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Sociabilidad homosexual masculina durante la década de 1990

RESENHAS

María Elvira Díaz Benítez

Doutoranda PPGAS/Museu Nacional/UFRJ

SÍVORI, Horacio. 2005. Locas, chongos y gays. Sociabilidad homosexual masculina durante la década de 1990. Buenos Aires: Editorial Antropofagia. Serie Etnográfica. 119 pp.

Esta etnografia é o resultado da dissertação de mestrado em antropologia que Horacio Sívori realizou na New York University e cujo título original foi Rehearsing moralities at the margins. Context of Gay Interaction in a Provincial City of Argentina (1994).

Com Locas, Chongos y Gays o autor inaugurou um campo na antropologia argentina que tem se consolidado nos últimos anos. Apesar de ter sido publicado em 2005 na sua versão em espanhol, o trabalho de campo foi feito nos primeiros anos da década de 1990, na província de Rosario.

Sem pretender estabelecer uma teoria para o estudo das sexualidades não- hegemônicas, Sívori concentra-se na conformação de uma dinâmica social local protagonizada por homens que se relacionam sexual e afetivamente com homens. O autor toma como referência a democratização argentina que se deu a partir de 1983, para mapear transformações sociais que deram lugar à criação de circuitos homossexuais semipúblicos e que ocasionaram mudanças em suas formas de socialização. A abertura de bares e clubes noturnos, explica ele, foram paulatinamente convertendo­se em espaços de referência obrigatória com um sentido de comunidade, onde se criavam redes pessoais caracterizadas ora por encontros fortuitos, ora por amizades duradouras. Por tal motivo, esses lugares associavam-se de maneira ineludível a uma experiência urbana da homossexualidade, e todos os "entendidos" — inclusive aqueles homens que não os freqüentavam — tinham conhecimento de sua existência e localização e os relacionavam com o fato de "ser de ambiente".

Ao longo de toda a obra, o autor explora a dinâmica de sociabilidade homossexual masculina como uma produção cultural coletiva, na qual maneiras de apresentação do self (muitas associadas ao anonimato), experiências e trajetórias de vida, hierarquias e valores, humor, formas de falar específicas e certos gostos recriam um ethos próprio. Uma das principais características desses mundos — principalmente se comparada com o circuito homossexual argentino dos últimos anos — era a invisibilidade. Como resposta aos preconceitos e à tendência a estigmatizar a homossexualidade, os indivíduos organizaram códigos específicos de comunicação e de conduta pública que visavam gerenciar zelosamente o segredo.

A este respeito, Sívori explica como, por um lado, conformou-se um cenário para encontros de rua, especialmente em horários noturnos como, por exemplo, em parques, praças, terrenos desabitados, cinemas e banheiros públicos, que se caracterizavam por sua solidão e afastamento e por um ritual de interação — denominado Yiro — altamente estigmatizado e encoberto por seus próprios agentes, no qual códigos muito estritos de prudência e silêncio resguardavam a atividade da "pegação" dos olhares discriminadores e de possível censura e da violência policial. Por outro, nos bares e "boliches" (boates) — alguns localizados longe de lugares de circulação maciça e outros só visíveis aos "olhos entendidos", embora estivessem posicionados no meio de zonas de entretenimento — o cuidado do segredo, entre outros fatores, abriu lugar à fragmentação de tais mundos.

A discrição colocava­se como uma fronteira social, como uma hierarquia ou valor simbólico associado ao prestígio, o qual se agudizava se somado ao refinamento, à cor de pele branca e a uma classe social bem-sucedida. Ter uma postura e comportamento "normal", ou seja, não-efeminado, ou melhor ainda, passar por heterossexual, era interpretado como uma vantagem social, indicadora de status, altamente relevante no momento de estabelecer alianças amistosas, eróticas ou afetivas. Tanto os comportamentos individuais como as atividades de clubes noturnos investiam na masculinidade como o ideal moral de imagem pública, com a qual permaneceriam à margem do escárnio e não confrontariam valores dominantes acerca dos gêneros.

Assim, uma divisão específica baseada na maneira de pôr em cena a homossexualidade, tendo como pano de fundo a discrição, é aquela que dá título ao livro. As denominações locas, chongos e gays, representativas das formas como se identificavam e classificavam os homens com práticas homoeróticas dos anos 1990 em Rosario, dão conta de uma negociação das identidades pessoais e de uma produção da diferença. Em termos gerais, Sívori explica que locas seriam aqueles homens identificados como efeminados; chongos aqueles que transitavam no "ambiente" sem serem vistos como gays por sua performance de virilidade (análogo aos bofes brasileiros); e gays aqueles que se associavam a uma maneira "normal" ou neutra em termos de gênero de se apresentarem como homossexuais. Contudo, nem todos os homossexuais se consideram gays, resistindo à identificação do gay com as práticas de consumo e de expansão do mercado capitalista. Fica claro no texto que estas identidades não são estáveis, pelo contrário, respondem a contextos e a situações nas quais os indivíduos decidem identificar­se de certa maneira específica, e estão sujeitos, portanto, a variabilidades e a descontinuidades presentes nos usos cotidianos.

