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MEMÓRIA E CENTRALIDADE EM RESENDE

MEMORIA Y CENTRALIDAD EN RESENDE

Resumo

O objetivo principal deste artigo é o de debater a função do Centro Principal em uma cidade média em reestruturação urbana na interface entre espaço e tempo e suas diferentes lógicas e dinâmicas de localização. Como procedimentos operacionais predominantes, têm-se o mapeamento das atividades econômicas, simbólicas e de administração pública de Campos Elíseos e do Centro Principal, em especial as agências bancárias. Como materiais, foram utilizados os registros fotográficos e suas respectivas interpretações na história, relatos de memórias por meio de entrevistas e publicações de memorialistas, historiadores, fontes oficiais etc. e, portanto, a reconstituição do chamado "presente de então", em um percurso cronológico, desde o período do auge e declínio da cafeicultura - início e meados do Século XIX, respectivamente - até a formação do Centro Principal de Campos Elíseos - Meados do Século XX. Deste modo, o debate se desenvolve sob três partes: a formação do Centro Histórico de Resende; o Centro atravessou o rio, em que há o debate da formação do Centro Principal em Campos Elíseos; e por final, uma reflexão acerca da peleja espacial da centralidade urbana em uma cidade média.

Palavras-chave:
Centralidade; Memória; Cidades Médias; Área Central

Resumen

El objetivo principal de este artículo es discutir el papel del Centro Principal en una ciudad media en la reestructuración urbana en la interfaz entre el espacio y el tiempo y sus diferentes lógicas y dinámicas de ubicación. Los procedimientos operativos predominantes son el mapeo de las actividades económicas, simbólicas y de administración pública en Campos Elíseos y el Centro Principal, especialmente las sucursales bancarias. Como materiales, se utilizaron registros fotográficos y sus respectivas interpretaciones en la historia, informes de recuerdos a través de entrevistas y publicaciones de memoriales, historiadores, fuentes oficiales, etc. y, por lo tanto, la reconstrucción del llamado "presente entonces", en un camino cronológico. , desde el período de pico y declive del cultivo del café (principios y mediados del siglo XIX, respectivamente) hasta la formación del Centro Principal de Campos Elíseos - Mediados del siglo XX. De esta forma, el debate se desarrolla en tres partes: la formación del Centro Histórico de Resende; el Centro cruzó el río, donde hay un debate sobre la formación del Centro Principal en Campos Elíseos; y finalmente, una reflexión sobre la lucha espacial de la centralidad urbana en una ciudad media.

Palabras-clave:
Centralidad; Memoria; Ciudades Medias; Área Central

Abstract

This article discusses the role of the Main Center in a medium-sized city undergoing urban restructuring at the interface between space and time and its different locational logics and dynamics. Our approach includes mapping the spatiality of the economic activities of Resende’s downtown and Campos Elíseos, especially bank branches and public administration buildings. The research materials were photographic records and their respective historical interpretations, reported memories given through interviews, and publications by memorialists, historians, and official sources, among others. The aim was to reconstitute the “present of the past”, following a chronological path from the time of the peak and decline of coffee production, at the beginning and mid-nineteenth century, respectively, to the formation of the Main Center of Campos Elíseos in the mid-twentieth century. The discussion has three parts: the formation of the Historical Center of Resende; the Center crossing the river, which debates the formation of the Main Center in Campos Elíseos, and finally, a reflection on the spatial struggle of urban centrality in a medium-sized city.

Keywords:
Centrality; Memory; Intermediary Cities; Central Area

INTRODUÇÃO

Henri Lefebvre (1999 [1970])LEFEBVRE, Henri. Revolução Urbana. UFMG, 1999. (Tradução de Sergio Martins) foi bastante preciso ao afirmar que "não existe cidade, nem realidade urbana, que não tenha um centro”, pois o centro é a área da cidade que possui a atratividade, que mantem a coesão, ainda que relativamente fragmentada, locus da gestão da divisão territorial do trabalho urbano, mantem as correlações significativas entre os diferentes usos e estratos socioeconômicos, ainda que sejam identificados casos de gentrificação ou reestruturação urbana, conforme debatidos por Smith (1996)SMITH, N. The New Urban Frontier: Gentrification and the Revanchist City. Routledge: New York and London, 1996. e Soja (1993)SOJA, Edward. Geografias Pós-modernas. Zahar: Rio de Janeiro, 1993.. O centro revela a constante produção e reprodução do urbano, constituindo materialidade e imaterialidade da memória e da história, como discorreram, acerca da memória das cidades e Le Goff (1990 [1988])LE GOFF, Jacques, 1924 História e memória / Jacques Le Goff; tradução Bernardo Leitão ... [et al.] -- Campinas, SP Editora da UNICAMP, 1990. e Abreu (1998)ABREU, Mauricio Almeida. Sobre a memória das cidades. Sobre a memória das cidades. Revista da Faculdade de Letras - Geografia I série, Vol. XIV, Porto, 1998, pp. 77-9. Disponível em https://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/1609.pdf. (Acesso em Janeiro de 2019).
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.

Sobre a reestruturação urbana, considera-se nos termos desenvolvidos por Soja (1993)SOJA, Edward. Geografias Pós-modernas. Zahar: Rio de Janeiro, 1993. e já desenvolvidos por um número grande de autores, como Scott (1984)SCOTT. A. Industrial organization and logic of intrametropolitan location II. A case Study of the Printed Circuit industry in the Greater Los Angeles Region. Economic Geography, 59, 343-367., que consideram alterações profundas na estrutura das cidades e na maneira de se produzirem os espaços urbanos, em geral, em decorrência de alterações na base econômica, nos agentes sociais e econômicos ou na introdução de equipamentos urbanos ou infraestrutura capaz de proporcionar mudanças significativas. Neste sentido, optamos pela interpretação de que a reestruturação urbana refere-se ao urbano em geral, nas escalas locais ou regionais.

