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CONTRIBUIÇÃO DOS JOGOS OLÍMPICOS PARA O LEGADO DE BEIJING

PLAN URBANISTICO DE BEIJING PARA LOS JUEGOS OLIMPICOS DE 2008

RESUMO

Os Jogos Olímpicos oportunizam a implantação de rápidas transformações urbanas na cidade-sede em função dos significativos investimentos disponíveis de fontes públicas e privadas. Algumas sedes, propõe não somente planos para a realização do evento, mas diretrizes de planejamento com o intuito de redirecionar sua dinâmica urbana. Beijing foi a cidade que mais investiu em infraestrutura, com o intuito de reduzir o processo de crescimento monocêntrico. O objetivo geral foi verificar se a configuração física da cidade se modificou a partir do plano diretor realizado para o evento. Pela dificuldade de obtenção de dados oficiais, foi proposta uma metodologia indireta de análise por meio da verificação de alterações temporais de densidade habitacional construída. Apesar da permanência de forte atratividade do centro histórico, foi possível perceber a consolidação das centralidades à leste, conforme plano pretendia.

Palavras-chave:
Planos urbanísticos; Grandes eventos esportivos; Legado olímpico

RESUMEN

Los Juegos Olímpicos promoven la aplicación de rápidas transformaciones urbanas en la ciudad anfitriona en función de las importantes inversiones disponibles a partir de fuentes públicas y privadas. Algunas sedes olímpicas, proponen no sólo los planes para el evento, pero directrices de planificación con la intencíon de redirigir sus dinámicas urbanas. Beijing fue la ciudad que más invirtió en infraestructura, con el fin de reducir el proceso de crecimiento monocéntrico. Debido la dificultad de obtener datos oficiales, se propuso una metodología indirecta de análisis mediante la comprobación cambios de densidad temporales de vivienda construidos. El objetivo fue verificar si la configuración física de la ciudad ha cambiado desde el plan maestro realizado para el evento. A pesar de la permanencia de fuerte atractivo del centro histórico, fue posible percibir la consolidación de las areas al este, conforme el plan pretendía.

Palabras clave:
Planes urbanístico; Grandes eventos deportivos; Legado olímpico

ABSTRACT

The Olympic Games allow for rapid urban transformations in the host city due to the significant investments available from public and private sources. In addition to plans for the event, some host cities also propose planning guidelines in order to redirect their urban dynamics. Beijing was the city that invested the most in infrastructure, in order to reduce the monocentric growth process. The general objective was to verify if the physical configuration of the city changed with the master plan carried out for the event. Due to the difficulty in obtaining official data, an indirect methodological analysis was proposed by verifying temporal alterations in constructed housing density. Despite the enduring strong attractiveness of the historic center, it was possible to perceive the consolidation of the centralities to the east, in accordance with the plan.

Keywords:
Urban plans; Major sporting events; Olympic legacy

INTRODUÇÃO

No final do século 20, a mídia passa a ter um papel fundamental na disseminação de ideias. Thompson (1998, p.106)THOMPSON, John. B. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia. Petrópolis: Vozes, 1998. destaca a importância dos fenômenos midiáticos na construção simbólica da modernidade. A mídia se envolve ativamente na construção do mundo social. Ao levar informações para indivíduos que vivem em contextos diferentes e distantes, a mídia modela e influencia o curso dos acontecimentos, cria acontecimentos que poderiam não ter existido em sua ausência. Uma das formas de exposição é sediar grandes eventos internacionais. Estes, atraem grande número de patrocinadores que querem atrelar suas marcas a valores universais preconizados pelo evento. Consequentemente, sua realização oportuniza a implantação de rápidas transformações urbanas, devido aos recursos financeiros disponibilizados tanto pelo setor público como o privado.

Os Jogos Olímpicos (JO) elegem uma cidade como sede, o que resulta na maior concentração de investimentos e intervenções urbanas, que podem acelerar a realização de diretrizes preconcebidas ou redirecionar o processo de planejamento da cidade (ESSEX; CHALKLEY, 1998, p.187). No entanto, muitas das cidades que sediam o evento não são capazes de transformar essa exposição temporária na mídia e o significativo montante de recursos em algo positivo e duradouro em âmbito local para os cidadãos.

Nesse contexto, a forma como se intervém no espaço urbano tem um significativo impacto sobre o social. No entanto, as discussões sobre o legado de grandes eventos esportivos ocorrem em sua maioria sem estudos empíricos e sob premissas teóricas.

Portanto o presente artigo tem enfoque metodológico, com o intuito de auxiliar estudos morfológicos em cidades-sede de grandes eventos. Elegeu-se Beijing, sede dos JO de 2008, como objeto de análise, uma vez que foi a cidade que mais investiu em infraestrutura. Neste estudo, pretendeu-se analisar as intenções de planejamento propostas, seu processo de consolidação e se realmente ocorreram mudanças físico-territoriais. Pela dificuldade em obter dados oficiais, foi necessário elaborar uma metodologia específica de análise indireta com a utilização de imagens aéreas.

A hipótese que direcionou a pesquisa foi que os grandes eventos esportivos podem redirecionar a dinâmica urbana, caso a cidade-sede delineie diretrizes de planejamento voltadas a ela própria, e não seguindo eventuais modelos urbanísticos vinculados aos JO.

