pelo Fundo Newton e o ESRC (Conselho de Pesquisa Econômica e Social), com o objetivo de projetar melhores ambientes urbanos que apoiem e promovam o envolvimento social cotidiano e a vida urbana saudável para os idosos. Ver mais em: https://wp.ufpel.edu.br/placeageproject/ No final de 2019, foi lançado o livro "Envelhecendo no lugar: Narrativas e memórias no Reino Unido e no Brasil", que apresenta mais fotografias e relatos dessa pesquisa englobando os casos estudados também no Reino Unido, disponível em: https://issuu.com/placeage/docs/livro_placeage_reduzido_1_compressed , realizado entre os anos de 2016 e 2019, mais especificamente da fase de coleta de dados denominada “diários fotográficos”, nas cidades brasileiras de Pelotas/RS, Belo Horizonte/MG e Brasília/DF.

O Brasil, assim como outros países do mundo, vem apresentando um crescimento populacional cada vez mais longevo, encontrando-se em fase de transição de um país jovem para um país idoso. A previsão é de que, até o ano de 2050, a população idosa, acima de 60 anos, chegará à marca de 29,3%, segundo estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)2 2 Ver mais em: https://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/ . As cidades de Pelotas, Belo Horizonte e Brasília, mesmo com suas diferenças populacionais, econômicas e culturais, estão incluídas nesse processo de transformação da pirâmide etária.

Na última década, muitas pesquisas se concentraram em estabelecer as perspectivas “biológico/comportamentalista”, que discute questões relacionadas ao processo fisiológico do envelhecimento; “economicista”, que trata dos impactos econômicos relacionados a serviços de saúde e previdência social; e “sociocultural”, que diz respeito à construção e à representação social (SIQUEIRA; BOTELHO; COELHO, 2002SIQUEIRA, Renata Lopes de; BOTELHO, Maria Izabel Vieira; COELHO, France Maria Gontijo. A velhice: algumas considerações teóricas e conceituais. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 7, n.4, p.899-906, 2002. Disponível em. Acessos em 13 jun. 2018.). Mas há também uma perspectiva que tem se esforçado para contemplar os aspectos biológico, econômico e cultural dos modos de vida dos idosos: a “transdisciplinar”, que adotamos aqui. Compreender a velhice com tal complexidade requer um mergulho no dia a dia dos idosos e na revisão de conceitos e pré-conceitos estabelecidos.

Ainda não está claro se existe alguma relação entre os modos específicos de vida dos idosos e o sentido de lugar, a disposição ou não de habitar espaços públicos, caminhar, passear, encontrar-se com outras pessoas de outras gerações, com a saúde física e mental dos mesmos (FLORIANO; DALGALARRONDO, 2007FLORIANO, Petterson de Jesus; DALGALARRONDO, Paulo. Saúde mental, qualidade de vida e religião em idosos de um Programa de Saúde da Família. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, Rio de Janeiro, v. 56, n.3, p.162-170, 2007. Disponível em Acessos em 13 jun.2018.).

Para tanto, este artigo busca responder: como, a partir da prática de diários fotográficos, pode-se compor um panorama da vida do idoso? Que lugares e tipos de atividades podem contribuir para uma melhor qualidade de vida do idoso na sua casa, vizinhança, bairro e cidade? Quais são as adaptações e as mutabilidades que esses idosos são capazes de propor para uma arquitetura e urbanismo do envelhecimento populacional?

Como resultado, a pesquisa possibilitou observar e indicar afinidades e diferenças entre bairros, faixas etárias, renda e gênero de diferentes regiões do Brasil (Sul, Centro-Oeste e Sudeste): em Pelotas3 3 A cidade de Pelotas está situada perto do extremo sul do Brasil, no estado do Rio Grande doSul. Com uma população estimada em 343.651 pessoas e uma densidade populacional de 203,89 pessoas por quilômetro quadrado, Pelotas conta com 49.794 moradores idosos, o que corresponde a 15,17% da sua população. A cidade está situada em uma área plana de baixa altitude, nas margens da Laguna dos Patos. Ver mais em: https://www.arcgis.com/apps/MapSeries/index.html?appid=f8a3e87420f94557-a433949b5a5ac928 - a cidade histórica (com 328.275 habitantes); Belo Horizonte4 4 A cidade de Belo Horizonte é a capital do estado de Minas Gerais. Com uma população de 2,51 milhões, é o sexto município mais populoso do país (IBGE, 2010). Possui uma área territorial de aproximadamente 331 km2 e geografia diversificada, composta por morros e planícies. Belo Horizonte tem uma densidade habitacional de 7.167 habitantes por km2 e uma população de 299,17 mil idosos (7,70% da população), com expectativa de vida de 70,52 anos (IBGE, 2010). Ver mais em: https://www.arcgis.com/apps/MapSeries/index.html?appid=f8a3e87420f94557a433949b5a5ac928 - a cidade planejada (com 2.375.151 habitantes) e Brasília5 5 A cidade de Brasília é a capital federal do Brasil. Localizada na região Centro-Oeste do país, oPlanalto Central, Brasília é uma cidade planejada, com a construção iniciada durante a presidência de JuscelinoKubitchek, de 1956 a 1960. Brasília possui uma população de quase três milhões de habitantes e uma densidade populacional de 444,66 habitantes por km2. A população idosa é de 198.000 habitantes e representa 7,70% da população total da cidade. Ver mais em: https://www.arcgis.com/apps/MapSeries/index.html?appid=f8a3e87420f94557a433949b5a5ac928 - a cidade modernista (com 2.570.160 habitantes), não se tratando de um estudo comparativo entre cidades, mas procurando compreender como distintas regiões e situações acolhem o envelhecimento da população. A escolha dessas cidades foi motivada tanto pela diversidade do processo de urbanização e densidade demográfica, como também pelas parcerias entre os pesquisadores e as Universidades sede.

