Acessibilidade / Reportar erro

®read this article in English

CARTAS AO EDITOR

Adaptação cultural de questionários de qualidade de vida e capacidade funcional

Carmen Laura De Cunto

Jefa de la Sección Reumatología e Inmunología. Departamento de Pediatría. Hospital Italiano de Buenos Aires, Argentina. E-mail: adlt@fullzero.com.ar

Estimado Editor:

He leído con gran interés el artículo de las Dras. Brasil, Ferriani y Machado, sobre calidad de vida de niños y adolescentes con artritis idiopática juvenil, publicado en el Jornal de Pediatria, número 1 de 20031. Sin duda, la evaluación del impacto que causan determinadas enfermedades crónicas, en particular la artritis, en la calidad de vida de los niños, ha adquirido un gran auge en los últimas décadas. Una de las maneras de encarar el desarrollo de instrumentos que permitan la evaluación de la calidad de vida y el grado de capacidad funcional de estos pacientes, es optar por la traducción y adaptación de cuestionarios como el Child Health Questionnaire (CHQ) y el Childhood Health Assessment Questionnaire (CHAQ) ya existentes, en los diferentes países donde se aplicarán2.

El punto del trabajo publicado en su revista que particularmente captó mi atención, fue el valor del índice de capacidad funcional obtenido en el grupo de niños con compromiso poliarticular (1,25), que si bien comentan las autoras en la discusión, es el grupo de mayor gravedad, este valor fue mayor al obtenido en un estudio anterior de validación del CHAQ para niños brasileros3. En ese trabajo, publicado en 2001, el índice de capacidad funcional para el grupo poliarticular fue de 0,9 y si tomamos como referencia también al primer estudio de validación del CHAQ en Argentina4, el valor fue aun menor (0,36) en nuestra población de niños con artritis idiopática poliarticular. Sería interesante ahondar en las posibles causas de estas diferencias, como por ejemplo, el grado de actividad de los pacientes enrolados en el estudio y si el grupo de niños con compromiso sistémico, también fue incluído, o la alternativa de tratarse de un grupo étnicamente diferente a pesar de corresponder al mismo país.

Estos cuestionarios toman aspectos subjetivos relativos a la percepción del dolor y a la presencia de capacidad funcional. Se conoce que diferentes grupos étnicos afrontan de diversa manera la enfermedad y el dolor. Por ejemplo, los hispanos se apoyan más en valores familiares, de amistad o religiosos para enfrentar la enfermedad, con respecto a otros grupos5. La influencia de aspectos étnicos y culturales juega un papel fundamental en la interpretación de las respuestas a dichos cuestionarios y su posterior puntaje, al comparar diferentes grupos de pacientes con la misma enfermedad.

De allí la importancia de la validación de estos cuestionarios (CHAQ y CHQ) en diferentes poblaciones6. La adaptación cultural de los cuestionarios mencionados permite su aplicación en diferentes poblaciones y facilita no sólo, la estimación de parámetros de calidad de vida de los pacientes, sino también, la evaluación de la respuesta clínica al tratamiento, como se demuestra en el trabajo de la Dra. Machado1.

Referências bibliográficas

1. Brasil T, Ferriani V, Machado C. Inquérito sobre a qualidade de vida relacionada à saúde em crianças e adolescentes portadores de artrites idiopáticas juvenis. J Pediatr (Rio J) 2003;79:63-8.

2. Bosi Ferraz M. Cross cultural adaptation of questionnaires: what is it and when should it be performed?. J Rheumatol 1997;24:2066-8.

3. Machado CS, Ruperto N, Silva CH, Ferriani VP, Roscoe I, Campos LM, et al. The Brazilian version of the Childhood Health Assessment Questionnaire (CHAQ) and the Child Health Questionnaire (CHQ). Clin Exp Rheumatol. 2001;19(4 Suppl 23):25-9.

4. Moroldo M, De Cunto C, Hubscher O, Liberatore D, Palermo R, Russo R, et al. Cross-cultural adaptation and validation of an Argentine Spanish version of the Stanford Childhood Health Assessment Questionnaire. Arthritis Care Res 1998;11:382-90.

5. Abraido-Lanza A, Guier C, Revenson T. Coping and social support resources among Latinos with arthritis. Arthritis Care Res 1996;9:501-8.

