A CRIAÇÃO DE UM ESPORTE BRASILEIRO: O FUTSAC E SUA ARTICULAÇÃO COM O CAMPO POLÍTICO

THE CREATION OF A BRAZILIAN SPORT: FUTSAC AND ITS ARTICULATION WITH POLITICAL FIELD

RESUMO

O Futsac é um esporte criado em Curitiba - PR em 2002, pelo empresário Marcos Juliano Ofenbock. A modalidade foi reconhecida oficialmente pelo Ministério do Esporte Brasileiro em 2014, em que demonstrou forte processo de inserção no meio político. O presente estudo mapeou os caminhos adotados pelo idealizador da modalidade nos campos políticos do Brasil. Os resultados da pesquisa apontaram que as relações estabelecidas pelo criador do Futsac com determinados membros das esferas legislativas e executivas, que já possuíam imagem vinculada ao meio esportivo no cenário curitibano e paranaense, facilitaram a estruturação legal da modalidade dentro do Ministério do Esporte.

Palavras-chave:
Futsac; Política; Mercantilização; Esporte; Paraná

ABSTRACT

Futsac is a sport created in Curitiba - PR in 2002, by businessman Marcos Juliano Ofenbock. The modality was officially recognized by the Brazilian Ministry of Sports in 2014, where it demonstrated a strong process of insertion in the political environment. Our study mapped the paths adopted by the creator of Futsac in the political fields of Brazil. The results of our research showed that the relations established by the creator of Futsac with certain members of the legislative and executive spheres of Curitiba and Paraná political scenario, which already had an image linked to sports policies, facilitated the legal structuring of the modality within the Ministry of Sports.

Keywords:
Futsac; Politics; Mercantilization; Sport; Paraná

Introdução

O futebol de saco, mais conhecido por Futsac ou footsack, é um esporte criado no Paraná pelo empresário curitibano Marcos Juliano Ofenbock, no ano de 2002. Graduado em Economia, ex-técnico judicial e ex-proprietário de um restaurante, Ofenbock teve contato com a modalidade conhecida como footbag (uma espécie de malabarismo com os pés, praticado com uma pequena bolinha) em uma viagem de intercâmbio na Austrália em 1998. Mesclando esse jogo com adaptações de regras de esportes como o voleibol, futebol, tênis e sepak-trakraw (esporte praticado no sudeste asiático), Ofenbock criou o Futsac, esporte de quadra com rede divisória, praticado em duplas ou individualmente, cujo objetivo do praticante é colocar a bolinha no campo adversário, necessitando passar por cima da rede, podendo executar dois toques a cada vez que a bola vem para seu lado da quadra¹. Por se tratar de uma nova modalidade, sua presença em escolas, clubes, associações ou até mesmo em veículos midiáticos ainda é tímida. Ainda assim, o fato de a modalidade ter alcançado algumas conquistas, as quais serão exploradas posteriormente nesse artigo, revelam elementos que apontam o Futsac como um objeto de estudo pertinente para o desenvolvimento de produções científicas.

Este estudo situa-se em um universo mais amplo, na medida que outros trabalhos, mesmo que a partir de diferentes análises interpretativas, já abordaram cientificamente o Futsac. Contempla-se, por exemplo, as discussões de Rechia et al.² acerca do processo de esportivização pelo qual a modalidade atravessou, transformando-se originalmente de uma prática corporal com características de jogo, para o surgimento de um esporte estruturado, com regras, instituições e competições federadas. Amparando-se em conceitos de Huizinga³ e Bruhns⁴, o estudo apresentou como o Futsac buscou consolidação e aceitação da sociedade por meio de movimentações legislativas, executivas e estruturais.

O presente trabalho não busca compreender se o Futsac é ou não uma nova modalidade esportiva, muito menos discutir seu processo de esportivização. O que se intencionou de fato nesse artigo foi analisar o processo histórico do surgimento da modalidade, a partir de conquistas no âmbito político. É visto que a modalidade tem crescido e ocupado lugar de destaque na agenda política, tal como demonstrado por Ofenbock⁵, em que fica evidente, por parte de prefeituras municipais, a aquisição e construção de quadras, redes, materiais, bem como formação e capacitação de professores para a prática e desenvolvimento da modalidade. Ademais, a oficialização do Futsac como um esporte brasileiro, contemplável para angariar fundos, por meio de programas de apoio como a Bolsa Atleta e a Lei de Incentivo ao Esporte, é digna de atenção no meio científico de estudos sobre políticas públicas e esporte.

