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CONHECIMENTO MORAL E VIRTUDES EPISTÊMICAS

MORAL KNOWLEDGE AND EPISTEMIC VIRTUES

RESUMO

O objetivo é refletir sobre o escopo do conhecimento moral a partir do modelo da ética das virtudes, que toma por base a ideia de caráter virtuoso e florescimento humano, sendo esta abordagem bastante promissora para responder ao argumento cético que diz que o desacordo moral é uma prova irrefutável da impossibilidade do conhecimento no campo da ética. Para este fim, inicio problematizando o conhecimento moral, com a consideração específica do raciocínio ético. Posteriormente, investigo o papel das virtudes epistêmicas de sabedoria prática, humildade e integridade para a aquisição do conhecimento moral. Por fim, postulo que a ética das virtudes, que conta com certas virtudes epistêmicas, pode explicar adequadamente o conhecimento moral e responder de forma mais eficiente ao ceticismo.

Palavras-chave
Conhecimento moral; virtudes epistêmicas; sabedoria prática; humildade; integridade

ABSTRACT

The main aim of this paper is to reflect on the scope of moral knowledge from the virtue ethics model, which is based on the idea of virtuous character and human flourishing, and this approach seems very promising to respond to the skeptical argument that says that moral disagreement is an irrefutable proof of the impossibility of knowledge in the field of ethics. To this end, I begin by problematizing moral knowledge, with a specific consideration of ethical reasoning. Subsequently, I investigate the role of the epistemic virtues of practical wisdom, humility, and integrity for the acquisition of moral knowledge. Finally, I postulate that a virtue ethics that rely on certain epistemic virtues can explain adequately the moral knowledge and respond more effectively to skepticism.

Keywords
Moral knowledge; epistemic virtues; practical wisdom; humility; integrity

Introdução

Uma concepção cética que é muito comum no campo da moral afirma que não se pode saber o que é certo e errado, bom ou mau ou o que é justo e injusto. E isso em razão de não haver evidências suficientes para apoiar esse tipo de conhecimento ou por não existirem fatos morais que seriam o fundamento último das crenças morais verdadeiras. Quando se pergunta a respeito da correção ou incorreção da clonagem humana, manipulação genética ou mesmo do uso de animais não humanos para alimentação, o que poderia contar como uma evidência do conhecimento moral? E quando queremos saber se a discriminação por gênero, etnia ou orientação sexual é justa ou injusta o que poderia contar como um fato moral que garantiria a verdade de uma certa crença ética? Ao tratar dessas questões e outras similares é normal a identificação do desacordo moral, isto é, da relatividade ética. Com isso, a estratégia cética parece ser a de concluir pela inexistência de valores morais objetivos e pela impossibilidade do conhecimento moral a partir do desacordo dos agentes sobre questões éticas relevantes. Ao invés de algo objetivo, o que fundamentaria os juízos morais seriam as emoções ou os sentimentos, o que implicaria a subjetividade da ética.1 1 Mackie, por exemplo, apresenta uma posição cética nesses termos, defendendo o argumento da relatividade, que diz que como os juízos morais de primeira ordem são diferentes e até antitéticos, não haveria objetividade, isto é, a relatividade ética tornaria difícil ver esses juízos como apreensões de verdades objetivas (Mackie, 1977, pp. 36-42). Por sua vez, Stevenson argumenta que como dois agentes podem continuar discordando em atitudes, mesmo não existindo alguma discordância a respeito de crenças, o desacordo em ética não teria relação com verdades científicas, mas estaria ligado a uma perspectiva emocional (Stevenson, 1963, pp. 4-8).

Veja que essa consideração cética parece tomar o conhecimento como sinônimo de crença verdadeira justificada ou, como dito por Chisholm, como uma crença verdadeira assegurada com uma evidência adequada (Chisholm, 1957CHISHOLM, R. “Perceiving: A Philosophical Study”. Ithaca, NY: Cornell University Press, 1957., pp. 54-66). E, assim, o conhecimento moral implicaria ter que contar com certas evidências adequadas ou com a justificação de uma crença verdadeira. A grande dificuldade no campo moral é que conceitos éticos como certo e errado, correção e erro, bom e mau, justo e injusto, entre outros, não parecem corresponder a nada no mundo natural e por mais que possamos justificar interpessoalmente certas crenças morais, é óbvio que aspectos emocionais estão claramente conectados com as deliberações éticas cotidianas. Dito isso, é importante reconhecer que é no mínimo problemático tomar o conhecimento como crença verdadeira justificada. A questão como já postulada por Gettier é que se poderia ter uma crença verdadeira justificada e mesmo assim não se ter conhecimento. Segundo ele, em muitas situações, chegar a uma crença verdadeira e justificada é mais uma questão de sorte. Um dos exemplos mostra muito bem isso. A proposição “O homem que conseguirá o emprego tem dez moedas em seu bolso” dita por Smith é verdadeira, mas não é conhecimento, uma vez que quem consegue o emprego é ele mesmo e não Jones, como ele acreditava e estava justificado em sua crença em razão das evidências testemonial e perceptual e, por sorte, ele também possuía dez moedas em seu bolso (Gettier, 1963GETTIER, E. “Is Justified True Belief Knowledge?”. Analysis, Vol. 23, Nr. 6, 1963, pp. 121-123., p. 122).

Considerando o problema exposto, o objetivo desse artigo é procurar mostrar que o conhecimento moral é possível e que esse tipo específico de conhecimento pode ser mais bem compreendido se fizermos uso de uma ética das virtudes que tomará por base a ideia de caráter virtuoso e florescimento humano. A ética das virtudes parece colocar menos ênfase em quais regras morais as pessoas deveriam seguir, tendo por foco central o desenvolvimento do caráter virtuoso do agente, sendo esse caráter virtuoso o que possibilitará a tomada de decisão correta. Importante ressaltar que esse modelo ético pode tomar as verdades morais como os juízos éticos dos quais temos as melhores razões para aderir, razões entendidas em termos interpessoais, podendo, também, considerar a responsabilidade epistêmica do agente, de forma a estipular que o agente estaria justificado em acreditar em algo apenas no caso dessa crença resultar do exercício de uma habilidade epistêmica ou ser a expressão de uma dada virtude epistêmica.2 2 A epistemologia da virtude considera a epistemologia como uma disciplina normativa, vinculando o conhecimento e a responsabilidade epistêmica do agente com o exercício de uma habilidade epistêmica, isto é, como expressão de certas virtudes intelectuais, tais como sabedoria prática, criatividade, benevolência, curiosidade, humildade etc. Ver Sosa, 2007; Greco, 1993, pp. 413-432 e Zagzebski, 1996. Para Sosa, por exemplo, o conhecimento não é a representação da crença ou crença verdadeira justificada, mas é um tipo de performance bem-sucedida, é chegar a uma crença apta por um processo reflexivo (Sosa, 2007, pp. 22-24). No que segue, inicio problematizando o conhecimento moral, com uma consideração específica sobre o raciocínio ético. Posteriormente, investigo a especificidade das virtudes epistêmicas da sabedoria prática, humildade e integridade para o conhecimento moral. Por fim, postulo que uma ética das virtudes que conta com certas virtudes epistêmicas conectadas com certas virtudes éticas pode explicar adequadamente o conhecimento moral e dar uma resposta mais eficiente ao ceticismo no campo ético.

1 O escopo do conhecimento moral

Um dos principais erros que se pode cometer ao se interpretar o conhecimento no campo da moralidade é querer tomá-lo como um conhecimento de tudo ou nada, isto é, ou se saberia infalivelmente o que é certo e errado, bom e mau, justo e injusto em cada situação cotidiana ou se teria que decidir o que fazer ou como viver de forma puramente subjetiva, sem poder contar com nenhum critério normativo objetivamente garantido para auxiliar nas deliberações morais. Creio que essa maneira de abordar a questão encobre a própria especificidade da ética que, como já dizia Aristóteles, corretamente, não pode ser considerada com o mesmo grau de exatidão como a matemática e a física, mas, ainda assim, pode ser classificada sob o domínio da ciência, mesmo que da ciência prática. Essa especificidade revelaria que a ética é um tipo de conhecimento cercado por diversidade de opiniões e incertezas sobre o bom e o justo, mas que pode auxiliar os indivíduos a melhor decidir em casos complexos e agir de forma apropriada, que seria a virtuosa, em razão dela indicar a verdade de forma aproximada e em linhas gerais, estando esse conhecimento ligado intrinsecamente à experiência dos agentes. Na “Nicomachean Ethics, Aristóteles exemplifica essa complexidade da ética ao dizer que a coragem e a riqueza são tomadas geralmente como bens, mas há casos de pessoas que pereceram devido a elas. Assim, já poderia ser tomado como um tipo de conhecimento o saber que a coragem e a riqueza são bens geralmente, mas que não são bens quando forem prejudiciais aos agentes (AristotleARISTOTLE. “Nicomachean Ethics” (NE). Translation T. Irwin. 2a. Ed. Indianapolis: Hackett, 1999., NE, 1094a251095a15).