Portanto, o objetivo geral foi identificar as dinâmicas físicas em Beijing resultantes da realização de grandes projetos urbanos analisando seus efeitos na forma urbana e interpretando em que medida isso beneficia a população local em longo prazo.

A pesquisa foi conduzida estabelecendo relações das intervenções espaciais com os processos sociais delas decorrentes, com o intuito de auxiliar na compreensão dos impactos e benefícios para a comunidade local. Ou seja, o objeto sempre será o conjunto de obras físicas feitas para os JO que tinham por objetivo alguma transformação do contexto urbano mais amplo que apenas os recintos onde ocorreram as competições.

A crescente competitividade entre cidades para sediar esses grandes eventos esportivos, torna importante a discussão do desenvolvimento urbano que ocorre em virtude deles.

REFERENCIAL TEÓRICO

Os critérios utilizados para se analisar as áreas ocupadas por aglomerações urbanas podem ser a densidade, a fragmentação, a linearidade e a centralidade. A densidade é o indicador mais utilizado e o resultado depende da mensuração da área ocupada em relação à população residente (OJIMA, 2007OJIMA, Ricardo. Dimensões da urbanização dispersa e proposta metodológica para estudos comparativos: uma abordagem socioespacial em aglomerações urbanas brasileiras. Revista Brasileira de Estudos de População, São Paulo, v.24, n.2, jul./dez. 2007.).

No entanto, não há um consenso de qual a densidade pode ser considerada adequada às diversas tipologias de uso (TORRENS; ALBERTI, 2000TORRENS, Paul. M.; ALBERTI, Marina. Measuring sprawl. London: Centre for Advanced Spatial Analysis - University College London, 2000.). Portanto, é difícil mensurar o que se considera como urban sprawl. Essas grandes disparidades e as diferentes realidades encontradas nas cidades do mundo, induzem ao estudo de outras formas de mensuração.

Torrens e Alberti (2000)TORRENS, Paul. M.; ALBERTI, Marina. Measuring sprawl. London: Centre for Advanced Spatial Analysis - University College London, 2000. indicam como alternativa a análise do gradiente de adensamento. À medida que a área se afasta do centro, a densidade pode gradativamente reduzir, dentro de parâmetros de atenuação. Os autores argumentam que, dessa forma, é possível inferir não apenas o grau de densidade, mas as mudanças no tempo, pois a dispersão e a concentração são fenômenos dinâmicos.

A fragmentação verifica se há contiguidade na ocupação ou se existem os leapfrogs, ou seja, massas urbanas dispostas separadamente. As leapfrogs podem resultar do processo de desconexão dos espaços, associado às mudanças nos fluxos de deslocamentos da população, o que demonstra que a contiguidade não é mais necessária para que haja comunicação entre as massas urbanas. Quanto mais dispersas, podem avançar em áreas agrícolas, ambientais e exigir que a infraestrutura atenda áreas cada vez mais distantes. Seus interstícios, geralmente com cobertura vegetal apesar de produzir efeitos aprazíveis, têm resultados ambientais reduzidos devido à fragmentação.

De acordo com Ojima (2007)OJIMA, Ricardo. Dimensões da urbanização dispersa e proposta metodológica para estudos comparativos: uma abordagem socioespacial em aglomerações urbanas brasileiras. Revista Brasileira de Estudos de População, São Paulo, v.24, n.2, jul./dez. 2007., a linearidade se dá, quando existem barreiras físicas naturais (montanhas, cursos d´água) ou produzidas (rodovias, ferrovias, pólos econômicos) que resultam na indução do crescimento. Portanto, há diferenças no atendimento de infraestruturas se comparadas áreas de crescimento concêntrico e de crescimento linear.

Por último, a centralidade que mede o nível de polarização do município. Quanto maior o movimento pendular, mais compacta o município tende a ser, e ocupa as franjas da cidade-pólo. Ao contrário, quanto menos dependentes da cidade-pólo, mais dispersas tendem a ser. Portanto, nem sempre a dispersão é um fator negativo da ocupação.

Esses fenômenos podem ser analisados independentemente da quantidade populacional de cada município, o que permite verificá-los nas diferentes cidades-sede dos JO.

MÉTODO DE ANÁLISE

Holanda (2011, p.21)HOLANDA, Frederico. A determinação negativa do movimento moderno. In: HOLANDA, F. (Org.) Arquitetura & Urbanidade. 2 ed. Brasília: FRBH Edições, 2011. destaca a importância da análise relacional entre padrões físico-espaciais e expectativas sociais, pois a desatenção ao caráter multidimensional dos espaços pode levar a pontos de vistas simplistas e que evidenciam os problemas e desconsideram as qualidades. Por esse motivo, para verificar se o propósito do plano diretor realizado para os JO se concretizou e de que maneira em Beijing, deu-se ênfase ao âmbito físico, mas tentou-se estabelecer correlações com as demais dimensões de leitura do urbano propostas por Friedmann (2005, p.36)FRIEDMANN, John. China's urban transition. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2005.: administrativa, econômica, sociocultural e política.