De maneira geral, os idosos que participaram como voluntários dos diários fotográficos têm uma “boa vida”, convivem com a família, participam de atividades comunitárias e sociais, circulam sem grandes dificuldades pela cidade - resistem -, são economicamente ativos e praticam atividades de lazer e/ou físicas - caminham, viajam, divertem-se, namoram, dançam, etc.

Por fim, fazemos uma aproximação com o conceito de “devir-criança”, agenciando a filosofia contemporânea francesa com o sentido do "bom lugar" encontrado nos idosos da pesquisa. Essas coexistências nos levaram a propor o exercício de composição de um “devir-criança-idoso”(CORAZZA; SILVA, 2003CORAZZA, Sandra & SILVA, Tomaz Tadeu da. Composições. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.), na direção de um entre, de uma fresta, uma vontade de potência e afirmação da vida arquitetônica e urbana para quem sabe tecer pistas para uma cidade amiga do idoso.

DEVIR-IDOSO E O SENTIDO DE LUGAR

Silvana Tótora (2015)TÓTORA, Silvana. Velhice, uma estética da existência. São Paulo: Educ, 2015. aponta para um viver com alegria. Em seu livro “Velhice, uma estética da existência”, propõe um “devir-idoso” como possibilidade de reação ao desgaste produtivo, emergido ao envelhecer, resistindo à identidade-estorvo, reduzido à pensão previdenciária, à filantropia e ao desamparo. Precisamos romper com as representações do idoso-velho, mal-humorado, ranzinza ou cronológico-biológico à espera da morte.

Antigamente, o idoso era visto como contentor de sabedoria. No período grego clássico, ser velho era ser sábio. Com o advento do capitalismo, o velho passa a ser identificado como um estorvo que deve ser internado em uma casa de saúde - o incapaz, o louco (PAULA, 2016PAULA, Marcos Ferreira de. Os idosos do nosso tempo e a impossibilidade da sabedoria no capitalismo atual. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n.126, p.262-280, junho 2016. Disponível em:. Acesso em 16 junho de 2018.). Atualmente, o velho tem sido visto como o “idoso” que precisamos ocupar, fazer consumir, a quem temos que oferecer oficinas de lazer, esportes, planos de saúde, etc. É preciso conforto e segurança para que continue vivo. O idoso tem que dançar, fazer exercícios físicos, fazer plásticas, rejuvenescer. Não deve aparentar a idade que tem.

O corpo-idoso não pode caminhar “capenga” pela cidade. Dimenstein e Scocuglia (2015)DIMENSTEIN, Marcela; SCOCUGLIA, Jovanka Baracuhy Cavalcanti. O corpo idoso nas ruas e praças do centro de João Pessoa. Experiências urbanas no espaço público requalificado. Arquitextos, São Paulo, ano 16, n.184.05, Vitruvius, set. 2015. . Acesso em 18 de junho de 2018. apontam a importância da permanência do idoso na cidade como forma de alteridade e resistência. Os idosos caminham, circulam, perambulam, erram e vivem a cidade, descobrindo novas possibilidades e ativações diárias para espaços arquitetônicos e urbanos, suas casas e espaços livres de seu bairro, ou seja, novos sentidos para os lugares.

O corpo-idoso é pensado como indizível na cidade. Ele é visto, domesticado, docilizado, mas não verbalizado (TÓTORA, 2015TÓTORA, Silvana. Velhice, uma estética da existência. São Paulo: Educ, 2015.). Parafraseando Espinosa, perguntamos: o que pode um corpo? (DELEUZE, 1992DELEUZE, Gilles. Espinosa e o problema da expressão. São Paulo: Editora 34, 1992.), o que pode um corpo-idoso na cidade? Um corpo-idoso que caminha, senta na praça, dança em bailes, viaja em excursões, vai ao teatro e ao cinema, escuta música, joga, conta piadas, conversa com os vizinhos, cultiva seu jardim, zela pela sua casa e vizinhança, cuida e é cuidado pela família, adora festas e encontros, conta piadas, rememora acontecimentos, reivindica seu lugar, participa da vida social e cívica, etc. O corpo-idoso na cidade vai além, está dentro e fora como um devir, metamorfoseia-se como um palimpsesto, inscreve-se na cidade.

A partir da filosofia e da psicanálise de Gilles Deleuze e Felix Guattari (1997)DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. Vol. 4. São Paulo: Editora 34, 1997., aproximamos o corpo-idoso de um devir-criança, um devir-criança-idoso e um devir-idoso (CORAZZA; SILVA, 2003CORAZZA, Sandra & SILVA, Tomaz Tadeu da. Composições. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.). Idosos e idosas numa vida pulsante, como potência criadora e reveladora da cidade indizível.

O devir-criança, conceito cunhado por Gilles Deleuze e Félix Guattari (1997)DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. Vol. 4. São Paulo: Editora 34, 1997., diz respeito a uma criança que perdura no adulto enquanto virtualidade e diferenciação, abrindo caminho para a criação e a invenção de mundos e, no caso em estudo, de sentidos para os lugares na casa e na cidade. Os devires são sempre minoritários. Diferentes da hegemonia homem-branco-jovem, a heterogenia idoso-criança-mulher permite, na fresta, a criação de novas potências, políticas, possibilidades, pistas para a vida no plano coletivo das cidades.

Quando o estável se transforma e se desloca, criando movimentos, possibilidades e sentidos para os lugares do envelhecimento, constroem-se mapas movediços - cartografias - e mapas fixos da re-existência. Assim, somos capazes de convocar os desejos no entre macro e micropolítica, cidade legal e vivida, crianças e idosos, público e privado, consumo e contracultura, repetição e brincadeira (ROLNIK, 2000ROLNIK, Suely. Os mapas movediços de Öyvind Fahlström. In: Öyvind Fahlström. Another Space for Painting. MACBA, Actar, 2000, pp.333-341.). Questionamos, então, qual o sentido, para além do senso comum, desses lugares do envelhecimento?