O Historiador Jacques Le Goff apresenta uma reflexão sobre os parâmetros da reflexão do passado, no sentido de compreender os recursos para se ter acesso às informações e como utilizá-las de maneira a buscar o significado do contexto em seu momento e conjuntura da época, e faz a transição para a construção da memória ao longo da história, valorizando a memória coletiva e sua riqueza social. Já o Geógrafo Mauricio de Almeida Abreu discorre sobre a existência da necessidade de se distinguir a memória individual da memória coletiva e suas respectivas correlações com as questões de classes sociais. Para tanto, aponta a cidade como lugar da memória, ao que, gostaríamos de acrescentar justamente uma especificidade, a do centro da cidade, pois os bairros e demais fragmentos, possuem suas memórias correlatas aos seus papeis na divisão territorial do trabalho urbano, com suas especificidades de classes, de renda, de função, de etnia etc. Já o centro, lugar de encontro das diferenças - embora muitas vezes evitadas - é a área da cidade onde é mais difícil se evitar ver toda a miríade da diferença urbana. Low, Taplin e Scheld (2005)LOW, Setha, TAPLIN, Dana, SCHELD, Suzanne. Rethinking Urban Parks Public Space and Cultural Diversity. University of Texas Press, 2005. discorre acerca das praças e destaca a diferença nos usos das que se localizam em áreas centrais, refletindo por meio da pesquisa etnográfica em parques da cidade de Nova York. Para os autores, quanto mais central o parque, maior a diversidade étnica e social dos frequentadores.

Mauricio Abreu (1998, p. 86)ABREU, Mauricio Almeida. Sobre a memória das cidades. Sobre a memória das cidades. Revista da Faculdade de Letras - Geografia I série, Vol. XIV, Porto, 1998, pp. 77-9. Disponível em https://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/1609.pdf. (Acesso em Janeiro de 2019).
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assim discorre “Coexistem então numa cidade, em qualquer momento do tempo, inúmeras memórias coletivas. Ao eternizarem-se em registros permanentes, essas memórias urbanas não perdem seu caráter específico, sua vinculação ao grupo ou classe que as produziu”. Portanto, uma dinâmica intensa de correspondência entre tempos distintos, com sobreposições e acumulações.

Sendo local de gestão e de concentração de atividades econômicas, o centro possui vital importância para as cidades ao longo da História, desde as cidades da Antiguidade. A longa literatura sobre a História das cidades revela de maneira direta e inquestionável a importância dos centros das cidades como locus de atividades estratégicas e por isto são normalmente localizados em áreas privilegiadas da cidade, em termos de posição absoluta e relativa. Por serem dotados de infraestrutura ímpar na cidade, constitui-se como área de convergência e dispersão de pessoas, negócios, bens, serviços, transportes, capitais e ideias.

A reestruturação da cidade capitalista de meados do século XX relativizou as funções do centro com a produção da cidade policêntrica, conforme amplamente debatido em trabalhos de Cohen (1972)COHEN, Yehoshua S. Diffusion of an innovation in an urban system. Chicago: The University of Chicago, 1972., Barton (1978)BARTON, B. The creation of centrality. Association of Amercian Geographers, Annals. 1978, 34-44., Erikson (1983)ERIKSON, Rodney A. The evolution of the suburban space economy. Urban Geography, v.4. n.2, 1983, p.95-121, Hartshorn e Muller (1989)HARTSHORN, Truman A.; MULLER, Peter O. Suburban Downtowns and the Transformation of Metropolitan Atlanta’s Business Landscape. Urban Geography, v.10, n.4, p.375-395, 1989., Berry e Kim (1993)BERRY, Brian; KIM, Hak-Min. Challenges to the Monocentric Model. Geographical analysis, v.25, n.1, p.1-4, 1993., Pfister, Freestone, Murphy (2000)PFISTER, Neil; FREESTONE, Robert; MURPHY, Peter. Polycentric or Dispersion? Changes in center employment in metropolitan Sydney, 1981 to 1996. Urban Geography, v.21, n.5, p.428-442, 2000, Clark (2002)CLARK, WILLIAM A. V. Monocentric and Policentric: New Urban Forms and Old Urban Paradigms. In: Gary Bridge e Sophie Watson (ed.). A Companion to the City. Blackwell, Londres e Nova York, 2002. 1 ed., Reis (2009)REIS, L. C. Descentralização e desdobramento do núcleo central de negócios em Vitória (ES).. In: CARRERAS, C.; PACHECO, S. M. M.. (Org.). Cidade e Comércio: a rua comercial na perspectiva internacional. 1ed.Rio de Janeiro: Editora Armazém das Letras, 2009, v. 1, p. 177-198.; Silva (2006SILVA, W. R. Para além das cidades. Centralidade estruturação urbana: Londrina e Maringá. Presidente Prudente, 2006. Tese (Doutorado em Geografia). Universidade Estadual Paulista. 280 f., 2017aSILVA, W. R. Centralidade, shopping centers e reestruturação das cidades médias. In: Maia, D. Silva, W. R. E Whitacker, A. M. Centro em centralidade em Cidades Médias. Cultura Acadêmica: São Paulo, 2017a. 199-226 e 2017b)SILVA, W. R. Shopping centers e a redefinição da centralidade em cidades médias brasileiras. In: Maia, D. Silva, W. R. E Whitacker, A. M. Centro em centralidade em Cidades Médias. Cultura Acadêmica: São Paulo, 2017b. 227-286., em que se tem o incremento de complexidade à divisão territorial do trabalho, desde outras áreas onde também são desempenhadas funções centrais, porém, a literatura sempre destacou a manutenção da importância do centro da cidade, que nunca perdeu seu destaque, mas passou a revelar variações espaço-temporais, com diversos casos pesquisados e registrados na vasta bibliografia de alternância entre uma certa obsolescência e a retomada dos interesses dos grandes capitais (SMITH, 1996SMITH, N. The New Urban Frontier: Gentrification and the Revanchist City. Routledge: New York and London, 1996.). Assim, o debate acerca da cidade policêntrica, já bastante consagrado na literatura internacional, refere-se à alteração no paradigma da produção da cidade, que passa a assumir uma forma espacial que expressa centralidades em diferentes níveis e dimensões, em diversas áreas da cidade.