Preuss (2008)PREUSS, Holger. Aspectos Sociais dos Megaeventos Esportivos. In: RUBIO, K. (Org.). Megaeventos esportivos, legado e responsabilidade social. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2008. p. 13-35. alerta para a dificuldade de separar os aspectos que envolvem diretamente os JO e os demais. Portanto, a análise se deu com o intuito de identificar transformações urbanas, sem o compromisso de estabelecer em que medida está relacionada com o evento em si. Os anos de anúncio e de realização dos JO foram utilizados apenas como referências temporais, para verificar o que ocorreu antes e depois. Isso se justifica, pois, conforme Pitts e Liao (2009, p.23)PITTS, Adrian.; LIAO, Hanwen. Sustainable Olympic design and urban development. London: Routledge, 2009., não é possível estabelecer um ponto de partida nem um término do processo de transformação urbana ligada aos JO.

Somados a isso, o contexto em que se insere o evento, modifica a forma de planejar e atuar em uma cidade. Por esse motivo houve a preocupação em contextualizar o histórico do planejamento e citar aspectos culturais, políticos e ideológicos que impactam no espaço urbano e, partir disso, analisar a consolidação física do plano diretor de intervenção.

Beijing optou por construir um Parque Olímpico (PO) que concentrou a maior parte das estruturas esportivas. Logo após ter sido escolhida como sede de 2008 elaborou um plano diretor em 2004 que contemplava não somente o atendimento às diretrizes estabelecidas pelo Comitê Olímpico Internacional (COI), mas significativos investimentos em infraestrutura.

Nesse sentido, Poynter (2008, p.83)POYNTER, Gavin. 2008. Regeneração urbana e legado olímpico de Londres 2012. In: Rodrigues, R. P. et al. (Orgs.) Legado de megaeventos esportivos. Brasília: Ministério dos Esportes, 2008. p. 121-152. demonstrou que o aumento nos custos de organização dos JO deve-se essencialmente ao aumento do investimento em medidas opcionais, que são fundamentais para a viabilização dos legados (PREUSS, 2008PREUSS, Holger. Aspectos Sociais dos Megaeventos Esportivos. In: RUBIO, K. (Org.). Megaeventos esportivos, legado e responsabilidade social. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2008. p. 13-35., p.83).

A mensuração do legado de Beijing foi resumida a 4 anos, pois as dinâmicas econômica e morfológica são bastante acentuadas, o que acelera o resultado dos impactos do evento. Caso a análise considerasse um período mais longo não seria mais possível identificar os impactos relativos aos JO, pois como ocorreu em Barcelona (1996), teria sido realizada uma quantidade significativa de intervenções posteriores ao evento que comprometeria a avaliação.

Foi analisado a densidade habitacional com a intenção de verificar como se configurou essa porção do espaço ao longo dos anos, antes e depois do evento. O adensamento populacional pode sinalizar que as intervenções urbanas realizadas pelo fato da cidade sediar o evento foram relevantes para produzir novas centralidades, que era um dos objetivos do Plano Diretor de 2004.

PLANEJAMENTO URBANO DE BEIJING

É possível constatar que o centralismo governamental sempre conduziu o processo de planejamento das cidades chinesas, subordinado a um macroplano, que refletia as estratégias nacionais desde o feudalismo até o momento atual, com regras comunistas.

A principal característica da organização espacial do período pré-maoísta, foi a diferenciação funcional e especialização do solo, baseado em clãs (GAUBATZ, 1999GAUBATZ, Piper. China's urban trasnformation: patterns and process of morphological change in Beijing, Shangai and Guangzhou. Urban Studies, Thousand Oaks, v. 36, n. 9, p. 1945-1521, 1999., p.1497).

O histórico das transformações urbanas de Beijing deixou marcas na estrutura atual da cidade e podem ser sintetizados assim: a área central de Beijing, onde se localiza a antiga capital, foi fundada em 1267 e mantém suas características, com uma densa rede de vias ortogonais reguladas pelo eixo principal e quadras retangulares.

Logo após a Revolução de 1949, a forma urbana - do período Maoísta - mescla um novo estilo de desenvolvimento com o tradicional. Está estruturada em unidades de trabalho isoladas onde uma pequena comunidade concentra seu trabalho e lazer (JUN; XIAOMING, 2008JUN, Jiang.; XIAOMING, Kuang. The taxonomy of contemporary Chinese cities (we make cities): a sampling. . AD New Urban China, London, v. 78, n. 5, p. 16 - 21, 2008., p.21).

A forma do segundo anel obedece ao desenho das muralhas demolidas na década de 1950, e tem no centro o Palácio Imperial, em frente a Praça Tiananmen. Dois eixos ortogonais norte-sul e leste-oeste demarcam 4 distritos (GRECO; SANTORO, 2007GRECO, Claudio.; SANTORO, Carlo. Beijing: The new city. Milano: Skira editore, 2007., p.119).

O planejamento aos moldes soviéticos impôs a capital Beijing transformar-se em uma cidade produtiva e não consumidora, com a implantação de grandes áreas fabris. Isso ocorre mesmo abrigando mananciais abastecedores e recursos minerais relevantes (FRIEDMANN, 2005FRIEDMANN, John. China's urban transition. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2005., p.11).

Figura 1
Concepção viária principal de Beijing - 1982

Essas políticas regionais diferenciadas - "Ladder-Step Doctrine" -beneficiaram economicamente as áreas costeiras, com privilégios em relação a implantação de infraestrutura e recursos humanos para acelerar e expandir o setor industrial (RONG et al., 2008:37). Beijing, que passou a ser administrada diretamente por seu Conselho de Estado, teve expressivo desenvolvimento econômico.