Yi-Fu Tuan (1979)TUAN, Yi-Fu. Space and place: humanistic perspective. In: GALE, S. OLSSON, G. (orgs.). Philosophy in Geography. Dordrecht: Reidel, 1979, pp. 387-427. (Publicado originalmente em: Progress in Geography, (6), pp. 211-252, 1974)., desde uma perspectiva humanista, desenvolveu pesquisas para compreender como os seres humanos ocupam os lugares e como organizam a fim de atribuir-lhes significados. Norberg-Schulz (1980)NORBERG-SCHULZ, Christian. Genius loci. Towards a phenomenology of architecture. Londres, Academy Editions, 1980. define esse sentido como parte dogenius loci ou o espírito do lugar, uma interação entre lugar e identidade, que é regido por múltiplas forças, desde o pensamento abstrato até o objetivo, desde o lugar físico até o lugar imaterial (da memória).

Mais recentemente, Lineu Castello (2007)CASTELLO, Lineu. A percepção de lugar: repensando o conceito de lugar em Arquitetura-Urbanismo. Porto Alegre: PROPAR - UFRGS, 2007. associou o sentido dos lugares com a presença das pessoas, “dos outros”, na cidade. O sentido dos lugares sempre vai ser decorrente de interações sociais, sendo que a realização de lugares urbanos depende das aproximações entre o “eu” e o “outro”. Tudo isso num tempo de “naturalidade” do dia a dia (CASTELLO, 2007CASTELLO, Lineu. A percepção de lugar: repensando o conceito de lugar em Arquitetura-Urbanismo. Porto Alegre: PROPAR - UFRGS, 2007.).

Fernando Fuão (2004)FUÃO, Fernando Freitas. O sentido do espaço. Em que sentido, em que sentido? - 1ª parte. Arquitextos, São Paulo, ano 04, n. 048.02, Vitruvius, maio 2004. ., por sua vez, apresenta a ideia de um lugar que só existe a partir da experiência do “eu”, que também está fora das oposições cheio vs. vazio, dentro vs. fora, interior vs. exterior; portanto, o sentido do lugar está nos idosos participantes da pesquisa, não nos lugares dos idosos, que podem ser quaisquer lugares.

Essa articulação entre construído e interação social dos lugares com o envelhecimento passa a ser uma estratégia da pesquisa, afastando o idoso da solidão e do isolamento, através de potentes sentidos de lugar pensados com seus vínculos sociais, psicológicos e emocionais.

O DIÁRIO FOTOGRÁFICO COMO MÉTODO

O diário fotográfico, também conhecido como fotografia autodirigida ou autofotografia, é um método de pesquisa no qual as imagens fotográficas são capturadas por participantes em vez de pesquisadores. Outro aspecto importante desse método é a construção de uma narrativa (entrevista) sobre as fotografias, com a intenção de discutir os motivos e as razões por trás das escolhas.

O método da autofotografia, descrito por Robert Ziller (1985)ZILLER, R. C.;RORER, B. A. Shyness-environment interaction: A view from the shy side through auto-photography. Journal of Personality, 53, 626-639, 1985. na década de 70 para ser utilizado em estudos de psicologia, consiste na captura de um conjunto de fotografias autorais a partir de um questionamento disparado pelos pesquisadores, inicialmente utilizado para romper com as dificuldades de comunicação verbal.

Segundo os pesquisadores Lucas Neiva-Silva e Sílvia Helena Koller, Robert Ziller apresenta estudos no quais as autofotografias são usadas para descrever ambientes e o si mesmo. “É proposto que o participante, aquele que percebe o mundo de uma determinada forma, seja agora percebido através da sua fotografia” (NEIVA-SILVA; KOLLER, 2002NEIVA-SILVA, Lucas; KOLLER, Sílvia Helena. O uso da fotografia na pesquisa em Psicologia.In: Estud. psicol.(Natal) [online]. 2002, vol.7, n.2, pp.237-250, p. 241.Disponível em: . Acesso em: 30 de abril de 2018., v.7, p. 241). Amerikaner (1980)AMERIKANER, M., SCHAUBLE, P., & ZILLER, R. C. Images: The use of photographs in personal counseling. Personnel and Guidance Journal, 59, 68-73, 1980. define o conteúdo (fotografias em si) como um lugar, um aspecto, um sentimento, uma atividade que aparece nas imagens, mas também pode ser importante para a análise daquilo que foi nelas omitido, pode indicar a grande dificuldade de verbalizar aquela categoria. Aqui o processo é focado na indicação de como as pessoas interagem com o mundo ao seu redor. Para isso, segundo o autor, é imprescindível variar a atenção entre o concreto e o abstrato, tratando da análise individual ao conjunto delas.

Na nossa pesquisa, o método o procedimento metodológico consistiu em fornecer ao idoso uma câmera fotográfica para que tirasse uma série de fotografias (recomendamos 12 imagens), num período máximo de duas semanas, sobre sua perspectiva de “como é viver em seu bairro?”. Esse procedimento permitiu um mergulho mais detalhado no dia a dia dos idosos em suas casas, vizinhanças e bairros.

Foram aplicados diários fotográficos em três recortes das cidades de Pelotas, Belo Horizonte e Brasília entre junho e julho de 2017. Os três recortes foram definidos pelo cruzamento dos seguintes critérios: distribuição da renda, concentração de moradores acima de 60 anos6 6 Dados coletados a partir do Censo realizado pelo IBGE no ano de 2010. Ver mais em: https://censo2010.ibge.gov.br/ e proximidade com as áreas verdes. Os mapas e o processo indicando a sobreposição desses critérios para seleção dos recortes de bairros podem ser melhor visualizados no site da pesquisa7 7 Link de acesso ao mapeamento dos recortes da pesquisa: www.arcgis.com/apps/MapTour/index.html?appid=6f00e0afabc646ff92f15490c26d3209 . Neste artigo, optamos por dar ênfase ao critério de distribuição de renda.