Esse exemplo já mostra que o conhecimento moral pode incluir princípios tanto gerais quanto universais e também a experiência particular dos agentes. Por exemplo, pode incluir princípios morais generalizantes que informariam que a coragem é um bem, geralmente. Também, poderia contar com a experiência de um agente particular que pereceu por causa da coragem, talvez em um certo conflito ou ameaça terrível, além de poder contar, igualmente, com um princípio universal que diria que a coragem não é um bem quando for prejudicial ao sujeito. De posse desses princípios morais e da experiência, além de contar com uma capacidade deliberativa para pesar as diversas razões em um caso e escolher o melhor curso de ação, que seria aquele que realizaria o fim bom (felicidade), o agente poderia decidir agir de forma corajosa, por exemplo, mesmo com o risco existente de ela ser prejudicial, mas pesando as razões adequadamente, nas circunstâncias específicas.

Veja-se que no caso do agente que estivesse refletindo se deve cumprir ou não a promessa feita em uma circunstância de injustiça, por exemplo, se deveria pagar uma certa quantia prometida sob a coação de um criminoso, esse tipo de raciocínio poderia auxiliá-lo em sua decisão. Ele poderia saber que se deve cumprir a promessa, uma vez que para ser honrado, por exemplo, sua palavra teria que ter valor e poderia saber, também, que a honra é uma virtude importante para a felicidade dos agentes. Por outro lado, ele poderia saber que uma circunstância injusta, como a coerção, invalidaria toda obrigação, especialmente na esfera jurídica. E, assim, poderia decidir por não cumprir a promessa nessa situação específica, mesmo sabendo que se deve cumprir a promessa geralmente. Esse raciocínio moral, embora não infalível, parece já capacitar os agentes na resolução de problemas éticos que surgem a todo momento e, assim, uma deliberação moral poderia ser tomada como uma situação não trivial em que, mesmo não se sabendo teoricamente o que se deve fazer, pode-se considerar integralmente as questões envolvidas e decidir por um certo curso de ação ou tipo de vida, o que seria o mesmo que solucionar um problema prático de forma silogística.3 3 Stuart Hampshire defende corretamente que em um modelo deliberativo o agente pesa e reflete sobre alternativas e, então, pode justificar sua decisão, enquanto que em um modelo emotivista, a declaração moral seria feita sobre os próprios sentimentos dos agentes, não sendo uma justificação necessária, nem suficiente. Sua conclusão é que um juízo moral seria como um silogismo prático, em que a ação correta é a melhor coisa a se fazer naquelas circunstâncias (Hampshire, 1949, pp. 466-482).

Adam Smith, na parte sétima de “The Theory of Moral Sentiments”, dá um interessante exemplo para saber em que medida estaríamos obrigados em razão de uma promessa feita em uma situação coercitiva. Ele imagina um caso em que um bandido obriga um viajante, sob ameaça de morte, a prometer-lhe uma certa quantia de dinheiro. A questão seria a de saber em que medida o viajante estaria obrigado a cumprir a promessa (SmithSMITH, A. “The Theory of Moral Sentiments” (TMS). D. D. Raphael, A. L. Macfie (eds.). Oxford: Oxford Universit Press, 1976., TMS, VII. iv.9). Com a recusa das respostas oferecidas tanto pela jurisprudência, que diz que não existiria nenhuma obrigação em razão do ato de extorsão ser um crime, como pela casuística, que diz que independente da extorsão realizada, uma pessoa virtuosa deveria sempre cumprir as promessas, Smith apelará para uma solução mais inteligente. Ele dirá que em razão da honestidade que é desejada pelo agente, ele teria o dever de cumprir a promessa, mas desde que esse ato não fosse inconsistente com certos deveres mais sagrados. Com isso, julgar-se-ia como certo respeitar até mesmo uma promessa feita sob extorsão, “embora seja impossível determinar, por qualquer regra geral, em que medida isso se aplicaria a todos os casos sem exceção” (SmithSMITH, A. “The Theory of Moral Sentiments” (TMS). D. D. Raphael, A. L. Macfie (eds.). Oxford: Oxford Universit Press, 1976., TMS, VII. iv.12). E isso porque não escolheríamos como amigo uma pessoa que descumprisse as promessas com muita facilidade, bem como que deixasse sua família na pobreza. Assim, sua estratégia levará em conta a quantia prometida. Por exemplo, se a quantidade de dinheiro prometida não fosse muito alta, então, o agente deveria cumprir a promessa, pois a violação de qualquer promessa parece envolver algum tipo de desonra, o que implica ser alvo apropriado de censura. Entretanto, se o montante de dinheiro fosse muito elevado, a ponto de poder arruinar as finanças familiares, então, seria até mesmo criminoso cumprir a promessa, pois isso arruinaria a família do extorquido. Veja-se que essa engenhosa solução parece fazer uso de uma regra geral, que diz que geralmente devemos cumprir a promessa, desde que esse dever não seja inconsistente com deveres superiores, tais como o cuidado à família e o bem público. Mas, para além dessa regra geral, a decisão do agente variará de acordo com o caráter, as circunstâncias, a solenidade da promessa e até mesmo com os incidentes específicos envolvidos no caso (SmithSMITH, A. “The Theory of Moral Sentiments” (TMS). D. D. Raphael, A. L. Macfie (eds.). Oxford: Oxford Universit Press, 1976., TMS, VII. iv.12).

O exemplo dado anteriormente parece nos apresentar um certo modelo de como um agente virtuoso poderia deliberar, levando em conta tanto as regras morais gerais e universais, bem como as circunstâncias da ação, a intenção dos agentes, podendo até mesmo levar em consideração as consequências do ato. E isso já pode ser tomado como uma caracterização provisória do conhecimento moral. Mas, note-se que a questão não é tão simples assim, pois um outro agente, ao fazer uso dos mesmos dispositivos de regras morais, circunstâncias, intenções e consequências da ação, poderia deliberar diferentemente, escolhendo cumprir a promessa feita sob coerção e isso para não comprometer a sua identidade de pessoa honesta e confiável. É claro que esse seria um caso de heroísmo moral ou ato super-rogatório, que é raro, mas que é recorrente na história da humanidade.4 4 Sócrates é um caso paradigmático de heroísmo moral. No “Crito”, Sócrates aceita a pena de morte ao decidir cumprir a promessa feita às leis, com a deliberação de não fugir de Atenas. Mesmo com o conhecimento de que era alvo de uma condenação injusta, a sua decisão foi na direção de uma reprovação de qualquer ato injusto, pois sua consciência não poderia conviver com a aceitação da realização de um ato não virtuoso. E isso em razão de considerar que se deve sempre cumprir as promessas e que nenhuma circunstância de injustiça invalidaria alguma obrigação moral e daí a regra de não retribuir uma injustiça com outra injustiça. Ver Plato, Cri., 49d-54e. Mas, então, isso já não seria uma evidência da impossibilidade do conhecimento moral? Para tentar esclarecer tal questão, penso ser importante entender em maior detalhe o funcionamento do raciocínio prático e a sua conexão com a virtude.

Inicio com uma interessante analogia proposta por Julia Annas entre o exercício da virtude e o exercício de uma habilidade prática. Em “Intelligent Virtue”, Annas defende corretamente que o exercício da virtude envolve um raciocínio prático de um tipo específico que pode ser mais bem compreendido se comparado com o tipo de raciocínio que encontramos no exercício de uma habilidade prática. Isso implica ver a aquisição e o exercício das virtudes como muito próximo da aquisição e exercício de atividades mais corriqueiras, tais como nadar, construir ou tocar um instrumento. Diz que o raciocínio prático do agente virtuoso compartilha características importantes daquela do experto em uma dada habilidade prática. Essa analogia da habilidade nos permite reconhecer que aprender uma virtude requer uma confiança no experto e no contexto da aprendizagem, isto é, no contexto social e cultural, além de contar com uma aspiração específica para ser uma pessoa melhor (Annas, 2011ANNAS, J. “Intelligent Virtue”. Oxford: Oxford University Press, 2011., pp. 1-7).

Importante destacar que a virtude, para Annas, pode ser compreendida como uma disposição estável do caráter do agente, de forma a ser vista como uma tendência da pessoa ser de uma certa forma. Também, pode ser entendida como uma disposição que é uma característica profunda do agente, sendo a virtude a marca do seu caráter. Também, ela aponta que essa disposição, que é ativa, requer habituação e experiência, habituação alcançada pela educação e que não pode ser vista enquanto uma rotina, em razão de precisar de um constante monitoramento para o aperfeiçoamento. Assim, a virtude seria uma disposição de caráter que permite uma resposta criativa e imaginativa a novos desafios (Annas, 2011ANNAS, J. “Intelligent Virtue”. Oxford: Oxford University Press, 2011., p. 14).

A analogia estabelecida entre as virtudes e as habilidades práticas possibilita compreender a virtude como uma disposição que requer habituação, por um lado, mas que não pode ser tomada como uma mera rotina, por outro, e isso em razão da virtude estar ligada a uma aspiração do agente para ser melhor. Annas também destaca que sua concepção de virtude deve ser compreendida em parte pela forma que ela é aprendida e que ela é sempre aprendida em um contexto incorporado, isto é, em uma família particular, cidade, religião e país. Por exemplo, para sermos leais, precisamos aprender como agir lealmente, o que implicará observar inicialmente os exemplos de agentes leais e as situações de lealdade. Mas, posteriormente, envolverá também um autodirecionamento, com um reconhecimento individual do que a lealdade requer ao invés de simplesmente repetir a ação de alguém, pois o agente virtuoso é aquele que aspira a ser melhor, de forma que se tornar virtuoso será distinto de adquirir um mero hábito. Até porque um agente virtuoso não apenas faz a coisa certa pela razão correta, mas tem um sentimento apropriado na ação virtuosa (Annas, 2011ANNAS, J. “Intelligent Virtue”. Oxford: Oxford University Press, 2011., pp. 15-52).