De 1949 a 1960, houve um forte processo de fluxo para as cidades. Isso resultou numa medida governamental que distinguiu a permissão de residência (hukou) entre cidadãos urbanos e rurais (DENG; HUANG, 2003DENG, Fredric F.; HUANG, Youkin. Uneven land reform and urban sprawl in China: the case of Beijing. Elsevier Progress in planning, v.61, p.211-236, 2003., p.212).

Essa priorização de porções do espaço marca a necessidade de repensar a transição entre a cidade do consumo capitalista e a produtiva do socialismo. Para isso, nos anos 1970 os planejadores direcionaram o plano para atender o setor terciário.

O planejamento do sistema de vias com referência persistente ao centro, local onde se concentra o poder político, tem sido o princípio fundamental de determinação da evolução da cidade (GRECO; SANTORO, 2007GRECO, Claudio.; SANTORO, Carlo. Beijing: The new city. Milano: Skira editore, 2007., p.119).

O Plano Regulatório de 1992-2010 previa a conservação do centro histórico e o crescimento articulado de anéis sequenciais que concentram a maior parte dos investimentos estatais, enquanto as periferias foram reformuladas por meio de investimentos privados (GRECO; SANTORO, 2007GRECO, Claudio.; SANTORO, Carlo. Beijing: The new city. Milano: Skira editore, 2007., p.119). Esse fato somado ao processo de industrialização da cidade, fragmentou a configuração espacial e resultou na mescla de usos incompatíveis convivendo lado a lado.

As indústrias pesadas correspondem a 63,7% da economia da cidade, sendo que as questões relacionadas à moradia foram negligenciadas. De todas as edificações existentes, apenas 40% eram destinadas a moradia. Destas, 80% eram bangalôs em condições precárias no centro da cidade (WANG, 2011WANG, Jun. Beijing Record: a physical and political history of planning modern Beijing. Singapore: World Scientific Publishing CO, 2011.).

De acordo com órgão de planejamento municipal, Beijing precisava limitar sua área e propõe designar 614 km2 para construções e o restante manter como reserva verde. A cidade ainda busca seus recursos hídricos dentro do território de sua jurisdição (WANG, 2011WANG, Jun. Beijing Record: a physical and political history of planning modern Beijing. Singapore: World Scientific Publishing CO, 2011., p.31).

A leitura da paisagem atual de Beijing demonstra tipologias predominantes: as delimitadas como ZEEs (Zonas Especiais Econômicas), com grandes arranha-céus envidraçados e multifuncionais; áreas menos estruturadas com edifícios mais baixos de características arquitetônicas mais simples, ocupados por população de origem rural (ViCs - Village in the City); e uma terceira tipologia que são as casas térreas com quintal em miolo de quadra (siheyuans) e uma malha de vielas somente para circulação de pedestres (hutongs). No entanto, essa configuração tende a permanecer apenas nas áreas delimitadas como de patrimônio histórico, em função da intensa dinâmica de construções urbana atualmente.

As ZEEs são áreas onde há concentração de infraestrutura e flexibilidade de ocupação pela reduzida regulamentação urbanística com o intuito de atrair grandes empresas estrangeiras. (FRIEDMANN, 2005FRIEDMANN, John. China's urban transition. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2005.).

As ViCs, compostas por edifícios residenciais de 6 a 8 pavimentos, são ocupações justapostas sem boas condições de salubridade, muitas vezes sem instalações sanitárias e cozinhas privativas, edificadas por antigos agricultores que alugam seus imóveis aos camponeses sem visto de permanência na cidade (DENG; HUANG, 2004; YAN, 2008YAN, Meng. Urban Villages. AD New Urban China, London, v.78, n.5. p.56-59, 2008., p.56; HASSENPFLUG, 2010HASSENPFLUG, D. The urban code of China. Basel: Birkhauser, 2010., p.124).

A relação entre as tipologias apresentadas e o poder local, explicam a acelerada dinâmica imobiliária chinesa: o direito de uso do solo é concedido por tempo determinado, tanto para os ex-agricultores como para os incorporadores privados, exigindo rapidez no usufruto desse bem, com vistas à obtenção de lucros (GRECO; SANTORO, 2007GRECO, Claudio.; SANTORO, Carlo. Beijing: The new city. Milano: Skira editore, 2007., p.159).

O ganho do direito de sediar os JO em 2004, gerou compromissos com o COI, que demandariam mudanças expressivas na cidade como um todo. Nesse momento, elaborou-se o plano diretor que previa a preservação do patrimônio histórico das edificações dispostas ao longo dos eixos centrais e a intenção de estabelecer dois cinturões: um ecológico e outro produtivo. A porção oeste seria reorganizada de acordo com princípios ambientais e a leste planejada para servir de zona de produção (SONG et al, 2006SONG, Yan; DING, Chengri; KNAAP, Ronald G. Envisioning Beijing 2020 through sketches of urban scenarios. Habitat International, v.30, p. 1018 -1034, 2006. Disponível em: <http://www.elsevier.com/locate/habitatint >. Acesso em: 27 mar. 2010.
http://www.elsevier.com/locate/habitatin...
).

