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Greve: um direito

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Greve: um direito

O direito à greve, a única arma dos trabalhadores, deverá ser um dos mais controvertidos tópicos de discussão na Constituinte. Edison Nunes, de LUA NOVA, foi ouvir as opiniões de Joaquim dos Santos Andrade, "Joaquinzão", dirigente do Congresso Nacional da Classe Trabalhadora (CONCLAT), e de Jair Meneguelli, dirigente da Central Única dos Trabalhadores (CUT). A partir dessas opiniões, já se identificam algumas das questões mais importantes que, certamente, serão levantadas durante o debate nacional.

EDISON — Qual é a sua opinião sobre a atual lei de greve?

JAIR — Embora a CLT diga que a greve só não é permitida nas atividades essenciais, nós temos visto que a regulamentação que existe para se fazer uma greve absolutamente legal torna-a impraticável. Por algumas de suas exigências, o movimento sindical teria até que avisar as suas táticas, passo a passo, à classe empresarial. O que existe é uma total impossibilidade de qualquer categoria essencial ou não essencial se utilizar de uma arma a que tem direito, legítimo e universal, que é a greve. Veja que, com exceção da greve dos companheiros da TV Tupi, todas as demais foram julgadas ilegais. Então, nós podemos afirmar, taxativamente, que existe hoje uma lei antigreve e não uma lei de greve.

JOAQUINZÃO — O que os empresários têm feito é se esconder atrás de um direito de greve que não existe. Eu acho que o atraso de pagamento, por exemplo, deveria legalizar, por si só, a greve. Se as empresas têm um prazo previsto em lei para o pagamento do salário de seus trabalhadores, o não pagamento no prazo previsto em lei já implica necessariamente a deflagração de uma greve legal. Mas, até mesmo neste caso, os trabalhadores devem levar mais 15 ou 18 dias para deflagrar uma greve legal. O processo de legalização de uma greve envolve uma porção de requisitos que a torna muito difícil. Por exemplo: exige a publicação de um edital que é caríssimo, despesa com a qual nem sempre o sindicato pode arcar; exige a presença de procuradoria nas assembléias e impõe prazos rígidos,

EDISON — Que lei de greve atenderia melhor as exigências dos trabalhadores?

JOAQUINZÃO — Nós temos defendido sempre que o direito de greve seja amplo e total. É evidente que os parâmetros que alguns defendem devem ser profundamente estudados e discutidos, mas a lei de greve não deve passar por requisitos corno os da atual Lei n? 4.230. A partir do momento que tenhamos uma lei de greve ampla, isto forçará, naturalmente, a solução dos problemas através do diálogo.

Os trabalhadores ressurgem de um período de ditadura mordaz, de negação e redução de seus direitos. Nesta fase histórica, os sindicatos têm que ter um dinamismo maior, não somente no sentido de recompor o poder aquisitivo dos trabalhadores, mas também no sentido de inovar direitos, que a Consolidação das Leis do Trabalho, superada no tempo e no espaço, já não acoberta.

Esse dinamismo leva os trabalhadores a uma permanente movimentação e motivação de conquistas. Por isso, temos que analisar a greve dentro de dois parâmetros: primeiro, é o não cumprimento daquilo que foi estabelecido em convenção, ou por lei; em segundo lugar, aquilo que trata de uma conquista de um avanço nas condições sociais e salariais. Então, este segundo aspecto deve ser precedido sempre de negociação, e a greve ser resposta natural à intransigência patronal. Mas este é o único parâmetro que eu entendo necessário: que a discussão preceda à greve.

Regulamentação: sim ou não?

EDISON — Neste caso, você acha que, reconhecido o direito amplo de greve, na Constituição, ele deveria ser regulamentado?

JOAQUINZÃO — Não regulamentado. Me parece que isso já não seria um regulamento. Seria bom senso apenas, no sentido de que o empresário tivesse primeiro o direito de saber quais são as reivindicações. Negadas essas reivindicações, imediatamente o direito de greve estaria já garantido. Então, não se trata de regulamentação e, sim, alguns parâmetros a fim de que a greve não preceda à reivindicação e a negociação preceda à greve.

EDISON — Mas esses parâmetros deveriam estar em lei?

JOAQUINZÃO — A lei poderá estabelecer que o empresário deva ter conhecimento de qual o motivo da greve, o elenco de reivindicações, a fim de que a greve só eclodisse após uma negociação.

EDISON — Que lei de greve você acha que atenderia melhor às exigências dos trabalhadores?

JAIR — Olha, eu acho difícil colocar esse debate apenas no âmbito da lei de greve. Mesmo que se abrandem as dificuldades que temos hoje para que se realize uma greve, não tem sentido falar em lei de greve antes de conquistarmos a liberdade e autonomia sindicais. Na medida em que permanecerem os sindicatos atrelados ao Ministério do Trabalho, inevitavelmente, vamos tê-los se posicionando sempre a favor do capital, como tem acontecido.