Além da analogia entre virtude e habilidade, penso que é elucidativo, também, fazer referência a uma analogia entre virtude e sucesso, e isso para melhor compreender a especificidade do raciocínio prático. Com esse objetivo em mente, menciono a epistemologia da virtude, que parece ter por pressuposto tomar o conhecimento não como uma crença verdadeira justificada, mas como um tipo de performance em que se é bem-sucedido. Por exemplo, Ernest Sosa, em “A Virtue Epistemology: Apt Belief and Reflexive Knowledge”, defende que o conhecimento deve ser compreendido como algo que é resultado das virtudes intelectuais de um agente, tendo por foco as habilidades e caráter do agente. Para ele, o conhecimento é um tipo de performance bem-sucedida, sendo esta performance um tipo de ação que visa à verdade. Assim, temos o conhecimento se a performance do agente for apta, o que parece significar tomar o conhecimento como resultado das competências do agente ou como resultado de suas virtudes. Mais especificamente, Sosa defende que o conhecimento envolverá três termos centrais, a saber: exatidão (accuracy), habilidade (adroitness) e aptidão (aptness). Dessa forma, uma performance é apta quando ela é bem-sucedida, isto é, quando ela alcança o alvo, além de poder ser suficientemente atribuída à competência do agente. O ilustrativo exemplo dado por ele é de um arqueiro que lança sua flecha em busca do alvo. Tendo ele habilidade, não será uma questão de sorte acertar o alvo. Ele acerta o alvo por causa de sua aptidão (Sosa, 2007SOSA, E. “A Virtue Epistemology: Apt Belief and Reflective Knowledge”, Vol. I. Oxford: Clarendon Press, 2007., pp. 22-23).5 5 Similarmente, Zagzebski, em “Virtues of the Mind”, define o conhecimento como um estado de contato cognitivo com a realidade por meio de atos de virtude intelectual e atos de virtude devem ser tomados como um termo de sucesso, isto é, devem ser tomados como atos bem-sucedidos (Zagzebski, 1996, pp. 270-271).

É possível, então, estabelecer uma analogia entre a figura do arqueiro e o agente tanto epistêmico como moral, analogia estabelecida também por Aristóteles no caso moral. Por exemplo, um agente epistêmico é alguém que terá uma crença verdadeira em razão de sua habilidade para formar crenças verdadeiras, da mesma forma que um agente moral é alguém que agirá virtuosamente em razão de sua habilidade para agir virtuosamente. Para que uma crença seja tomada como conhecimento ou para que uma ação seja tomada como virtuosa não se requer uma espécie de invulnerabilidade ao erro, apenas aptidão. Mesmo sendo apto, o agente pode errar o alvo, tanto ao formar uma crença falsa, como agindo viciosamente (Sosa, 2007SOSA, E. “A Virtue Epistemology: Apt Belief and Reflective Knowledge”, Vol. I. Oxford: Clarendon Press, 2007., p. 29).

Importante reconhecer que para Sosa o conhecimento também requererá reflexividade, o que significará tomar o conhecimento não apenas como crença apta, mas, igualmente, como crença apta defensável, o que revela uma característica confiabilista (Sosa, 2007SOSA, E. “A Virtue Epistemology: Apt Belief and Reflective Knowledge”, Vol. I. Oxford: Clarendon Press, 2007., p. 24). O ponto que gostaria de chamar atenção é que o requisito para se acreditar ou agir com aptidão é que o agente acredite ou aja corretamente e isso significa um exercício da competência nas condições apropriadas. Para qualquer crença ou ação correta, a correção dessa crença ou ação é tributável a uma competência somente se a crença ou ação deriva do exercício dessa competência em condições apropriadas para o seu exercício (Sosa, 2007SOSA, E. “A Virtue Epistemology: Apt Belief and Reflective Knowledge”, Vol. I. Oxford: Clarendon Press, 2007., p. 33).

De posse dessas considerações anteriores, creio que é possível reconhecer algumas características centrais do conhecimento moral. Ele não seria infalível, mas pode oportunizar um critério normativo objetivo para a decisão correta que é o próprio caráter virtuoso do agente, que foi formado por meio de várias ações virtuosas em um processo de habituação, entretanto, não pode ser tomado como uma rotina. Também, que o conhecimento nesse âmbito não seria uma questão de tudo ou nada, mas uma questão de graus, além de o grau de sua exatidão ser desinflacionado, não sendo um conhecimento proposicional. É claro que isso ainda seria insuficiente para resolver o caso de discordância sobre o dever de cumprir a promessa em caso de coerção. E isso porque essa discordância parece mais ligada à identidade pessoal do agente, isto é, com a própria imagem que o agente tem de si mesmo e o tipo de exigência que ele estabelece para si, estando essa característica muito próxima ao contexto no qual o agente virtuoso faz parte. No caso de Sócrates, por exemplo, a decisão parece relacionada com o seu caráter honesto e confiável de forma super-rogatória, bem como com a solenidade da promessa feita às leis da cidade. Lembremos que a virtude é a marca do caráter do agente.

Com a identificação desse tipo de discordância, parece que seria suficiente se o agente agisse de forma coerente, isto é, íntegra, e com humildade para reconhecer como legítima uma decisão contrária à sua. Não seria igual se a disputa fosse sobre a justiça da discriminação racial ou de gênero. Em casos como esses e similares, o agente justo deveria reconhecer a igualdade das pessoas e isso em razão de sua disposição de agir de forma justa e almejar coisas justas, o que implicaria uma disposição para tratar igualmente as pessoas, sem um interesse no bem dos outros. A aspiração em ser uma pessoa melhor, que é característica central da ética das virtudes, parece ser um forte antídoto contra o conservadorismo moral, uma vez que chegar a uma decisão apta exigirá reflexividade.6 6 É recorrente a acusação de conservadorismo moral feita à ética das virtudes. O argumento parece ser o seguinte. Se se aprende a virtude a partir de um certo contexto, em que medida o agente virtuoso terá a capacidade de criticar o próprio contexto valorativo do qual ele aprende a ser virtuoso? Por exemplo, os donos de escravos em uma sociedade escravista poderiam aprender a importância da equidade e generosidade, mas isso não os capacitaria a considerar que o seu contexto social e econômico seria injusto, uma vez que excluiria certos indivíduos da proteção da equidade e generosidade. Essa crítica não parece inteiramente adequada se considerarmos o fenômeno do progresso moral. Os abolicionistas britânicos no século XVIII, por exemplo, aprenderam as virtudes da equidade e generosidade em um contexto injusto, mas isso não foi razão suficiente para eles não entenderem as incoerências do sistema, o que incluía excluir os africanos da proteção moral dada pela categoria de pessoa. Também, é possível fazer referência a um melhor entendimento das virtudes. Atualmente, usamos noções mais complexas que enfatizam a autonomia, integridade e dignidade dos agentes, em vez do uso de noções como a honra, ligada à castidade e submissão, no caso das mulheres ou ligada à violência, no caso dos homens. Sobre progresso moral, ver Buchanan; Powell (2018, p. 55).

Penso que esse desacordo não comprova a impossibilidade do conhecimento moral e nem prova a inexistência de valores morais objetivos, mas nos alerta para a complexidade do raciocínio ético, que parece envolver para além de regras morais gerais e universais e a habilidade do agente em chegar a uma decisão bem-sucedida, certas virtudes epistêmicas que se mostram necessárias para uma boa deliberação moral. É o caso da sabedoria prática, que tradicionalmente é tomada como uma virtude intelectual, mas que é condição de possibilidade das virtudes morais, tais como justiça, coragem, moderação, benevolência, amizade etc. No que segue, analisarei em maior detalhe as virtudes epistêmicas da sabedoria prática, humildade e integridade para, por fim, retornar à reflexão sobre o conhecimento moral.

2 Sabedoria prática e humildade

Antes de abordar a virtude da humildade, deixem-me fazer comentários adicionais a respeito da sabedoria prática. Como disse anteriormente, ela tradicionalmente é tomada como uma virtude intelectual que é condição de possibilidade para as virtudes morais. E isso porque, como vemos em Aristóteles, ela é tomada como uma capacidade de deliberar bem sobre o que contribui para a vida boa. É uma capacidade verdadeira e raciocinada de agir com respeito às coisas que são boas ou más para os agentes. Ela está relacionada com uma capacidade de apreender os fins que são bons e, mais especificamente, a uma capacidade deliberativa para chegar a um resultado bem-sucedido, escolhendo os meios mais eficientes para a realização do fim bom. Como afirmado por Aristóteles, “A sabedoria prática (phronesis) é a disposição da mente que se ocupa das coisas justas, corretas e boas para o ser humano, sendo essas as coisas cuja prática é característica de um homem bom (virtuoso)” (AristotleARISTOTLE. “Nicomachean Ethics” (NE). Translation T. Irwin. 2a. Ed. Indianapolis: Hackett, 1999., NE, 1143b21-25).