Figura 2
Imagem aérea de um hutong e de uma VIC.

O plano incentivaria a conformação de um sistema multicêntrico, formado por ZEEs: Haidian, Central Business District (CBD), Sanlitun, a área nordeste e a linha do Aeroporto, o Centro Histórico e o Olympic Green. Economicamente, o projeto pode ser considerado exitoso, pois atualmente 60% do PIB da cidade advém dessas zonas (GRECO; SANTORO, 2007GRECO, Claudio.; SANTORO, Carlo. Beijing: The new city. Milano: Skira editore, 2007., p.120).

Figura 3
Zonas Especiais Econômicas de Beijing

O CBD e o Olympic Green são áreas inspiradas nas tendências ocidentais que objetivavam intensificar o intercâmbio entre países integrantes da Organização Mundial do Comércio. O poder público pretendia atrair empresários estrangeiros para a China, com a implantação de vários complexos multifuncionais (GRECO; SANTORO, 2007GRECO, Claudio.; SANTORO, Carlo. Beijing: The new city. Milano: Skira editore, 2007., p.120).

Ao contrário dos CBDs ocidentais, onde há apenas concentração de empresas, em Beijing funcionariam como as demais zonas de desenvolvimento da cidade, com usos mistos, para que a população que trabalha no local também resida e consuma, consolidando-a como uma área autossuficiente (GRECO; SANTORO, 2007GRECO, Claudio.; SANTORO, Carlo. Beijing: The new city. Milano: Skira editore, 2007., p.122).

Entre o CBD e a região do aeroporto está Sanlitun, distrito residencial de luxo, que abriga as embaixadas e os bares voltados para turistas.

O corredor rodoviário expresso de 20 km de extensão conecta a área central de Beijing com o aeroporto pela artéria mais bem estruturada da cidade. De acordo com Greco e Santoro (2007)GRECO, Claudio.; SANTORO, Carlo. Beijing: The new city. Milano: Skira editore, 2007., a área está passando por processo de revitalização e atividades culturais tem se instalado no local.

O Centro Histórico, porção que melhor representa a identidade da cidade, atualmente possui um terço das edificações preservadas num processo gradativo de demolições e construções verticais, principalmente nas décadas de 1960, 1970 e 1980 (YUKATA et al., 2004YUKATA, Hirako et al. Beijing Hutong Conservation Plan: The future of Old Beijing and the conflict between modernization and preservation. Tibet Heritage Fund. in cooperation with Beijing Tsinghua University, 2004. Disponível em: <http://www.tibetheritagefund.org/media/download/hutong_study.pdf> Acesso em fev. 2012.
http://www.tibetheritagefund.org/media/d...
, p.196).

Esse plano demonstrava o ímpeto de renovação do poder local, o que resultou na expansão da ocupação em áreas de proteção. Os órgãos de planejamento dos distritos iniciaram a aprovação de grandes parques e áreas de comércio, alargamento e pavimentação de vias prioritárias, com vistas ao embelezamento da cidade para turistas estrangeiros atraídos pela realização do evento (PITTS; LIAO, 2009PITTS, Adrian.; LIAO, Hanwen. Sustainable Olympic design and urban development. London: Routledge, 2009., p.92).

Diferente de sedes como Barcelona, que atomizaram as estruturas esportivas com o intuito de produzir melhorias na cidade como um todo, Beijing, pela própria escala (a Grande Barcelona possui 3.236 km2, enquanto a Grande Beijing possui 16.807,8 km2), não poderia utilizar da mesma premissa em função das longas distâncias entre os equipamentos que não atenderiam aos padrões exigidos pelo COI. Beijing, propôs a construção de um parque específico para o evento, e concentrou a maior parte das competições num único espaço.

O Olympic Green, apenas uma das ZEEs criadas pelo plano diretor, demonstra que a importância auferida ao PO para a cidade era menor que as sedes anteriores dos JO que o tinham como a principal intervenção urbana no período. Portanto, sua posição ao norte, próxima as universidades, ao aeroporto e a outras áreas de desenvolvimento, produziriam ajuda mútua para que o plano de descentralização fosse exitoso.

Esse plano permite concentrar infraestrutura, comercializar esse espaço privilegiado de maneira diferenciada e concentrar serviços e amenidades para um público homogêneo socioeconomicamente. A intenção de tornar o desenvolvimento urbano de Beijing caracterizado pela dispersão policêntrica iniciou em 1958 e subsequentemente o plano foi revisado em 1983, 1993 e reafirmado em 2004.

Esse estudo pretende verificar em que medida o plano está se consolidando, pois esse foi o principal propósito urbanístico que a cidade tinha ao elaborar o plano diretor de intervenção para sediar os JO.

CONSOLIDAÇÃO DA CONFIGURAÇÃO POLICÊNTRICA

A análise realizada pretende verificar se as ZEEs se consolidaram fisicamente e, caso afirmativo, se as intervenções urbanas relativas aos JO, podem ter auxiliado nesse processo. Em função da dificuldade de obtenção de informações oficiais, propõe-se uma metodologia utilizando dados indiretos que possam auxiliar na análise. Para verificar se houve alteração da densidade habitacional construída em função dos JO, foi estabelecido o recorte temporal de 2002 (período anterior a escolha da cidade como sede) a 2012 (4 anos após a realização do evento). A densidade habitacional foi adotada como proxy na presente pesquisa, pois acredita-se que essa dinâmica possa demonstrar fisicamente uma intenção de ocupação das novas centralidades propostas pelo Plano Diretor de 2004.