Desde as pesquisas desenvolvidas nos anos de 1930 na chamada Escola de Ecologia Urbana de Chicago, investigações sobre a estruturação das cidades foram largamente implementadas, com destaque ao estudo do Centro das cidades e das diferentes expressões da centralidade urbana. As terminologias de Área Central, Centro Principal, Centro Tradicional e Centro Histórico foram adotadas para designar esta vital área para a estruturação das cidades. Vários autores já se dedicaram ao estudo da centralidade urbana, como: Ribeiro Filho (2004)RIBEIRO FILHO, V. A Área Central e sua dinâmica: uma discussão. Sociedade & Natureza (UFU. Impresso), Uberlândia-MG, v. 16, p. 155-167, 2004., Sposito (1991)SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão Sposito. O centro e as formas de expressão da centralidade urbana. Revista de Geografia da UNESP, 1991. v. 10. P. 1-18., Corrêa (1997)CORREA, Roberto Lobato. Espaço Urbano. Rio de Janeiro: Ed. Bertrand Brasil, 1997. 302p., Reis (2009)REIS, L. C. Descentralização e desdobramento do núcleo central de negócios em Vitória (ES).. In: CARRERAS, C.; PACHECO, S. M. M.. (Org.). Cidade e Comércio: a rua comercial na perspectiva internacional. 1ed.Rio de Janeiro: Editora Armazém das Letras, 2009, v. 1, p. 177-198. e Maia, Silva e Withacker (2017)SILVA, W. R. da. Cidade e Indústria. Interações Espaciais no Médio Vale do Paraíba - Cenário em Transição. Espaço Aberto, 7(2), 9-26, 2017. (Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/EspacoAberto/article/view/16311 ).
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, para citar alguns autores brasileiros, entre outros tantos. Em Maia, Silva e Whitacker (2017)MAIA, Doralice Sátyro (Org.); SILVA, W. R. (Org.); WHITACKER, A. M. (Org.). Centro e Centralidade em Cidades Médias. 1. ed. São Paulo: UNESP - Cultura Acadêmica, 2017. v. 1. 290p. há um percurso metodológico-temporal que auxilia este artigo, de modo que apresentam reflexão da centralidade partindo do seu estudo histórico, por meio do processo de centralização, passando pelas diversas dinâmicas da descentralização e formação de núcleos secundários e culminando com a tendência de nucleação dos shopping centers nas cidades brasileiras.

A área que desempenha papel de Centro Principal nem sempre coincide com a área onde a cidade foi originada ou onde o primeiro Centro se formou, embora seja bastante comum sua sobreposição, pois trata-se de localização estratégica para atividades econômicas e de gestão que mormente ultrapassa as mudanças impostas pelos novos momentos históricos (tecnologias, estrutura urbana, porte da cidade etc.).

Há uma predominância destes estudos em áreas urbanas metropolitanas, porém, identifica-se estas questões também nas chamadas cidades médias, que ocupam posições intermediárias no sistema urbano, com dimensões, escalas, papéis, posições e agentes que terminam por desenvolver alguns processos de maneiras distintas. As cidades médias, portanto, também expressam estas novas contradições da sociedade capitalista, de tal modo que, enquanto centros regionais, compõem parte importante da conformação das redes urbanas e dos territórios.

É justamente o caso em tela da cidade de Resende (RJ), onde houve uma importante mudança da localização da função do Centro Principal, que migrou da margem direita para a margem esquerda do Rio Paraíba do Sul, constituindo nova área em loteamento denominado Campos Elíseos. Este Centro manteve suas edificações, mas parte significativa de suas funções migrou para a nova área. Este, assim, guarda a memória do Centro (ABREU, 1998ABREU, Mauricio Almeida. Sobre a memória das cidades. Sobre a memória das cidades. Revista da Faculdade de Letras - Geografia I série, Vol. XIV, Porto, 1998, pp. 77-9. Disponível em https://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/1609.pdf. (Acesso em Janeiro de 2019).
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) por meio das edificações e formas.

Com este artigo tem-se o objetivo de debater a função do Centro Principal em uma cidade média em reestruturação na interface entre espaço e tempo e suas diferentes lógicas de localização. Para tanto, iremos nos utilizar da espacialidade das atividades de comércio e serviços do centro da cidade de Resende, em especial de agências bancárias; e da gestão pública. Como procedimentos operacionais predominantes tem-se os registros fotográficos e suas respectivas interpretações na história, relatos de memórias por meio de entrevistas e publicações de memorialistas, historiadores, fontes oficiais etc. e, portanto, a reconstituição do chamado presente de então, em um percurso cronológico, desde o período do auge e declínio da cafeicultura - início e meados do Século XIX, respectivamente - até a formação do Centro Principal de Campos Elíseos - Meados do Século XX. Deste modo, o debate se pautará sob três partes: a formação do Centro Histórico de Resende; o Centro atravessou o rio, em que debater-se-á a formação do Centro Principal em Campos Elíseos; e por final, uma reflexão acerca da Peleja espacial da centralidade urbana em uma cidade média.