Veja que esse tipo de saber prático não implica conhecimento proposicional, como uma forma de conhecimento de verdades morais, mas que possibilita uma deliberação e decisão com sucesso em razão da capacidade em reconhecer o fim como bom. Também, esse saber parece estar ligado a certas emoções, tais como a compaixão e senso de justiça, e apresenta percepções valorativas dos diversos objetos que constituem uma boa deliberação. Roberts e Wood nos oferecem um excelente exemplo para uma melhor compreensão dos elementos envolvidos na virtude da sabedoria prática, em conexão com a virtude da autonomia. Eles comentam o caso do Professor do Antigo Testamento (Professor of Old Testament) no contexto do experimento de Milgram, que se recusou em continuar aplicando choques elétricos no aprendiz. Conhecido como experimento da obediência à autoridade, criado pelo psicólogo Stanley Milgram, seu objetivo central era mostrar que os agentes são fortemente suscetíveis a uma autoridade externa em suas decisões e ações, não sendo o caráter um móbil confiável. Os participantes, que faziam papel de Professores, deviam dar choques elétricos nos Aprendizes se estes dessem respostas erradas, sendo que os choques variavam de 15 até 450 volts.7 7 Realizado em 1961, na Universidade de Yale, o experimento de Milgram tinha por objetivo mostrar como as pessoas possuiriam uma tendência em obedecer a certas regras em razão de uma autoridade externa. Os participantes eram levados a acreditar que estavam assistindo a um experimento inovador, em que eles deveriam aplicar choques elétricos a um aprendiz para facilitar o aprendizado. Acontece que apenas os que faziam o papel dos Professores é que estavam sendo testado, uma vez que os Aprendizes eram atores que fingiam sentir dor, da mesma forma que os Responsáveis pelo experimento eram acadêmicos envolvidos na pesquisa. Os dados foram desconcertantes: 65 % dos participantes continuaram até o nível máximo de 450 volts, sendo que todos foram até 300 volts. Ver Milgram (1963, pp. 371-374). Mesmo considerando que a maioria (65%) aceitou a autoridade científica do experimento, indo até a voltagem máxima do choque, alguns indivíduos se recusaram em continuar, como foi o caso anteriormente referido. O Professor em tela, de forma prudente e autônoma, se recusou a continuar em razão de sua preocupação com o bemestar e a saúde do aprendiz, isto é, ele considerou o bem do aprendiz como mais importante que o bem do experimento, o que implicou uma deliberação de forma apropriada (Roberts; Wood, 2007ROBERTS, R. C.; WOOD, W. J. “Intellectual Virtues: An Essay in Regulative Epistemology”. New York: Oxford University Press, 2007., pp. 316-317).

Creio que seja elucidativo para nossos propósitos tentar compreender mais especificamente os diversos elementos que constituiriam a sabedoria prática, uma vez que essa virtude intelectual pode ser tomada como necessária para qualquer outra virtude, seja intelectual ou moral. Penso que a análise de Roberts e Wood sobre o caso do Professor do Antigo Testamento esclarece esses elementos específicos, uma vez que o agente: (i) procurou obter um máximo de informações relevantes sobre os aprendizes, fazendo isso com habilidade e bom julgamento, além de ter sido motivado pelo desejo de saber e agir bem, (ii) mostrou bom julgamento sobre os valores conflitantes ao decidir pelo bemestar do aprendiz ao invés de decidir pelo valor do experimento, (iii) mostrou cautela epistêmica sobre a autoridade ostensiva manifestada pelo Responsável pelo experimento ao dizer saber o que estava fazendo e ao oferecer argumentos suficientes contra essa autoridade, (iv) demonstrou a virtude da compaixão e da retidão na situação em relação ao aprendiz e (v) demonstrou respeito por uma autoridade moral que transcendia a autoridade humana que poderia ser arbitrária, o que possibilitou uma ação apta frente a uma autoridade ilegítima (Roberts; Wood, 2007ROBERTS, R. C.; WOOD, W. J. “Intellectual Virtues: An Essay in Regulative Epistemology”. New York: Oxford University Press, 2007., pp. 318-319).

Após essas breves referências sobre a sabedoria prática (prudência), penso que foi possível reconhecer a necessidade dessa virtude intelectual para o agente virtuoso poder chegar a uma decisão moral acertada. Por exemplo, a benevolência do Professor do Velho Testamento parece ter tido por fundamento a prudência, bem como a autonomia, o que já torna possível defender que as virtudes parecem disposições recíprocas, que devem ser compreendidas holisticamente. Isso pode ser confirmado pela constatação de que todas as virtudes morais são guiadas pelo intelecto, isto é, pela prudência que é central para a formação e exercício das virtudes. De forma similar, vou estipular a necessidade de contarmos com outras virtudes epistêmicas para possibilitar uma decisão e ação correta por parte do agente virtuoso, tais como autonomia, integridade, coragem, humildade etc., com a reivindicação de uma certa unidade das virtudes. Com isso em mente, passo agora para a investigação da virtude da humildade.

A palavra humildade vem do grego aidós e do latim humilitas e é tomada geralmente como uma virtude que consiste em reconhecer as próprias limitações e fraquezas e agir a partir dessa consciência. Tem uma forte relação com a qualidade moral dos agentes que não procuram se projetar sobre as outras pessoas, nem tentam parecer superior a elas. Nesse sentido, a humildade estaria circunscrita em como nós nos relacionamos com as nossas próprias boas qualidades. Ela seria uma virtude por poder ser interpretada como uma disposição para ter o sentimento apropriado do nosso próprio valor em relação aos outros e isso seria desejável por garantir a felicidade. Assim, ela seria uma disposição para moderar nossa importância, status, bens e capacidades em relação aos outros.8 8 Embora seja controverso tomar a humildade como uma virtude, uma vez que o próprio Aristóteles tomava aidós mais como um sentimento do que uma disposição, ao dizer que a modéstia não seria uma virtude e ao considerar que Tomás de Aquino tomava a modéstia e a humildade como tipos de temperança, como importantes em razão de deixar o agente aberto à graça divina, além da consideração de Hume, que via a humildade como uma virtude monástica e não propriamente moral, vamos tomá-la como uma disposição do agente para não inflar o seu próprio valor frente aos outros, o que implicará um tipo de conhecimento sobre o valor moral e epistêmico igual das pessoas, e isso nos auxiliará na melhor compreensão do escopo do conhecimento moral. A respeito das controvérsias sobre a humildade ser uma virtude ou não, ver Bommarito, 2018. Como dito por Slote, a humildade seria uma espécie de corretor da tendência humana geral em ter uma consideração muito elevada de si mesmo, isto é, como uma autoconsideração acurada, como uma forma de reconhecer o valor moral igual das pessoas (Slote, 1983SLOTE, M. “Goods and Virtues”. Oxford: Clarendon Press, 1983., pp. 61-62).

Em um contexto epistêmico, a humildade tem a ver em como nós nos relacionamos com a verdade ou racionalidade de nossas próprias crenças. Uma discussão sobre humildade epistêmica parece envolver como nós nos relacionamos com as nossas próprias crenças, concepções e julgamentos. Por exemplo, um acadêmico que demonstra humildade intelectual não teria problema em reconhecer certos erros que seriam apontados para uma dada teoria que ele defende, bem como não teria problema em modificar a sua própria posição. De forma similar, esse acadêmico com humildade revelaria uma disposição para não inflar a preocupação com o seu próprio status acadêmico, isto é, o seu valor acadêmico atribuído pela comunidade da qual faz parte, tendo por foco central em sua atuação a busca pela verdade. Dito de outro modo, a humildade intelectual desse acadêmico o impediria de ser tanto arrogante como vaidoso, quer dizer, o impediria de agir como o detentor exclusivo da verdade, bem como o impediria de inflar o seu próprio valor no interior da comunidade acadêmica, respectivamente.

Se pensarmos na humildade intelectual como contraposta à vaidade, então, o que parece estar em jogo seria a disposição para levar em consideração as críticas recebidas, considerar com atenção as outras posições discordantes em um debate, ou mesmo não tomar dogmaticamente as próprias crenças como absolutas. Também, pode ser entendida como uma disposição do agente para aceitar os seus próprios erros e modificar as suas crenças e posições ao mostrar uma ausência de preocupação com o seu próprio status intelectual, com um interesse maior em alcançar a verdade. Sobre esse ponto, um exemplo paradigmático de humildade intelectual como oposta a uma forte preocupação com o próprio status intelectual pode ser encontrado em Sócrates. Em sua metodologia maiêutica, por exemplo, o mais importante não era o exercício de uma dominação intelectual, mas, ao contrário, o desenvolvimento das próprias capacidades dos alunos para investigar e descobrir a verdade. Nessa perspectiva, Sócrates parecia demonstrar um contentamento em ver a si mesmo apenas como um facilitador entre seus interlocutores e a própria verdade. Isso parece resultar em que a humildade seria tomada como uma disposição do agente em alegrar-se com o progresso dos outros, com a existência de uma certa indiferença emocional em relação à extensão de sua influência sobre os outros.9 9 Na “Apologia de Sócrates”, por exemplo, vemos que o Oráculo de Delfos declarou Sócrates como o homem mais sábio de Atenas, Mas, de forma paradoxal, a razão de ele ser tomado como sábio foi o seu reconhecimento de que nada sabia. Isso parece apontar para uma humildade intelectual, uma vez que sua sabedoria seria derivada de sua habilidade em reconhecer os limites de seu próprio conhecimento, tomando essa limitação como início de uma investigação genuína. Ver Plato, Ap., 23b.