Originalmente concebido em 1998, o Futsac foi oficialmente reconhecido em 2014 pelo Ministério do Esporte como a primeira modalidade esportiva criada no Paraná. De acordo com Ofenbock⁵, pode ser o primeiro esporte de quadra criado no século XXI. Segundo dados do Ministério do Esporte⁶, a modalidade já conta com mais de mil praticantes informais e 120 atletas federados no Brasil.

Frente a esse contexto inicial, o presente artigo tem como objetivo principal responder ao seguinte questionamento: quais foram as influências políticas na oficialização do Futsac pelo Ministério do Esporte no Brasil? Tal tarefa envolve compreender quais agentes participaram no cenário político, visto que o processo de reconhecimento da modalidade envolve a criação de federações, uma confederação, sua divulgação e apoio público para a realização das competições, entre outros fatores. Como objetivos específicos, buscou-se entender: a) quais os caminhos realizados desde o nascimento da modalidade até seu reconhecimento pelo Ministério do Esporte no campo político; b) de que forma se manifesta o processo de mercantilização dessa modalidade; e c) como a modalidade está estruturada e quais suas relações com os processos de construção de demandas mercadológicas.

Métodos

O presente trabalho caracteriza-se como sendo um estudo exploratório de caráter qualitativo. Como fontes para amparo dessa pesquisa, utilizou-se o livro “O nascimento de um esporte - Como inventei um esporte no fundo de quintal”, de Marcos Juliano Ofenbock⁵, que relata os principais fatos decorrentes da origem dessa modalidade no Paraná. Também buscou-se amparo nas leis que regulamentam a modalidade oficialmente (Lei Municipal de Curitiba 14.784 e Lei do Estado do Paraná 18.739, ambas de 2016)^7,8. Cabe destacar que uma hermenêutica de documentos oficiais como os estatutos das federações ou relatórios do Ministério do Esporte poderiam expandir os resultados do estudo, bem como conduzir entrevistas com os agentes relacionados diretamente com o Futsac; entretanto, optamos por delimitar o grupo de fontes em questão por questões logísticas as quais nos impossibilitaram de atender uma amplitude de resultados maior.

Para a análise dos dados recolhidos no livro e nas legislações foi utilizado o arcabouço conceitual de pesquisadores que já se debruçaram em análises sobre o fenômeno esportivo a partir de interpretações sociológicas, tal como Bourdieu^9,10 e Marchi Jr.,¹¹ além das contribuições de estudiosos sobre políticas públicas sobre esporte e lazer no Brasil, tal como Mezzadri, Silva e Figuerôa¹².

Estruturação do campo político do futsac e seus respectivos agentes: entre a quadra e a política

O desenvolvimento do Futsac, sua visibilidade e suas conquistas devem-se em grande parte à inserção de seu idealizador no campo político, e sua articulação com os agentes inseridos nessa estrutura social. Foi a partir dessas relações que a modalidade obteve algumas conquistas, tais como a possibilidade de participação em leis de incentivo ao esporte, convênios com prefeituras municipais, bem como as oficializações da modalidade em nível municipal, estadual e federal.

Para Mezzadri, Moraes e Silva e Figuerôa¹², é preciso entender a política como uma forma abrangente e subdividida, contendo as instituições, os agentes e os programas que, mesmo de forma fracionada, se relacionam e interferem entre si. Para compreender o surgimento de políticas públicas voltadas para a modalidade Futsac, tal como o acesso à Lei de Incentivo ao Esporte, se faz necessário o entendimento sobre as ações tomadas pelos diferentes níveis de governo, porque agem dessa maneira e, principalmente, quais consequências tais ações podem resultar.