Para isso, traçou-se eixos ortogonais, passando pelo centro de cada ZEE.

Ao longo destas linhas, foram subdivididas áreas de um hectare para a contagem da quantidade de domicílios e estabelecida uma escala de cores, sendo a mais escura as maiores densidades.

No caso de a edificação possuir mais de um pavimento, foi considerado uma habitação por pavimento e verificadas as fachadas a partir do aplicativo do Google denominado Street View. O objetivo aqui não era uma mensuração exata, mas a constatação de variações na densidade habitacional no recorte temporal proposto. Portanto, a contagem foi realizada visualmente.

As análises foram realizadas nos anos de 2002 ou 2003 - de acordo com a imagem disponível- e em 2012. Foram contabilizadas apenas as edificações habitacionais, pois este uso é o que demonstra que a população estaria optando por essas áreas para usufruir da estrutura disponibilizada pelo poder público. O uso habitacional demonstra maior grau de estabilidade do local, ao passo que os demais usos (principalmente, comércio e serviços), têm característica de maior mobilidade. Nesse sentido, outros usos ou lotes vagos foram desconsiderados na análise, e os quadrados são apresentadas em branco.

Partiu-se do pressuposto que se houvesse a polarização das ZEEs, ocorreria a intensificação da cor de acordo com o gradiente estabelecido, a medida que se aproximasse dessas centralidades.Os mapas demonstram a localização dos eixos e os esquemas ampliados foram deformados com o intuito de melhorar a visualização do gradiente de cores.

Para verificar se o adensamento do Olympic Green ocorreu de forma diferente das demais ZEEs, aplicou-se a mesma metodologia de análise e foram traçados eixos ortogonais de 8 km de comprimento a partir da área central de cada compartimento, com a tentativa de abranger a área ocupada pelos anéis centrais.

Figura 4
Esquema de localização dos eixos analisados

ANÁLISE DOS RESULTADOS

No que se refere a ZEE Olympic Green, os esquemas de 2003 e de 2012 em direção norte e sul revelam que o processo de construção do PO não produziu efeitos significativos de adensamento no entorno. Na direção norte pela presença do Forest Park e do quinto anel que interrompe a conexão com as ocupações existentes, além de seccionar o eixo norte-sul da cidade.

Na porção sul, direção mais propícia ao crescimento por conectar com a área central da cidade, praticamente não se alteram no recorte temporal analisado. Na direção leste e oeste, em 2003 já existia uma ocupação mais densa que também teve poucas alterações após a construção do PO. No entanto, parece se adensar mais na porção oeste, próxima a Vila Olímpica.

A escolha da localização das estruturas esportivas afastadas do centro da cidade pode promover ligações entre áreas antigas e novas por meio do desenvolvimento de um fluxo orientado (PITTS; LIAO, 2009PITTS, Adrian.; LIAO, Hanwen. Sustainable Olympic design and urban development. London: Routledge, 2009., p.157). No caso de Beijing, a zona delimitada como Olympic Green, após 4 anos do fim do evento, não se encontra em processo intenso de adensamento.

Figura 5
Eixos da ZEE Olympic Green em 2003 e 2012

Mesmo com a proximidade entre a ZEE Haidian Development e a ZEE Olympic Green, estas não parecem estabelecer conexão, uma vez que o eixo oeste do Olympic Green reduz a densidade à medida que se afasta do PO e se aproxima da área universitária de Haidian.

No eixo 11 (norte de Haidian), é possível verificar modificações pouco significativas entre 2002 e 2012, mesmo no entorno das linhas de metrô 4 e 13, implantadas em 2008. O eixo 13 (sul de Haidian) demonstra que o centro desse compartimento não atraiu população, uma vez que o extremo sul permanece mais adensado em 2012. No entanto, é possível perceber a influência da implantação da linha de metrô 10, inaugurada em 2008, que apresenta o entorno mais adensado em 2012 que em 2002.

Figura 6
Intensificação do adensamento dos eixos da ZEE Haidian Development Zone em 2002 e 2012

Na porção sul e norte (eixo 3 e 4) da ZEE Airport - 1, a densidade de ocupação se manteve e a centralidade proposta não atraiu contingentes populacionais significativos para residir.

No eixo 6 (oeste da Airport Zone - 1), que se aproxima da ZEE Olympic Green, em 2012 há um adensamento maior em porções fora dos limites das ZEEs, locais ocupados por densas ViCs. No eixo 5, as densidades demonstram aumento pouco significativo que se aproxima do centro desse compartimento.

Figura 7
Eixos da ZEE Airport Line Zone– 1 em 2002 e 2012

Na porção norte do eixo 8, pertencente a ZEE Airport - 2, não houve adensamento de 2002 a 2012 em função do distanciamento das áreas centrais e a proximidade com uma porção de relevo mais acidentado. No eixo 7 (leste da Airport Zone - 2), houve construções de edifícios bem próximos ao centro desse compartimento, o que demonstra que essa ZEE atraiu significativa população nessa direção, por meio da demolição de antigas hutongs e construção de edifícios residenciais.