Agora, ao pensar na humildade intelectual como contraposta à arrogância, o mais relevante parece ser a disposição do agente para não exagerar sobre uma reivindicação de certos direitos com base em sua superioridade epistêmica, o que parece implicar uma disposição para aceitar que ele pode estar errado. Assim, a humildade intelectual seria simplesmente a disposição para reconhecer que as coisas em que o agente acredita podem precisar de revisão. Isso nos conduz a uma certa conduta menos dogmática, em que o agente teria a disposição de consultar a opinião dos outros sobre uma certa questão e levar em consideração a dificuldade da investigação em tela, e reconhecer as suas limitações para encontrar a solução do problema. Um exemplo seminal dessa virtude da humildade pode ser encontrado em um cientista não dogmático, tal como Albert Einstein. Mesmo com o reconhecimento de sua genialidade pela comunidade científica, ele dizia que não tinha nenhum talento especial e que seria apenas uma pessoa passionalmente curiosa (Einstein, 2010EINSTEIN, A. “The Ultimate Quotable Einstein”. Colleted and Edited by A. Calaprice. Princeton: Princeton University Press, 2010., p. 20). Isso já nos mostra que a humildade intelectual teria uma forte preocupação com a busca pela verdade e resolução de problemas e uma baixa preocupação com as próprias certezas do agente.10 10 Veja que essa disposição não dogmática parece conduzir a um reconhecimento dos limites da racionalidade e à compreensão de que empreendimentos cooperativos seriam mais adequados na busca do conhecimento, isto é, na tarefa de procurar entender alguma esfera da realidade e encontrar a resolução de um certo problema. Em uma carta escrita a Max Born em 1953, Einstein diz que não considera correto tomar os resultados de seu trabalho como sendo de sua propriedade. Também, diz que quando do exame de si mesmo e seus métodos, conclui que a imaginação o ajudou mais do que o seu talento para absorver o conhecimento (Einstein, 2010, pp. 21-26).

A partir do exposto, deixem-me concluir essa seção ao apontar para certas características essenciais da humildade epistêmica. Em primeiro lugar, é importante reconhecer que a humildade é uma virtude porque a aquisição, manutenção, transmissão e aplicação do conhecimento é parte integral da vida humana, e uma vida caracterizada pela humildade com respeito a essas atividades é uma vida mais excelente do que uma em que se teria a ausência dessa disposição. Em segundo lugar, é importante observar que a humildade nesse contexto epistêmico tem um papel negativo de prevenir certos obstáculos para adquirir, refinar e transmitir conhecimento. E isso porque muito da aquisição, refinamento e transmissão do conhecimento ocorre na vida social e, assim, as dinâmicas interpessoais parecem afetar o processo intelectual, uma vez que uma pesquisa é geralmente realizada por um grupo colaborativo. Em terceiro lugar, essa virtude em questão parece facilitar que se alcancem os fins epistêmicos, isto é, os bens intelectuais, tais como o conhecimento, verdade, justificação etc. O intelectual humilde, por exemplo, ficará mais livre para testar as suas ideias mesmo contra fortes objeções. Também, pode possibilitar que o intelectual não tenha medo de tentar novas abordagens, ainda que sejam consideradas perda de tempo pela comunidade, o que parece nos conduzir a uma atitude de coragem. Por fim, quero ressaltar que essa virtude da humildade epistêmica parece estar conectada com outras virtudes. Por exemplo, ela parece conectada claramente com a virtude da coragem, uma vez que a disposição para controlar os medos e não superdimencionar a própria segurança parece essencial para o sucesso da obtenção do conhecimento, da mesma forma que a atitude autônoma dos investigadores se revela central para possibilitar a resolução de algum problema. Virtudes da justiça, benevolência e até mesmo generosidade também parecem guardar uma relação intrínseca com a virtude da humildade no contexto epistêmico.11 11 A generosidade é uma disposição para dar coisas de valor aos outros em razão do bem dos outros. Epistemicamente, a generosidade é a disposição para dar coisas valorosas aos outros no campo intelectual. Por exemplo, a dedicação do tempo do professor para orientar os alunos em suas teses, colocar uma descoberta científica em domínio público, ou mesmo a dedicação do tempo de um pesquisador para preparar aulas melhores, podem ser considerados como exemplos de generosidade intelectual. Assim, para se alcançar o conhecimento, tanto a humildade como a generosidade parecem centrais. Ver Roberts; Wood (2007, pp. 286-301). Mas, antes de aprofundar esse ponto da unidade das virtudes para o conhecimento, especificamente o moral, passo à investigação da virtude da integridade.

3 Virtude da integridade

Integridade é um vocábulo que vem do latim integritate e significa a qualidade ou estado de algo ou alguém que é íntegro ou completo. Por exemplo, alguém ter inteireza física ou um objeto estar intato. Nesse caso, um ato de violência comprometeria a integridade física de um agente, bem como a queda de um objeto comprometeria a integridade física deste algo. Por outro lado, o termo também é sinônimo de honestidade, coerência, equilíbrio, imparcialidade, previsibilidade e retidão de carácter. Em um sentido bastante corriqueiro, ser íntegro é equivalente a ser honrado, sincero, correto. Parece indicar uma atitude de perfeição moral, tal como ser incorruptível ou irrepreensível. Nesse sentido, a integridade é moral. Ainda um outro sentido usual é o da integridade pessoal, tomada como uma atitude coerente com os valores mais profundos do agente, como no caso de um pacificista que se recusa a lutar numa certa guerra, com a aceitação da pena prisão como consequência de sua objeção de consciência.12 12 McFall diz que a integridade é um conceito complexo, pois está associada geralmente a uma adequação a um padrão moral usual, como a exigência de dizer a verdade, ser honesto, sincero e equitativo, mas, por outro lado, parece implicar a exigência do agente em agir a partir daquilo que ele considera correto, podendo até se contrapor ao padrão moral convencional sobre o certo e errado. Embora seja habitual estabelecer uma oposição entre a integridade moral e a integridade pessoal, o ponto central do artigo é tentar esclarecer a relação intrínseca entre os dois sentidos de integridade, sobretudo, a partir da perspectiva da coerência (McFall, 1987, pp. 5-6). Mas, seriam esses os únicos significados de integridade? Ela não teria alguma conexão com a disposição do agente em perseguir a verdade?

Do ponto de vista epistêmico, a integridade pode ser mais bem compreendida como uma disposição do agente em perseguir a verdade, na forma a identificar um padrão normativo verdadeiro para ação. Isso tem relação com escolher certos princípios e valores e acreditar em certas crenças, com a defesa desses valores e crenças como verdadeiros e coerentes entre si, e agir a partir do que se toma por verdadeiro. Em síntese, ela não seria uma disposição para uma certa ação ou para ter um certo pensamento. Antes, ela requer uma disposição do agente para apoiar o seu melhor julgamento da verdade, através de uma disposição para agir de acordo com esse julgamento. Por exemplo, censurar alguém que diz algo racista e homofóbico, com o conhecimento que racismo e homofobia são errados porque ferem a igualdade, parece revelar integridade. Seria o mesmo no caso de discordar dos que defendem que o aquecimento global é uma invenção em razão de um conhecimento mais embasado sobre o assunto. Nos dois casos, haveria uma disposição para se agir de forma coerente com o que se toma por verdadeiro, sejam princípios morais ou crenças científicas. Omissões, aqui, revelariam falta de integridade.13 13 De acordo com Scherkoske, a integridade é mais bem classificada como virtude epistêmica antes que moral, em razão de ela não se constituir como uma disposição para uma dada motivação particular, como fazer uma certa ação, ou mesmo como uma disposição para ter um certo pensamento (Scherkoske, 2012, p. 201).

Veja-se, assim, que a integridade parece exigir que as ações dos agentes tomem como critérios relevantes para a ação o conjunto de valores e de crenças que conta com sua aprovação em razão de sua verdade. Isso parece implicar, em primeiro lugar, a coerência dos diversos valores e princípios morais assumidos como corretos e as diversas crenças factuais tomadas como verdadeiras. Em segundo lugar, parece significar a coerência entre as ações e os valores e crenças dos agentes tomados como corretos e verdadeiros, de forma que se poderia verificar a consistência entre os comprometimentos, princípios, valores e crenças de alguém, bem como a coerência entre as ações e esse conjunto valorativo e factual.

Ao pensar no conjunto valorativo e factual coerente que deve ser assumido pelo agente íntegro, é importante observar que a ação íntegra se mostra uma questão de ter um olhar apropriado para o seu próprio papel no processo coletivo de deliberação sobre o que teria valor. Com essa perspectiva, pode-se reconhecer que a integridade do ponto de vista tanto epistêmico como moral possui um caráter fortemente social, de forma que uma pessoa íntegra não agiria apenas consistentemente com os seus comprometimentos mais profundos, mas estaria conectada com os valores e crenças aprovados pela comunidade da qual ela é membro. Por exemplo, não seria um caso de integridade agir de forma sexista e racista em uma comunidade que busca por igualdade racial e de gênero. Poderia ser um caso de integridade pessoal, mas a integridade epistêmica/moral parece exigir a coerência entre as ações e o conjunto valorativo e factual que é tomado como verdadeiro pelos agentes, e esse processo é eminentemente social.14 14 Sobre o caráter social da virtude da integridade, ver Calhoun (1995, pp. 258-260).

