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Prevalência de infecção latente por tuberculose em pacientes com doença pulmonar intersticial com necessidade de imunossupressão

Lemos com grande interesse o artigo de Dias et al.11 Dias VL, Storrer KM. Prevalence of latent tuberculosis infection among patients with interstitial lung disease requiring immunosuppression. J Bras Pneumol. 2022;48(2):e20210382. https://doi.org/10.36416/1806-3756/e20210382
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) sobre a prevalência de infecção latente por tuberculose (ILTB) em pacientes com doenças pulmonares intersticiais (DPIs) com necessidade de imunossupressão. Gostaríamos de compartilhar alguns comentários sobre o uso da prova tuberculínica (PT) como única estratégia de rastreio.

Não há um padrão ouro para a detecção de ILTB, e tanto a PT quanto os ensaios de liberação de interferon-gama (IGRAs, do inglês interferon-gamma release assays) são aprovados para uso em todos os contextos.22 World Health Organization. WHO consolidated guidelines on tuberculosis: tuberculosis preventive treatment: Module 1: prevention. [monograph on the Internet]. Geneva: World Health Organization; 2020 [cited 2022 Apr 28]. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK554956/
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Dias et al.11 Dias VL, Storrer KM. Prevalence of latent tuberculosis infection among patients with interstitial lung disease requiring immunosuppression. J Bras Pneumol. 2022;48(2):e20210382. https://doi.org/10.36416/1806-3756/e20210382
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relataram reações positivas à PT em apenas 9,1% dos pacientes, enquanto a prevalência estimada de ILTB para o Brasil (país com incidência intermediária de tuberculose) é de 19-20%.11 Dias VL, Storrer KM. Prevalence of latent tuberculosis infection among patients with interstitial lung disease requiring immunosuppression. J Bras Pneumol. 2022;48(2):e20210382. https://doi.org/10.36416/1806-3756/e20210382
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,33 Cohen A, Mathiasen VD, Schön T, Wejse C. The global prevalence of latent tuberculosis: a systematic review and meta-analysis. Eur Respir J. 2019;54(3):1900655. https://doi.org/10.1183/13993003.00655-2019
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Possivelmente, a baixa taxa de infecção reflita o fato de que os participantes não pertenciam a grupos de alto risco para tuberculose ou que a reação à tuberculina pode ter diminuído com o tempo. Ainda não está claro se os IGRAs seriam uma melhor opção. Embora produzam menos resultados falso-negativos do que a PT em pacientes imunossuprimidos e idosos, os IGRAs são menos sensíveis na detecção de infecções remotas.44 Haas MK, Belknap RW. Diagnostic Tests for Latent Tuberculosis Infection. Clin Chest Med. 2019;40(4):829-837. https://doi.org/10.1016/j.ccm.2019.07.007
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Também é possível que a própria doença tenha suprimido a reação. Em um país com alta incidência de tuberculose, a maioria dos pacientes com sarcoidose apresentou resposta negativa à PT, mas a maioria dos pacientes e controles também apresentou IGRA positivo.55 Gupta D, Kumar S, Aggarwal AN, Verma I, Agarwal R. Interferon gamma release assay (QuantiFERON-TB Gold In Tube) in patients of sarcoidosis from a population with high prevalence of tuberculosis infection. Sarcoidosis Vasc Diffuse Lung Dis. 2011;28(2):95-101.