6. Ruperto N, Ravelli A, Pistorio A, Malattia C, Cavuto S, Gado-West L, et al. Cross-cultural adaptation and psychometric evaluation of the Childhood Health Assessment Questionnaire (CHAQ) and the Child Health Questionnaire (CHQ) in 32 countries. Review of the general methodology. Clin Exp Rheumatol. 2001;19(4 Suppl 23):1-9.

Resposta dos autores

Claudia S.M. Machado

Dep. de Pediatria – Fac. de Medicina de Botucatu, UNESP. E-mail: cmachado@fmb.unesp.br

Prezado Sr. Editor do Jornal de Pediatria

Recebemos com satisfação e agradecemos à Dra. Carmen Laura De Cunto, pelos comentários sobre nosso artigo publicado no Jornal de Pediatria1. Em especial, pela apreciação da aplicabilidade dos instrumentos de avaliação da qualidade de vida relacionada à saúde no contexto clínico. O Child Health Questionnaire (CHQ) é um instrumento genérico e o Childhood Health Assessment Questionnaire (CHAQ), um instrumento específico para artrite, ambos auto-aplicáveis e de origem anglo-americana, adaptados recentemente para os pais de crianças e adolescentes em 32 países, em colaboração multicêntrica com o Paediatric Rheumatology International Trials Organization – PRINTO (http://www.printo.it).

Com relação à observação feita pela Dra. Carmen Laura De Cunto sobre o índice da capacidade funcional, mensurado pelo CHAQ, ressaltamos que esta é uma avaliação apropriada para a faixa etária de acordo com o desenvolvimento motor, e a abordagem semiquantitativa da incapacidade física pode ser realizada em poucos minutos, durante o atendimento ambulatorial rotineiro. No processo de validação internacional, foram testadas as versões adaptadas em 32 países2 (Argentina, Áustria, Bélgica, Brasil, Bulgária, Chile, Croácia, República Checa, Dinamarca, Finlândia, França, Geórgia, Alemanha, Grécia, Hungria, Israel, Itália, Coréia do Sul, Latvia, México, Holanda, Noruega, Polônia, Portugal, Rússia, Eslováquia, Espanha, Suécia, Suíça, Turquia, Reino Unido e Sérvia), incluindo países de mesmo idioma, mas culturalmente diversos, como Portugal e Brasil e como Espanha e Argentina, México e Chile. No processo de adaptação cultural, além da tradução, promove-se a manutenção da equivalência conceitual, semântica, idiomática, e, sobretudo, a equivalência experimental ou cultural daquela população. Na sua aplicação em larga escala, em contexto multicultural2, o CHAQ mostrou-se reprodutível e discriminante para os subgrupos de artrite idiopática juvenil sistêmica, poliarticular e oligoarticular, em relação aos controles saudáveis. Nos subgrupos sistêmico e poliarticular, foram observados os maiores índices de incapacidade e, para exemplificar, citamos os valores da média e desvio padrão encontrados em amostras representativas da forma poliarticular, na Argentina (0,6±1,0)3, Brasil (0,9±0,8)4, Chile (1,1±0,7)5 e México (1,4±0,9)6. No presente trabalho1, foram incluídos, entre os 19 casos de curso poliarticular, 4 casos de início sistêmico, e a mediana do índice da capacidade funcional do CHAQ foi de 1,25, variando de 0 a 2,5. Os casos foram recrutados durante o atendimento ambulatorial e apresentavam atividade de doença variável. Da mesma forma que em estudos populacionais, também foram incluídos pais de diferentes níveis educacionais e formativos. Contudo, uma grande proporção de casos do grupo poliarticular foi recrutada no início do tratamento com drogas anti-reumáticas. Por este critério, os casos com atividade inflamatória mais intensa e, conseqüentemente, maior repercussão funcional, podem ter sido selecionados.

Certamente diferenças étnicas e culturais podem refletir-se nos índices de dor e de bem-estar global, avaliados pelos pais nas escalas de ambos os instrumentos, CHAQ e CHQ, mas os resultados obtidos durante a validação4 e no presente estudo1, para a mesma população, apontam para a adequação de suas propriedades de medida na prática. A comparação destas medidas, utilizando o mesmo instrumento em diferentes populações, é um dos objetivos mais almejados no futuro e, assim, agradecemos à Dra. Carmem Laura De Cunto pela oportunidade de ressaltá-los e discutir estes aspectos relevantes da avaliação da qualidade de vida relacionada à saúde, em pacientes com artrite.