Além desse traço social, penso que podemos apontar outra característica relevante da integridade, que é a sua relação estreita com a verdade. Por exemplo, uma pessoa íntegra deveria examinar profundamente a verdade de certas teses que são alvo de debate e isso porque uma pessoa com integridade intelectual é alguém que tem uma disposição para perseguir a verdade. Isso revelaria uma disposição de investigação mais profunda sobre certas teses polêmicas, o que é distinto de aceitar rapidamente o que um certo grupo defende. Para exemplificar, penso que em uma discussão usual sobre aquecimento global, uma pessoa com integridade deveria investigar com maior rigor o que a ciência diz sobre o tema, isto é, deveria ler matérias em jornais e revistas, assistir a debates entre cientistas etc., antes de aceitar passivamente certa conclusão sobre o assunto. Isso parece requerer uma consideração adequada das evidências que estão disponíveis ao agente. Aqui, não ter uma disposição em considerar as evidências científicas seria uma marca de falta de integridade, pois o que estaria em jogo seria a afirmação dogmática de convicções pessoais sem nenhum compromisso com a verdade.15 15 Lynch apresenta uma perspectiva semelhante ao dizer que uma pessoa com integridade intelectual defende o que ela pensa que é verdadeiro especificamente porque ela pensa que é verdadeiro, como no caso de alguém lutar pelo fim da discriminação racial porque pensa que é verdadeira a tese da igualdade moral das pessoas. Também, que a integridade intelectual requer estar aberto à verdade precisamente porque é a verdade, o que pode implicar a disposição do agente em admitir que ele está errado (Lynch, 2005, pp. 131-135).

Com isso, pode-se reconhecer que uma ação íntegra não seria apenas uma questão de coerência, isto é, de consistência entre as ações do agente e no que ele acredita. Se fosse assim, alguém que defendesse o fim de políticas públicas contra o aquecimento global em razão de não acreditar que isso é um sério problema ambiental, poderia ser tomado como alguém íntegro. Mas, não parece ser o caso, uma vez que dificilmente esse agente poderia ser visto como um exemplo de agente virtuoso, em razão de seu descompromisso com as evidências disponíveis sobre o tema. Ao contrário, a integridade aqui exigiria uma mudança de certas convicções iniciais sobre a questão a partir de novas evidências que deveriam ser consideradas e, nesse âmbito em foco, parece significar ter uma atenção especial à verdade de forma geral.

Mas, essa forma de interpretar a integridade não seria muito exigente, uma vez que responsabilizaria o agente por acreditar em outras crenças, isto é, exigiria que ele abandonasse certas crenças por sua falsidade e passasse a acreditar em outras por sua verdade? Veja-se que essa compreensão de responsabilidade epistêmica estaria ligada a uma concepção de agência humana como relacionada a uma capacidade contrafactual de acreditar em outras coisas, com a formação de novas crenças. Assim, o agente seria inteiramente responsável pelo reconhecimento das crenças verdadeiras e o abandono das falsas. Por mais que se possa considerar essa capacidade em abstrato como correta, creio que essa concepção de responsabilidade epistêmica não seria adequada, uma vez que ela parece desconsiderar a diferença das competências cognitivas dos diversos agentes no processo deliberativo, bem como parece desconsiderar certos aspectos contingentes para o desenvolvimento das capacidades cognitivas que estariam fora do controle do agente, como seria o caso de crescer em uma comunidade rica cognitivamente, com educação e treinamento adequados, ou crescer em um ambiente inóspito cognitivamente.

Ao deixar de lado uma concepção pura de agência humana, creio ser possível pensar na responsabilidade intelectual do agente de uma forma mais modesta. Não precisaríamos tomar a responsabilidade epistêmica como ligada necessariamente a uma capacidade contrafactual de acreditar em outras crenças, mas relacionada com a capacidade do agente de responder a razões. De forma similar ao defendido por Fischer e Ravizza sobre a reponsabilidade moral, que consideram que a reponsabilidade não estaria ligada ao controle regulativo, que é a capacidade do agente em agir de outra maneira, mas que estaria ligada ao controle de direcionamento, que é a capacidade moderada do agente em reconhecer as razões morais envolvidas e agir razoavelmente a partir dessas razões, a responsabilidade epistêmica também estaria ligada não ao controle do agente em acreditar em outras crenças, mas a um controle de direção epistêmica. Isso resultaria na capacidade do agente em reconhecer as razões epistêmicas e na capacidade de reagir adequadamente a essas razões.16 16 Essa concepção de responsabilidade epistêmica como ligada a uma capacidade de responder a razões (reasons-responsiveness view) é defendida, entre outros, por Conor McHugh. Para ele: “Um agente é epistemicamente responsável por uma dada crença apenas se essa crença for formada ou mantida por um mecanismo que é do próprio agente, e que é receptivo e reativo a razões epistêmicas” (McHugh, 2013, p. 142). Sobre a concepção semicompatibilista de responsabilidade moral, que identifica a responsabilidade no controle de direcionamento dos agentes, conectado a uma concepção de resposta a razões, ver Fischer e Ravizza (1998, pp. 28-61).

E, assim, ter a capacidade de responder às razões epistêmicas, com o controle de direção epistêmica, já seria uma condição necessária e suficiente para podermos atribuir responsabilidade aos agentes de uma forma mais modesta, na medida em que a autoria da agência estaria intrinsecamente relacionada com o processo de desenvolvimento das competências cognitivas dos indivíduos. Psicopatas, por exemplo, bem como pessoas com ilusões paranoicas, não estariam sob o controle de direção epistêmica e, por isso, não poderiam ser responsabilizadas pelo que acreditam porque não poderiam responder adequadamente a razões epistêmicas. De forma similar, um ambiente inóspito cognitivamente parece enfraquecer a responsabilidade intelectual do agente. Seria diferente do caso de alguém sem nenhuma patologia e que tivesse crescido em um ambiente rico cognitivamente. Nesse caso, sua falta de disposição em perseguir a verdade, como no exemplo do agente que desconsidera as várias evidências sobre o aquecimento global e que não muda suas convicções dogmáticas, seria de sua inteira responsabilidade e, assim, ele poderia ser tomado como um alvo apropriado de censura por parte da comunidade, o que seria equivalente a tomá-lo como um agente com uma responsabilidade intelectual para agir de forma íntegra.

Considerações finais

A partir dessa breve análise feita sobre as virtudes epistêmicas e raciocínio ético, o objetivo nessa parte final do texto é procurar ver em que medida a investigação realizada ajuda a melhor compreender o escopo do conhecimento moral, de forma a não tomar a constatação do desacordo moral como uma prova inequívoca da inexistência de verdades morais objetivas e, por consequência, da impossibilidade do conhecimento no campo ético. Ao tentar responder a esta acusação cética, minha interpretação se vale do conhecimento moral a partir de um modelo da ética das virtudes, e isso porque se pode contar com o caráter humano virtuoso como parâmetro normativo, bem como com uma ideia reguladora de florescimento humano. Para tal, será importante compreender o conhecimento moral como um processo social, isto é, intersubjetivo, que precisará contar com um conjunto de virtudes interconectadas de forma holística e com um processo reflexivo de investigação feito pelo agente com responsabilidade epistêmica para chegar a uma crença apta, isto é, uma crença defensável.

Importante lembrar que o conhecimento moral visto a partir da ética das virtudes é um tipo de conhecimento cercado pela diversidade de opiniões e pela incerteza a respeito do que é bom e justo, mas que pode ajudar os agentes a melhor decidir em situações complexas, como em nosso exemplo de querer saber se se deve cumprir a promessa feita em uma situação de coerção. Em vez de ser visto como equivalente a chegar a uma crença verdadeira justificada, o conhecimento ético pode ser mais bem interpretado como uma habilidade prática que se aprende por habituação em um processo de socialização, mas que não pode ser tomado por uma rotina em razão da aspiração para se ser melhor. E é claro que a excelência dessa habilidade virá pelo exercício, o que parece implicar tomar esse tipo de conhecimento como uma performance em que se obtém sucesso. Mas, o que caracterizaria aqui uma performance bem-sucedida? Penso que a analogia com o arqueiro é significativa. Uma performance bem-sucedida seria aquela em que o agente acerta o alvo em razão de sua aptidão, aptidão que foi desenvolvida pela habituação, mas isso não é o mesmo que ser invulnerável ao erro e, assim, se poderia chegar a uma crença apta pela deliberação. Por isso, quanto mais conectado o agente estiver dos valores morais que são defendidos por sua comunidade, mais apto ele estará para acertar o alvo. Nesse contexto, um agente justo não teria muito problema em saber atualmente que o sexismo é injusto, bem como que qualquer discriminação racial é injusta. Mas, um agente justo saberia se é correto ou não descumprir a promessa em caso de coerção? Nesse caso, o parâmetro normativo do caráter justo parece insuficiente para se poder acertar o alvo.

Como a ética não é conhecimento proposicional sobre o bom, o raciocínio moral possuirá uma exatidão correspondente ao seu objeto. Este raciocínio será mais bem interpretado como uma deliberação particular, em que não se sabe teoricamente o que fazer, mas que pode considerar integralmente os aspectos envolvidos e decidir por um curso de ação em vez de outro, desde que essa decisão seja uma expressão de certas virtudes epistêmicas, tais como a sabedoria prática, autonomia, integridade, humildade, generosidade etc. Por exemplo, a sabedoria prática possibilitará que o agente avalie os meios mais adequados para a realização do fim e a autonomia o capacitará a pensar por si mesmo, assim como a generosidade lhe possibilitará a ter por foco o bem do outro em uma decisão. Por sua vez, a integridade capacitará o agente a agir de forma coerente com o que ele toma por verdadeiro, assim como a humildade enfraquecerá sua preocupação com o seu status intelectual e fortalecerá sua preocupação com a busca da verdade de uma forma não dogmática. Assim, essas virtudes epistêmicas conectadas holisticamente, com a consideração, também, da conexão holística de certas virtudes morais, tais como a justiça, coragem e benevolência, por exemplo, parecem capacitar o agente a melhor identificar os valores morais que contam com a aprovação da comunidade, o que parece revelar uma capacidade de responder adequadamente tanto a razões morais como epistêmicas. Dessa forma, o agente poderia levar em conta para uma decisão ética tanto os princípios morais gerais e universais, as circunstâncias da ação e, até mesmo, as consequências do ato.