Curiosamente, um diâmetro grande de reação tuberculínica foi observado em pacientes com PT positiva, sugerindo infecção recente (principal fator de risco para tuberculose ativa). No entanto, os autores não incluíram informações sobre os fatores de risco para tuberculose no grupo de estudo.11 Dias VL, Storrer KM. Prevalence of latent tuberculosis infection among patients with interstitial lung disease requiring immunosuppression. J Bras Pneumol. 2022;48(2):e20210382. https://doi.org/10.36416/1806-3756/e20210382
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Talvez o tratamento preventivo da tuberculose (TPT) tenha sido necessário por causa de um contato recente com um paciente com tuberculose pulmonar. Seria interessante saber os resultados dos IGRAs dos pacientes com PT positiva. Nenhum dos atuais testes diagnósticos para ILTB tem suficiente valor preditivo para progressão para tuberculose ativa, embora os IGRAs possam identificar melhor os candidatos ao TPT entre indivíduos vacinados com BCG. Assim, os IGRAs poderiam ter fornecido dados adicionais sobre a real prevalência de ILTB em pacientes com DPI. Além disso, 63 pacientes foram excluídos por não terem agendado o teste ou por não terem retornado para a leitura. Isso poderia ter sido evitado com os IGRAs, que necessitam de apenas uma visita.44 Haas MK, Belknap RW. Diagnostic Tests for Latent Tuberculosis Infection. Clin Chest Med. 2019;40(4):829-837. https://doi.org/10.1016/j.ccm.2019.07.007
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Outra questão importante é se todos os pacientes com DPI e ILTB precisam de TPT. É essencial identificar os grupos-alvo. Os glicocorticoides e outros imunossupressores podem aumentar o risco de progressão para tuberculose ativa. No entanto, o rastreio de ILTB é recomendado pela OMS apenas antes da terapia anti-TNF.22 World Health Organization. WHO consolidated guidelines on tuberculosis: tuberculosis preventive treatment: Module 1: prevention. [monograph on the Internet]. Geneva: World Health Organization; 2020 [cited 2022 Apr 28]. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK554956/
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A relação risco-benefício deve ser cuidadosamente considerada.44 Haas MK, Belknap RW. Diagnostic Tests for Latent Tuberculosis Infection. Clin Chest Med. 2019;40(4):829-837. https://doi.org/10.1016/j.ccm.2019.07.007
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Pesquisas adicionais são necessárias para avaliar se pacientes em uso de drogas imunossupressoras específicas se beneficiariam mais com o TPT do que com a espera vigilante.

Antes do TPT, pode ser insuficiente excluir tuberculose ativa apenas com base em sinais clínicos e radiológicos em pacientes com DPIs, em virtude de anormalidades como fibrose ou nódulos. Características histopatológicas podem mimetizar tuberculose na sarcoidose e na pneumonia de hipersensibilidade. Assim, deve ser realizada análise microbiológica em todos os candidatos ao TPT a fim de evitar erros de diagnóstico.

Por fim, o rastreio de ILTB (de preferência com a PT) em pacientes com DPI virgens de tratamento pode fornecer informações valiosas. Em conclusão, mais estudos são necessários para avaliar a real prevalência de ILTB em pacientes com DPI e identificar candidatos ao TPT.

REFERENCES

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    Dias VL, Storrer KM. Prevalence of latent tuberculosis infection among patients with interstitial lung disease requiring immunosuppression. J Bras Pneumol. 2022;48(2):e20210382. https://doi.org/10.36416/1806-3756/e20210382
    » https://doi.org/10.36416/1806-3756/e20210382
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    World Health Organization. WHO consolidated guidelines on tuberculosis: tuberculosis preventive treatment: Module 1: prevention. [monograph on the Internet]. Geneva: World Health Organization; 2020 [cited 2022 Apr 28]. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK554956/
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    Cohen A, Mathiasen VD, Schön T, Wejse C. The global prevalence of latent tuberculosis: a systematic review and meta-analysis. Eur Respir J. 2019;54(3):1900655. https://doi.org/10.1183/13993003.00655-2019
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    Haas MK, Belknap RW. Diagnostic Tests for Latent Tuberculosis Infection. Clin Chest Med. 2019;40(4):829-837. https://doi.org/10.1016/j.ccm.2019.07.007
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    Gupta D, Kumar S, Aggarwal AN, Verma I, Agarwal R. Interferon gamma release assay (QuantiFERON-TB Gold In Tube) in patients of sarcoidosis from a population with high prevalence of tuberculosis infection. Sarcoidosis Vasc Diffuse Lung Dis. 2011;28(2):95-101.

