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MATERNIDADE, ABORTO E LIBERDADE EM "PAI CONTRA MÃE" DE MACHADO DE ASSIS E BELOVED DE TONI MORRISON 1 1 O presente trabalho foi realizado com apoio do CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - Brasil, processo n° 150577/2021-4.

MOTHERHOOD, ABORTION AND FREEDOM IN MACHADO DE ASSIS' "PAI CONTRA MÃE" AND TONI MORRISON'S BELOVED

Resumo

O conto "Pai contra mãe", de Machado de Assis, publicado em 1906 no livro Relíquia de casa velha, narra o desenvolvimento e desfecho de duas gestações: de um lado, a de Clara, que precisa decidir se abandonará o bebê na Roda dos enjeitados; de outro, a de Arminda, uma mulher escravizada que, grávida, foge de seu senhor. Com o olhar caracteristicamente afiado, Machado retrata a situação dessas duas mulheres, ligando-as pela ação do protagonista, Cândido Neves. O romance de Toni Morrison, Beloved (Amada), publicado em 1987, por sua vez, trata da trajetória de Sethe, mulher ex-escravizada que foge de uma fazenda com seus filhos e, quando perseguida pelo dono, mata uma das filhas para que não caísse nas mãos dos feitores. Neste trabalho, analisa-se a trajetória das duas personagens machadianas ao longo de suas gestações, atentando para como questões de raça e classe impactam na representação da gravidez, e coteja-se a narrativa brasileira com as questões apresentadas pelo romance norte-americano.

Palavras-chave:
Gravidez; maternidade; aborto; escravidão

Abstract

Machado de Assis' short story "Pai contra mãe", published in 1906 in the collection Relíquias de casa velha, narrates the development and outcome of two pregnancies: on one hand, Clara's, who needs to decide whether she will abandon the baby to a foundling wheel. On the other, Arminda's, an enslaved woman who escapes from her master while pregnant. With his characteristically sharp outlook, Machado portrays both women's situations, connecting them through the protagonist, Cândido Neves. Toni Morrison's novel, Beloved, published in 1987, deals with Sethe's trajectory. A formerly enslaved woman who runs away from a farm with her children, she kills one of her daughters so that she would not fall in the hands of her previous owner, who goes after her. In the present work, both of Machado's characters are analyzed throughout their pregnancies, noting how matters of race and class have an impact on their gestation, and the Brazilian narrative is seen through the perspectives proposed by the American novel.

Keywords:
Pregnancy; motherhood; abortion; slavery

“Pai contra mãe" é o conto de abertura da coleção publicada com o título de Relíquias de casa velha, no final do ano de 1905. Como sugere a advertência escrita pelo autor, os textos selecionados para compor o volume possuem caráter reflexivo, são "lembranças de um dia ou de outro, da tristeza que passou, da felicidade que se perdeu" (ASSIS, 1906ASSIS, Machado de. Relíquias de casa velha. Rio de Janeiro: Garnier, 1906., s.p.). Esse enquadramento é percebido logo de início na leitura do conto, que se propõe a olhar para o período da escravidão depois de decorridos dezesseis anos da abolição.

Parece-me que é este aspecto, de discussão da crueldade e do horror envolvido no dia a dia da experiência da escravidão, que é tomado como foco para a análise do conto na crítica machadiana. Os estudos que oferecem análises do texto, em geral, buscam lançar um olhar sobre o modo como o autor, em suas instâncias narrativas, se posiciona em relação às práticas do período. Nada mais pertinente, visto que realmente o olhar crítico e cirúrgico de Machado no desenrolar da narrativa desvela uma realidade difícil de conceber, e a concisão de suas afirmações parece abarcar não ditos que reverberam ao longo do texto, ressaltando o sofrimento dos escravizados a partir de uma linguagem de enorme crueza.

Como aponta Adão Marcelo Lima Freire Alves (2021ALVES, Adão Marcelo Lima Freire. "O caso da vara" e "Pai contra mãe": narrativas na contracorrente da dissimulação machadiana sobre a escravidão. Miguilim: Revista Eletrônica do Netlli, v. 10, n. 3, p. 947-963, set./out. 2021., p. 949), ao contrário do posicionamento mais tradicional da crítica literária em relação à obra de Machado de Assis, que afirmava ausência de posicionamento abolicionista por parte do escritor, "A presença do negro e de um conjunto de hábitos próprios da escravidão no Brasil do século XIX estão materializados na obra de Machado de Assis". No conto em questão, ainda na proposta de Alves (2021ALVES, Adão Marcelo Lima Freire. "O caso da vara" e "Pai contra mãe": narrativas na contracorrente da dissimulação machadiana sobre a escravidão. Miguilim: Revista Eletrônica do Netlli, v. 10, n. 3, p. 947-963, set./out. 2021., p. 950), é possível notar uma postura "mais incisiva em relação à instituição escravocrata", executada através da adoção do narrador extradiegético. Nessa mesma linha, Paulo Henrique Rodrigues Pereira (2020PEREIRA, Paulo Henrique Rodrigues. A liberdade na ordem escravocrata: interpretações sobre o conto Pai contra Mãe, de Machado de Assis. Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 115, p. 455-475, jan./dez. 2020., p. 456) argumenta que o conto revela os modos como "a ordem escravocrata constrange as forças sociais constituídas, e drena os potenciais sociais de modo a limitar as possibilidades de desenvolvimento dos não possuidores". As análises de ambos os pesquisadores vão ao encontro da argumentação de Eduardo de Assis Duarte (2010DUARTE, Eduardo de Assis. Por um conceito de literatura afro-brasileira. Terceira Margem, Rio de Janeiro, n. 23, p. 113-138, jul./dez. 2010.), ao afirmar que o conto "Pai contra mãe" é uma instância exemplar da obra de Machado de Assis quando se trata de reconhecê-la como parte integrante daquilo que define como literatura afro-brasileira. Para o autor, "o dissimulado lugar de enunciação" (DUARTE, 2010DUARTE, Eduardo de Assis. Por um conceito de literatura afro-brasileira. Terceira Margem, Rio de Janeiro, n. 23, p. 113-138, jul./dez. 2010., p. 121) que a obra de Machado abriga traz consigo uma marca de engajamento contra a escravidão sem necessariamente delimitar uma voz autoral negra. Ainda segundo Duarte (2010DUARTE, Eduardo de Assis. Por um conceito de literatura afro-brasileira. Terceira Margem, Rio de Janeiro, n. 23, p. 113-138, jul./dez. 2010., p. 120), "O texto machadiano fala por si, e assim como em [Maria] Firmina [dos Reis], explicita um olhar não branco e não racista".