Depois de realizadas análises e mapas, foram definidos os seguintes recortes: (i) Pelotas: Navegantes (baixa renda), Fragata (média renda) e Centro (alta renda); (ii) Belo Horizonte: Aglomerado da Serra (baixa renda), Centro (média renda) e Anchieta (alta renda); e (iii) Brasília: Vila Weslian Roriz (baixa renda), Super Quadra Sul (média renda) e Super Quadra Norte (alta renda). Na Figura 1, observam-se os recortes dos bairros em cada cidade, a cor roxa representa baixa renda, a amarela, média renda e a vermelha, alta renda.

Figura 1
Mapa com delimitação das áreas de estudo em Pelotas, Belo Horizonte e Brasília.

Para especialistas no estudo do envelhecimento, como Ana Caramano (2002)CARAMANO, Ana Amélia. Envelhecimento da População Brasileira: Uma Contribuição Demográfica. Brasília: IPEA, 2002. Disponível em: . Acesso em: 06 de junho de 2018., idosos entre 60 e 69 anos podem ser considerados “idosos jovens” e aqueles que têm entre 70 e 79 anos, “medianamente idosos”. Esses dois grupos incluem idosos que ainda são ativos, vigorosos e cheios de vida(IRIGARAY; SCHNEIDER, 2008IRIGARAY, Tatiana Quarti e SCHNEIDER, Rodolfo Schneider. O envelhecimento na atualidade:aspectos cronológicos, biológicos, psicológicos e sociais. In: Estudos de Psicologia, Campinas, 25(4), p.585-593, outubro - dezembro, 2008. Disponível em: . Acesso em: 06 de junho de 2018.). Além da faixa etária, essa classificação também poderá levar em conta aspectos biológicos, psicológicos e sociais do indivíduo.

Foram, ao todo, 12 diários por cidade, quatro por recorte, totalizando 36 diários fotográficos elaborados por idosos de 60 e 81 anos (apenas um diário foi feito por uma idosa acima de 80 anos), sendo 12 homens e 24 mulheres, sendo a maioria dos respondentes jovens idosos. Questões mais específicas de gênero e raciais não foram aprofundadas, no entanto percebemos o predomínio de idosas mulheres, não só em número, mas também mais ativas e participativas no processo da pesquisa do que os homens. E, mesmo com elevada diversidade racial, a maior parte dos idosos se autodeclararam brancos. Os participantes foram identificados e recrutados tendo em consideração seus locais de moradia, todos dentro dos recortes dos bairros estudados. A escolha dos participantes voluntários foi realizada mediante à indicações de grupos de terceira idade ou associações de bairro. É importante destacar que em cada cidade havia um grupo de pesquisa vinculado às Universidades Federais locais (UNB, UFMG e UFPel) que aplicou o método seguindo as diretrizes acordadas. Esses grupos de pesquisa, em constante diálogo, realizaram reuniões online e também alguns encontros presenciais para promover o compartilhamento das informações e discutir, aprimorar o método quando necessário.

Para facilitar a coleta de dados visuais, cada participante idoso recebeu uma sessão de treinamento para utilização de câmera fotográfica portátil de pequenas dimensões, visando conforto e praticidade. Os equipamentos funcionaram perfeitamente bem e foram disponibilizados com antecedência. Os participantes também puderam optar por usar seu próprio equipamento para realizar o exercício (por exemplo, câmera digital/telefone). Acreditamos que devido a maioria dos participantes serem jovens idosos, já habituados com algum tipo de tecnologia, como os celulares, apresentaram um bom manuseio e resultado com a fotografia, não relatando conflitos de uso com o equipamento.

As imagens que foram coletadas pelos participantes não eram autônomas, ou seja, precisavam ser analisadas dentro de seu contexto, pois elas estariam descontextualizadas na sua forma bruta. Precisavam ser interpretadas, ligadas ao motivo que os fez torná-las visíveis. Dessa maneira, houve a necessidade de descrever o que as imagens estavam transmitindo, as motivações por trás da captura e a importância das mesmas em termos dos objetivos do estudo. Para tal, uma entrevista foi agendada entre o pesquisador e o participante, após captura das fotografias, com a finalidade de realizar reflexões sobre as imagens que foram coletadas. As entrevistas foram documentadas na forma de áudio gravado e transcritas posteriormente. Desse modo, a foto-entrevista criou uma sessão analítica reflexiva.

Ao final do processo,os pesquisadores organizaram os dados, o que exigiu reunir as imagens e as narrativas em uma história coerente, sintetizando os pontos-chave e formando a história do morador.

RESULTADOS E DISCUSSÃO: OS TRÊS RECORTES

Diante da grande quantidade de imagens e narrativas dos participantes idosos, foi elaborada uma tabela (Figura 2) para facilitar a análise do material coletado. Na primeira coluna,destacam-se as imagens que demonstram o envelhecimento “cri-ativo”, relacionado à casa, à vizinhança, ao bairro e à cidade; na segunda coluna, a legenda (narrativa do autor da foto, citações-chave); em seguida, as oito categorias da Cidade Amiga do Idoso/Organização Mundial da Saúde(CAI/OMS)8 8 A OMS (Organização Mundial da Saúde) publicou no ano de 2008 um "Guia Global: CidadeAmiga do Idoso" com a intenção de propor aos gestores urbanos informações e direcionamentos para promoção de cidades amigas do idoso, ou seja, proporcionar a inclusão e acessibilidade desta população estimulando o envelhecimento ativo, saudável, participativo e seguro. Após uma pesquisa participativa em 33 cidades de todas regiões do mundo identificou-se oito características amigáveis ao idoso, são elas: moradia, participação social, respeito e inclusão social, participação cívica e emprego, comunicação e informação, apoio comunitário e serviços de saúde, transporte e espaços abertos e prédios. , elencando as que se relacionam com a fotografia; na quarta coluna, a categoria geral, ou seja, o termo que sintetiza a situação registrada; após, as subcategorias, outros tópicos importantes citados por cada entrevistado; e, por fim, considerações/sentidos que o pesquisador obteve das informações da tabela.