A análise atenta do processo de estruturação da modalidade aponta alguns elementos importantes que fornecem indicativos de como o Futsac foi se formando ao longo do tempo. Como já mencionado, a modalidade foi criada em Curitiba - PR em 2002. Segundo informações do site da CBFSAC - Confederação Brasileira de Futsac¹, o primeiro campeonato oficial da modalidade foi realizado em 2007 em Curitiba, e já no ano seguinte o Futsac foi reconhecido pela prefeitura municipal de Curitiba como um esporte oficialmente criado na cidade. No mesmo ano aconteceu o primeiro campeonato nacional com a participação de atletas do estado de Santa Catarina e Paraná. Em 2009 foi criada a Federação Paranaense de Futsac. Já em 2011 a modalidade é reconhecida como um esporte oficialmente Paranaense. Em 2013 são criadas as Federações Catarinenses e Gaúcha de Futsac, que culminaram em 2013 na criação da Confederação Brasileira de Futsac.

A leitura do livro “O nascimento de um esporte”⁵ permitiu verificar as trajetórias e inserções dos agentes da modalidade, principalmente de seu idealizador Marcos Juliano Ofenbock, dentro do campo político, exemplificadas em diversas situações, como na obtenção do reconhecimento da modalidade como patrimônio cultural de Curitiba e do Paraná. A lei nº 14.784⁷, de 13 de janeiro de 2016, de iniciativa do vereador Felipe Braga Cortês (PSD - Partido Social Democrático), aprovada pela Câmara e sancionada pelo prefeito Gustavo Fruet (PDT - Partido Democrático Trabalhista), reconheceu o esporte Futsac como modalidade esportiva oficialmente criada em Curitiba. Em seguida, a Lei 18.739⁸, de 30 de Março de 2016, de iniciativa do deputado estadual Ney Leprevost (PSD - Partido Social Democrático), aprovada pela Assembleia Legislativa e sancionada pelo governador Beto Richa (PSDB - Partido da Social-Democracia Brasileira), que a reconheceu como modalidade esportiva criada no Paraná.

Tais conquistas, mesmo se tratando de uma modalidade ainda que recente, haja vista sua criação no ano de 2002, indicam o êxito da aproximação de seu idealizador com representantes políticos, tanto municipais como estaduais. Ofenbock, ao estar amparado por um vereador e um deputado que tradicionalmente possuem afinidade a projetos legislativos relacionados ao esporte, permitiu um acesso mais rápido e exitoso do Futsac na votação de suas leis de oficialização na Câmara e Assembleia. Por ser carregado de valores simbólicos (patrimônio cultural de Curitiba e Paraná, pela modalidade ter sido ali criada), obteve rápida aprovação no meio político com os parlamentares que já tinham um perfil de projetos legislativos vinculados ao esporte. Essas etapas, em nível municipal e estadual, foram fundamentais para o Ministério do Esporte brasileiro reconhecer a modalidade, o que posteriormente abriu a possibilidade de contemplação financeira nos programas de incentivo esportivo.

Percebe-se aqui haver uma relação de reciprocidade, isto é, de um lado o crescimento da modalidade por meio de leis importantes para seu desenvolvimento, e por outro a incorporação de capital simbólico aos legisladores inseridos no campo político. Isso evidencia-se na medida que a aprovação das referidas leis indicava ações com forte apelo simbólico (o Futsac passou a ser tido oficialmente como patrimônio Cultural de Curitiba e Paraná). Esta via de mão dupla parece ser uma condição necessária para a obtenção de sucesso no campo político, pois quanto maior for a relação entre os agentes envolvidos no processo, quanto maiores forem as capacidades de convencimento e de determinar as pautas da agenda política, então maiores serão as chances de suas ações serem exitosas e efetivadas.

No livro escrito pelo criador do Futsac⁵, destacaram-se algumas figuras políticas que parecem ter exercido importante papel na tentativa da inserção desse esporte no cenário esportivo brasileiro: o ex-deputado federal do Paraná, Ricardo Gomyde (PSB - Partido Socialista Brasileiro), o qual já exerceu função na Secretaria Nacional do Futebol, na Assessoria especial do Ministério dos Esportes, na Secretaria Estadual de Esportes do Paraná, além de ter sido um dos coordenadores da Copa do Mundo de Futebol de 2014; o vereador Felipe Braga Cortês, que possui em seu currículo proposições legislativas relacionadas à inserção do xadrez, bem como competições dessa modalidade, nas escolas de Curitiba, além da criação de leis com caráter simbólico relacionadas ao esporte, tal como a lei que institucionalizou o Dia Municipal do Paradesporto em Curitiba; destaca-se ainda o atual presidente do CREF-PR, Antônio Eduardo Branco; o deputado estadual Ney Leprevost, ex-secretário estadual de esporte no Paraná, autor de leis de incentivo ao esporte e criação de centros de excelência esportiva, além de apoiador de programas sociais como o “Piá Bom de Bola”; e ainda o ex-prefeito Gustavo Fruet e o governador Beto Richa, ambos de forma indireta, tendo em vista o sancionamento das leis.