A FORMAÇÃO DO CENTRO HISTÓRICO DE RESENDE

Localizada no Vale do Rio Paraíba, entre a Serra do Mar e a Serra da Mantiqueira, com um relevo predominante de “Mar de morros”, o médio Vale do Paraíba do Sul, onde está localizada a cidade de Resende (RJ), compreende toda a área drenada por esse rio, desde o cotovelo de Guararema até a área onde recebe os primeiros afluentes de importância: Piabanha-Preto, Paraibuna-preto, a partir de onde se inicia a descida do planalto e o início das corredeiras. Mais especificamente, localiza-se em seu trecho inferior, na chamada bacia sedimentar de Resende, cuja disposição é análoga à de Taubaté (FUNDAÇÃO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 1977INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Geografia do Brasil. Rio de Janeiro: SERIGRAF/IBGE, 1977.).

É cortada pela antiga Estrada de Ferro Central do Brasil, construída para escoamento da produção cafeeira até o Porto do Rio de Janeiro. A chegada da estrada de ferro à Resende data de 1873; o Ramal Da Estrada de Ferro Dom Pedro II, o que substituiu os meios de transporte até os portos de Angra dos Reis e da Corte, antes efetuados por tropas e por barcas.

As terras aonde vieram a ser instalada a Vila de Rezende e posteriormente o município, foram incorporadas pelo Bandeirante Paulista Tenente Coronel Simão da Cunha Gago. Note-se que nos documentos históricos encontra-se a grafia "Rezende", com “z", que não mais é utilizada nos documentos oficiais ou historiográficos.

A antiga Vila de Rezende foi criada no dia 29 de setembro de ano de 1801, por ordem do D. José de Castro, Conde de Rezende - Vice-Rei e Capitão General de mar e terra do Estado do Brasil. A vila tinha por distritos Barra Mansa e São Luiz Ferrer, ambos já subdivididos e emancipados. Seus limites iam do Morro da Fortaleza, na fronteira com São Paulo; ao norte com a Serra do Itatiaia, na fronteira com Minas Gerais, incluindo Barra do Piraí e Ribeirão das Lages, fazendo fronteira com Angra dos Reis (A GRANJA, 1931A GRANJA. Mensário Ilustrado. Número comemorativo do aniversário da cidade de Rezende. Ano II, n. 1, Setembro de 1931.). A partir de 1848, a Vila de Rezende foi elevada à Categoria de cidade. Possui, atualmente, extensão territorial de 1.113,50 Km2 (IBGE, 2010), ainda bastante extensa, mesmo com vários processos de emancipação territorial ao longo da história.

A cidade, atualmente com 126.084 habitantes (IBGE, 2010) foi construída às margens do Rio Paraíba do Sul, mais especificamente, em sua vertente direita, dando origem ao Primeiro Distrito do Município de Resende, intitulado de Centro. Esta área concentrou os estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços e a moradia das elites ruralistas e burocráticas. A arquitetura da área é composta de remanescentes do barroco mineiro e de uma arquitetura neoclássica, atingindo o estilo eclético, com elementos decorativos, inclusão de venezianas no lugar de guilhotinas e o surgimento do frontão, escondendo o telhado (ACADEMIA RESENDENSE DE HISTÓRIA, 2001ACADEMIA RESENDENSE DE HISTÓRIA. Resende 1801-2001. Crônica dos duzentos anos. Coordenação do projeto: Maria Celina Whately e Maria Cristina F. M. Godoy. Gráfica La Salle, Resede, 2001.).

As transformações econômicas desenvolvidas nos Séculos XIX e XX, em especial a ascensão e derrocada da produção cafeeira local no século XIX, alteraram o desenvolvimento da cidade. A produção cafeeira era baseada no trabalho de pessoas escravizadas e com as políticas de proibição do tráfico e posteriormente a abolição, aliadas à exaustão dos solos, impôs rápido declínio à produção local, tendo muitos cafeicultores migrado para o que chamavam de "oeste paulista” que é a Região de Ribeirão Preto (SP). Soares (2014)SOARES, Julio Cesar Fidelis. Transporte de Café pelo Rio Paraíba do Sul no século XIX: de Resende à Barra do Pirahy . Resende: História do Vale do Paraíba, 2014. Disponível em http://paraibanova.blogspot.com/2014/05/. (acesso em 16 de maio de 2019).
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apresenta um histórico da introdução e da circulação de café em Resende:

Em 1802, Resende já era exportadora de café e, a partir daí, a região sofreria uma grande mudança. O início do reinado do café começou mudando, aos poucos, toda a economia da região. Se até antes da chegada do café, os poucos habitantes do arraial e redondezas do "Campo Alegre" plantavam e beneficiavam de cana-de-açúcar, cuidavam de plantações de anil, criavam algum gado (vendendo carne para Minas e Rio), tudo, a partir do século XIX, estaria sujeito à novidade cafeeira. Antigas fazendas de gado, engenhos de açúcar e cachaça, plantações de anil, passavam a plantar. Outras plantações como as de milho, feijão, arroz e mandioca passaram a alimentar as fazendas de café e as sedes dos núcleos urbanos dentro de um sistema de apoio e subsistência. Entretanto o café já impunha o seu poder quase absoluto como cultura comercial destinada à exportação.