Figura 2
Exemplo de tabela de análise.

O idoso “cri-ativo” é entendido como aquele que encontra soluções, adaptações e mutações para viver a cidade em detrimento, muitas vezes, de um envelhecer ativo, propiciado por um devir-idoso em constituição com a arquitetura e a cidade, uma tradução de realidades singulares. Aqui agrupamos as análises por recortes de alta, média e baixa renda nas cidades de Pelotas, Belo Horizonte e Brasília.

RECORTE ALTA RENDA

Os recortes considerados de alta renda foram os seguintes bairros: Centro, em Pelotas; Anchieta, em Belo Horizonte; e Asa Norte, em Brasília. Os registros fotográficos e discursivos dos idosos nesses bairros demonstraram participação ativa nos espaços públicos adjacentes. A maioria dos entrevistados saíram das suas residências para fotografar o convívio com a vida urbana. Capturaram praças, parques, instituições públicas, edifícios patrimoniais históricos, com os quais, através do discurso, revelaram ter contato rotineiro, não esporádico. A qualidade, a acessibilidade e a manutenção do desenho urbano desses espaços, além da proximidade com suas casas, favorecem o interesse e a permanência dos idosos em manter um contato mais efetivo com esses lugares.

Na cidade de Pelotas, os moradores que residem no Centro Histórico descreveram as potencialidades da Praça Coronel Pedro Osório: a vegetação, as mesas de xadrez, o mobiliário urbano, os playgrounds e as inúmeras atividades culturais e artísticas que a praça acolhe (Figura 3). Eles também fotografaram prédios institucionais históricos e igrejas, cujas imagens foram acompanhadas por discursos que revelaram memórias das transformações físicas e de uso pelas quais as edificações passaram durante o tempo. Esses são significativos que reforçam o sentido de pertencimento e apropriação urbana.

Figura 3
Ficha do diário fotográfico no Centro, Pelotas.

Já na cidade de Belo Horizonte, o bairro Anchieta foi retratado, principalmente, como aliado da prática de esporte e do lazer que praças e parques proporcionam. A ginástica ao ar livre na praça, estruturada por equipamentos públicos, atrai os moradores, assim como o playground que possibilita a recreação juntamente com os netos e outras crianças do convívio familiar do idoso. A qualidade do calçamento e a bela arborização paisagística da Av. Bandeirantes foram citadas por favorecerem a prática da caminhada (Figura 4). Os idosos desse recorte urbano também citaram que se sentem seguros ao percorrer o bairro para desfrutar dos bens públicos. Nesse sentido, destacaram tanto a segurança das condições físicas - relacionada à qualidade e à acessibilidade das vias públicas em uma topografia menos acidentada - quanto a segurança pessoal e moral - assegurada pela intensa movimentação das pessoas nas ruas, agitadas pelo comércio e pelos serviços locais.

Figura 4
Ficha do diário fotográfico no bairro Anchieta, Belo Horizonte.

Em Brasília, o cenário não foi muito diferente. Os idosos do bairro de alta renda, no Setor Asa Norte, expressaram as potencialidades de residir em um contexto urbano bem estruturado, equipado e arborizado que motivava o convívio exterior. A vegetação e a paisagem natural foram os temas mais recorrentes: a beleza das flores, o cantar dos pássaros, a admiração por contemplar o pôr-do-sol marcaram repetidas vezes os diários desses idosos (Figura 5). O Setor Asa Norte também foi retratado como palco de atividades políticas e sociais. Alguns idosos capturaram da janela de suas casas passeatas de professores e moradores locais em campanhas a favor da democracia; em outro caso, foi registrado um encontro articulado entre vizinhos na promoção de eventos e festividades intergeracionais; e, ainda, a construção e a manutenção de uma horta urbana, também gerida pelos moradores.

Figura 5
Ficha do diário fotográfico no Setor Asa Norte, Brasília. Pesquisa PlaceAge, 2018.

RECORTE MÉDIA RENDA

Os recortes considerados de média renda foram o bairro Fragata, em Pelotas;o Centro, em Belo Horizonte e a Asa Sul, em Brasília.Embora esses bairros estejam localizados em contextos diferentes em cada cidade - alguns afastados do centro comercial, outros inseridos no próprio centro -,os diários fotográficos desse recorte têm em comum as relações mais afetivas e próximas com a vizinhança,bem como o senso de comunidade dentro de uma porção urbana mais restrita como a quadra ou condomínio, tendo a participação social comunitária presente.O idoso desse recorte retratou um cotidiano de trajetos mais curtos, próximos a sua residência, como por exemplo:a ida à padaria e à feira orgânica do bairro; a conversa na banquinha de revista próxima à casa; a visita ao vizinho; a caminhada dentro das áreas verdes do condomínio, dentre outras atividades no bairro.

Fragata é um bairro de Pelotas que é conhecido pelos moradores como “bairro-cidade” devido à grande extensão territorial e populacional que ocupa, além da variedade e da dinamicidade do comércio e dos serviços que oferece. No entanto, o que foi retratado pelos moradores idosos circunda somente algumas quadras do entorno próximo a suas casas, em uma escala menor e mais afetiva. Diferente do recorte de alta renda, neste caso, os moradores não citaram a constância aos lugares públicos como parques e praças, mas demonstraram desfrutar dos espaços verdes e dos equipamentos que seus condomínios ofereciam ou dos pátios e dos quintais privativos de suas casas. Também foram frequentes as queixas de alguns idosos quanto à manutenção e ao zelo das calçadas e das vias públicas, dificultando a mobilidade,fato que,de certo modo, justifica a preferência por curtos percursos. A convivência, os encontros e as festividades com os vizinhos foram temas recorrentes (Figura 6), motivos de fortalecimento do gosto pelo bairro e de permanência nele.

Figura 6
Ficha do diário fotográfico no bairro Fragata, Pelotas.