Referências bibliográficas

1. Brasil T, Ferriani V, Machado C. Inquérito sobre a qualidade de vida relacionada à saúde em crianças e adolescentes portadores de artrites idiopáticas juvenis. J Pediatr (Rio J) 2003;79:63-8.

2. Ruperto N, Martini A, for the Paediatric Rheumatology International Trials Organisation (PRINTO). Quality of life in juvenile idiopathic arthritis patients compared to healthy children. Clin Exp Rheumatol 2001;19 Suppl 23:1-172.

3. Moroldo MB, Ruperto N, Espada G, Russo R, Liberatore D, Cuttica R, et al The Argentinian version of the Childhood Health Assessment Questionnaire (CHAQ) and the Child Health Questionnaire (CHQ). Clin Exp Rheumatol 2001;19 Suppl 23:10-14.

4. Machado CSM, Ruperto N, Silva CHM, Ferriani VPL, Roscoe I, Campos LMA, et al. The Brazilian version of the Childhood Health Assessment Questionnaire (CHAQ) and the Child Health Questionnaire (CHQ). Clin Exp Rheumatol 2001;19 Suppl 23:25-29.

5. Miranda M, Ruperto N, Toso MS, Lira LW, Gonzalez B, Norambuena X, et al. The Chilean version of the Childhood Health Assessment Questionnaire (CHAQ) and the Child Health Questionnaire (CHQ). Clin Exp Rheumatol 2001;19 Suppl 23: 35-39.

6. Duarte C, Ruperto N, Goycochea MV, Maldonado R, Beristain R, De Inocencio J, et al. The Mexican version of the Childhood Health Assessment Questionnaire (CHAQ) and the Child Health Questionnaire (CHQ). Clin Exp Rheumatol 2001;19 Suppl 23:106-110.

Atresia biliar: métodos diagnósticos

Cristina Targa FerreiraI; Jorge SantosII; Carlos Oscar KielingIII; Themis Reverbel da SilveiraIV

IGastroenterologista pediátrica – Doutora em Gastroenterologia pela UFRGS

IIPediatra – Doutor em Pediatria pela UFRGS

IIIGastroenterologista pediátrico - Mestre em Pediatria pela UFRGS

IVGastroenterologista pediátrica – Profª adjunta da Faculdade de Medicina da UFRGS – Doutora em Genética pela UFRGS

A atresia biliar (AB) é doença obliterativa, progressiva, das vias biliares extra-hepáticas, que freqüentemente leva à hepatopatia terminal e, em última análise, ao óbito, se não for tratada em tempo hábil. Com incidência estimada em 1:10.000 nascidos vivos, é a causa isolada mais comum de colestase neonatal, e corresponde a 50% a 60% das indicações de transplante hepático pediátrico1.

Portanto, é sempre importante enfatizar a necessidade de diagnóstico e encaminhamento precoces desses casos2.

O artigo de revisão "AVBEH: métodos diagnósticos", de Cauduro SM3, publicado no Jornal de Pediatria, em março/abril de 2003, é oportuno e completo em relação aos métodos diagnósticos dessa enfermidade. Porém não concordamos com suas conclusões. Cauduro3 conclui a revisão dizendo que, entre os diversos métodos complementares, a ultra-sonografia seria imprescindível e que outro exame a merecer destaque seria a colangio-ressonância. Refere ainda que, dentro da realidade brasileira, a biópsia seria método valioso e acessível, ao determinar confiabilidade de 95%. Acreditamos não ser essa a realidade em muitos serviços.