Ao mesmo tempo, soa curioso que a maioria das análises tenha dado pouca ênfase a uma questão que se coloca à leitora desde o título: pai contra mãe, embate de duas posições marcadas pelo gênero. Talvez as duas posições de inscrição inicial das práticas de gênero na maioria das sociedades, a paternidade e a maternidade aparecem no conto como narrativas contrapostas, organizadas ao redor das personagens Candinho, Clara e Arminda. Se a contradição aqui é binária, a representação se multiplica por três, abarcando questões da experiência da sociedade brasileira do período que permanecem até hoje.

Gostaria, portanto, com este trabalho, de abordar uma camada de leitura distinta da já tradicional, ainda que me apoie em algumas reflexões propostas por estudiosos do conto. Minha preocupação principal é desvelar, na leitura do texto, modos pelos quais Machado mobiliza elementos relacionados ao gênero de suas personagens para questionar processos que se atualizam na situação individual das duas gravidezes representadas dentro do contexto amplo da experiência da escravidão. As relações de gênero na narrativa são atravessadas por questões sociais e raciais, e historicamente situadas em um momento de importantes mudanças na maneira como as gestações eram vistas e experimentadas pelas mulheres brasileiras.

Assim, pode-se reconhecer uma estrutura de tensões que organizam a narrativa e que apontam para duas possíveis leituras da oposição pai/mãe como estruturas de poder. Tais leituras, talvez possíveis apenas atualmente, sinalizam um lugar contraditório da ideia da gestação dentro do texto, atravessado por estruturas de poder que partem e se voltam para os corpos grávidos, e os frutos dessas gestações.

A narrativa machadiana: gestações, escravidão e pobreza

O conto é dividido em três partes. A primeira, espécie de introdução, procura apresentar logo de cara os instrumentos usados para manter funcionando o sistema da escravidão. Machado inicia com duas frases que parecem simples: "A escravidão levou consigo ofícios e aparelhos, como terá sucedido a outras instituições sociais. Não cito alguns aparelhos senão por se ligarem a certo ofício" (ASSIS, 1906ASSIS, Machado de. Relíquias de casa velha. Rio de Janeiro: Garnier, 1906., p. 3). O narrador então prossegue a descrição de aparelhos de tortura que serviam para castigar aqueles escravizados que fugiam ou apresentavam algum hábito que o senhor queria combater. Na relação imediata, as frases introdutórias parecem tratar apenas dessa espécie de introito que localiza os leitores em relação aos usos desses instrumentos na punição daqueles que fugiam. Assim, elas introduziriam o assunto dos aparelhos ligados à escravidão, e essa listagem seriam exemplos de instrumentos que estariam ligados à prática do ofício que o protagonista do conto escolhe - capturar escravizados fugidos:

Um deles era o ferro ao pescoço, outro o ferro ao pé; havia também a máscara de folha de Flandres. A máscara fazia perder o vício da embriaguez aos escravos, por lhes tapar a boca. Tinha só três buracos, dous para ver, um para respirar, e era fechada atrás da cabeça por um cadeado. Com o vício de beber, perdiam a tentação de furtar, porque geralmente era dos vinténs do senhor que eles tiravam com que matar a sede, e aí ficavam dous pecados extintos, e a sobriedade e a honestidade certas. Era grotesca tal máscara, mas a ordem social e humana nem sempre se alcança sem o grotesco, e alguma vez o cruel. (ASSIS, 1906ASSIS, Machado de. Relíquias de casa velha. Rio de Janeiro: Garnier, 1906., p. 3).