A instabilidade das denominações e das posições de sujeito como denotativas de identidades pessoais tem a ver com diversos fatores. Um deles, insiste Sívori, relaciona-se com a dicotomia entre o público e o privado. Se no cenário do boliche o ser assumido era uma atitude adequada, no yiro, ser "tapado" (ultradiscreto) funcionava como um atributo que inclusive podia aumentar o capital erótico do indivíduo. Em poucas palavras, ser chongo, gay, loca — assumido ou "tapado" — são identificações situacionais ou posicionamentos alternativos que permanecem em movimento e em avaliação constante quando um indivíduo passa de um contexto para o outro.

Da mesma maneira, a resistência de alguns a certas posições — utilizando-se da paródia, por exemplo — dá conta da criatividade com a qual os indivíduos produzem coletivamente suas subjetividades, e de que a chamada "cultura gay" está longe de se constituir como uma entidade única, homogênea e contínua. Tal resistência é amplamente explorada no quarto capítulo (sem dúvida o mais sugestivo do livro) através da fala das locas, recurso lingüístico e discursivo utilizado pragmaticamente tanto para a produção de categorias de identidade, como para a construção do ambiente homossexual como uma comunidad de habla (:77). As locas expressam-se no feminino e fazem referência no feminino a objetos e a indivíduos que culturalmente são interpretados como masculinos. Esta forma de falar, unida a gestos e a tons de voz, é uma maneira de montar­se, de dramatizar um papel de gênero.

Igualmente, com a autoridade discursiva que lhes permite seu recurso lingüístico, as locas podem elaborar uma ideologia e posicionar identitariamente os outros — os chongos, por exemplo — e colocar em dúvida a identidade de gênero que estes personagens representam. Mariconear ou loquear é defendido por muitas locas, explica Sívori, como uma crítica à hipocrisia do ambiente gay, uma paródia ao chongo e uma forma válida de entretenimento. Na fala das locas, a mudança de códigos reforça, por um lado, a solidariedade entre pares e, por outro, inverte as marcas de gênero e transgride seu próprio lugar de subordinação nessa hierarquia.

As identidades, a partir deste ponto de vista, não dependem tanto dos papéis sexuais, mas das posições, relações e condutas de gênero que também são construídas tendo como base as práticas lingüísticas e discursivas (ou no rechaço destas); mais um motivo para contemplar sua instabilidade.

A etnografia em sua totalidade evidencia os conflitos de ordem social e ideológica da Argentina que, após dez anos de democracia, deslegitimava moralmente práticas, identidades e subjetividades, relegando­as aos âmbitos privados. Poucos daqueles que freqüentavam os mundos homossexuais rosarinos de começo dos anos 1990, explica Sívori no último capítulo, imaginavam que tais mundos pudessem originar uma força política em esfera pública ampla. A manifestação de seus desejos e interesses, construídos como algo íntimo e individual, não encontrava espaços de negociação em um foro público, nem na forma de uma política da identidade. Os indivíduos procuravam liberdade no contexto da intimidade. A exposição colocava em perigo uma individualidade construída como a pedra fundacional de uma política do corpo.

Só na segunda metade da década ganharam visibilidade as demandas por uma politização da identidade sexual, inspiradas pela organização de gays, lésbicas, travestis e transexuais de Buenos Aires. O movimento rosarino cresceu nessa época como resposta ao impacto da AIDS. Grupos como o Movimiento de Liberación Homosexual e Voluntarios contra el Sida deram origem a experiências que pouco tempo depois ganharam reconhecimento público e midiático.

Para terminar, quero dizer que Horacio Sívori cumpre o que prometeu desde a introdução. Concordo com Mario Pecheny, autor do prólogo, quando diz que só se sentirá decepcionado quem esperava deste texto um manifesto político. Aqueles que leram "Travesti", de Don Kulick, ou "O negócio do Michê", de Néstor Perlongher, e gostaram, sem dúvida encontrarão em Locas, Chongos y Gays uma oportunidade para imiscuírem­se nos códigos de interação desses mundos que o autor tão brilhantemente explica e imaginar os cenários e os personagens que ele descreve. Melhor ainda, é uma oportunidade para se pensar acerca das mudanças que as dinâmicas gays têm sofrido desde a época da etnografia até os nossos dias e quiçá nos assombrarmos com as continuidades.

Outros decepcionados certamente seriam aqueles que anseiam que um trabalho antropológico seja uma espécie de coletânea de citações bibliográficas e raciocínios da mais alta teoria. Afortunadamente, o texto de Sívori não procura esse tipo de erudição. A análise deixa entrever a grande quantidade de discussões conceituais que o autor incorporou, e que tiveram como resultado um texto de um ecletismo moderado que privilegia a etnografia e os dados empíricos e dá espaço a uma pluralidade de vozes; a voz das locas, por exemplo.

Certamente Locas, Chongos y Gays deleita o leitor. Não só um leitor especializado, mas todo aquele que se interessa pelas temáticas da diversidade sexual, da interação social, da antropologia urbana, de fato, todo aquele que gosta de uma etnografia bem escrita, na qual a descrição impacte pela fluidez e chegue a ser tão prazerosa como a leitura de um romance.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Out 2011
  • Data do Fascículo
    Out 2005
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