Um dos desafios na avaliação desses pacientes é estabelecer quais exames são mais precisos para a conclusão diagnóstica. O teste ideal seria sensível, comprovando a permeabilidade das vias biliares extra-hepáticas, e específico, caracterizando parâmetros exclusivos de AB. Entre estes parâmetros, têm sido utilizados: a ausência de pigmento biliar no líquido duodenal, a ausência de excreção do radiotraçador no intestino, níveis elevados de GGT e determinadas variáveis histopatológicas hepáticas. Freqüentemente, porém, ocorre sobreposição desses achados entre os casos de AB e os de colestase neonatal de causa não-obstrutiva. Muitos dos métodos empregados são mais fáceis de realizar e mais baratos que ultra-sonografia e ressonância magnética. O exame clínico é, por si só, bastante eficaz. Alagille4, em 1977, já destacava uma série de dados clínicos capazes de detectar AB, e alguns escores foram criados para auxiliar nessa tarefa. A cor das fezes, observadas diariamente pelos pais e pelo pediatra geral, é importante dado clínico5 e o encaminhamento precoce, fundamental, quando não há experiência no serviço. Triagem de bilirrubinúria e de bilirrubinemia de reação direta deveria ser obrigatória em todo neonato ictérico com mais de 14 dias de vida. A utilização de qualquer uma das modalidades diagnósticas é altamente dependente do operador, e em cada centro o melhor exame é aquele com o qual a equipe tem maior experiência.

Com relação à ultra-sonografia, a demonstração da contração pós-prandial da vesícula biliar virtualmente eliminaria a possibilidade de AB, enquanto que a presença do "cordão triangular" indicaria a doença. Em quantos centros, mesmo terciários, esses achados são reproduzíveis? Em muito poucos. Mesmo na literatura internacional, há reduzido número de estudos. Existem radiologistas treinados para realizar essa avaliação em crianças com 4 ou 5 kg? Certamente, raros. A colangio-ressonância, assim como a colangiopancreatografia endoscópica retrógrada são realizadas em lactentes de 2 a 3 meses de idade em poucos centros. Além disso, mesmo nesses centros, a experiência é limitada, e os achados podem ser difíceis de interpretar. Sem falar no altíssimo custo desses exames.

A biópsia hepática é um excelente exame diagnóstico, com elevada acurácia6, apenas quando a amostra contém pelo menos cinco a sete espaços porta e quando o patologista é experiente. Quantos espécimes de biópsia percutânea coletados na investigação possuem tal número de espaços porta? Em quantos locais do Brasil o patologista é experiente o suficiente para diagnosticar AB pela biópsia? Mesmo quando há profissionais experientes, é a colangiografia cirúrgica que, freqüentemente, fornece o diagnóstico definitivo. Também não concordamos com Cauduro3 quando afirma que a colangiografia transoperatória só seria factível em 17% a 25% dos casos. Em nossa experiência, em todos os casos encaminhados para colangiografia transoperatória, foi possível estabelecer a presença ou a ausência de permeabilidade das vias biliares.

A falta de consenso entre os diferentes centros quanto aos testes diagnósticos traduz a dificuldade dessa questão.

De todas as maneiras, o diagnóstico precoce é o mais importante. Parece-nos mais prudente que se submeta a criança à colangiografia transoperatória, de modo a obter o diagnóstico em tempo adequado.

Referências bibliográficas

1. Bezerra J. Colestase neonatal. In: Ferreira CT, Carvalho E, Silva L. Gastroenterologia e Hepatologia em Pediatria. 1ª ed. Rio de Janeiro: Medsi; 2003: p. 581-597.

2. Santos J, Silveira T, Almeida H, Carvalho P, Cerski C. Colestase neonatal - atraso no encaminhamento de crianças para diagnóstico diferencial. J Pediatr (Rio J) 1997;73:32-6.

3. Cauduro S. Atresia Biliar Extra-Hepática: métodos diagnósticos. J Pediatr (Rio J) 2003;79:107-14.

4. Alagille D. Differentiation of extra and intrahepatic neonatal cholestasis. In: Javitt N, editor. Neonatal Hepatitis and Biliary Atresia. Bethesda: US Public Health Service publications (NIH); 1997. p. 177-194.

5. Matsui A, Dodoriki M. Screening of biliary atresia. Lancet 1995;345:1181.

6. Zerbini M, Gallucci S, Ueno C, Porta G, Maksoud J, Gayotto L. Liver biopsy in neonatal cholestasis: a review on statistical grounds. Mod Pathol 1997;10:793-9.