A escolha do adjetivo "grotesco" por parte do narrador não é casual. É a instância mais subjetiva da descrição dos aparelhos da escravidão, que é modulada pela afirmação irônica de que "a ordem social e humana nem sempre se alcança sem o grotesco", intensificada, então, pela adição da crueldade como elemento estruturante da ordem social escravocrata. É relevante que seja uma máscara que Machado escolha para marcar o horror do sistema da escravidão - é recorrente a associação do uso das máscaras com as funções sociais específicas, ou mesmo com o exercício da narração, como se a mascarada funcionasse no conto perversamente a marcar sob o signo da escravização alguns sujeitos, sob o signo da literatura, outros.

Talvez seja interessante, contudo, para além da análise da descrição dos instrumentos de tortura, olhar para as duas frases iniciais como mote a partir do qual Machado constrói a tessitura de sua história. O texto deve apresentar os aparelhos ligados a um ofício específico, mas esse ofício em si é parte de um aparelho que coloca os sujeitos envolvidos em dilemas específicos da situação da escravidão. A narrativa deve discorrer, a partir desse ponto de vista, sobre a organização social que se superpõe a todas as experiências individuais das personagens envolvidas.

Somos, logo de início, apresentados ao protagonista: "Cândido Neves, - em família, Candinho, - é a pessoa a quem se liga a história de uma fuga" (ASSIS, 1906ASSIS, Machado de. Relíquias de casa velha. Rio de Janeiro: Garnier, 1906., p. 5). Candinho é amaldiçoado pelo caiporismo - a má sorte de não conseguir se manter em emprego estável nenhum. Aprendeu a tipografia, trabalhou como caixeiro, foi fiel de cartório, contínuo de repartição, carteiro, entre outros empregos nos quais não foi capaz de se fixar. Quando se apaixonou por Clara, tentou ser entalhador, e também não teve sucesso. Acabou por ganhar a vida na captura de fugidos, sempre dependente da sorte de encontrar os sujeitos anunciados nos jornais.

Candinho é o protagonista do conto, mas a história não é sua. A frase de Machado, admiravelmente, desloca o centro da história para uma segunda narrativa, subterrânea, que acontece por trás da superfície do romance de Candinho e Clara: a história de uma fuga, a história da fuga de Arminda. É como se o narrador estivesse desviando o olhar do leitor da fuga de Arminda, protelando sua entrada em cena, dando-lhe a chance de escapar via anonimato.

Seu foco recai, portanto, naquele que será seu algoz. Está aqui o processo mais cruel da escravidão como vista por Machado. Ela não apenas faz sofrer aqueles que padecem pelos instrumentos que os aprisionam, mas faz parte de uma sociedade na qual a busca pelos sonhos e as esperanças daqueles livres passa também pela reificação do outro e pela violação da própria moral. A escravidão não rebaixa só o escravo, mas todos nela envolvidos.

Cândido das Neves e Clara - eles próprios riem da associação de seus nomes - são um casal feito sob medida para a escrita. É assim mesmo que seu romance se apresenta: "O amor traz sobrescritos" (ASSIS, 1906ASSIS, Machado de. Relíquias de casa velha. Rio de Janeiro: Garnier, 1906., p. 6). É a frase que o narrador usa para introduzir o primeiro encontro entre os dois. De certo modo, Machado brinca com as convenções da história de amor, e apresenta uma mocinha que espera pelo grande amor e enfim o encontra na apequenada pessoa de Candinho.

"O encontro deu-se em um baile; tal foi - para lembrar o primeiro ofício do namorado, - tal foi a página inicial daquele livro, que tinha de sair mal composto e pior brochado" (ASSIS, 1906ASSIS, Machado de. Relíquias de casa velha. Rio de Janeiro: Garnier, 1906., p. 6). A história vai-se construindo em via dupla, através da metáfora do livro, como uma história de amor tradicional, ainda que sob o signo do fracasso, do caiporismo de Cândido das Neves. O casamento, apesar dos avisos de perigo dos amigos da noiva, é rápido, e logo os dois passam a imaginar o passo seguinte no roteiro de um romance: a chegada do filho que coroará de felicidade a vida do casal.

Machado adota aqui uma expectativa bastante aburguesada do relacionamento dos protagonistas: eles esperam o final feliz do casamento e dos filhos que Deus há de prover - porém, a realidade, por seu lado, não parece dar sinais de fazê-lo. Candinho e Clara parecem viver com um pé nos livros, mas o mal-acabado da brochura é a pobreza que bate à porta.

Tia Mônica é a voz da realidade que de vez em quando tenta chamar a atenção do casal para o perigo do nascimento de uma criança para o sustento da família. Na primeira vez em que o filho é mencionado, é por questionamento da tia, que associa, imediatamente, a criança à morte: "Vocês, se tiverem um filho, morrem de fome" (ASSIS, 1906ASSIS, Machado de. Relíquias de casa velha. Rio de Janeiro: Garnier, 1906., p. 7).

A perinatalidade no século XIX

Morte e filhos é uma associação sensata por parte de Machado. Para além das dificuldades de manter uma criança viva com os custos de alimentação e os cuidados necessários, o processo de trazê-la ao mundo, em meados do século XIX, quando o conto se passa, é um fator de alto risco. Como aponta Ana Paula Vosne Martins (2004MARTINS, Ana Paula Vosne. Visões do feminino: a medicina da mulher nos séculos XIX e XX. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2004., p. 200), "O atendimento obstétrico no Brasil foi incipiente até o começo do século XX, apesar de algumas poucas tentativas para reverter a situação". Isso nos distancia da terrível realidade europeia e sua epidemia de febre puerperal que elevou a mortalidade materna com a mudança dos partos das residências para os hospitais.