A capacidade de relacionamento com os agentes citados acima, seja no diálogo ou no convencimento, foi condição necessária para a obtenção das referidas conquistas para a modalidade. Como salientado por Mezzadri, Moraes e Silva e Figuerôa¹² as disputas entre os agentes no interior do campo e a presença de um determinado objeto na agenda política, dependem dos habitus e dos capitais dos agentes envolvidos, sejam eles capitais simbólicos, econômicos, sociais, políticos, físicos, culturais e/ou esportivos. Percebe-se assim, que ao tentar ingressar no campo político, o que aconteceu de forma exitosa, o idealizador da modalidade possuía capitais principalmente simbólicos e sociais; teve em vista a obtenção do título de patrimônio cultural para o Futsac, bem como o reconhecimento de um esporte oficialmente criado em Curitiba. Estes elementos, somados à capacidade de articulação, parecem ter ocupado local central no discurso e no convencimento dos agentes inseridos no campo político.

Este processo de reconhecimento e desenvolvimento da modalidade inicia-se em 2002, porém em 2007 há uma ação que merece ser destacada. O criador do Futsac busca informações junto ao Ministério do Esporte, com o objetivo de criação de uma nova modalidade esportiva. Segundo o autor, para o êxito deste projeto, seria necessário a criação de uma confederação da modalidade, a qual deveria ser integrada por no mínimo três federações em nível estadual⁵. Dessa forma, Ofenbock articulou a fundação das três federações que permitiriam a criação da Confederação Brasileira. Em 2014 o Futsac seria finalmente reconhecido pelo Ministério do Esporte.

Desde o início da criação desse esporte, Ofenbock destaca a importância do Presidente do Conselho Regional de Educação Física do Paraná, Antônio Eduardo Branco, principalmente pela divulgação do esporte na revista da classe profissional, bem como na participação junto aos eventos da modalidade. Mais uma vez identifica-se a capacidade de articulação de Ofenbock na aquisição de prestígio e inserção da modalidade em diferentes esferas sociais, como etapa da estruturação do Futsac.

Outro fato importante para o desenvolvimento e visibilidade da modalidade foi a reportagem realizada pela FIFA¹³ no ano de 2014, cujo objetivo principal foi o de divulgar práticas esportivas brasileiras em cada uma das cidades que sediariam os jogos da Copa do Mundo. Segundo Ofenbock⁵, o responsável pela reportagem o contatou após ter assistido vídeos de competições de Futsac pela internet.

Em três minutos a reportagem contextualiza a cidade de Curitiba, a partir da rivalidade entre as duas principais equipes de futebol da cidade (Coritiba F.C e C. Atlético Paranaense), apresentando o Futsac como uma modalidade que também pode ser praticada por futebolistas. A reportagem salienta o aspecto social da modalidade a partir da confecção das bolinhas pelas crocheteiras da cidade. O narrador indica que o Futsac é reconhecido pela prefeitura local e que mais de 2 mil atletas já estão praticando o esporte no Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Ainda enfatiza que a modalidade estava em processo de reconhecimento nacional pelo governo brasileiro.

Ao direcionarmos um olhar crítico ao vídeo, torna-se evidente que este acontecimento possibilitou um crescimento na divulgação da modalidade em um período em que os olhares dos amantes do futebol se voltavam ao Brasil, devido à realização da Copa do Mundo de Futebol em 2014. Além disso, o fato da reportagem estar disponível no canal oficial da FIFA¹³ na plataforma online de vídeos Youtube se traduziu em importante visibilidade para a modalidade. Ofenbock⁵ relata em diversas partes do livro que, a partir da veiculação desta reportagem, a Confederação Brasileira de Futsac passou a receber contatos de diferentes partes do planeta, tais como da África do Sul, Estados Unidos, Índia, Portugal e Argentina, buscando formas de implementar oficialmente o esporte em seus respectivos países, adquirindo as bolinhas e as redes da quadra, que são vendidas por Ofenbock. Nesse sentido, destaca-se que a divulgação da modalidade por uma das entidades máximas do campo esportivo no cenário mundial foi uma das maiores contribuições simbólicas conferidas ao Futsac.

