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DARNTON, Robert. Censores em ação: como os estados influenciaram a literatura. Tradução Rubens Figueiredo. 1º ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2016. 371 pp

DARNTON, Robert. . Censores em ação: como os estados influenciaram a literatura. Tradução Figueiredo, Rubens. . 1º ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2016. 371 pp

Publicado em inglês com o título Censors at Work - How States Shaped the Literature, Censores em Ação, do historiador Robert Darnton, chegou ao Brasil publicado pela editora Companhia das Letras em 2016DARNTON, Robert. Censores em ação: como os estados influenciaram a literatura. Tradução Rubens Figueiredo. 1º ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2016. 371 pp. Como sempre, Darnton produz um trabalho carregado com a sua inconfundível habilidade de escrita e pesquisa, que certamente entrará para a constelação de sucessos publicados pelo autor, junto com o Beijo de Lamourette, O Iluminismo como Negócio e O Grande Massacre de Gatos, entre outros.

Não à toa, Robert Darnton é um dos nomes mais renomados dentre os historiadores contemporâneos. Entre suas publicações, são vastos os exemplos que possibilitam confirmar sua capacidade de análise e organização de informação documental. Sua experiência como jornalista provavelmente contribuiu para tais características. Experiência esta que inclusive passa por um teste importante em Censores em Ação: o autor tem que lidar tanto com fontes escritas (no caso da França e da Índia) como com fontes orais (no caso da República Democrática da Alemanha [RDA], onde o autor entrevistou antigos censores que trabalhavam para o - Hauptverwaltung Verlage und Buchhandel [H.V], escritório da censura na RDA).

A obra é dividida em três partes, cada qual tratando de um caso específico de ccensura no tempo e no espaço. Darnton começa pela França bourbônica do século XVIII (1ª parte - A França dos Bourbon: privilégio e repressão), seguindo para a Índia sob a dominação britânica no século XIX (2ª parte - Índia Britânica: liberalismo e imperialismo) e a República Democrática Alemã (RDA), no século XX (3ª parte - Alemanha Oriental Comunista: planejamento e repressão). A França de Luís XV se utilizava principalmente do privilégio e da repressão para controlar as informações que circulavam no reino. O privilégio não era apenas uma autorização para publicar um livro. Ele era a base de todas as relações entre desiguais no Antigo Regime, concedendo não só o direito de publicar legalmente uma obra, mas também garantindo ao indivíduo agraciado com ele algo de muito valor para a sociedade dos desiguais: a graça do Rei; uma espécie de selo de aprovação que simbolizava a simpatia do monarca (e de Versailles) pela obra e pelo autor. Quando o privilégio não era capaz de controlar a produção e a circulação das obras, o regime se valia da Policie du Livre para reprimir autores e obras que teimavam em circular.

Na segunda parte, Darnton explora a ação dos colonizadores britânicos para equilibrar os interesses imperialistas com os preceitos liberais que compunham sua sociedade desde o século XVII. Até 1857, o Império Britânico pouco havia se preocupado com a produção de impressos na Índia. A partir das pesquisas etnográficas de James Long, as instituições britânicas passam a vigiar a produção literária na Índia. Os colonizadores não podiam proibir a produção de textos, fosse qual fosse sua natureza, uma vez que tal atitude seria contraditória em relação ao discurso fundamentado nas perspectivas liberais de Locke e Hume. Ao invés das obras serem simplesmente censuradas, toda vez que tratassem de assuntos moralmente inaceitáveis, eram abertos processos de calúnia contra os autores.

Na terceira parte da obra, Darnton se debruça sobre o planejamento literário: um dos fundamentos essenciais para o desenvolvimento e a manutenção da sociedade socialista na República Democrática da Alemanha. Planejar e controlar o que circulava no mundo das letras e das artes era indispensável para garantir que a RDA continuasse ideologicamente firme ante a cultura de consumo em massa do mundo capitalista. Um grande e complexo aparato burocrático foi instituído para garantir tal ação, demonstrando como o controle da informação era fundamental para a constituição da sociedade socialista. Aliás, Censores em Ação é uma obra que demonstra como o controle das informações, que alimentam intelectos e almas nas sociedades humanas, é uma atividade de muita valia para a manutenção do controle e da ordem, apesar de nem sempre ser capaz de alcançar de maneira plena seus objetivos.