Resposta dos autores

Sydney M. Cauduro

Médico pediatra – Unidade de Pediatria da Santa Casa de Misericórdia de Mococa, SP

Prezado Editor,

"Que é o mais difícil? É o que te parece ser o mais fácil; ver com os olhos o que está diante dos olhos" J.W. Goethe

O artigo "Atresia biliar extra-hepática: métodos diagnósticos" teve como objetivo primo enfatizar a importância do diagnóstico e encaminhamento precoces, aos centros terciários, dos casos suspeitos de obstrução do fluxo biliar, e descrever a variada gama de exames complementares, utilizados na abordagem diagnóstica. Acredito que essas metas foram alcançadas.

Em relação aos comentários sobre o artigo, encaminhados ao editor, gostaríamos de comentar alguns aspectos:

a) concordamos totalmente com os colegas, quando referem que muitos diagnósticos de atresia biliar poderão ser efetuados em bases clínicas, tanto que esse aspecto foi pontuado no artigo criticado. A resposta em relação à importância da triagem billirrubínica - "em todo neonato ictérico com mais de 14 dias de vida" – está implícita com a citação do artigo de Campion e col.1;

b) quanto aos dados estatísticos referentes ao sucesso da colangiografia operatória, foram extraídos do artigo de Roquete, publicado no Jornal de Pediatria2. Como se trata de uma pesquisa abrangendo 30 anos, das publicações mais importantes, através do Medline, sobre colestase, acredito na fidelidade dos dados. Penso que os comentários dos missivistas são oportunos, pois nos mostra a experiência do grupo de Porto Alegre, centro de excelência em hepatologia pediátrica;

c) em relação a US, não concordamos com os críticos do artigo, os quais perguntam, duvidando, - "em quantos centros, mesmos terciários, esses achados são reproduzíveis?". A série de publicações, inclusive no Brasil, nesses sete anos que nos separam da primeira observação do triangular cord sign, são dados suficientes para contra-argumentar o questionamento dos colegas. Como se trata de exame não-invasivo, dependente de aparelhos de alta resolução e de ultra-sonografista competente, acreditamos que deva ser metodologia incorporada aos protocolos de investigação de neonatos e lactentes com colestase. A experiência em nosso país, na UFMG, é prova suficiente da reprodutibilidade desse exame complementar2;

d) continuamos afirmando que a biópsia hepática é um excelente método complementar para o diagnóstico de atresia biliar, e factível na maioria das cidades, desde que haja empenho em transpor os entraves burocráticos. Apesar de trabalharmos em uma pequena cidade, a qual não possui médico anatomopatologista, a análise do fragmento histológico nunca foi um impedimento para que o material fosse analisado por especialista de competência reconhecida. Como se trata de exame importante na avaliação de pacientes com suspeita de atresia biliar, este deverá ser realizado sempre que houver indicação. Na USP, o grupo de cirurgia infantil acha dispensável a realização de avaliação radiológica no ato operatório, nos casos de sinais histológicos compatíveis com atresia biliar3;

e) hoje, no Brasil, a RM colangiografia não está disponível na maioria dos centros diagnósticos. No entanto, não poderíamos deixar de mencionar que se trata de excelente exame complementar, cujos resultados em relação à atresia biliar são excelentes, conforme os dados publicados. A menção de sua incorporação aos protocolos de investigação de obstrução biliar nada mais reflete do que a opinião daqueles que a utilizam4,5.

Referências bibliográficas

1. Campion A, Guimber D, Michaud L, Bonevalle M, Turk D, Gottrand F. Analyse du retard au diagnostic de l'atrésie de voies bilires. Arc Pediatr 2001;8:493-8.

2. Roquete MLV. Colestase neonatal. J Pediatr (Rio J) 2000;76 Supl 1:187-97.

3. Tannuri U. Atresia das vias biliares – evolução nas duas últimas décadas. J Pediatr (Rio J) 1996;72:1-3.

4. Jaw TS, Kuo YT, Liu GC, Chen SH, Wang CK. MR cholangiography in the evaluation of neonatal cholestasis. Radiology 1999;212:249-56.

5. Peng SS, Li YW, Chang MH, Ni YH, Su CT. Magnetic resonance cholangiography for evaluation of cholestatic jaundice in neonates and infants. J Formos Med Assoc 1998;97:698-703.

