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Colonização por Candida no berçário

EDITORIAIS

Colonização por Candida no berçário

Paolo ManzoniI; Michael MostertII; E. Jacqz-AigrainIII; Mauro StronatiIV; Daniele FarinaI

IMD. Neonatology and Neonatal Intensive Care Unit (NICU), Sant'Anna Hospital, Torino, Itália

IIMD. Department of Paediatrics, University of Torino, Itália

IIIMD, PhD. Department of Paediatric Pharmacology and Pharmacogenetics, Clinical Investigation Center Inserm, Hospital Robert Debrè, Paris, França

IVMD. Neonatology and NICU, IRCCS Policlinico San Matteo, Pavia, Itália

Correspondência Correspondência: Dr. Paolo Manzoni, MD Neonatology and NICU, S. Anna Hospital Azienda Ospedaliera Regina Margherita, S. Anna, C.so Spezia 60 10126 - Torino - Itália Tel.: +39 (011) 313.4304, +39 (011) 313.4305, +39 (011) 313.4308 Fax: +39 (011) 313.4888 E-mail: paolomanzoni@hotmail.com

Nesta edição, Pinhat et al.1 relatam sobre um estudo de coorte no qual recém-nascidos prematuros de muito baixo peso foram submetidos a vigilância microbiológica estruturada, e descrevem o perfil e as características da colonização fúngica nas unidades de terapia intensiva neonatais (UTINs) e os fatores de risco associados a esses prematuros.

A colonização fúngica (principalmente por Candida) ocorre com frequência em recém-nascidos prematuros e acarreta sérios problemas tanto para sua conduta quanto para seu diagnóstico2.

Semelhante a todos os outros tipos de pacientes admitidos em uma unidade de terapia intensiva (UTI), os recém-nascidos prematuros apresentam um risco maior do que o habitual de serem colonizados durante o período de internação na UTI, tornando-se um motivo de preocupação devido à alta probabilidade de progressão para disseminação sistêmica já relatada nesses pacientes3-5.

A frequência estimada de colonização por Candida em pacientes recém-nascidos durante o período de internação na UTIN varia de 10 a 60% de todos os recém-nascidos de muito baixo peso1. Embora o risco de infecção fúngica diminua com a utilização de leite materno fresco6, este último não protege o recém-nascido do risco de colonização fúngica do trato intestinal7.

Observa-se uma grande variabilidade nos relatos das frequências de colonização fúngica em UTINs devido a vários fatores. Inconsistências nas políticas de cultura de vigilância dificultam a comparação das taxas de incidência de diferentes unidades e instituições: como resultado, as UTINs que realizam culturas semanalmente (ou duas vezes por semana) para cada paciente apresentam maiores taxas de incidência de colonização do que as unidades que não seguem essa política. Sabe-se ainda que nos recém-nascidos prematuros a colonização origina-se tanto de fonte adquirida (transmissão horizontal) quanto endógena, e também a partir de mães colonizadas (transmissão vertical). Essas duas modalidades distintas de transmissão podem sobrepor-se ao longo do tempo, dificultando a determinação da origem e da frequência de colonização em ambientes de cuidados neonatais.

Além disso, a definição de colonização ainda não está totalmente estabelecida: a mais utilizada é "colonização é definida como o isolamento de Candida spp. a partir de, no mínimo, uma cultura de vigilância durante o período de internação na UTIN", mas fica evidente que esta definição é um tanto controversa e está longe de ser definitiva.

Entre todos os organismos fúngicos, os prematuros são colonizados em sua maioria (se não somente) pelas várias Candida spp. Os mecanismos de colonização envolvem principalmente a adesão do fungo ao hospedeiro. As diferentes etapas de adesão incluem a formação de abscessos superficiais, a invasão dos tecidos profundos com formação de microabscessos nos órgãos e a disseminação sistêmica. Todas essas etapas dependem do número de organismos fúngicos, da sua virulência e das características da resposta do hospedeiro. A adesão é realmente o fator-chave para a colonização. Diversos fatores regulam esse processo, incluindo a glicose (que aumenta a expressão de receptores fúngicos CR3), esteroides (que aumentam a expressão de genótipos fúngicos) e genética (uma vez que existem diferentes níveis de expressão do gene adesina INT-1).