(SOARES, 2014SOARES, Julio Cesar Fidelis. Transporte de Café pelo Rio Paraíba do Sul no século XIX: de Resende à Barra do Pirahy . Resende: História do Vale do Paraíba, 2014. Disponível em http://paraibanova.blogspot.com/2014/05/. (acesso em 16 de maio de 2019).
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, p. s/n)

No auge na produção do Centro de Resende, em 1840, com base na riqueza gerada pela economia cafeeira, os proprietários de terras passaram a constituir residência no Centro, construindo sobrados e palacetes. Segundo A GRANJA (1931)A GRANJA. Mensário Ilustrado. Número comemorativo do aniversário da cidade de Rezende. Ano II, n. 1, Setembro de 1931., o primeiro palacete construído (figura 1) foi de propriedade de D. Benedita Gonçalves Martins (1809-1891), conhecida como Rainha do Café. Esta é uma personagem conhecida da História Resendense, pois foi uma grande proprietária de terras rurais - mais de 10 propriedades - que produzia cerca de 580 toneladas de café por ano (Instituto Estadual de Patrimônio Cultural, 2009Instituto Estadual de Patrimônio Cultural. Disponível em http://www.institutocidadeviva.org.br/inventarios/sistema/wp-content/uploads/2009/11/6_faz-babilonia.pdf. 2009. (Acesso em 16 de maio de 2019).
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).

Figura 1
Palacete construído na esquina da Igreja Matriz com a Rua XV de Novembro - Resende (RJ),

A primeira Igreja Matriz, construída no início do Século XIX, por doações de grandes cafeicultores, construída com trabalho escravo, foi um dos marcos importantes da formação do centro de Resende e certamente o padrão de localização das residências dos proprietários de terras, que passaram a dominar a produção do espaço urbano. Esta igreja sofreu um forte incêndio que a destruiu quase completamente, restando apenas a fachada, sendo reconstruída, pelos mesmos agentes, em 1954, estando em sua mesma forma na atualidade (figura 2).

Figura 2
Igreja Matriz de Resende (RJ)

Ressalte-se o poder aglutinador presente na construção de igrejas, evidenciando o poder simbólico do Centro, a centralidade para as questões religiosas e a maneira de demonstrar a distinção das elites, que financiavam as obras e garantiam sua hegemonia no espaço.

Próximas da área da Igreja Matriz, localizam-se outras duas igrejas bastante importantes para a história do Centro de Resende, que são as igrejas Senhor dos Passos e do Rosário (figuras 3 e 4)

Figura 3
Igreja Senhor dos Passos - 2018,

Figura 4
Igreja do Rosário.

Ambas igrejas tinham menor importância para a vida urbana, possuindo, embora próximas, localização já na subida da colina, de mais difícil acesso e sendo destinadas a pessoas de posição social inferior, no caso da Igreja dos Passos e para as pessoas escravizadas, no caso Igreja do Rosário. Ressalte-se que esta segunda foi idealizada e financiada por Manoel Gonçalves Martins, Comendador português, também conhecido como Manoel do carimbo, pois embora tivesse o título de Comendador, era analfabeto e portava um carimbo de ouro com seu nome, com o qual utilizava para assinar documentos, pai de D. Benedita, anteriormente apresentada neste texto, conforme informações do Sr. Nourival Rosa, em entrevista de 2009. Tal fato, já realizado na cidade do Rio de Janeiro, de produzir uma Igreja do Rosário para as pessoas pretas escravizadas, demonstra a necessidade de distinção social interna presente nas áreas centrais das cidades portuguesas e sua estreita vinculação com a Igreja Católica.

A vida religiosa é um aspecto bastante importante nas cidades de ascendência portuguesa e um dos elementos que conecta centro e memória, pois a simbologia das edificações, mormente as maiores e imponentes da cidade e a importância atribuída à questão litúrgica, confere ares quase sacralizados ao centro, sobretudo, nos arredores das igrejas centrais. Trata-se, inclusive, da produção de uma cidade com força de trabalho escravizada, logo, não se tratam dos mesmos mecanismos impostos pela sociedade capitalista de trabalho assalariado e a segregação residencial segue parâmetros distintos. Há uma segregação forçada às pessoas escravizadas, direcionada aos locais escolhidos por seus senhores, nas propriedades rurais e urbanas, logo também há frequentação de espaços escolhidos também pelos senhores, como as igrejas - no caso a do Rosário. Ressalte-se que tais questões são abordadas na historiografia local como obras sociais dos senhores, sendo o Comendador Manoel Gonçalves Martins e D. Benedita considerados pessoas dedicadas a obras sociais, embora fossem escravagistas. No entanto, faça-se justiça, há no site da prefeitura municipal, uma nota informando sobre "Em Resende existem hoje 63 imóveis tombados pelo Patrimônio Histórico Municipal, a grande maioria deles construída com mão-de-obra escrava, o que comprova a importância do negro para a história de Resende."(Prefeitura Municipal de Resende).

Entre outros palacetes e casarões localizados e tombados pelo patrimônio histórico de Resende, percebe-se a produção de um centro que recebeu grande investimento imobiliário, construído com força de trabalho escravizado e que reflete e reforça na memória o poder das elites do Século XIX.

Em entrevista com o Sr. Nourival Rosa, na Casa de Cultura, importante edifício que sediou o Paço Municipal, construído no Século XIX, em dezembro de 2009, este comentou que as famílias ricas se localizavam nos arredores da Igreja Matriz e depois da decadência do café, muitos mudaram para o "Oeste Paulista", e outros as propriedades foram sendo vendidas ou mesmo abandonadas com as transições de heranças e a diminuição do interesse pela cidade. Note-se que várias publicações e relatos tratam do que chamam " Oeste Paulista”, que na verdade é a Região de Ribeirão Preto (SP), que não é localizada no Oeste Paulista. Conta que muitos se mudaram para o Rio de Janeiro e outras regiões do país, mas que o resultado é que grande parte dos imóveis acabou como propriedade pública, municipal, estadual ou federal, sendo utilizadas como órgãos públicos ou mesmo abandonadas. Tornaram-se sedes da Receita Federal, órgãos do judiciário, museus etc. (Mapa 1).

