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Apresentação

ÉTICA, POLÍTICA E GESTÃO ECONÔMICA

Apresentação

Ética e política andam juntas ou discrepam no essencial? Que relações há entre poder e justiça, se é que não pertencem a universos distintos? Que importa mais: o cálculo eficaz dos interesses, a ação correta segundo um princípio racionalmente aceitável, a busca de uma ordem social ideal, ou o poder de fato? Questões como essas, e tantas outras que lhes estão associadas, vêm de longe; mas é impossível não reconhecer que aqui e hoje adquirem um travo pungente. Para Lua Nova está em jogo mais do que um interesse conjuntural. Trata-se de dar sequência ao seu programa de oferecer elementos de reflexão para um debate de longo prazo, que tem como baliza substantiva a questão da realização de formas democráticas de convivência e como questões de fundo aquelas dos significados que assumem no mundo atual idéias básicas como as de civilização, de progresso, de razão e - por que não? - de barbárie.

Que concepção de justiça é compatível com a constituição, por pessoas morais autônomas, de uma ordem política na qual desigualdades naturais de talentos individuais não assegurem direitos para ninguém e as desigualdades sociais e econômicas sejam submetidas a um critério aceitável por todos? Em torno dessa questão e da fundamentação da sua resposta mediante a aplicação do "princípio da equidade", John Rawls construiu o grande clássico da filosofia política em língua inglesa da segunda metade deste século. Uma versão atualizada dos argumentos de Rawls encontra-se em seu artigo neste número de Lua Nova, com uma apresentação por Álvaro de Vita da temática envolvida e de alguns argumentos centrais de um debate bastante negligenciado entre nós.

Em Rawls as diferentes aptidões individuais são tomadas como dados. Trata-se de retirar-lhes a condição de fontes "naturais" de prerrogativas para incorporá-las ao domínio político da justiça, mediante o princípio da equidade. Mas elas podem ser vistas por outro ângulo que não o da tradição "kantiana" a que adere Rawls. Nessa mudança de perspectiva ganham relevo as condições historicamente diferenciadas de processos de formação individual. É o que Jon Elster examina, sob o tema da "auto-realização", com referência à tradição marxista. Tanto em Rawls quanto em Elster a articulação entre questões políticas e éticas passa pelo exame de formas de desigualdade analisadas no plano econômico. E é neste ponto que entra o texto de um economista com contribuições de primeira linha na área que nos interessa, Amartya Sen. Seu tratamento da dimensão moral da ação econômica tem, entre outros, o mérito de propor uma revisão de interpretações freqüentemente feitas das idéias de Adam Smith a respeito. Ninguém contestará, entretanto, que a dimensão jurídica deva ser considerada no exame das relações entre ética e política. E é por esse ângulo que Norberto Bobbio e Michelangelo Bovero examinam, em textos que se entrelaçam em pontos centrais, as concepções que fundamentam as aproximações ou afastamentos entre ambos os domínios, para desembocar na retomada por Bovero do clássico contraste entre o político como "estrategista" e como "tecelão".

Os textos de José Eduardo Faria e José Luiz Fiori, embora inteiramente independentes entre si, constituem um caso particularmente feliz de convergência temática e de preocupações entre o jurista e o cientista político, com as diferenças de análise e de conclusões que disso decorrem.

Ao examinar as condições políticas e institucionais para o controle da inflação na análise comparativa das experiências mexicana e brasileira, o artigo final de Ian Roxborough, para além de seu interesse intrínseco, completa a tendência já presente nos textos de José Eduardo Faria e José Luiz Fiori, no sentido de focalizar os grandes temas tratados neste numero a partir do mesmo problema específico de aplicação de políticas econômicas.

Finalmente, o trabalho de Luiz Carlos Bresser Pereira projeta questões substantivas tratadas em outras passagens deste número sobre um plano mais amplo, ao discutir as modalidades de crítica ao Estado contemporâneo. Com este último passo assegura-se a continuidade do debate que esteve no centro do nosso número anterior, sobre "Welfare e experiências neoliberais".

O Editor

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Jan 2011
  • Data do Fascículo
    Abr 1992
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