Disse até aqui que o conhecimento moral a partir de uma ética das virtudes pode ser mais bem interpretado como uma performance bem-sucedida, que se chega a uma crença apta por um processo reflexivo, acertando o alvo em razão de poder levar em conta uma série de elementos, tais como princípios morais, valores sociais, crenças factuais e até mesmo as consequências. Agora quero afirmar que o conhecimento moral interpretado a partir de uma ética das virtudes pode ser mais bem caracterizado pelo método do equilíbrio reflexivo amplo.17 17 DePaul explica o método do equilíbrio reflexivo da seguinte forma: Se inicia com a observação das crenças morais assumidas com confiança pelos agentes e, então, se vê se essas crenças são coerentes com certos princípios gerais. O próximo passo é construir uma teoria que seja coerente tanto com os juízos ponderados quanto com os princípios, estabelecendo-se um processo de ajuste mútuo entre os juízos, princípios e teoria. A ideia é buscar um equilíbrio amplo. Importante frisar que esse processo de ajuste mútuo que é característico do equilíbrio reflexivo revela que nenhuma crença, seja ela moral, epistêmica ou factual, possui um estatuto epistêmico privilegiado, mas todas as crenças devem ser consideradas, inclusive as derivadas de teorias metafísicas, antropológicas ou sociológicas (DePaul, 1998, pp. 296-297). Por exemplo, lembrando da engenhosa solução dada por Smith, o agente poderia partir de certas intuições morais (ou juízos ponderados) nas quais ele tem grande confiança, confiança essa que seria garantida pela aceitação social, isto é, pela valoração comum. Assim, ele poderia partir das intuições que apontam que “é correto cumprir a promessa”, que “um agente honrado deve cumprir a promessa”, que “para ser honrado, a palavra do indivíduo deve valer” e que “a honra é uma virtude central para uma vida bem-sucedida”. Também poderia contar com certos princípios morais, tanto gerais como universais, como o que afirma que “deve-se cumprir a promessa, desde que esse dever não seja inconsistente com deveres mais valorosos”, que “deve-se cuidar da família” e que “deve-se agir tendo por foco o bem público”. Também, o agente poderia contar com certas crenças não morais, tais como uma crença jurídica que afirma que “uma circunstância injusta como coerção invalida toda obrigação”, ou mesmo uma crença lógica que afirma que “o todo é mais importante que as partes” e isso para concluir a respeito da superioridade do bem comum sobre o bem individual, bem como com uma crença de senso comum que defende que “a família deve ser protegida”.

Veja-se que essa decisão do agente em não cumprir a promessa para não arruinar a família poderia ser tomada como conhecimento moral porque teríamos uma coerência entre as intuições, os princípios e as crenças não morais. Assim, essa decisão poderia ser tomada como um juízo ético que temos as melhores razões para aderir. Como este conhecimento não será uma questão de tudo ou nada, mas de graus, obter um conjunto amplo coerente de crenças pode nos indicar um padrão normativo de objetividade. O mesmo seria dito a respeito da constatação de um conjunto coerente de virtudes epistêmicas e morais em um agente. Aqui a objetividade seria dada pela coerência tomada de forma holística, o que não impede a revisibilidade das decisões. Mas, bastaria que essa deliberação fosse a expressão de certas virtudes para ser vista como conhecimento. Por exemplo, como expressão da integridade, que parece exigir uma disposição para perseguir a verdade e obter coerência entre os diversos valores e princípios assumidos como corretos e as diversas crenças factuais tomadas como verdadeiras. Também, como expressão da humildade, que parece implicar uma disposição não dogmática para rever as próprias decisões na busca pela verdade.

Ao tomar o conhecimento ético em uma perspectiva falibilista, penso que é possível reconhecer o desacordo moral como real, bem como aceitar a pluralidade ética em um certo nível. Mas, de maneira nenhuma, isso seria uma razão suficiente para se aceitar a conclusão cética de que este desacordo provaria a inexistência de verdades morais objetivas e que toda decisão nesse campo teria por base apenas as emoções dos agentes. Isso poderia ser um problema para as teorias éticas que tomam este conhecimento como de tudo ou nada. Mas, para os que defendem um modelo de ética das virtudes que compreendem o conhecimento ético como uma questão de graus, a sua “inexatidão” não precisa ser interpretada como relativismo, bem como a coerência parece satisfatória para oportunizar um padrão normativo de objetividade.