Mapa 1
Centro de Resende: localização dos imóveis edificados no Século XIX - 2018.

Portanto, foi produzido um Centro Urbano que expressava a riqueza agrária que era produzida regionalmente, com utilização do trabalho escravo, que terminou por materializar edificações importantes e com grande valor ao patrimônio histórico municipal. Na próxima seção, seguir-se-á o debate sobre a migração da centralidade e a formação do Centro Principal de Campos Elíseos.

O CENTRO ATRAVESSOU O RIO

No final do Século XIX e início do XX, com o período de obsolescência econômica e urbana bastante significativo, houve relativo declínio de sua importância regional, perdendo papéis para os municípios vizinhos de Barra Mansa e, posteriormente, Volta Redonda, o que aliás, constitui um foco de rivalidade, incorporado pelos moradores em suas práticas cotidianas. Porém, de fato, atividades de comércio e de serviços que demandavam de um alcance espacial maior, concentraram-se nos municípios vizinhos, decaindo o posicionamento de Resende na rede urbana regional.

Esta obsolescência econômica foi sentida, como já debatida, no Centro, que teve sua importância gradativamente diminuída e vários acontecimentos contribuíram com a migração da centralidade para Campos Elíseos, em meados do Século XX, como:

  1. Transferência em 1944 para Resende da então Escola Militar de Rezende, que em 1951 passou definitivamente a denominar-se Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), já na margem esquerda do Rio Paraíba do Sul. Esta academia, considerada a maior da América Latina de formação de Cadetes, atraiu um grande número de oficiais militares, professores, prestadores de serviços e estudantes, que gerou grande demanda por serviços urbanos e pelo comércio de variados itens, em grande parte localizados na margem esquerda do Rio, logo fora do Centro.

  2. A inauguração da BR 116 - Rodovia Federal denominada Via Dutra, em 1951, que teve seu traçado na margem esquerda do Rio Paraíba do Sul e passou a demandar vários serviços às pessoas em trânsito e, sendo a principal forma de chegada à cidade, foi decisiva para a atração de serviços na margem esquerda.

  3. Disponibilidade de terras urbanas no loteamento Campos Elíseos, bastante próximo da AMAN, permitiu que fosse gradativamente sendo construído o novo centro de Resende, com a migração da centralidade urbana.

Desta maneira, o Rio Paraíba do Sul, que antes fora importantíssimo no transporte do café, tornou-se uma barreira que isolou o Centro da cidade e manteve preservado arquitetonicamente, fato não muito comum às cidades brasileiras, ainda que já houvesse as pontes, inclusive a mais antiga ainda existente, a Ponte Nilo Peçanha, também chamada de Ponte Velha, construída na Bélgica e transportada para o Porto do Rio de Janeiro e depois Resende, em 1905 e as demais que foram posteriormente construídas. Desta feita, a obsolescência, de certa maneira, é a razão da preservação do patrimônio do Centro de Resende.

Esta área da cidade, já existente no início do Século XX, foi gradativamente conquistando importância, na medida em que os três acontecimentos foram sendo deflagrados, tendo sido a rua de maior expressão de centralidade, justamente a rua que tem início na Ponte Velha - a Rua Albino de Almeida. Desde a segunda metade do Século XX esta rua passou a concentrar as principais lojas da cidade e as agências bancárias, tendo seu ápice com a construção do Calçadão de Resende, símbolo máximo e praticamente único da centralidade urbana, até que a reestruturação urbana se deflagrasse e houvesse a construção dos dois shopping centers da cidade, o Resende Shopping e o pátio Mix, o que alterou significativamente a estrutura urbana e o padrão de localização das atividades econômicas (SILVA, 2017SILVA, W. R. da. Cidade e Indústria. Interações Espaciais no Médio Vale do Paraíba - Cenário em Transição. Espaço Aberto, 7(2), 9-26, 2017. (Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/EspacoAberto/article/view/16311 ).
https://revistas.ufrj.br/index.php/Espac...
).

A localização das agências bancárias revela bastante a concentração que a área de Campos Elíseos, na margem esquerda do Rio Paraíba do Sul, passou a exercer na cidade de Resende (Mapa 2).

Mapa 2
Localização das agências bancárias de Resende (RJ) - 2018.

Depreende-se a concentração em Campos Elíseos, com as principais agências, inclusive todas as agências diferenciadas para segmentos de maior rendimento, como Estilo, do Banco do Brasil e Prime, do Bradesco; algumas agências no recente eixo de expansão urbana do Manejo, com direção aos loteamentos fechados de grandes casas de alto padrão e ao oeste aos bairros mais populosos e populares, como Cidade Alegria (BASTOS, 2017BASTOS, Monique Deise Guimarães. Análise de uma Cidade Policêntrica: o Caso de Resende-RJ, no Médio Vale do Paraíba. Espaço Aberto, 7(2), 99-115, 2017. Disponível em: (https://revistas.ufrj.br/index.php/EspacoAberto/article/view/16316)
https://revistas.ufrj.br/index.php/Espac...
); e nenhuma agência no denominado Centro de Resende, demonstrando que a centralidade migrou. Notadamente nas pesquisas acerca da centralidade urbana, tem-se os bancos ocupando as áreas de centralidade máxima, pois são instituições que possuem demandas centrais e recursos para pagar por ela, em qualquer porte de cidade. Além disso, grande parte das empresas e escritórios precisam da proximidade com os bancos para o funcionamento cotidiano, gerando vínculos que estabelecem os pontos de convergência e dispersão de pessoas, negócios etc. Por sua vez, um conjunto de atividades complementares termina por se instalar nestas áreas, expressando a centralidade.