O atendimento obstétrico e ginecológico era realizado no Brasil de acordo com a origem social e racial das mulheres. Aquelas que podiam pagar e estavam cercadas de atenções familiares eram atendidas geralmente em casa pelo médico de família ou por uma parteira de confiança. As mulheres pobres, mas que ainda tinham algum recurso, também recorriam às parteiras. Somente as mulheres que viviam na mais completa miséria e abandono procuravam as enfermarias dos hospitais. (MARTINS, 2004MARTINS, Ana Paula Vosne. Visões do feminino: a medicina da mulher nos séculos XIX e XX. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2004., p. 201).

Porém, ainda assim, a taxa de mortes de mulheres recém-paridas era assustadora.2 2 Diz Martins (2004, p. 175): "Mesmo sem contar com estatísticas, há relatos médicos sobre níveis alarmantes de mortalidade materna, atribuídos ao descaso dos médicos, à precariedade do ensino obstétrico e à ação das parteiras não diplomadas, chamadas também de 'comadres' e 'curiosas'". O narrador sublinha essas preocupações ao mencionar a chegada ao fim da gestação: "Chegou o oitavo mês, mês de angústias e necessidades, menos ainda que o nono, cuja narração dispenso também" (ASSIS, 1906ASSIS, Machado de. Relíquias de casa velha. Rio de Janeiro: Garnier, 1906., p. 10). As angústias não descritas no texto certamente estão relacionadas não só às dores e aos desconfortos comuns à gravidez como também ao avizinhamento do momento em que a mulher precisará dar à luz.

A aproximação do parto aumenta a pressão que a tia de Clara exerce sobre o casal para que a questão do dinheiro seja resolvida. A solução é difícil de aceitar para Candinho: entregar o bebê à Roda dos enjeitados. Essa, porém, não é uma solução nem nova nem incomum para a época. O enjeitamento é apenas mais uma máscara que a história dá à necessidade das famílias de se desincumbirem de filhos que não eram desejados ou que, por algum motivo, não podiam ser aceitos na vida familiar. Saulo Ferreira Feitosa (2010FEITOSA, Saulo Ferreira. Pluralismo moral e direito à vida: apontamentos bioéticos sobre a prática do infanticídio em comunidades indígenas no Brasil. 2010. 113 f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Saúde) - Universidade de Brasília, Brasília, 2010.) descreve como a prática do abandono de recém-nascidos era comum e reconhecida na história antiga - e o registro dessas necessidades presente na literatura desde Sófocles, com seu Édipo rei. O responsável pelo abandono ou pela rejeição do filho, contudo, parece depender da estrutura social e dos costumes de cada sociedade. Feitosa (2010)FEITOSA, Saulo Ferreira. Pluralismo moral e direito à vida: apontamentos bioéticos sobre a prática do infanticídio em comunidades indígenas no Brasil. 2010. 113 f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Saúde) - Universidade de Brasília, Brasília, 2010. aponta como há uma diferença fundamental entre parir - o ato físico de colocar o bebê no mundo - e o processo cultural de fazer nascer. Para que uma criança venha a ser reconhecida como um sujeito por seus pares, aqueles responsáveis por sua criação devem reconhecê-la e aceitá-la como sua incumbência. No entanto, caso haja algum impeditivo para essa aceitação, existe a possibilidade de que a ela seja negado o nascimento dentro da cultura. Nesses casos, conforme a sociedade em que está inserida, ela sofre o infanticídio ou o abandono por parte daquele que deve assegurar seu lugar de sujeito. Assim, na Roma Antiga, eram os pais - gênero masculino - que aceitavam ou não seus filhos, através do gesto de tomar ou não a criança nos braços quando a encontravam pela primeira vez.3 3 Diz Feitosa (2010, p. 46): "A referida decisão fundamentava-se no Patria Potestas, significando nesse caso o poder de fazer nascer ou não nascer, ficando assim o nascimento biológico submetido ao segundo nascimento. O primeiro não se constituía num imperativo de vida, mas apenas possibilitava poder nascer, a depender da vontade do 'todo poderoso pai'". Aquelas que não eram aceitas, seja qual fosse a razão, eram abandonadas na rua (para possivelmente serem encontradas e adotadas por outras famílias, mas também sujeitas a serem devoradas por animais ou morrerem de frio e fome).

Distintamente, em povos amazônicos como os Yanomami, a decisão é tomada pela mãe, apoiada por uma mulher mais velha, em geral a avó.4 4 "Somente à mãe é assegurado o poder de acolher ou rejeitar. O gesto da mãe Yanomami é muito similar ao gesto do pai romano, mas essa mãe não é detentora de um 'poder materno arbitrário'. Pesa sobre ela a responsabilidade de garantir o aleitamento e os cuidados necessários à manutenção da 'vida nascida depois de gerada'. A mulher Yanomami gera, faz nascer e cuida. Ao homem, que ajuda a gerar, também pesa a responsabilidade do cuidado, mas isso não lhe concede poder para decidir." (FEITOSA, 2010, p. 47). Os fatores que levam uma mulher yanomami a interditar o nascimento de um filho em geral estão relacionados a sua capacidade de sustentar uma maternidade que dê condições para que a criança se desenvolva. Se, por alguma razão, ficar claro que aquela criança não poderá se desenvolver normalmente, há a possibilidade de que ocorra o interdito da vida.5 5 O uso da expressão "interdito de vida" se opõe a "infanticídio" por configurar, segundo Feitosa (2010), uma prática diferente nas comunidades indígenas.