Na cidade de Belo Horizonte, no bairro Centro, servido de uma boa infraestrutura urbana e de acessibilidade aos serviços, percebemos idosos participativos nas atividades do bairro, como eventos da igreja, passeio com os animais de estimação, encontros com os amigos nos bares,nas lanchonetes e nas bancas de revista (Figura 7). Como o centro é favorecido pela aglomeração de comércio e serviços, esses idosos realizam atividades próximas de suas residências, sem precisarem percorrer longos trajetos. No entanto, eventos culturais maiores, de aporte publicitário, não eram muito frequentados por eles, que relataram não se sentirem parte dessas atividades, preferindo encontros menores, nos quais o contato se restringe aos amigos da vizinhança.

Figura 7
Ficha do diário fotográfico no bairro Centro, Belo Horizonte.

Por sua vez, na cidade de Brasília no bairro do Setor Asa Sul, de renda média, por mais que o desenho urbano tenha sido idealizado e projetado de maneira similar ao do Setor Asa Norte, de alta renda, há algumas particularidades quanto à apropriação e à vivência nas superquadras pelos moradores. O conhecido Plano Piloto do arquiteto Lúcio Costa colocou igual peso no desenho urbano das asas Norte e Sul, um equilíbrio simétrico em sua concepção física, mas,com o decorrer do tempo,os usos e as ocupações trouxeram à tona suas diferenças. E tais diferenças puderam ser notadas nos relatos e nas fotografias dos idosos. Semelhante aos bairros de renda média das cidades de Belo Horizonte e Pelotas, o bairro Asa Sul demonstrou um contato de bairro, de trajetos mais curtos e, principalmente, um zelo e uma maior atenção para as áreas verdes e os espaços de lazer próximos da residência.

Fotografias da entrada da quadra, da banquinha de revista do senhor “Lourival” (Figura 8), das mudanças do paisagismo e da fachada de acesso aos edifícios foram algumas amostras do sentido de pertencimento na quadra em que residem. Mesmo tendo, no bairro, atrativos como parques e centros comerciais, a maioria dos idosos deteve maior atenção à área externa próxima.

Figura 8
Ficha do diário fotográfico no Setor Asa Sul, Brasília.

RECORTE BAIXA RENDA

Quanto ao recorte de baixa renda, foram analisados o bairro Navegantes, em Pelotas; Aglomerado da Serra, em Belo Horizonte; e Vila Weslian Roriz, em Brasília. Os registros fotográficos dos idosos nesse recorte retrataram expressivamente o lugar da casa, do lar, atividades e detalhes do interior da residência avançando até o jardim da calçada. Aqui, a vivência do idoso é reduzida à casa, poucos foram os relatos e as fotografias que se referiram ao exterior e, mesmo quando isso ocorreu, foi de longe, a partir da vista da janela. Trata-se de uma fala arraigada no lugar íntimo, aconchegante e seguro proporcionado pela habitação. Atrelado a esse fato, a família também teve destaque.Muitas fotografias capturaram encontros familiares, pessoas, atividades, deixando espaços físicos, lugares e ambientes em segundo plano. Essa relação interna foi justificada, em parte, pela falta de infraestrutura e manutenção dos espaços públicos adjacentes. Através de seus discursos, os idosos denunciaram o descaso do serviço púbico no bairro em que residem.Reclamaram principalmente da ineficiência da saúde pública, da pavimentação, da acessibilidade e da ausência de áreas de lazer adequadas.

Essa característica mais fixa ao lar não está diretamente ligada ao sedentarismo. A maioria dos idosos desse recorte demonstraram aptidão por inúmeras tarefas, mesmo dentro de casa, envolvendo-se em afazeres domésticos, cuidados com a manutenção da casa, artesanato e jardinagem, além de convidarem vizinhos e família para atividades como ginástica e jogos de cartas e tabuleiro. Alguns retrataram o comprometimento com trabalhos de geração de renda, havendo casos tanto de renda complementar quanto de renda essencial.Como exemplos desses trabalhos, podemos citar a costura e a alimentação realizadas em âmbito doméstico. A situação econômica desses idosos os condicionou a readaptarem suas vidas, sendo o emprego informal um dos caminhos para isso.

O recorte do bairro Navegantes em Pelotas possui grandes deficiências de infraestrutura urbana, como ruas sem calçamento, rede de esgoto não canalizada, iluminação pública insuficiente, falta de manutenção e projeto de praças, vazios urbanos que abrigam lixos e entulhos. Além dos problemas de serviço social, principalmente, na área da saúde. Esse cenário apareceu no discurso dos idosos, mas em poucas fotografias, pois foi dada mais importância aos pontos positivos registrados no interior da casa. Os idosos desse recorte, embora com todos esses condicionantes no bairro, mostraram que sua rotina se realizava grande parte do dia em casa. Fotografias mostram, dentre outras, atividades domésticas como preparação do “mate” (bebida cultural do Rio Grande do Sul) e do almoço, manutenção do jardim, recepção de visitas (Figura 9). Outros aspectos destacados por esses moradores foram a cooperação dos vizinhos com a comunidade, a ajuda mútua e o companheirismo, o que é motivo de grande admiração e, segundo eles,o bairro especial para viver.

Figura 9
Ficha do diário fotográfico no bairro Navegantes, Pelotas.

Na cidade de Belo Horizonte, um conjunto de favelas e vilas, denominado Aglomerado da Serra, abrange uma extensa área territorial ocupada na encosta da Serra do Curral, justificando a apropriação nominal. No entanto, esse bairro de apropriação mais “espontânea”, localiza-se entre áreas de preservação ambiental e bairros de classe alta, próximo do planejamento sistematizado do centro; ou seja, é um conjunto de favelas que não faz parte de uma zona periférica. Este fato foi ressaltado algumas vezes pelos participantes, que salientaram a praticidade de morar perto do centro da cidade.Apesar disso, eles também denunciaram vários problemas urbanos que enfrentam, principalmente a falta de iluminação pública e o acúmulo de lixo. Entre os registros fotográficos desse bairro notamos eventos domiciliares em família e partes da casa que revelam histórias e lembranças de vida (Figura 10).