O surgimento de uma nova prática esportiva, a inserção na agenda política, a capacidade de articulação e convencimento dos agentes, a parceria com agentes políticos, instituições e prefeituras municipais, dentre outros elementos, parecem ter sido fatos importantes para o desenvolvimento da modalidade. Esses fatores, quando analisados de forma minuciosa, dão indícios importantes de como a modalidade se constituiu e apontam outros elementos que carecem de melhor interpretação. Um deles seria a questão da mercantilização da modalidade. Ofenbock, além de presidente da Confederação Brasileira de Futsac, é proprietário da empresa Juba Materiais Esportivos LTDA, sendo responsável pela produção e venda dos equipamentos de Futsac para as prefeituras⁵. Nesse sentido, buscamos detalhar elementos desse processo de transformação do Futsac em mercadoria, sem desvincular de sua relação com o campo político.

Das quadras para as lojas: o futsac e sua mercantilização

Um aspecto que fica evidente no estudo da criação do Futsac é que sua articulação com o campo político não consegue distanciar-se da mercantilização da modalidade, visto ser comercializada por seu idealizador por meio da venda de bolinhas, redes, manuais e outros produtos licenciados. Portanto, quando uma prefeitura resolve implementar o Futsac em seu município, acaba adquirindo os materiais esportivos da modalidade com o presidente da Confederação Brasileira de Futsac, por meio de sua empresa Juba Materiais Esportivos.

Indiretamente, as impressões que permitem associar o processo de mercantilização ao Futsac são várias. A começar pelo título do livro biográfico da modalidade - “Como inventei um esporte no fundo de quintal” - em que o autor comenta sua intencionalidade^5:47:

Eu brincava com meus amigos dizendo que aquele seria um esporte construído em um fundo de quintal. Gostava muito das histórias sobre grandes empreendimentos que tinham nascido em garagens e depois ganharam o mundo. Eu sonhava que o footsack também seria um empreendimento de início humilde que conquistaria o mundo.

Ao associar a imagem da construção do esporte ao de um empreendimento de origem simples, mas que poderia tomar grandes proporções, geralmente associado às empreitadas grandes como as de Steve Jobs com a Apple, Bill Gates com a Microsoft e Mark Zuckerberg com o Facebook, o Futsac é evidentemente exposto como uma ação de cunho mercadológico, pronta para ser ofertada como um produto que atenderia uma determinada demanda, neste caso esportiva.

As formas de exposição do Futsac como manifestação mercadológica podem ser destacadas, como por exemplo, na identidade visual do Futsac por meio da criação de uma logomarca para a modalidade; o interesse em ouvir a opinião de usuários das bolinhas de Futsac para o aperfeiçoamento das mesmas como produto; a criação de uma página de internet que possui informações referentes a pontos de venda das bolinhas no Brasil; a formatação das bolinhas em material de crochê, com uma costura em que existisse segurança para produção em grande escala; a busca pela certificação do INMETRO para a venda dos materiais de Futsac em lojas de brinquedos e materiais esportivos; a criação da empresa Juba Materiais Esportivos LTDA. em 2006, para produção e venda dos materiais de Futsac; e o licenciamento das bolinhas por clubes brasileiros de futebol⁵.

Para além disso, ressalta-se a questão da mídia como elemento influenciador. Como citado anteriormente, a reportagem da FIFA parece ter sido decisiva na expansão desse esporte. Em uma escala menor, outros meios de comunicação nacionais já deram atenção ao Futsac. Um deles, a Gazeta do Povo, tabloide de circulação importante no Paraná, dedicou matéria online intitulada “Bola de meia com sotaque curitibano”¹⁴, para noticiar a busca pela oficialização do Futsac frente ao Ministério do Esporte. O aspecto social retratado na reportagem foi o de jovens reclusos no Educandário São Francisco em Piraquara - PR, que utilizam a modalidade como forma de ocupação esportiva dentro da realidade do encarceramento.