É curioso como o conto de Machado exemplifica essa situação no caso do casal Neves. A insistência de tia Mônica para o enjeitamento do filho de Candinho e Clara é fruto de enorme preocupação com a capacidade do casal de se sustentar (e, por isso, deixar que a criança não se desenvolva e, finalmente, morra de fome). Sua solução é problemática. Ela diz "Pois então a Roda é alguma praia ou monturo? Lá não se mata ninguém, ninguém morre à toa, enquanto que aqui é certo morrer, se viver à míngua" (ASSIS, 1906ASSIS, Machado de. Relíquias de casa velha. Rio de Janeiro: Garnier, 1906., p. 11). Ao comparar a Roda a "praia ou monturo", ela alude a possíveis práticas de interdição da vida que, para seus interlocutores, equivaleriam a abandonar o bebê à morte. Afinal, a Roda não era exatamente um lugar acolhedor. Durante o século XVIII, como aponta Feitosa (2010FEITOSA, Saulo Ferreira. Pluralismo moral e direito à vida: apontamentos bioéticos sobre a prática do infanticídio em comunidades indígenas no Brasil. 2010. 113 f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Saúde) - Universidade de Brasília, Brasília, 2010., p. 36), os percentuais de morte chegaram a 68% das crianças que eram abandonadas nas casas de enjeitados. O século XIX parece ter visto uma melhora nesses números, mas, ainda assim, a mortalidade infantil nessas situações era expressiva.

A crueldade a que alude o narrador no parágrafo seguinte, então, não está só na sugestão de tia Mônica, mas na possível consequência para o filho do casal. Mesmo sobrevivendo, o enjeitamento tornaria a criança um pária, uma figura digna de pena e vista com certa repugnância. É notável como a imagem do enjeitado surge com enorme força no final dos oitocentos na literatura popular. Poemas, dramas e romances populares que trazem no título "o enjeitado" são comuns no período.6 6 Entre eles podemos contar a peça de 1864 de Tomás Ribeiro A mãe do enjeitado, O enjeitado infeliz, romance de 1866 de Claudino de Abreu, e O enjeitado: romance original, obra de 1878 de Bernardo Taveira Júnior. Isto é, assim como os horrores da máscara de flandres são comuns, ou, no mínimo, normalizados, também a impossibilidade das famílias de criarem seus filhos parece ter sido tão normal a ponto de ter criado uma leva de representações literárias na imprensa do período.

Assim, é possível compreender por que Clara, depois de "pensar [na criança], vi[ver] já com ela, med[ir]-lhe as fraldas, cos[er]-lhe camisas" (ASSIS, 1906ASSIS, Machado de. Relíquias de casa velha. Rio de Janeiro: Garnier, 1906., p. 7), é capaz de conformar-se com o enjeitamento. Não é, como parece, figura totalmente alheia a sua vida. Também é um modo de sustentar sua existência de papel, que é feita de muitos risos e, perto da chegada do filho, ameaça desmanchar-se com a morte lenta pela fome.

Pai versus mãe

É chegado, então, o momento de o narrador remover o filtro que esconde a história de Arminda, e revelá-la ao leitor. Ela já anda pelas ruas do Parto e da Ajuda, e não há mais o que ele possa fazer para protelar a tragédia da história de sua fuga. É a terceira parte do conto, que finalmente apresenta o que foi anunciado no início - o aparelho terrível da escravidão em movimento.

A fala de Arminda quando é capturada por Candinho quer apelar para sua humanidade: "Estou grávida, meu senhor! exclamou. Se Vossa Senhoria tem algum filho, peço-lhe por amor dele que me solte" (ASSIS, 1906ASSIS, Machado de. Relíquias de casa velha. Rio de Janeiro: Garnier, 1906., p. 15), mas neste ponto o leitor já sabe que não há espaço para sensibilização na história de Candinho. Do modo como o narrador o enreda em uma teia de necessidades, em que a única opção que ele vislumbra é a captura de um outro fugido, é preciso que Cândido abra mão de enxergar Arminda como ser humano para fazer nascer o seu próprio filho dentro de sua família. A entrega da escravizada para seu senhor é narrativa também das dores do parto de Candinho. Porém, o esforço de tentar fugir novamente a leva a abortar o feto - para, sublinhemos, "o desespero do dono".

Parece, então, que no embate de pai contra mãe, quem pode gestar e verdadeiramente deixar que nasça o filho é o pai, que, no seu domínio dos ofícios e aparelhos da escravidão, acaba também por se assenhorar dos aparelhos da vida. Mesmo enfurecido pela situação (como adjetiva o narrador ao final do conto),7 7 "O pai recebeu o filho com a mesma fúria com que pegara a escrava fujona de há pouco, fúria diversa, naturalmente, fúria de amor." (ASSIS, 1906. p. 17). é no filho que encontra a realização do próprio desejo, e é a partir dele que é capaz de definir quais crianças vingam ou não. A mãe, nesse caso, na figura de Clara, serve apenas para gerar o feto, ou então, na figura de Arminda, servir de imagem do horror de que consegue escapar por um triz.