Sendo um trabalho que busca a reconstituição histórica do presente de então, esbarra-se na dificuldade de obtenção de fontes para a pesquisa, assim, não foram encontrados arquivos ou documentos que possam comprovar a história da localização bancária em Resende, porém, os relatos ouvidos, deixam bastante evidente que já haviam bancos instalados em Resende - no Centro Histórico - antes da produção e ocupação densa de Campos Elíseos, logo, optamos por desenvolver o debate acerca da migração da função de Centro Principal.

Em pesquisas anteriores, já publicadas em Melara e Silva (2018)MELARA, E. ESILVA, W. R.. Elementos de reflexão sobre a policentralidade e fragmentação urbana das cidades médias - Resende e Volta Redonda (RJ). CONFINS (PARIS), v. 38, p. 1-24, 2018., tem-se um estudo que demonstra a questão dos fluxos, da convergência e da dispersão para Campos Elíseos, onde passa-se e exercer a função de Centro Principal.

Neste sentido, a localização das atividades de comércio e serviços em Resende tem no bairro Campos Elíseos sua maior concentração, como se percebe no levantamento geral sobre a localização das atividades comerciais e de serviços, feita por trabalho de campo em rua, com estudantes do Grupo de Pesquisa sobre Reestruturação Urbana e Centralidade GRUCE/UFRJ, de 2008 a 2018, que permite uma visão mais ampla do padrão locacional na cidade de Resende.

Utilizou-se de uma metodologia de anotação in loco, por concentração, sendo que somente foram anotados e computados quando havia concentração acima de três estabelecimentos (mapa 3).

Mapa 3
Resende (RJ). Localização das atividades de comércio e serviços (2008-2018).

Porém, no que tange às atividades complementares e mais populares, houve importantes mudanças na localização em áreas de equipamentos urbanos, como é o caso do Terminal Rodoviário, que era localizado na vertente direita do Rio Paraíba do Sul, bastante próximo do Centro da cidade, e que foi transferido, em 1996, para o novo prédio, localizado na Rodovia Presidente Dutra, Km 305, ou seja, utilizando-se dos novos padrões de acessibilidade interurbana. Este novo terminal rodoviário é administrado por uma grande rede nacional de serviços rodoviários - GRAAL, o que reforça o interesse locacional e, portanto, sua posição geográfica. Alguns metros de distância, foi construído o Patio Mix Resende, principal shopping center da cidade, em 2011, que explicitamente revela este padrão locacional em sua página corporativa na internet:

O PátioMix Resende se encontra no principal trevo de acesso do município e às margens da Rodovia Presidente Dutra - principal eixo rodoviário do país, ligando os estados do Rio de Janeiro e São Paulo e com fluxo estimado de mais de 100.000 veículos/dia. Uma localização ÚNICA e PRIVILEGIADA, que garante alta visibilidade e fácil acesso para o fluxo de veículos e pessoas que circulam na área de influência do projeto e público flutuante da Rodovia. (PATIO MIX RESENDE, sd). (https://www.facebook.com/ShoppingPatioMixResende(Acesso em 15 de maio de 2019)

O antigo prédio do Terminal Rodoviário ficou em estado bastante deteriorado e terminou por ser utilizado pelo comércio popular de Resende, com localização de pequenos comerciantes (figura 5) e muito próximo foi instalado também com edificações simples e sem acabamentos mais sofisticados, o Mercado Popular de Resende (figura 6), evidenciando uma área de acesso popular, que na literatura, são chamados de Zona Periférica ao Centro, conforme Corrêa (1997 e 1991), Strohaecker (1988STROHAECKER, T.M. A zona periférica ao centro: uma revisão bibliográfica. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, 50 (4): 171-183, out./dez. 1988. e 1989), Rabha (1984).

Figura 5
Parte interna do Antigo Terminal Rodoviário de Resende - 2018.

Figura 6
Mercado Popular - 2018

Por outro lado, por força de ações do poder público municipal, há uma valorização do patrimônio arquitetônico, com a utilizações de diversos prédios para usos de funções públicas, como é a Câmara Municipal de Resende e o Antigo Mercado Municipal, que tornou-se um espaço de exposições (figuras 7e 8).

Figura 7
Câmara Municipal de Resende, 2018.

Figura 8
Mercado Municipal de Resende, fachada - 2018

Estes prédios, juntamente com diversos outros de uso público, encontram-se em bom estado de conservação, com restaurações recentes, que demonstra uma preocupação com a questão do patrimônio nesta área, que já não mais exerce o papel de centro urbano, mas permite que a memória urbana não seja perdida. Um episódio interessante foi o ato de moradores terem se rebelado contra uma obra do Ministério Público que utilizava bate-estacas ao lado do chamado "Palacete", conforme registrado na reportagem do portal G1, de 15 de março de 2015.(http://g1.globo.com/rj/sul-do-rio-costa-verde/noticia/2015/03/moradores-reclamam-de-obra-que-compromete-palacete-em-resende-rj.html). Este prédio chama atenção por ter sido construído no início do século XIX, em adobe, e em 1868, segundo a reportagem e relato do historiador Nourival Rosa, abrigou a Princesa Isabel, em visita à cidade.