Figura 8
Eixos da ZEE Airport Line Zone– 2 em 2002 e 2012

O uso do solo do CBD está subdividido em usos mistos nas seguintes proporções: 50% para escritórios, 25% apartamentos residenciais e 25% para consumo, lazer e entretenimento (GRECO E SANTORO, 2007GRECO, Claudio.; SANTORO, Carlo. Beijing: The new city. Milano: Skira editore, 2007., p.142). É importante esclarecer que as áreas identificadas nesta análise correspondem aos 25% destinados à ocupação residencial. As quadrículas em cor clara não significam que estejam pouco ocupadas, e sim com baixa população residente. A área pode estar sendo utilizada densamente por edifícios corporativos, característica de uso predominante desse compartimento.

Em 2002, o eixo sul do CBD (10), apresentava significativa densidade residencial em seu extremo, em função da intenção de conexão com a cidade portuária de Tianjing. No entanto, após a delimitação do CBD, as altas densidades se estenderam em direção ao centro desse compartimento, o que sinaliza um processo de consolidação dessa centralidade. Nas proximidades da linha de metrô 1, a densidade residencial é baixa pois predomina historicamente o uso comercial.

No que se refere ao gabarito, foi determinado um núcleo central com edificações de 150 a 300 metros de altura que gradativamente se reduzem para 80 metros próximos aos limites da zona (GRECO; SANTORO, 2007GRECO, Claudio.; SANTORO, Carlo. Beijing: The new city. Milano: Skira editore, 2007., p.142). Essa pode ser a justificativa para o eixo 9 (leste do CBD) apresentar adensamento significativo no centro do compartimento em 2012, que reduz à medida que se aproxima dos limites do compartimento.

No entanto, Greco e Santoro (2007)GRECO, Claudio.; SANTORO, Carlo. Beijing: The new city. Milano: Skira editore, 2007. explicam que na última década, houve um estreitamento das relações entre o CBD e as áreas fabris periféricas, o que pode ter incentivado o aumento da densidade das extremidades da zona, verificado no eixo sul do CBD, ao contrário dos parâmetros preestabelecidos.

O eixo 9 tem grande importância para a cidade, pois se caracteriza como a principal via no sentido leste-oeste. A transformação dessa porção ocorreu com a demolição de extensas áreas de hutongs que foram substituídas por arranha-céus residenciais.

O eixo 14 (sul de Salitun) se direciona ao CBD, motivo pelo qual se percebe um aumento acentuado na densidade em 2012 em seu extremo sul. Em 2002 a densidade construída da ZEE Salitun era significativa, mas em 2012 o centro do compartimento parece ter perdido residentes, transformando-se numa área mais comercial. Em direção oeste (eixo 15), área central da cidade, a população residente permanece densa e estável.

A área central da cidade, por possuir edificações e porções consideradas de preservação histórica, tende a modicar-se proporcionalmente menos que outros compartimentos em processo de consolidação. Tanto no eixo que conecta com o Olympic Green, como nos eixos oeste e o sul, é possível visualizar a baixa densidade residencial no centro do compartimento pela presença da Cidade Proibida. Diferente do eixo 15 que conecta Sanlitun com o Centro Histórico, que demonstra densidade significativa à medida que se aproxima do centro desse compartimento. Nos eixos sul, pode-se perceber redução de densidade de 2002 para 2012.

Figura 9
Eixos 09 e 10 da ZEE CBD em 2002 e 2012

Figura 10
Eixos 14 e 15 da ZEE Salitun Zone em 2002 e 2012

Figura 11
Eixos 01 e 02 da ZEE Historical Centre em 2002 e 2012

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Plano Diretor de 2004 foi elaborado para reforçar intenções de descentralizar espacialmente a cidade, construídas desde a década de 1990. O evento serviu como uma oportunidade de justificar novamente a concentração de investimentos na capital chinesa, com a alegação de divulgar o país.

O Olympic Green, estabelecida como uma ZEE foi apenas parte do planejamento para a cidade. Diferentes das demais, as quais possibilitavam a instalação de empresas e atividades de comércio e serviço que incentivariam a vivacidade dessas áreas, o PO se constitui como um espaço para turistas, com grandes estruturas que geram altos custos de manutenção e estão ociosas. A análise da densidade habitacional construída demonstra mudanças pouco significativas de 2002 a 2012.

Em termos de macroplanejamento, Beijing se consolida de acordo com a intenção de tornar a porção leste voltada à produção industrial. As densidades construídas demonstram que há tendência de adensamento populacional nessa direção, verificados em 2012 pelos compartimentos CBD, ZEE Olympic Green e ZEE Salitun. É possível verificar também, novos focos de adensamento nas áreas próximas ao ZEE Airport Zone 1 e 2.

As duas zonas que mais atraíram população para residir e que estão em processo de consolidação como centralidade são o CBD e Salitun. Ambos perdem em atratividade para a área central, verificadas pelas altas densidades das porções oeste desses compartimentos, o que demonstra sua relevância como centro polarizador. No entanto, em relação a porção leste, as densidades se reduzem à medida que se afastam dos centros de seus compartimentos. O plano de transformar as ZEEs em locais de usos múltiplos parece estar se consolidando nesses dois compartimentos, uma vez que apesar de apresentarem áreas centrais voltadas ao comércio e serviços, é constatada a presença significativa de moradias.