Figura 10
Ficha do diário fotográfico no bairro Aglomerado da Serra, Belo Horizonte.

Diferente da centralidade urbana do Aglomerado da Serra, a Vila Weslian Roriz, em Brasília, encontra-se em uma das pontas periféricas das Asas do Plano Piloto. Ela foi concebida para atender aos trabalhadores da Granja do Torto e, com o passar dos anos, teve um crescimento desordenado. Alguns idosos retrataram as dificuldades de deslocamento no bairro, devido à falta de manutenção e zelo das calçadas, o que gera baixa caminhabilidade. No entanto, a maioria dos registros feitos por esses participantes se enfocou nas atividades no lar, no desejo de permanência na moradia e no bem-estar proporcionado por ela (Figura 11). Os relatos salientaram a presença da família, sobretudo dos netos, que são companheiros para jogos de cartas, conversas e atividades domésticas.

Figura 11
Ficha do diário fotográfico no bairro Vila Weslian Roriz, Brasília.

CONCLUSÃO

Após a síntese dos resultados obtidos por meio dos diários fotográficos, é importante pontuar algumas considerações do estudo. Primeiramente, observamos que a estrutura urbana desses recortes de bairros difere em cada cidade, tanto por questões de escala, densidade, topografia e clima quanto por diferenças históricas, culturais, políticas e sociais. Brasília, berço do urbanismo moderno, dispõe nas superquadras uma relação urbana muito diferente da proporcionada pelo urbanismo tradicional e histórico das cidades de Pelotas e Belo Horizonte. O traçado urbano, as dimensões das vias, as calçadas, os lotes, a relação com a vizinhança, a tipologia, o uso e a ocupação do solo são alguns fatores que interferem diretamente na apreensão e na ativação do lugar pelo idoso.

Um segundo fator a se levar em conta é a classificação de renda das cidades estudadas, que não é equivalente, uma vez que foi aplicada tanto a uma cidade do interior como Pelotas, uma capital Estadual, Belo Horizonte, e uma capital Federal, Brasília. As proporções populacionais, territoriais, econômicas são bem distintas. Enquanto o bairro de média renda de Pelotas apresenta problemas básicos de qualidade das calçadas, os bairros de média classe de Brasília possuem uma infraestrutura muito superior e acessível. Por isso, destacamos, neste artigo, características qualitativas apontadas pelos idosos com respeito à sua vivência nessas cidades. Sua relação com os lugares urbanos e suas principais atividades cotidianas forneceram pistas sobre o envelhecimento contemporâneo em uma pluralidade de situações.

E, apesar da tamanha diversidade e complexidade que esses lugares abrigam, foi possível agrupar características em comum observadas nos diários dos idosos, considerando o fator econômico de cada cidade, bem como as especificidades e os padrões socioeconômicos correlatos. Assim, percebemos que, nos bairros de alta renda, os idosos têm acesso a espaços públicos de qualidade que lhes proporcionam maior convivência com a comunidade. Tratam-se de bairros que tem boa infraestrutura urbana e despertam o interesse do idoso, convidando-o a sair de casa ou, a apreciar a paisagem da sua janela, caso não tenha disposição física. As categorias “memória e identidade”, “serviços e pontos de encontro” e “participação, respeito e inclusão social” foram as mais recorrentes nesse recorte.

Já a territorialidade do idoso em bairros de média renda está mais próxima do entorno residencial. Criam-se “microambientes” de sociabilização dentro das quadras. A mobilidade desse idoso é mais restrita se comparada à mobilidade do idoso de alta renda.Os espaços externos frequentados são as áreas verdes dos condomínios, as residências de vizinhos, o comércio próximo de casa, havendo pouco deslocamento para espaços públicos de maiores extensões. A necessidade de transporte público, ou mesmo os custos com transporte privado e a dependência de auxílio para se descolar, também são questões que podem fortalecer a permanência no bairro. Nesse recorte, as categorias mais presentes foram “espaços abertos e inclusão social” e “segurança e reconhecimento social”.

Por fim, nos bairros de renda baixa, diante de um cenário de infraestrutura urbana precária, mesmo que em níveis distintos em cada cidade, os idosos capturaram momentos de maior prazer e reconhecimento dentro de casa. Esse fato é justificável pelos condicionantes externos, mas interessante pelo destaque das situações positivas internas. As denúncias das precariedades urbanas foram sobrepostas pelas readequações de outros modos de vida, ativos e potentes. As categorias recorrentes,nesse recorte, foram “serviços de saúde e moradia”, “suporte familiar” e "pertencimento".

Ao retomar o questionamento inicial (como o método dos diários fotográficos pode contribuir na compreensão da vida e das readequações cotidianas dos idosos na cidade contemporânea?), consideramos que a participação efetiva dos idosos ao registrar imagética e verbalmente sua vivência na cidade, no bairro e na habitação trouxe ao pesquisador revelações sobre o envelhecimento cri-ativo. A maioria dos participantes, idosos jovens, criaram adaptações para situações cotidianas que variam conforme o sentido de lugar que reconhecem. Mesmo nos casos dos bairros de baixa renda, em que convivem com grandes empecilhos de uso/apropriação como acessibilidade, acesso à saúde e ao lazer, os idosos nos direcionam para o jardim em frente de casa, na união e compartilhamento com os vizinhos, provocando um outro sentido para o lugar, enfatizando os conceitos de pertencimento, autoestima e memória. Um devir-criança-idoso que existe e persiste na captura de cada fotografia, no relato de cada atividade exercida no seu dia, na capacidade de caminhar e manusear a tecnologia para comunicar as realidades e as virtualidades que permeiam. Ressaltamos que o devir, ou o porvir, diz respeito aos processos de subjetivação dos sujeitos, ou seja, das diferentes formas e configurações de vida que extrapolam o sentido de lugar e do espaço público. De certa forma há uma conexão intensa de caráter político nas escolhas e atitudes dos idosos perante a apropriação dos lugares públicos, que são lugares essencialmente políticos. Portanto, o devir-criança-idoso diz respeito a inúmeras escalas de análise, desde uma relação íntima, psicológica, até uma relação coletiva de se posicionar diante os outros, sejam outros humanos ou não-humanos, sendo este último o caso de análise do presente artigo.