Efeitos colaterais da terapêutica inalatória com fenoterol em crianças asmáticas

Sandra Elisabete Vieira; João Paulo Lotufo; Bernardo Ejzenberg

Divisão de Pediatria do Hospital Universitário da USP - São Paulo, SP. E-mail: dcp_1@hu.usp.br

Prezado Editor:

Lemos com interesse o artigo de Zanoni e Palhares relativo aos efeitos clínicos imediatos do fenoterol, recentemente publicado no Jornal de Pediatria1. Porém, verifica-se neste estudo alguns efeitos colaterais do fenoterol potencialmente graves. Isto é relevante se considerarmos a grande freqüência do uso deste broncodilatador no manejo da criança em crise asmática no nosso meio2.

No artigo em foco, destacam-se dois efeitos colaterais: a diminuição da saturação arterial de oxigênio, verificada em 5 dos 30 pacientes, e a taquicardia, com elevação média de 33,7% nos batimentos, que atingiu 180 vezes por minuto em uma criança.

Quanto à taquicardia, atribuída pelos autores ao efeito do fenoterol sobre receptores beta-2 cardíacos, parece-nos que decorreria, preferencialmente, da ação sobre os receptores cardíacos do tipo beta-1. Embora o fenoterol seja considerado droga beta-2 adrenérgica específica tem, também, efeito beta-13,4. O fármaco é menos beta-2 específico que outros adrenérgicos, como a terbutalina e o salbutamol5. Estudos experimentais, que avaliaram o efeito do fenoterol em altas doses, verificaram efeito beta-1 e, inclusive, alfa-adrenérgico. Isto teve repercussões cardíacas comparáveis às da isoprenalina - taquiarritmias e alteração celular de eletrólitos4,5.

Quanto à ocorrência de hipoxemia, que foi observada em 16,6% dos casos recém-publicados, deve ser destacado que este é exatamente o oposto do que se deseja no tratamento do paciente em crise asmática1. Adicionalmente, deve-se considerar que a hipoxemia facilita a ação arritmogênica dos adrenérgicos4,5.

Não foram observadas arritmias cardíacas entre os pacientes tratados por Zanoni e Palhares, porém grandes inquéritos epidemiológicos podem ter obtido evidência indireta deste tipo de efeito colateral com o uso do fenoterol6. Alguns destes estudos associaram a morte súbita de asmáticos com o uso do fenoterol, supostamente em decorrência do efeito arritmogênico da droga; mas a matéria é ainda controversa, como analisamos previamente6.

Considerando a possível ocorrência de taquiarritmias e morte súbita em decorrência do uso do fenoterol em asmáticos, cinco países apresentam restrições ao uso da droga. Na Nova Zelândia, o governo aboliu o subsídio ao uso e alertou a classe médica para os efeitos colaterais, o que, praticamente, retirou o fenoterol do mercado; o mesmo ocorreu na Austrália e no Canadá. No Japão, onde também foi constatado aumento do índice de mortalidade de jovens asmáticos em uso de altas doses de fenoterol, o produto foi proscrito7. Nos EUA, o FDA não aprovou o uso do fenoterol.

O estudo de Zanoni e Palhares obteve, também, evidências de efeitos colaterais importantes com a inalação de fenoterol. O artigo ratifica a nossa opção terapêutica pelo uso de terbutalina ou salbutamol na crise asmática. Observamos previamente os efeitos favoráveis da nebulização contínua com terbutalina, um beta-2 adrenérgico amplamente utilizado no exterior8. O único aspecto favorável ao uso do fenoterol é o econômico, pois tem custo inferior aos outros dois produtos citados. Quando, por motivo econômico, é necessária a utilização domiciliar do fenoterol, recomendamos a prescrição de dosagem reduzida e o respeito aos intervalos de medicação2. Nos pacientes mais graves, freqüentemente em hipoxemia, a utilização do fenoterol não parece ser recomendável.