Já uma reportagem do jornal O Estado de São Paulo¹⁵ enfatizou a função das crocheteiras para a modalidade Futsac. Para dar conta da produção das bolinhas, a reportagem salienta que foi criada uma Associação de Crocheteiras que na época contava com 50 associadas e mais 300 cadastradas. Estas teriam rendimentos provenientes do trabalho de confecção das bolinhas. A reportagem também mostra o Futsac como “esporte verde” da capital paranaense, pois para a confecção da bolinha são utilizados plásticos granulados de garrafa pet reciclados. Vale salientar que a associação dessa alcunha “esporte verde” não é coincidência. Desde os anos 1990, prefeitos e governadores, como Rafael Greca e Jaime Lerner, em estratégias de marketing, utilizaram em suas gestões termos como “capital ecológica”, “cidade sorriso” e “capital social do Brasil”, criando a ideia de uma cidade sustentável, limpa e segura¹⁶. Em 2014, uma matéria do jornal francês Le Monde questionou tais qualidades, afirmando que a maioria não passava de mitos¹⁷. Ao utilizar o termo “esporte verde”, os agentes, de certa forma, buscavam a tentativa de recriar a ideia de “capital ecológica” no Paraná, o que poderia se tornar interessante para os atores políticos envolvidos nas etapas de oficialização do Futsac.

Considerando essas evidências, as contribuições de Marchi Junior¹⁸ a partir da apresentação de um modelo analítico para o esporte, divididos em cinco dimensões (Emoção, Estética, Ética, Espetáculo e Educacional) fornecem indicadores para uma análise mais aprofundada sobre o Futsac. Destas cinco dimensões, o Espetáculo é a que neste momento mais se destaca. Para o autor, no espetáculo algumas variáveis podem ser observadas, como por exemplo, a capacidade de movimentar o contexto econômico e mercadológico, a geração e constituição de ofertas e demandas, seu apelo motivacional e emocional, a capacidade de comunicação e presença nos veículos midiáticos, bem como a mobilização populacional.

Ao buscar as parcerias com as esferas públicas por meio de contatos com políticos, bem como na aprovação de leis, o idealizador da modalidade ia aos poucos construindo o entendimento da necessidade de desenvolvimento do Futsac, o que acarretaria a constituição de ofertas e demandas, fator este apontado por Marchi Junior¹⁸ como elemento estruturante no processo de mercantilização esportiva. A aprovação da modalidade como uma criação nacional, inventada em Curitiba, as parcerias com as crocheteiras de baixa renda, o uso de termos como “esporte verde”, são indícios importantes na construção de um apelo emocional que a modalidade buscava, com o qual o Futsac poderia trazer maior prestígio e investimento, traduzindo-se assim em um desenvolvimento desse esporte.

A ideia da construção de uma identidade paranaense por meio do Futsac também pode ser observada nas palavras do criador da modalidade, quando do lançamento do Futsac na cidade do Rio de Janeiro, cidade esta que já era conhecida pela criação de outros esportes, tais como o futevôlei e o futebol de areia. Segundo Ofenbock^5:56:

(…) não considerava justo que um esporte totalmente desenvolvido e criado em solo paranaense e curitibano fosse lançado e oficializado como um esporte criado no Rio de Janeiro. A Secretaria de Esportes de Curitiba compartilhou desse mesmo sentimento, e assim começamos a acertar os detalhes para realizar um evento de lançamento do footsack como um esporte oficialmente nascido em Curitiba.

Aqui observa-se a busca pela aquisição de um determinado capital simbólico para a administração da prefeitura de Curitiba, representada pela Secretaria de Esportes. A oficialização de um esporte na capital paranaense, apesar de não proporcionar retorno financeiro de maneira aparente, poderia representar retorno em capital simbólico. Acerca de capital simbólico, Bourdieu⁹ e Marchi Júnior¹¹ o associam com a ideia de prestígio ou honraria, algo que não é somente mensurado por vias financeiras, mas que concede poder ao seu detentor. Por meio do capital simbólico, um indivíduo poderia ter mais influência sobre um determinado grupo, exercendo poder e direcionando estratégias e ações futuras.