Resposta dos autores

Autoria SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Gostaríamos de responder a algumas questões levantadas sobre nosso estudo recém publicado sobre a prevalência de infecção latente por tuberculose (ILTB) em pacientes com doenças pulmonares intersticiais (DPIs) com necessidade de imunossupressão.11 Dias VL, Storrer KM. Prevalence of latent tuberculosis infection among patients with interstitial lung disease requiring immunosuppression. J Bras Pneumol. 2022;48(2):e20210382. https://doi.org/10.36416/1806-3756/e20210382
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A prevalência de ILTB em nossa amostra (9,1%) foi de fato menor do que a estimada para a população mundial (cerca de 25%). Deve-se ressaltar, entretanto, que Kussen et al.22 Kussen GM, Dalla-Costa LM, Rossoni A, Raboni SM. Interferon-gamma release assay versus tuberculin skin test for latent tuberculosis infection among HIV patients in Brazil. Braz J Infect Dis. 2016;20(1):69-75. https://doi.org/10.1016/j.bjid.2015.10.007
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relataram uma prevalência semelhante (9,0%) em pessoas vivendo com HIV, grupo conhecido de alto risco, em um estudo realizado também no estado do Paraná, Brasil, onde está localizado nosso centro, o que pode refletir um cenário diferente de infecção pelo Mycobacterium tuberculosis em nossa região.

Quanto ao uso da prova tuberculínica (PT) como método de rastreio, consideramo-no uma escolha plausível, uma vez que não há consenso sobre um método preferencial para pacientes imunocomprometidos.33 Hasan T, Au E, Chen S, Tong A, Wong G. Screening and prevention for latent tuberculosis in immunosuppressed patients at risk for tuberculosis: a systematic review of clinical practice guidelines. BMJ Open. 2018;8(9):e022445. https://doi.org/10.1136/bmjopen-2018-022445
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Os ensaios de liberação de interferon-gama podem ser uma escolha razoável para esses pacientes, principalmente quando a PT é negativa; no entanto, apesar de terem sido recentemente incorporados ao sistema público de saúde brasileiro, eles não estão disponíveis para pacientes com DPIs com necessidade de imunossupressão.

No tocante aos fatores de risco para tuberculose, excluímos pacientes com fatores de alto risco, como aqueles vivendo com HIV, e verificamos que a frequência de PT positiva não foi significativamente maior naqueles com história de tabagismo ou diabetes. No entanto, reconhecemos que outras variáveis associadas a maior risco de tuberculose, como contato recente com alguém com a doença, não foram abordadas em nosso estudo. Além disso, reforçamos que os pacientes com PT positiva foram submetidos não apenas à avaliação clínica e radiológica para tuberculose ativa, mas também à avaliação microbiológica sempre que possível.

Por fim, a falta de consenso sobre a necessidade de tratamento da ILTB em pacientes em uso de outros imunossupressores que não os inibidores de TNF pode ser justificada pelo fato de a literatura sobre o assunto ser escassa.

Em conclusão, concordamos que mais estudos são necessários para determinar a prevalência de ILTB em pacientes com DPIs de forma eficaz e decidir se esses pacientes devem receber tratamento preventivo. No entanto, nosso estudo definitivamente marca um ponto de partida para a resposta a essas importantes questões.

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    Dias VL, Storrer KM. Prevalence of latent tuberculosis infection among patients with interstitial lung disease requiring immunosuppression. J Bras Pneumol. 2022;48(2):e20210382. https://doi.org/10.36416/1806-3756/e20210382
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    Kussen GM, Dalla-Costa LM, Rossoni A, Raboni SM. Interferon-gamma release assay versus tuberculin skin test for latent tuberculosis infection among HIV patients in Brazil. Braz J Infect Dis. 2016;20(1):69-75. https://doi.org/10.1016/j.bjid.2015.10.007
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    Hasan T, Au E, Chen S, Tong A, Wong G. Screening and prevention for latent tuberculosis in immunosuppressed patients at risk for tuberculosis: a systematic review of clinical practice guidelines. BMJ Open. 2018;8(9):e022445. https://doi.org/10.1136/bmjopen-2018-022445
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    2022
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