Referências bibliográficas

1. Zanoni L, Palhares D. Inalação contínua com fenoterol na criança com asma aguda. J Pediatr (Rio J) 2002;78:423-8.

2. Ejzenberg B, Nascimento SL, Gilio AE, Okay Y. Inalações demais. Pediatria (S Paulo) 1999;20:162.

3. Tandon MK. Cardiopulmonar effects of fenoterol and salbutamol aerosols. Chest 1980;77:429-31.

4. Wagner J, Reinhardt D, Schumann HJ. Comparison of the bronchodilator and cardiovascular actions of isoprenaline, Th1165a, terbutaline and salbutamol in cats and isolated organ preparations. Res Exp Med (Berl) 1974;162:49-62.

5. Crane J, Burgess C, Beasley R. A comparison of the cardiovascular and hypokalemic effects of inhaled salbutamol, fenoterol and isoprenaline. Thorax 1989;44:136-40.

6. Vieira SE, Gilio AE, Lotufo JP, Rodrigues JC, Ejzenberg B, Okay Y. Há potencial letal decorrente da inalação com fenoterol pela criança asmática? Pediatria (S Paulo) 2000;22:286-94.

7. Beasley R, Nishima S, Pearce N, Crane J. Beta agonist therapy and asthma mortality in Japan. Lancet 1998;351:1406-7.

8. Lotufo JP, Ejzenberg B, Vieira SE, Mukai L, Correa H, Yamashita C, et al. Nébulisation continue avec sulfate de terbutaline sous tente d'inhalation. Rev Mal Respir 1998;15:255-61.

Resposta dos autores

Agradecemos aos Drs. Bernardo Ejzenberg, Sandra Elisabete Vieira e João Paulo Lotufo pelo interesse em nosso artigo.

A densidade dos receptores alfa e beta, presentes nos diversos órgãos, determina a resposta às diversas substâncias. Nos pulmões humanos, a proporção de receptores b1 e b2 é de 20% e 80%, respectivamente, sendo que 90% dos receptores beta estão localizados nas paredes alveolares. No coração, a proporção entre receptores b1 e b2 nos átrios e ventrículos é de 75% e 25%, respectivamente1, portanto, mesmo com o desenvolvimento dos broncodilatadores b2 seletivos, alguma estimulação cardíaca é esperada quando esses medicamentos são administrados para o paciente.

Tanto receptores adrenérgicos cardíacos b1 e b2 existem, e os receptores cardíacos b2 são responsáveis por mediar tanto a resposta cronotrópica como inotrópica in vivo2,3.

É demonstrado que não há diferença significativa no efeito cronotrópico (freqüência cardíaca) ou inotrópico da inalação de fenoterol e salbutamol em pacientes usando b1 antagonista seletivo (Atenolol). Estando os receptores cardíacos b1 bloqueados pelo atenolol, pode-se inferir que o fenoterol e o salbutamol têm atividade semelhante sobre os receptores adrenérgicos cardíacos4.

Outros efeitos cardíacos foram observados nestes pacientes, objeto de publicação em breve.

De fato, a asma aguda grave é uma situação clínica em que vários fatores, tanto decorrentes da própria doença como da terapêutica empregada, se associam, e juntos, constituem um substrato para eventos cardíacos ameaçadores da vida, servindo como alerta aos pediatras.

Referências bibliográficas

1. Emilien G, Maloteaux JM. Current therapeutic uses and potential of b adrenoceptor agonists and antagonists. Eur J Clin Pharmacol 1998;53:389-404.

2. Hall JA, Petch MC, Brown MJ. Intracoronary injections of salbutamos demonstrate the presence of functional beta-2 adrenoceptors in the human heart. Circ Res 1989;65:546-53.

3. Lipworth BJ, Brown RA, McDevitt DG. Assessment of airways, tremor and chronotropic responses to inhaled salbutamol in the quantification of beta 2-adrenoceptor blockade. Br J Clin Pharmacol 1989;28:95-102.

4. Newnham DM, Wheeldon NM, Lipworth BJ, McDevitt DG. Single dosing comparison of the relative cardiac b1/b2 activity of inhaled fenoterol and salbutamol in normal subjects. Thorax 1993;48:656-8.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Nov 2003
  • Data do Fascículo
    Ago 2003
Sociedade Brasileira de Pediatria Av. Carlos Gomes, 328 cj. 304, 90480-000 Porto Alegre RS Brazil, Tel.: +55 51 3328-9520 - Porto Alegre - RS - Brazil
E-mail: jped@jped.com.br