Portanto os eixos produtivo e ambiental estabelecidos pelo plano tem se consolidado, uma vez que a porção leste e sul são as que mais se adensaram.

Um fator relevante que contribui em direção a configuração policêntrica é o aspecto cultural que torna esse tipo de ocupação algo natural à sociedade chinesa. Jun e Xiaoming (2008, p.21)JUN, Jiang.; XIAOMING, Kuang. The taxonomy of contemporary Chinese cities (we make cities): a sampling. . AD New Urban China, London, v. 78, n. 5, p. 16 - 21, 2008. denominam de urbanismo autocentrado ou microsociedade. Cada parte da cidade que contém uma centralidade se transforma numa unidade autônoma dentro de outra, que são chamadas de fractais. São heranças das áreas rurais (damwei), onde as vilas eram compostas por comunidades fechadas e economicamente autossustentáveis. Podem ser de diferentes escalas como as ViCs, os condomínios horizontais e verticais fechados e os siheyuans. Hassenpflug (2010, p.144)HASSENPFLUG, Dieter. The urban code of China. Basel: Birkhauser, 2010. discute a inter-relação entre o espaço físico e social: comunidades, diferente de sociedade, somente se espacializam em ambientes fechados, privados, introvertidos, expressos em locais como o quintal, que pressupõe proximidade e intimidade. Essa forma de apropriação dos espaços facilitou sobremaneira a aceitação das ZEEs pela população.

A justificativa para a adoção dessa política é que, caso fossem apenas locais produtivos, se esvaziariam à noite, a exemplo dos CBDs americanos. Portanto, em Beijing, as pessoas que residem e trabalham nessas ZEEs, manteriam o espaço em funcionamento 24hs por dia.

A escala de Beijing, tanto em área como em população, necessita de várias centralidades, pois a estrutura monocêntrica tem causado o atraso ou a paralização dos fluxos na área central. O estabelecimento de novas centralidades pode orientar a expansão urbana e a ocupação do solo que tem ocorrido de maneira desordenada.

Na análise da modificação das densidades populacionais, foi contabilizado apenas o uso residencial, pois era o que melhor indicaria a consolidação da estrutura policêntrica. De acordo com Williams (2000, p.34)WILLIAMS, Katie; BURTON, Elisabeth; JENKS Mike. Achieving Sustainable Urban Form: an introduction. Londres: E & FN Spon, 2000., caso a população não resida e apenas trabalhe no local, os benefícios de reduzir a circulação de deslocamentos em veículos individuais se perdem.

Figura 12
Esquema de análise das tendências de adensamento de 2002 a 2012

Apesar de mensurar as transformações ocorridas nas cidades que foram sede dos JO, não foi possível delimitar se sua ocorrência está diretamente relacionada com o evento. Poynter (2008, p.123)POYNTER, Gavin. 2008. Regeneração urbana e legado olímpico de Londres 2012. In: Rodrigues, R. P. et al. (Orgs.) Legado de megaeventos esportivos. Brasília: Ministério dos Esportes, 2008. p. 121-152. afirma que avaliar os efeitos de megaeventos como os JO é uma tarefa complexa, pois os custos e benefícios sociais para a cidade-sede são difíceis de estimar.

A cidade que fica precisa ser pensada para produzir efeitos positivos e está associada a fatores sociais, econômicos e políticos. Conforme Holanda (2011, p.24)HOLANDA, Frederico. A determinação negativa do movimento moderno. In: HOLANDA, F. (Org.) Arquitetura & Urbanidade. 2 ed. Brasília: FRBH Edições, 2011., "sem reconhecer convenções não há leitura completa do significado nem das implicações configuracionais. Portanto, essas intenções de planejamento precisam ser analisadas sob o contexto local; por esse motivo, a cidade pretérita e os aspectos culturais precisam ser considerados.

Foi possível constatar que o plano elaborado para os JO vai ao encontro da busca por ocupações de altas densidades, usos mistos e intensificação, que segundo Burton (2000, p.20)BURTON, Elisabeth. The compact city: just or just compact? A preliminary analysis. Urban Studies, Glasgow, v.37, n. 11, out. p.1969-2006, 2000. significa processo de adensamento de áreas consolidadas.

Desse modo, Beijing tinha proposta de planejamento, com objetivos específicos tanto espacialmente como politicamente e que não estavam diretamente relacionadas ao evento. Essa característica pode ser considerada positiva e a principal aproximação com a experiência de Barcelona, considerada exemplo de sucesso. Num contexto de reposicionamento político após o término da ditadura no país, Barcelona pretendia expor suas diferenças em relação aos castelhanos e adquirir autonomia econômica, com aspirações separatistas. Para isso, elaborou um conjunto de intervenções urbanas que recuperou as áreas degradadas e transformou-as em novas centralidades com o objetivo de atrair o interesse internacional.

Não é possível afirmar que o resultado do planejamento para a cidade seja considerado o legado dos JO. Isso seria atribuir grau de importância maior do que o evento realmente tem para um espaço que naturalmente se modifica constantemente.

No entanto, sem a elaboração de um plano que vise benefícios para a cidade e que se preocupe somente com a perfeita realização do evento, não há a possibilidade de um legado.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    05 Ago 2017
  • Aceito
    18 Out 2017
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