Segundo Bourdieu, em seu texto “Como é possível ser esportivo?”¹⁰, o conjunto de práticas e consumos esportivos é criado para atender uma determinada demanda social. O Futsac, em sua origem, surge como jogo, visando atender a satisfação de aspectos lúdicos da natureza humana. Entretanto, quando busca assumir a forma de uma prática esportiva, passa a atender uma demanda por competição, por novos atletas, por expectadores e pela necessidade de investimentos. A busca pela apropriação de uma identidade paranaense, a partir do Futsac, faria parte da construção de um imaginário social tanto de Curitiba quanto do Paraná, em que buscou-se a construção de uma nova demanda social. E como elemento corroborativo dessa argumentação tem-se que as conquistas da modalidade, por meio das leis, dos reconhecimentos institucionais e das inserções nas agendas políticas foram maiores quando comparado à simples popularidade desse esporte. Nesse sentido, percebe-se na criação do Futsac uma formação de demanda que ainda está distante em aspectos de popularização, principalmente se considerar sua expansão limitada aos estados do sul do Brasil.

Na busca por valorizar o Futsac, Ofenbock⁵ salienta em sua obra o quanto esse esporte pode ser útil em diversas situações. A seguir, destacam-se algumas de suas aplicações levantadas pelo autor em seu livro: a bolinha de Futsac é pequena, podendo ser carregada no bolso e jogada em praticamente qualquer tipo de terreno; a possibilidade de seu potencial lúdico; a importância do aspecto social na produção dos materiais de Futsac, feitos por crocheteiras da Associação Curitibana de Crochê (ACDC), que conseguem o complemento de seus orçamentos familiares com a confecção das bolinhas; e por fim, a preocupação com o meio ambiente, ao adotar plástico granulado como recheio das bolinhas⁵.

Estes argumentos buscam angariar para a modalidade um apelo social e simbólico, bem como construir novas demandas esportivas na tentativa de popularização e massificação da modalidade. Dessa forma, fica evidente que o caminho adotado para criação do Futsac foi atravessado por inserções no campo político em seus diferentes níveis e que desde sua concepção a modalidade foi elaborada de forma a proporcionar retorno social, simbólico e também financeiro aos agentes inseridos no processo de estruturação desse esporte.

Considerações finais

Mesmo se tratando de uma modalidade recente, tendo em vista sua criação em 2002 e com o reconhecimento oficial do Ministério do Esporte em 2014, o Futsac apresentou conquistas importantes, principalmente no que concerne aos aspectos legislativos. A inserção do Futsac no campo político, por meio de seu idealizador, permitiu que a modalidade fosse reconhecida nas esferas municipal, estadual e federal, o que culminou com a possibilidade legal de angariar recursos em projetos como o Bolsa Atleta e a Lei do Incentivo ao Esporte.

Estas conquistas legais podem se traduzir em possíveis aumentos de investimentos financeiros, os quais auxiliariam no desenvolvimento da modalidade. Destaca-se a capacidade de relação social e articulação política do criador do Futsac, que desde o início intencionou criar uma demanda esportiva que posteriormente se popularizaria. Neste sentido, a rápida oficialização do Futsac não pareceu depender, por exemplo, de um apelo massivo de um grande número de praticantes, mas sim da capacidade de inserção e convencimento dos agentes no campo político. Em especial, nossa pesquisa apontou a figura do criador do Futsac como elemento central no alavancamento da modalidade nas diferentes esferas comentadas. Nesse sentido, tal dado está em consonância com a tese de Silva¹⁹, que destacou a característica nacional de empreendedores que, em muitos casos, sob caráter individual, organizam a gestão do esporte no cenário brasileiro.

É relevante destacar que os resultados apresentados indicam que é possível reproduzir o modelo de gestão do Futsac em novas modalidades que surgirem, guardadas as devidas proporções de cada contexto. Não se trata aqui de dizer que apresentamos um novo paradigma de gestão esportiva, mas sim de uma possibilidade em evidência no cenário brasileiro recente.

Mesmo com tantos avanços, a modalidade ainda encontra-se em desenvolvimento, tendo em vista estar ainda em estágio de formação sua demanda popular. Neste sentido sugerem-se futuros estudos relacionados ao Futsac, na medida em que o objeto ainda é um campo a ser explorado, os quais contemplem análises variadas para dimensões que extrapolem as que foram aqui apresentadas, no caso, políticas públicas e mercantilização esportiva.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  05 Maio 2021
• Data do Fascículo
  2021

Histórico

• Recebido
  17 Abr 2019
• Revisado
  30 Maio 2020
• Aceito
  10 Jul 2020