Além disso, a umidade do ambiente, assim como o tipo de espécie fúngica (C. albicans adere mais do que C. tropicalis ou C. glabrata) e sua capacidade distinta de formar biofilmes em cateteres venosos são variáveis cruciais a serem consideradas nesse processo8.

Em prematuros admitidos na UTIN, os sítios de colonização mais comumente acometidos são o trato gastrointestinal (no estudo de Pinhat et al.1, 89% dos casos ocorreram na mucosa retal), trato urinário, pele, cateter venoso central (CVC), cânula endotraqueal e qualquer outro dispositivo mecânico.

A superlotação da UTIN, uma baixa proporção enfermeiro/paciente e práticas precárias de higiene encontram-se associadas ao início da colonização fúngica. Outros fatores de risco independentes para o desenvolvimento de colonização incluem o parto vaginal, como apontado por Pinhat et al.1, ruptura da pele, distúrbios da microbiota intestinal, uso de dispositivos mecânicos mantidos em posição por tempo excessivo e uso de certos medicamentos (p. ex.: antibióticos e esteroides) que intensificam o crescimento de Candida spp. Em especial, a duração do tratamento com antibióticos de amplo espectro é um potente fator capaz de, independentemente, promover o crescimento de fungos, conforme mensurado através do índice de colonização em pacientes não neutropênicos que permaneceram por mais de 7 dias na UTI9.

O recém-nascido prematuro é um modelo interessante para a avaliação do momento de início da colonização fúngica em uma UTI. A maioria dos pacientes admitidos na UTI está exposta a organismos fúngicos, alguns pacientes são realmente colonizados e somente uma minoria desenvolve disseminação sistêmica originária da colonização periférica. Relatos de pacientes admitidos em UTIs não neonatais (p. ex.: UTI cirúrgica) revelam que o risco de colonização é maior na presença de cateter intravenoso central ou periférico, cateter vesical, ventilação mecânica e na ausência de nutrição enteral10. Isso vale também para recém-nascidos prematuros admitidos em UTINs.

O momento das etapas de colonização foi elucidado através de diversos estudos que apontaram um pico de colonização entre o 14º e 28º dia de vida em recém-nascidos de muito baixo peso admitidos na UTIN11, e que o risco global para colonização se modifica ao longo do tempo de internação na UTIN. Tem sido demonstrado que o período durante o qual os pacientes permanecem com o CVC em posição, estão em tratamento com antibióticos de amplo espectro e recebem nutrição parenteral total (NPT) aumenta o risco de colonização12. No estudo de Pinhat et al.1, a média de internação foi de 30,5 dias (±20,27), sendo o início da colonização, em média, aos 11,13 dias (±8,82). Esses dados estão de acordo com outros relatos que descrevem que a colonização por Candida é inversamente proporcional à idade gestacional, ocorrendo na pele (primeira semana na UTIN) e no trato gastrointestinal (segunda semana na UTIN) antes do trato respiratório (terceira semana na UTIN). Nessa visão, é mais provável que a C. albicans colonize múltiplos sítios do que a C. parapsilosis13.

O monitoramento da colonização por Candida em pacientes admitidos na UTIN é crucial, uma vez que a colonização é um forte e confiável marcador de uma possível infecção invasiva, daí a importância da detecção precoce para que se possa responder à questão de identificação de quais pacientes colonizados acabarão por evoluir para infecção.

Em todas as UTIs, a colonização por Candida spp. provou ser um fator de risco independente para a infecção invasiva por Candida e candidemia14. A literatura mostra que entre todos os pacientes admitidos na UTI, aqueles que foram colonizados apresentam maior probabilidade de acometimento por doença fúngica invasiva após a progressão de colonização para disseminação sistêmica. Além disso, pacientes na UTI colonizados por diferentes organismos apresentam probabilidades diferentes de desenvolvimento de doença invasiva dependendo do número de fatores inerentes ao tipo de paciente, ao micro-organismo envolvido e às características da colonização (p. ex.: sítios e intensidade)15.

Os fatores de risco associados ao paciente na progressão de colonização para infecção (Tabela 1) incluem a gravidade das condições clínicas de base (expressas através dos diversos escores de APACHE, CRIB, APGAR), cirurgia concomitante (principalmente no trato gastrointestinal), profilaxia antifúngica concomitante, presença de ruptura da pele ou mucosa, ruptura da barreira intestinal, uso de medicação concomitante, presença de dispositivos mecânicos ou a necessidade de procedimentos invasivos.