Porém, gostaria de propor uma segunda leitura, um pouco diversa, que talvez só seja possível porque temos agora outros olhares para a situação do conto. Colocada aqui a situação de Arminda - e não mais Candinho - como o cerne da história, seria possível ver seu desfecho de outra forma?

Amada: uma nova leitura para o conto de Machado

Busco aqui referência em outro texto literário, de outro contexto e período, mas que dialoga com a situação de forma bastante aproximada. Refiro-me ao romance Beloved (Amada), da romancista afro-americana Toni Morrison. Na obra, a personagem Sethe também é uma escravizada que foge de uma fazenda com seus três filhos. Depois da fuga, assim como Arminda, Sethe é encontrada por homens que procuram levá-la de volta para a fazenda. Confrontada com a sina de voltar ao cativeiro com os filhos, Sethe foge para um celeiro com as crianças e, apavorada com o possível destino, mata a filha mais velha.

No prefácio do romance, a autora revela a gênese da obra. Sua inspiração se encontra na história verídica de Margaret Garner:

[…] a young mother who, having escaped slavery, was arrested for killing one of her children (and trying to kill the others) rather than let them be returned to the owner's plantation. She became a cause célèbre in the fight against the Fugitive Slave laws, which mandated the return of escapees to their owners. Her sanity and lack of repentance caught the attention of Abolitionists as well as newspapers. She was certainly single-minded and, judging by her comments, she had the intellect, the ferocity, and the willingness to risk everything for what was to her the necessity of freedom. (MORRISON, 2004MORRISON, Toni. Beloved: a Novel. New York: Vintage Books, 2004., p. xvii).

Morrison não necessariamente ficcionaliza a história de Garner, mas a utiliza como fundamento de seu enredo, e, portanto, como foco da reflexão narrativa. No romance da autora, as descrições das vivências dos escravizados na fazenda Sweet Home são tão ou mais horripilantes que as descrições iniciais do conto de Machado. Há, novamente, uma aproximação dos dois autores quanto à matéria com a qual trabalham: tanto Machado quanto Morrison são sensíveis ao horror do uso da máscara de ferro. No romance norte-americano, contudo, diferentemente do conto brasileiro, a narração da tortura aparece através da focalização na protagonista e nos diálogos entre Sethe e Paul D, um dos homens de Sweet Home que retorna à vida da protagonista depois da tragédia. O sofrimento de Paul D está ligado a Sethe porque ele é silenciado pela máscara e não pode falar com Halle, o marido e pai dos filhos da protagonista, depois que ele enlouquece ao testemunhar a tortura da esposa nas mãos dos sobrinhos de schoolteacher, o homem que assume o controle de Sweet Home. Ao saber que Paul D havia sido submetido à máscara, Sethe diz:

"People I saw as a child," she said, "who'd had the bit always looked wild after that. Whatever they used it on them for, it couldn't have worked, because it put a wildness where before there wasn't any. When I look at you, I don't see it. There ain't no wildness in your eye nowhere." (MORRISON, 2004MORRISON, Toni. Beloved: a Novel. New York: Vintage Books, 2004., p. 71).

A pergunta implícita na fala da protagonista é como ele não havia enlouquecido. Nesse momento, a linguagem falha. A resposta do homem é atestado da impossibilidade de dar conta do trauma causado por esse tipo de tortura: "Maybe. Maybe you can hear it. I just ain't sure I can say it. Say it right, I mean, because it wasn't the bit-that wasn't it" (MORRISON, 2004MORRISON, Toni. Beloved: a Novel. New York: Vintage Books, 2004., p. 71). No entanto, tentar dar sentido ao trauma é necessário, e Paul D o faz ao tentar explicar o sentimento que tinha quando via os galos empoleirados enquanto ele passava com a máscara.

He sat right there on the tub looking at me. I swear he smiled. My head was full of what I'd seen of Halle a while back. I wasn't even thinking about the bit. Just Halle and before him Sixo, but when I saw Mister I knew it was me too. Not just them, me too. One crazy, one sold, one missing, one burnt and me licking iron with my hands crossed behind me. The last of the Sweet Home men.

"Mister, he looked so … free. Better than me. Stronger, tougher. Son a bitch couldn't even get out the shell by hisself but he was still king and I was … " Paul D stopped and squeezed his left hand with his right. He held it that way long enough for it and the world to quiet down and let him go on.

"Mister was allowed to be and stay what he was. But I wasn't allowed to be and stay what I was. Even if you cooked him you'd be cooking a rooster named Mister. But wasn't no way I'd ever be Paul D again, living or dead. Schoolteacher changed me. I was something else and that something was less than a chicken sitting in the sun on a tub." (MORRISON, 2004MORRISON, Toni. Beloved: a Novel. New York: Vintage Books, 2004., p. 72).