Hoje, há uma discussão profunda no meio sindicalista, com relação à aprovação da Convenção da OIT. Acho que esse é o primeiro passo para obtermos a liberdade e a autonomia sindicais e, conseqüentemente, a liberdade e o direito de nos utilizarmos da única arma, ou da arma política, que a classe trabalhadora tem, que é a greve.

EDISON — Provavelmente, a Constituinte vai ter de enfrentar esse assunto. Sendo reconhecido por ela o direito de greve, ele deveria ser regulamentado ou bastaria a garantia constitucional?

JAIR — Eu acho que deveria bastar a garantia constitucional. Na medida em que se tentar uma padronização do direito de greve, automaticamente você estará restringindo algumas categorias. Na medida em que se consegue a liberdade e autonomia sindicais, cada categoria é que vai definir estatutariamente a sua atuação, tanto administrativa como política, e a sua própria atuação de luta.

Evidentemente, que, nas categorias essenciais, eu acredito que temos que chegar a uma regulamentação mínima. Mas que ela não torne impossível a realização de uma greve. Vamos citar o exemplo de uma greve na categoria médica. Nós não podemos, com certeza, ter todos os médicos do país paralisados, porque assim teremos a população totalmente desprotegida, e muitas mortes poderiam ocorrer.

Com relação a outras atividades essenciais, como, por exemplo, transporte rodoviário, não acho que deva ter regulamentação, não. Se não forem atendidas suas reivindicações, os companheiros deveriam ter todo o direito de paralisar.

Consultar as categorias

EDISON — Você afirma, então, que o único limite ao direito de greve seria o direito à vida das pessoas que eventualmente dependem da atuação destes trabalhadores?

JAIR — Exatamente, pra mim é a única limitação a ser regulamentada. Essa regulamentação deveria partir do Legislativo, em consulta às categorias afetadas. Teria que ser com uma discussão, com participação ampla dos sindicatos ligados a essas categorias, sem o que não haveria sentido e seria mais uma imposição que poderia não atender às necessidades destes trabalhadores. Embora eu tenha certeza de que, no caso da categoria médica, por exemplo, até por uma questão ética, eles próprios saberiam realizar um movimento sem deixar desamparada a população.

EDISON — E que você acha que os trabalhadores podem e devem fazer para conquistar o direito de greve?

JAIR — Em São Bernardo, temos demonstrado que, mesmo que haja uma lei fascista e antiquada, não vamos respeitá-la, por entender que se trata de lei que vem contra os interesses da população e da classe trabalhadora brasileira.

Em primeiro lugar, precisa haver uma grande mobilização da classe trabalhadora, que não se resumisse apenas a um trabalho de pressão para participar de uma nova Constituinte. Porque, talvez, nem nessa próxima Constituinte nós tenhamos nossas reivindicações atendidas. É preciso que a classe trabalhadora, independentemente da Constituinte, comece imediatamente a brigar pela retirada do capítulo quinto da CLT que é o que acaba com toda a possibilidade de liberdade e autonomia da classe trabalhadora brasileira.

Temos que nos organizar, também, para eleger representantes que participem da Constituinte, porque será mais uma das formas de os trabalhadores conseguirem a possibilidade de fazer constar da Constituição do país o direito de as categorias se manifestarem através da greve.

JOAQUINZÃO — Eu acho que o direito de greve, hoje, já está assegurado, mesmo que os tribunais continuem julgando centenas e centenas de greves ilegais. A lei de greve é um instrumento legal desmoralizado, superado, e os trabalhadores não aceitam mais as condições impostas nesse diploma legal.

A lei de greve tem que mudar já

Mas os trabalhadores devem se unir e preparar-se para essa discussão. Não podemos esperar que essa lei de greve seja alterada apenas numa Constituinte, que pode acontecer em 85 ou 86. Eu acho que a mudança na lei de greve tem que ser imediata, assim como o problema salarial deve ser enfrentado imediatamente. Não temos tempo de esperar que a Constituinte se reúna. Provavelmente, a nova Constituinte deverá contemplar algo não só no campo da liberdade de greve, mas também no de outras liberdades que ainda não estão contempladas no momento. Eu entendo que a lei de greve deva ser modificada imediatamente.

Os trabalhadores querem ter o direito de greve sem nenhum aparato. E me parece que o Ministério do Trabalho deverá levar isso em conta, e tornar sem efeito a Lei 4.330 imediatamente. Aí, a própria prática vai demonstrar se há necessidade ou não de nova regulamentação.

O mal é que nossas leis têm sido feitas por tecnocratas, sem a participação das partes interessadas. Saem leis bonitinhas no papel, mas inviáveis na prática. Eu acho que, com o novo governo, haverá um avanço democrático e os trabalhadores serão chamados a participar das discussões, dessas modificações, a partir, volto a dizer, de uma medida imediata que é a mudança da presente lei de greve.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Fev 2011
  • Data do Fascículo
    Jun 1985
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