Os fatores de risco associados aos organismos na progressão de colonização para infecção (Tabela 2) incluem o sítio anatômico (tipo de sítio), a intensidade da colonização (o número de sítios envolvidos e o número de colônias), o momento desse processo e as espécies envolvidas.

Calcula-se que 5-30% de todos os recém-nascidos prematuros colonizados desenvolverão infecção invasiva por Candida durante o período de internação na UTIN16. Um estudo retrospectivo envolvendo mais de 200 recém-nascidos prematuros de muito baixo peso e colonizados demonstrou que os únicos fatores de risco significativos na progressão para infecção invasiva por Candida foram a colonização do CVC (p < 0,001) e a colonização de múltiplos sítios (pelo menos três sítios) (p = 0,001). Um menor peso ao nascer correlacionou-se inversamente à progressão, porém apenas com significância limítrofe (p = 0,06). É interessante notar que a profilaxia com fluconazol foi o único fator de proteção significativo (p = 0,03)16.

O sítio anatômico da colonização é um potencial preditor de invasividade. Na literatura, o isolamento da Candida spp. a partir do trato urinário17 e de amostras endotraqueais18 tem sido associado a uma maior probabilidade de progressão para infecção invasiva por Candida.

Da mesma forma, a intensidade da colonização, geralmente expressa pelo número de sítios não contíguos envolvidos concomitantemente, é um preditor de invasividade19. Em recém-nascidos prematuros, a colonização concomitante de mais de três sítios se traduz em uma probabilidade 6,1 vezes maior de progressão15, e a colonização concomitante de mais de quatro sítios aumenta em até 12,1 vezes as chances de progressão para disseminação sistêmica20.

A suspeita ou quadro documentado de colonização por Candida coloca importantes questões de conduta às UTINs, e uma ação conjunta com os laboratórios de microbiologia é altamente recomendada devido à importância da cultura e da identificação das espécies.

A profilaxia antifúngica com fluconazol provou ser eficaz na prevenção da colonização12,21, mas apresentou um efeito incerto sobre as taxas de progressão para invasão21. Uma recente pesquisa conduzida na Europa pelo Consórcio TINN22 apontou que, no momento atual, mais da metade das UTINs europeias adotam estratégias que utilizam fluconazol profilático, e que as indicações para o uso do fluconazol em recém-nascidos e lactentes estão relacionadas à prevenção e ao tratamento de infecções por Candida.

A profilaxia com lactoferrina bovina surgiu como uma alternativa promissora na prevenção de infecções fúngicas nas UTINs, embora não tenha reduzido as taxas de colonização intestinal por Candida spp23.

Culturas de vigilância nas UTINs são muito úteis se soubermos administrá-las adequadamente. Essas políticas devem ser empregadas exclusivamente como uma ferramenta de auxílio na descrição e monitoramento da ecologia fúngica na UTIN, particularmente quando o uso de fluconazol é adotado como rotina, o que pode, em tese, potencializar o surgimento de espécies resistentes de Candida spp. A detecção de um fungo isolado a partir de um sítio que não seja sangue, CVC, líquido cefalorraquidiano, líquido peritoneal ou urina (coletados por meio de procedimentos estéreis) deve acionar a implementação de uma terapia sistêmica com antifúngicos, uma vez que o tratamento da colonização em si não é apropriado.

Em casos selecionados, em conformidade com políticas semelhantes adotadas em outros ambientes de cuidados intensivos, pode-se considerar o tratamento preemptivo com antifúngicos sistêmicos tendo como base os dados do "status da colonização". Esta pode ser uma solução viável a ser utilizada em recém-nascidos que não estão protegidos por fluconazol profilático e apresentam uma colonização intensa e de rápida progressão em sítios com uma probabilidade tipicamente elevada de disseminação sistêmica.

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste editorial.

Como citar este artigo: Manzoni P, Mostert M, Jacqz-Aigrain E, Stronati M, Farina D. Candida colonization in the nursery. J Pediatr (Rio J). 2012;88(3):187-90.

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  • Correspondência:
    Dr. Paolo Manzoni, MD
    Neonatology and NICU, S. Anna Hospital
    Azienda Ospedaliera Regina Margherita, S. Anna, C.so Spezia 60
    10126 - Torino - Itália
    Tel.: +39 (011) 313.4304, +39 (011) 313.4305, +39 (011) 313.4308
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Jul 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2012
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