A descrição da tortura de Paul D é muito mais pessoal que o adjetivo escolhido por Machado, mas é como se o grotesco apontado pelo brasileiro reverberasse na experiência individual da personagem americana. O sofrimento de Sethe é ainda mais cruel. Grávida e ainda amamentando uma menina, ela é açoitada pelos sobrinhos do schoolteacher e, após isso, eles tomam seu leite. Uma das únicas coisas que ela pode dar aos filhos que tem com Halle, o leite materno é símbolo do vínculo estabelecido entre mãe e filhos. Ao tomarem seu leite, os sobrinhos conspurcam uma ligação íntima, tratando-a como um animal. A opção de levar os filhos para o sofrimento do cativeiro é tão terrível que serve como justificativa para o assassinato cometido por Sethe. A dor que ela sente ao perder a filha parece ser um preço justificável quando comparado ao sofrimento lento dos dias gastos como escravizada.

Considerações finais: aproximação entre Sethe e Arminda

Seria possível ler a situação de Arminda a partir da posição de Sethe? Sabemos que o senhor de Arminda era "muito mau, e provavelmente a castigaria com açoutes", e que ela serviria a Candinho em troca de não ser levada de volta. Seria possível pensar que o aborto, no conto, mais do que o resultado da luta da tentativa de fuga, seria o modo que Arminda encontra de libertar o filho ainda não nascido?

Lida assim, a tragédia da personagem ganha outras dimensões. Ela é confrontada com os terríveis aparelhos da escravidão e não encontra ali possibilidade de dar ao filho condições adequadas de desenvolvimento. Frente a isso, seria o aborto a decisão mais humana? Livrar o filho dos sofrimentos que ela conhece e dos quais não consegue se libertar pode parecer, para Arminda, a opção mais honrada. Isso parece ser corroborado pela observação histórica, como apresentada por Cowling, Machado, Paton e West (2017COWLING, Camillia et al. Mothering Slaves: Comparative Perspectives on Motherhood, Childlessness, and the Care of Children in Atlantic Slave Societies. Slavery & Abolition: a Journal of Slave and Post-Slave Studies, v. 38, n. 2, p. 223-231, 2017.), que comentam sobre a baixa taxa de natalidade entre as mulheres escravizadas: "[…] while discussions of low birth rates among enslaved women frequently accused them of deliberately inducing abortion, only in the post-emancipation period were women prosecuted for such acts and viewed as criminals […]" (COWLING et al., 2017COWLING, Camillia et al. Mothering Slaves: Comparative Perspectives on Motherhood, Childlessness, and the Care of Children in Atlantic Slave Societies. Slavery & Abolition: a Journal of Slave and Post-Slave Studies, v. 38, n. 2, p. 223-231, 2017., p. 226). Ou seja, parece ter sido de conhecimento corrente que as mulheres escravizadas resistissem à reprodução forçada, e que isso fosse relativamente aceito (ao passo que, após a abolição, a interrupção voluntária da gestação é criminalizada).

O aborto é, dessa forma, um modo de exercitar a única ingerência alcançável em sua situação, deixando que seu corpo interrompa a vida. Nesse sentido, a mãe (Arminda) investe contra o pai, tanto metaforizado quanto possivelmente literal, o dono, afirmando seu poder sobre a vida através de uma morte. Como aponta Sousa (2021SOUSA, Caroline Passarini. Escravidão, abolição e gênero: mulheres negras, corpo e reprodução nas Américas. Revista Eletrônica da ANPHLAC, [S. l.], v. 21, n. 31, p.188-222, ago./dez. 2021., p. 202), "Para as mulheres escravizadas, a questão da matrilineridade [sic] da escravidão teve consequências específicas, como o abuso sexual. O estupro de mulheres escravizadas, hoje amplamente reconhecido pela historiografia, foi parte fundamental ao exercício do poder escravista." Ou seja, o aparelho da escravidão se aplica também na reprodução dos corpos, que se vê submetida à lógica da hereditariedade da escravização via ventre materno. Quando o aborto se realiza, o desespero do dono é um sinal duplo,8 8 "O fruto de algum tempo entrou sem vida neste mundo, entre os gemidos da mãe e os gestos de desespero do dono." (ASSIS, 1906, p. 16). que tanto pode ser lido pela via da paternidade que se perde, quanto, muito mais provavelmente, como a perda da propriedade. O texto de Machado é muito sutil nessa sugestão, e a possibilidade de um aborto voluntário pode ser considerada apenas por pequenos marcadores do texto - o desespero do senhor, o fato de a escravizada ter visitado a farmácia logo antes de ser capturada, a toponímia da rua da Ajuda como metaforização de um possível auxílio que ela tenha recebido nesse sentido.

Porém, talvez, Arminda pudesse, depois disso, andar do mesmo modo que Sethe: "Was her head a bit too high? Her back a little too straight? Probably" (MORRISON, 2004MORRISON, Toni. Beloved: a Novel. New York: Vintage Books, 2004., p. 152), porque saberia ter livrado o filho da mesma sina que a sua. É um destino triste e desesperado de quem já não tem mais para onde correr, mas talvez seja uma das leituras possíveis que o texto de Machado oportuniza, deixando entrever para além da Arminda-objeto, uma Arminda-sujeito por baixo da máscara da escravidão.