  • 1
    Mackie, por exemplo, apresenta uma posição cética nesses termos, defendendo o argumento da relatividade, que diz que como os juízos morais de primeira ordem são diferentes e até antitéticos, não haveria objetividade, isto é, a relatividade ética tornaria difícil ver esses juízos como apreensões de verdades objetivas (Mackie, 1977MACKIE, J. “Ethics: Inventing Right and Wrong”. London: Penguin Books, 1977., pp. 36-42). Por sua vez, Stevenson argumenta que como dois agentes podem continuar discordando em atitudes, mesmo não existindo alguma discordância a respeito de crenças, o desacordo em ética não teria relação com verdades científicas, mas estaria ligado a uma perspectiva emocional (Stevenson, 1963STEVENSON, C. “The Nature of Ethical Disagreement”. In: Facts and Values. New Haven: Yale University Press, 1963. pp. 1-9., pp. 4-8).
  • 2
    A epistemologia da virtude considera a epistemologia como uma disciplina normativa, vinculando o conhecimento e a responsabilidade epistêmica do agente com o exercício de uma habilidade epistêmica, isto é, como expressão de certas virtudes intelectuais, tais como sabedoria prática, criatividade, benevolência, curiosidade, humildade etc. Ver Sosa, 2007SOSA, E. “A Virtue Epistemology: Apt Belief and Reflective Knowledge”, Vol. I. Oxford: Clarendon Press, 2007.; Greco, 1993GRECO, J. “Virtues and Vices of Virtue Epistemology”. Canadian Journal of Philosophy, Vol. 23, 1993, pp. 413-432., pp. 413-432 e Zagzebski, 1996ZAGZEBSKI, L. “Virtues of the Mind: An Inquiry into the Nature of Virtue and the Ethical Foundations of Knowledge”. Cambridge: Cambridge University Press, 1996.. Para Sosa, por exemplo, o conhecimento não é a representação da crença ou crença verdadeira justificada, mas é um tipo de performance bem-sucedida, é chegar a uma crença apta por um processo reflexivo (Sosa, 2007SOSA, E. “A Virtue Epistemology: Apt Belief and Reflective Knowledge”, Vol. I. Oxford: Clarendon Press, 2007., pp. 22-24).
  • 3
    Stuart Hampshire defende corretamente que em um modelo deliberativo o agente pesa e reflete sobre alternativas e, então, pode justificar sua decisão, enquanto que em um modelo emotivista, a declaração moral seria feita sobre os próprios sentimentos dos agentes, não sendo uma justificação necessária, nem suficiente. Sua conclusão é que um juízo moral seria como um silogismo prático, em que a ação correta é a melhor coisa a se fazer naquelas circunstâncias (Hampshire, 1949HAMPSHIRE, S. “Fallacies in Moral Philosophy”. Mind, Vol. 58, Nr. 232, 1949, pp. 466-482., pp. 466-482).
  • 4
    Sócrates é um caso paradigmático de heroísmo moral. No “Crito”, Sócrates aceita a pena de morte ao decidir cumprir a promessa feita às leis, com a deliberação de não fugir de Atenas. Mesmo com o conhecimento de que era alvo de uma condenação injusta, a sua decisão foi na direção de uma reprovação de qualquer ato injusto, pois sua consciência não poderia conviver com a aceitação da realização de um ato não virtuoso. E isso em razão de considerar que se deve sempre cumprir as promessas e que nenhuma circunstância de injustiça invalidaria alguma obrigação moral e daí a regra de não retribuir uma injustiça com outra injustiça. Ver PlatoPLATO. “Five Dialogues: Euthyphro, Apology (Ap.), Crito (Cri.), Meno, Phaedo”. 2nd Ed. Translation G. M. A. Grube. Rev. J. Cooper. Indianapolis: Hackett Publishing Company, 2002., Cri., 49d-54e.
  • 5
    Similarmente, Zagzebski, em “Virtues of the Mind”, define o conhecimento como um estado de contato cognitivo com a realidade por meio de atos de virtude intelectual e atos de virtude devem ser tomados como um termo de sucesso, isto é, devem ser tomados como atos bem-sucedidos (Zagzebski, 1996ZAGZEBSKI, L. “Virtues of the Mind: An Inquiry into the Nature of Virtue and the Ethical Foundations of Knowledge”. Cambridge: Cambridge University Press, 1996., pp. 270-271).
  • 6
    É recorrente a acusação de conservadorismo moral feita à ética das virtudes. O argumento parece ser o seguinte. Se se aprende a virtude a partir de um certo contexto, em que medida o agente virtuoso terá a capacidade de criticar o próprio contexto valorativo do qual ele aprende a ser virtuoso? Por exemplo, os donos de escravos em uma sociedade escravista poderiam aprender a importância da equidade e generosidade, mas isso não os capacitaria a considerar que o seu contexto social e econômico seria injusto, uma vez que excluiria certos indivíduos da proteção da equidade e generosidade. Essa crítica não parece inteiramente adequada se considerarmos o fenômeno do progresso moral. Os abolicionistas britânicos no século XVIII, por exemplo, aprenderam as virtudes da equidade e generosidade em um contexto injusto, mas isso não foi razão suficiente para eles não entenderem as incoerências do sistema, o que incluía excluir os africanos da proteção moral dada pela categoria de pessoa. Também, é possível fazer referência a um melhor entendimento das virtudes. Atualmente, usamos noções mais complexas que enfatizam a autonomia, integridade e dignidade dos agentes, em vez do uso de noções como a honra, ligada à castidade e submissão, no caso das mulheres ou ligada à violência, no caso dos homens. Sobre progresso moral, ver Buchanan; Powell (2018BUCHANAN, A.; POWELL, R. “The Evolution of Moral Progress: A Biocultural Theory”. New York: Oxford University Press, 2018., p. 55).
  • 7
    Realizado em 1961, na Universidade de Yale, o experimento de Milgram tinha por objetivo mostrar como as pessoas possuiriam uma tendência em obedecer a certas regras em razão de uma autoridade externa. Os participantes eram levados a acreditar que estavam assistindo a um experimento inovador, em que eles deveriam aplicar choques elétricos a um aprendiz para facilitar o aprendizado. Acontece que apenas os que faziam o papel dos Professores é que estavam sendo testado, uma vez que os Aprendizes eram atores que fingiam sentir dor, da mesma forma que os Responsáveis pelo experimento eram acadêmicos envolvidos na pesquisa. Os dados foram desconcertantes: 65 % dos participantes continuaram até o nível máximo de 450 volts, sendo que todos foram até 300 volts. Ver Milgram (1963MILGRAM, S. “Behavioral Study of Obedience”. Journal of Abnormal and Social Psychology, Vol. 67, Nr. 4, 1963, pp. 371-378., pp. 371-374).
  • 8
    Embora seja controverso tomar a humildade como uma virtude, uma vez que o próprio Aristóteles tomava aidós mais como um sentimento do que uma disposição, ao dizer que a modéstia não seria uma virtude e ao considerar que Tomás de Aquino tomava a modéstia e a humildade como tipos de temperança, como importantes em razão de deixar o agente aberto à graça divina, além da consideração de Hume, que via a humildade como uma virtude monástica e não propriamente moral, vamos tomá-la como uma disposição do agente para não inflar o seu próprio valor frente aos outros, o que implicará um tipo de conhecimento sobre o valor moral e epistêmico igual das pessoas, e isso nos auxiliará na melhor compreensão do escopo do conhecimento moral. A respeito das controvérsias sobre a humildade ser uma virtude ou não, ver Bommarito, 2018BOMMARITO, N. “Modesty and Humility”. Stanford Encyclopedia of Philosophy, 2018..
  • 9
    Na “Apologia de Sócrates”, por exemplo, vemos que o Oráculo de Delfos declarou Sócrates como o homem mais sábio de Atenas, Mas, de forma paradoxal, a razão de ele ser tomado como sábio foi o seu reconhecimento de que nada sabia. Isso parece apontar para uma humildade intelectual, uma vez que sua sabedoria seria derivada de sua habilidade em reconhecer os limites de seu próprio conhecimento, tomando essa limitação como início de uma investigação genuína. Ver PlatoPLATO. “Five Dialogues: Euthyphro, Apology (Ap.), Crito (Cri.), Meno, Phaedo”. 2nd Ed. Translation G. M. A. Grube. Rev. J. Cooper. Indianapolis: Hackett Publishing Company, 2002., Ap., 23b.
  • 10
    Veja que essa disposição não dogmática parece conduzir a um reconhecimento dos limites da racionalidade e à compreensão de que empreendimentos cooperativos seriam mais adequados na busca do conhecimento, isto é, na tarefa de procurar entender alguma esfera da realidade e encontrar a resolução de um certo problema. Em uma carta escrita a Max Born em 1953, Einstein diz que não considera correto tomar os resultados de seu trabalho como sendo de sua propriedade. Também, diz que quando do exame de si mesmo e seus métodos, conclui que a imaginação o ajudou mais do que o seu talento para absorver o conhecimento (Einstein, 2010EINSTEIN, A. “The Ultimate Quotable Einstein”. Colleted and Edited by A. Calaprice. Princeton: Princeton University Press, 2010., pp. 21-26).
  • 11
    A generosidade é uma disposição para dar coisas de valor aos outros em razão do bem dos outros. Epistemicamente, a generosidade é a disposição para dar coisas valorosas aos outros no campo intelectual. Por exemplo, a dedicação do tempo do professor para orientar os alunos em suas teses, colocar uma descoberta científica em domínio público, ou mesmo a dedicação do tempo de um pesquisador para preparar aulas melhores, podem ser considerados como exemplos de generosidade intelectual. Assim, para se alcançar o conhecimento, tanto a humildade como a generosidade parecem centrais. Ver Roberts; Wood (2007, pp. 286-301).
  • 12
    McFall diz que a integridade é um conceito complexo, pois está associada geralmente a uma adequação a um padrão moral usual, como a exigência de dizer a verdade, ser honesto, sincero e equitativo, mas, por outro lado, parece implicar a exigência do agente em agir a partir daquilo que ele considera correto, podendo até se contrapor ao padrão moral convencional sobre o certo e errado. Embora seja habitual estabelecer uma oposição entre a integridade moral e a integridade pessoal, o ponto central do artigo é tentar esclarecer a relação intrínseca entre os dois sentidos de integridade, sobretudo, a partir da perspectiva da coerência (McFall, 1987McFALL, L. “Integrity”. Ethics, Vol. 98, Nr. 1, 1987, pp. 5-20., pp. 5-6).
  • 13
    De acordo com Scherkoske, a integridade é mais bem classificada como virtude epistêmica antes que moral, em razão de ela não se constituir como uma disposição para uma dada motivação particular, como fazer uma certa ação, ou mesmo como uma disposição para ter um certo pensamento (Scherkoske, 2012SCHERKOSKE, G. “Could Integrity be an Epistemic Virtue?”. International Journal of Philosophical Studies, Vol. 20, 2012, pp. 185-215., p. 201).
  • 14
    Sobre o caráter social da virtude da integridade, ver Calhoun (1995CALHOUN, C. “Standing for Something”. Journal of Philosophy, Vol. 92, Nr. 5, 1995, pp. 235-260., pp. 258-260).
  • 15
    Lynch apresenta uma perspectiva semelhante ao dizer que uma pessoa com integridade intelectual defende o que ela pensa que é verdadeiro especificamente porque ela pensa que é verdadeiro, como no caso de alguém lutar pelo fim da discriminação racial porque pensa que é verdadeira a tese da igualdade moral das pessoas. Também, que a integridade intelectual requer estar aberto à verdade precisamente porque é a verdade, o que pode implicar a disposição do agente em admitir que ele está errado (Lynch, 2005LYNCH, M. “True to Life: Why Truth Matters”. Cambridge, MAS: MIT Press, 2005., pp. 131-135).
  • 16
    Essa concepção de responsabilidade epistêmica como ligada a uma capacidade de responder a razões (reasons-responsiveness view) é defendida, entre outros, por Conor McHugh. Para ele: “Um agente é epistemicamente responsável por uma dada crença apenas se essa crença for formada ou mantida por um mecanismo que é do próprio agente, e que é receptivo e reativo a razões epistêmicas” (McHugh, 2013McHUGH, C. “Epistemic Responsibility and Doxastic Agency”. Philosophical Issues, Vol. 23, 2013, pp. 132-157., p. 142). Sobre a concepção semicompatibilista de responsabilidade moral, que identifica a responsabilidade no controle de direcionamento dos agentes, conectado a uma concepção de resposta a razões, ver Fischer e Ravizza (1998FISCHER, J.; RAVIZZA, M. “Responsibility and Control: A Theory of Moral Responsibility”. New York: Cambridge University Press, 1998., pp. 28-61).
  • 17
    DePaul explica o método do equilíbrio reflexivo da seguinte forma: Se inicia com a observação das crenças morais assumidas com confiança pelos agentes e, então, se vê se essas crenças são coerentes com certos princípios gerais. O próximo passo é construir uma teoria que seja coerente tanto com os juízos ponderados quanto com os princípios, estabelecendo-se um processo de ajuste mútuo entre os juízos, princípios e teoria. A ideia é buscar um equilíbrio amplo. Importante frisar que esse processo de ajuste mútuo que é característico do equilíbrio reflexivo revela que nenhuma crença, seja ela moral, epistêmica ou factual, possui um estatuto epistêmico privilegiado, mas todas as crenças devem ser consideradas, inclusive as derivadas de teorias metafísicas, antropológicas ou sociológicas (DePaul, 1998DePAUL, M. “Why Bother with Reflective Equilibrium?”. In: M. DePaul, W. Ramsey (eds.). Rethinking Intuition: The Psycology of Intuition and Its Role in Philosophical Inquiry. Lanham, Maryland: Rowman & Littlefield, 1998. pp. 293-310., pp. 296-297).

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Out 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2021

Histórico

  • Recebido
    18 Mar 2020
  • Aceito
    08 Maio 2020
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