No início do livro, Darnton registra seu desejo de tentar aprofundar os conhecimentos gerais sobre a censura, já que os estudos anteriores que se dedicaram ao tema não foram suficientes para construir perspectivas para além da ação dos censores. Tal objetivo foi alcançado: a obra deixa claro que a censura é uma poderosa ferramenta de manipulação da produção e da circulação da informação, que foi e será utilizada por diferentes regimes políticos, em distintos tempos históricos, como chave para a manutenção do poder e do controle social. A obra permite perceber que a censura se transforma conforme o contexto histórico e cultural em que estão envolvidos seus atores, podendo agir ou não de acordo com os desejos instituídos.

Além de funcionários ideologicamente fiéis, os censores eram sujeitos com interesses e vontades próprias, e não raramente agiam conforme tais preceitos para orientar suas funções: a enciclopédia de Diderot, por exemplo, deixou de ser confiscada por intervenção de um censor, que não só avisou Diderot sobre a “batida” da Policie du Livre em sua oficina, como também cedeu sua própria casa para esconder os primeiros exemplares da Encyclopédie, evitando o confisco.

O novo livro de Darnton oferece grande contribuição para aqueles que se dedicam a pensar sobre a censura, em diferentes espaços e tempos. Da contribuição de Darnton fica a lição de que não devemos esquematizar ou mesmo julgar as ações políticas como atividades fruto de seres inanimados ou excluídos dos ciclos de relação/interação social. O ato de censurar - quando feita a comparação no tempo e no espaço - tem características em comum, o que gera transversalidade. Mas essas características devem ser sempre relativizadas, uma vez que a censura é praticada por sujeitos que estão inseridos na sociedade e são constantemente influenciados pelo tempo e pela cultura de sua época.

No original, Darnton escolheu o verbo to shape (How States Shaped Literature) para designar o resultado da ação dos censores. A tradução optou por utilizar influenciar (Como os Estados Influenciaram a Literatura). Segundo o dicionário Oxford da língua inglesa, o verbo to shape pode, sem dúvidaa, significar influenciar, mas também pode ser entendido como dar forma, criar ou mesmo moldar. Talvez to shape, entendido ocomo moldar, se aproxime melhor dos objetivos de Darnton. O resultado dos três casos analisados pelo historiador não deixa dúvidas: da França absolutista, passando pela dominação imperial dos britânicos sobre a Índia, até o Hauptverwaltung Verlage da República Democrática da Alemanha, houve ações racionalizadas e institucionalizadas em diferentes tempos e espaços voltadas ao controle da informação que circulava dentro de cada uma dessas sociedades a - ações que tanto se relacionavam com uma conjuntura aquanto dependeiam do universo cultural dos agentes que as praticavam.

O exemplo da França bourbônica é esclarecedor. Apesar de haver instituições muito bem aparelhadas para tentar inspecionar as informações circulantes no Antigo Regime, o Estado Absolutista não conseguia controlar efetivamente a rede de contrabando de obras proibidas pela ccensura. Nem dentro e nem fora da França. Darnton faz menção ao cinturão de editoras piratas que surgiram na fronteira oriental francesa, do qual fazia parte a Societé Thypografique de Neufchatel, estudada pelo autor em outras obras. O Estado aAbsolutista francês (assim como a Grã-Bretanha imperialista do século XIX e a República Democrática Alemã do século XX), tentou controlar a informação, mas não obteve sucesso total.

Controlar a circulação da informação parece ser uma atividade imprescindível, auxiliar da manutenção do controle sobre a sociedade por parte de diversos modelos políticos ao longo da história. Apesar do esforço, o controle total daquilo que é escrito ou lido não é possível. Atribuímos isso à natureza dos suportes que promovem a circulação das informações, de um lado, e às transformações que, ao longo da História da Leitura, possibilitaram o predomínio da leitura em silêncio e individualizada, de outro. Não se pode exercer total controle sobre a leitura porque, na prática, o ato de ler é enclausurado numa relação íntima entre texto e leitor. Não se pode exercer controle total sobre aquilo que é escrito porque existem estratégias de produção e circulação que podem facilmente driblar os mecanismos criados para tal finalidade. Os complexos sistemas de censura, de uma maneira geral, deixam brechas que podem - e devem - ser exploradas das mais diversas maneiras.

  • DARNTON, Robert. Censores em ação: como os estados influenciaram a literatura. Tradução Rubens Figueiredo. 1º ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2016. 371 pp

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Jan 2020
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2019
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