Referências

  • ALVES, Adão Marcelo Lima Freire. "O caso da vara" e "Pai contra mãe": narrativas na contracorrente da dissimulação machadiana sobre a escravidão. Miguilim: Revista Eletrônica do Netlli, v. 10, n. 3, p. 947-963, set./out. 2021.
  • ASSIS, Machado de. Relíquias de casa velha. Rio de Janeiro: Garnier, 1906.
  • COWLING, Camillia et al. Mothering Slaves: Comparative Perspectives on Motherhood, Childlessness, and the Care of Children in Atlantic Slave Societies. Slavery & Abolition: a Journal of Slave and Post-Slave Studies, v. 38, n. 2, p. 223-231, 2017.
  • DUARTE, Eduardo de Assis. Por um conceito de literatura afro-brasileira. Terceira Margem, Rio de Janeiro, n. 23, p. 113-138, jul./dez. 2010.
  • FEITOSA, Saulo Ferreira. Pluralismo moral e direito à vida: apontamentos bioéticos sobre a prática do infanticídio em comunidades indígenas no Brasil. 2010. 113 f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Saúde) - Universidade de Brasília, Brasília, 2010.
  • MARTINS, Ana Paula Vosne. Visões do feminino: a medicina da mulher nos séculos XIX e XX. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2004.
  • MORRISON, Toni. Beloved: a Novel. New York: Vintage Books, 2004.
  • PEREIRA, Paulo Henrique Rodrigues. A liberdade na ordem escravocrata: interpretações sobre o conto Pai contra Mãe, de Machado de Assis. Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 115, p. 455-475, jan./dez. 2020.
  • SOUSA, Caroline Passarini. Escravidão, abolição e gênero: mulheres negras, corpo e reprodução nas Américas. Revista Eletrônica da ANPHLAC, [S. l.], v. 21, n. 31, p.188-222, ago./dez. 2021.
  • 1
    O presente trabalho foi realizado com apoio do CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - Brasil, processo n° 150577/2021-4.
  • 2
    Diz Martins (2004MARTINS, Ana Paula Vosne. Visões do feminino: a medicina da mulher nos séculos XIX e XX. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2004., p. 175): "Mesmo sem contar com estatísticas, há relatos médicos sobre níveis alarmantes de mortalidade materna, atribuídos ao descaso dos médicos, à precariedade do ensino obstétrico e à ação das parteiras não diplomadas, chamadas também de 'comadres' e 'curiosas'".
  • 3
    Diz Feitosa (2010FEITOSA, Saulo Ferreira. Pluralismo moral e direito à vida: apontamentos bioéticos sobre a prática do infanticídio em comunidades indígenas no Brasil. 2010. 113 f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Saúde) - Universidade de Brasília, Brasília, 2010., p. 46): "A referida decisão fundamentava-se no Patria Potestas, significando nesse caso o poder de fazer nascer ou não nascer, ficando assim o nascimento biológico submetido ao segundo nascimento. O primeiro não se constituía num imperativo de vida, mas apenas possibilitava poder nascer, a depender da vontade do 'todo poderoso pai'".
  • 4
    "Somente à mãe é assegurado o poder de acolher ou rejeitar. O gesto da mãe Yanomami é muito similar ao gesto do pai romano, mas essa mãe não é detentora de um 'poder materno arbitrário'. Pesa sobre ela a responsabilidade de garantir o aleitamento e os cuidados necessários à manutenção da 'vida nascida depois de gerada'. A mulher Yanomami gera, faz nascer e cuida. Ao homem, que ajuda a gerar, também pesa a responsabilidade do cuidado, mas isso não lhe concede poder para decidir." (FEITOSA, 2010FEITOSA, Saulo Ferreira. Pluralismo moral e direito à vida: apontamentos bioéticos sobre a prática do infanticídio em comunidades indígenas no Brasil. 2010. 113 f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Saúde) - Universidade de Brasília, Brasília, 2010., p. 47).
  • 5
    O uso da expressão "interdito de vida" se opõe a "infanticídio" por configurar, segundo Feitosa (2010)FEITOSA, Saulo Ferreira. Pluralismo moral e direito à vida: apontamentos bioéticos sobre a prática do infanticídio em comunidades indígenas no Brasil. 2010. 113 f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Saúde) - Universidade de Brasília, Brasília, 2010., uma prática diferente nas comunidades indígenas.
  • 6
    Entre eles podemos contar a peça de 1864 de Tomás Ribeiro A mãe do enjeitado, O enjeitado infeliz, romance de 1866 de Claudino de Abreu, e O enjeitado: romance original, obra de 1878 de Bernardo Taveira Júnior.
  • 7
    "O pai recebeu o filho com a mesma fúria com que pegara a escrava fujona de há pouco, fúria diversa, naturalmente, fúria de amor." (ASSIS, 1906ASSIS, Machado de. Relíquias de casa velha. Rio de Janeiro: Garnier, 1906.. p. 17).
  • 8
    "O fruto de algum tempo entrou sem vida neste mundo, entre os gemidos da mãe e os gestos de desespero do dono." (ASSIS, 1906ASSIS, Machado de. Relíquias de casa velha. Rio de Janeiro: Garnier, 1906., p. 16).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    29 Ago 2022
  • Aceito
    11 Out 2022
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