CONCLUSÃO

Sendo a centralidade um atributo do lugar central, absolutamente fluida e que pode variar em espaço e tempo - sazonalmente ou por longo tempo, porém, sempre com uma dinâmica que expressa e reforça as demandas para a sociedade que a produz, buscando os atributos do momento ou como chamou Mauricio de Almeida Abreu, do presente de então. A Geografia Histórica, brilhantemente debatida por este pesquisador, possui como foco dos debates a geograficidade do passado, mas este não visto e entendido como passado, mas como o presente de então, ou seja, dentro da conjuntura e as lógicas que o produziram, com as contradições inerentes e com as possíveis alterações que permitiram as mudanças mais concretas e profundas. Sendo, então, também uma geografia da centralidade, que pode migrar por tempos mais duradouros, buscando o novo centro urbano, o novo foco, a nova convergência. Porém, novo ou nova, por determinado tempo, por determinadas conjunturas que podem ser passageiras.

A centralidade e o centro urbano representam, assim, um par dialético com variações espaço-temporais profundas, sendo o segundo a materialidade do processo e da fluidez da primeira. A centralidade, portanto, atrai para determinado lugar o foco, a convergência dos interesses e das atenções dos agentes econômicos, que são capazes de proceder com alterações profundas na forma e na substância da área. Quando há interesse na área central, esta passa por intervenções urbanísticas profundas para atender novas lógicas, levando, inclusive, à sua descaracterização, dentro de um processo dialético de destruição seguido de nova produção. Alterações ou criação de vias, arrasamento de quarteirões, edificações em grandes torres, mudança predominante dos agentes econômicos e sociais etc. - são todos exemplos já vividos e conhecidos na história das cidades.

Porém, há casos em que a centralidade migra e um novo centro é produzido, levando consigo as atenções e o foco dos agentes econômicos e sociais, o que permite a manutenção, excetuando a ação do tempo ou outros agentes de menor poder aquisitivo, dos objetos arquitetônicos, dos edifícios, monumentos, praças e ruas. A preocupação com o patrimônio histórico é um fenômeno razoavelmente recente, sobretudo no Brasil, de tal modo, que as cidades que apresentaram prosperidade econômica, tiveram grande descaracterização de suas formas, sobretudo, de suas edificações e traçados de ruas.

O caso de Resende, com um Centro Histórico bastante rico de memória e história, onde ainda se tem a presença da forma e o debate do conteúdo, se preserva por sua decadência, por ter deixado de ser o foco. O novo Centro Principal, Campos Elíseos, passou a atrair as atenções e receber o foco dos agentes econômicos no Século XX, após um período de prosperidade do centro de Resende na primeira metade do Século XIX, com a edificação em forma monumental, demonstrando a riqueza que se acumulava na economia agrário-regional e os anseios em demonstrá-la no urbano.

Neste sentido, tem-se a relação móvel espaço-temporal entre Centro e Centralidade na produção da cidade de Resende, sendo que o Centro Histórico, ainda preserva a memória e alguns serviços de administração pública e Campos Elíseos passou receber a função de Centro Principal, com a concentração do maior fluxo de transeuntes, com maior concentração comercial e de serviços, em especial os bancários, cartorários etc.

O centro da cidade é também o lugar onde a riqueza é festejada e demonstrada como meio de manutenção e reforço da distinção social e da reprodução dos capitais. A história nos mostra que a arquitetura duradoura é a que representa as elites constituídas no presente de então, tendo a melhor engenharia e materiais existentes na época. O que se considera como beleza e riqueza do patrimônio histórico urbano é, em verdade, a expressão das elites empreendedoras do presente de então, no caso de Resende, absolutamente escravagista e com todas as questões historicamente conhecidas da violência e dos abusos correlatos, que não aparecem nas edificações, mas são amplamente conhecidas e presentes na memória.

Neste sentido, a escolha do sítio e a edificação do centro da cidade e suas conexões com as demais áreas da cidade e com outras cidades é realização dos agentes econômicos de maior hegemonia no presente de então, mas, por outro lado, termina por gerar a convergência e a dispersão dentro do conjunto urbano, atraindo diversas camadas sociais para sua frequentação, logo, no Século XIX em Resende, embora a condução e as escolhas da produção do centro fosse das elites ruralistas escravocratas e da camada de comando da burocracia urbana, a área era frequentada e necessária por grande parte do conjunto da população urbana, incluindo os escravos, tendo inclusive, uma igreja construída para frequentação exclusiva.

Com a reestruturação urbana e a produção da cidade policêntrica, esta lógica passa por alterações, porém, suas bases continuam válidas para compreensão das dinâmicas da cidade e mantem importância dos centros urbanos. Certa vez, nos idos dos anos de 1990, o Prof. Manoel Seabra, em trabalho de campo na cidade de São Paulo, expressou a frase “para conhecer a cidade, primeiro conheça o centro”, um fato extremamente importante para o estudo em Geografia Urbana.

Assim, a centralidade expressa o conteúdo social, econômico e político da cidade, sua essência e sua convergência, no tempo e no espaço, e demonstra que a cidade possui uma produção dinâmica, que leva a alterações da lógica da centralidade, fato debatido neste artigo na cidade de Resende (RJ), que, inclusive, teve de superar uma barreira física - o Rio Paraíba do Sul. Neste caso se percebe uma questão importante da articulação entre sítio e situação geográfica na composição e produção do espaço urbano. Então, com isso, percebe-se que o Centro carrega memória e história, mas também, pode ser substituído ou apresentar mudanças significativas de conteúdo, devido as mudanças de conjuntura.

AGRADECIMENTOS

O autor agradece à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo apoio.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Ago 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    11 Mar 2020
  • Aceito
    13 Abr 2020
  • Publicado
    15 Jun 2020
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