Percebemos com clareza que a qualidade de vida do idoso pode ser melhor satisfeita se a urbanidade que vivencia for facilitada por boas condições de acesso a saúde, serviços, transporte, cultura, lazer, esporte, contato com espaços verdes, segurança, entre outros. Mas, ainda que desassistidos de algum ou alguns desses fatores, consideramos que há uma potência pela vida nos idosos que possibilita esse desejo pelas readaptações dos lugares, seja no engajamento político pelos seus direitos, seja nas pequenas mudanças dentro do lar.

Finalmente, é preciso relatar que o método dos diários, embora tenha fornecido bons resultados, ainda precisa de aperfeiçoamentos. Os idosos que se voluntariaram são, em grande parte, jovens idosos que possuem uma disposição maior para a pesquisa, sendo mais ativos no seu dia. Dessa forma, não foi agregada à pesquisa a perspectiva dos idosos com idade mais avançada, que, talvez por razões de saúde, pudessem ser menos participativos e relatar outras questões. Além disso, a quantidade de fotografia foi excessiva, o que dificultou o manuseio por parte dos pesquisadores. Nesse sentido, seria necessária uma intervenção para que o idoso elencasse as imagens mais importantes.

NOTAS

  • 1
    Pesquisa realizada através de parceria entre universidades do Brasil (Universidade Federal de Pelotas), do Reino Unido (Heriot-Watt University) e da Índia (Sri VenkateswaraUniversity), financiadas pelo Fundo Newton e o ESRC (Conselho de Pesquisa Econômica e Social), com o objetivo de projetar melhores ambientes urbanos que apoiem e promovam o envolvimento social cotidiano e a vida urbana saudável para os idosos. Ver mais em: https://wp.ufpel.edu.br/placeageproject/ No final de 2019, foi lançado o livro "Envelhecendo no lugar: Narrativas e memórias no Reino Unido e no Brasil", que apresenta mais fotografias e relatos dessa pesquisa englobando os casos estudados também no Reino Unido, disponível em: https://issuu.com/placeage/docs/livro_placeage_reduzido_1_compressed
  • 2
  • 3
    A cidade de Pelotas está situada perto do extremo sul do Brasil, no estado do Rio Grande doSul. Com uma população estimada em 343.651 pessoas e uma densidade populacional de 203,89 pessoas por quilômetro quadrado, Pelotas conta com 49.794 moradores idosos, o que corresponde a 15,17% da sua população. A cidade está situada em uma área plana de baixa altitude, nas margens da Laguna dos Patos. Ver mais em: https://www.arcgis.com/apps/MapSeries/index.html?appid=f8a3e87420f94557-a433949b5a5ac928
  • 4
    A cidade de Belo Horizonte é a capital do estado de Minas Gerais. Com uma população de 2,51 milhões, é o sexto município mais populoso do país (IBGE, 2010). Possui uma área territorial de aproximadamente 331 km2 e geografia diversificada, composta por morros e planícies. Belo Horizonte tem uma densidade habitacional de 7.167 habitantes por km2 e uma população de 299,17 mil idosos (7,70% da população), com expectativa de vida de 70,52 anos (IBGE, 2010). Ver mais em: https://www.arcgis.com/apps/MapSeries/index.html?appid=f8a3e87420f94557a433949b5a5ac928
  • 5
    A cidade de Brasília é a capital federal do Brasil. Localizada na região Centro-Oeste do país, oPlanalto Central, Brasília é uma cidade planejada, com a construção iniciada durante a presidência de JuscelinoKubitchek, de 1956 a 1960. Brasília possui uma população de quase três milhões de habitantes e uma densidade populacional de 444,66 habitantes por km2. A população idosa é de 198.000 habitantes e representa 7,70% da população total da cidade. Ver mais em: https://www.arcgis.com/apps/MapSeries/index.html?appid=f8a3e87420f94557a433949b5a5ac928
  • 6
    Dados coletados a partir do Censo realizado pelo IBGE no ano de 2010. Ver mais em: https://censo2010.ibge.gov.br/
  • 7
    Link de acesso ao mapeamento dos recortes da pesquisa: www.arcgis.com/apps/MapTour/index.html?appid=6f00e0afabc646ff92f15490c26d3209
  • 8
    A OMS (Organização Mundial da Saúde) publicou no ano de 2008 um "Guia Global: CidadeAmiga do Idoso" com a intenção de propor aos gestores urbanos informações e direcionamentos para promoção de cidades amigas do idoso, ou seja, proporcionar a inclusão e acessibilidade desta população estimulando o envelhecimento ativo, saudável, participativo e seguro. Após uma pesquisa participativa em 33 cidades de todas regiões do mundo identificou-se oito características amigáveis ao idoso, são elas: moradia, participação social, respeito e inclusão social, participação cívica e emprego, comunicação e informação, apoio comunitário e serviços de saúde, transporte e espaços abertos e prédios.

AGRADECIMENTOS

Aos bolsistas e aos colaboradores que participaram da etapa “Diários Fotográficos” da Pesquisa “Projetando Lugares com Idosos: rumo às comunidades amigas do envelhecimento nas cidades de Pelotas, Belo Horizonte e Brasília”.

Ao Fundo Newton e ao ESRC (Conselho de Pesquisa Econômica e Social) pelo financiamento da pesquisa.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    07 Jun 2021
  • Aceito
    18 Set 2021
  • Publicado
    15 Mar 2022
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