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Avaliação da fase pré-analítica do exame de urina de rotina em laboratório privado da cidade de Maringá, Paraná, Brasil

RESUMO

Introdução:

O exame de urina de rotina está entre os exames mais solicitados no laboratório clínico, pois auxilia no diagnóstico de várias doenças e no acompanhamento do tratamento dos pacientes. Nesse caso, a fase pré-analítica é fundamental, uma vez que a qualidade da amostra influencia diretamente a análise e a interpretação do resultado. Objetivo: O objetivo deste estudo foi identificar os principais erros na fase pré-analítica no exame de urina de rotina de um laboratório privado e sua frequência de ocorrência.

Material e método:

Dados entre 2014 e 2018 foram coletados. Ao todo, 107.277 amostras de urinas foram cadastradas; 98 (0,09%) foram encaminhadas para recoleta.

Resultados:

A solicitação de recoletas foi maior no sexo feminino (81,6%); as faixas etárias mais acometidas foram de 51 a 60 anos e de 21 a 30 anos. A justificativa mais comum para recoleta foi material insuficiente (48%), seguida por confirmação de resultado, em 24,5% dos casos. O predomínio de recoletas de urina no sexo feminino ocorreu devido à frequência da realização dos exames de urina em mulheres, pois elas estão mais propensas a infecções urinárias, principalmente na fase de vida sexualmente ativa e na pós-menopausa.

Conclusão:

De forma geral, o índice de recoletas de urinas obtido na pesquisa foi menor que a meta estipulada pelo laboratório, mas os principais motivos que levaram à solicitação de recoleta poderiam ser evitados ou minimizados se os pacientes tivessem sido bem instruídos quanto aos corretos procedimentos de coleta, o que indica a necessidade de programas de capacitação e treinamento constantes da equipe de trabalho.

Unitermos:
urinálise; fase pré-analítica; controle de qualidade; indicadores de gestão

ABSTRACT

Introduction:

Routine urinalysis is among the most requested exams in the clinical laboratory, assisting in the diagnosis of various diseases and treatment follow-up. In this case, the pre-analytical phase is extremely important because the quality of the sample directly influences the analysis and interpretation of the result.

Objective:

The aim of this study was to identify the main errors in the pre-analytical phase of routine urine examination in a private laboratory and their frequency of occurrence. Material and method: Data were collected from 2014 to 2018. In all, 107,277 urine samples were registered and 98 (0.09%) were sent for recollection.

Results:

Recollect requests were higher among females (81.6%), and the most affected age groups were 51 to 60 years old and 21 to 30 years old. The most common justification for recollection was insufficient material (48.0%), followed by confirmation of results in 24.5% of cases. The predominance of urine recollection in women was due to their having urine tests more often since they are more prone to urinary tract infections, especially in the sexually active and postmenopausal life stages.

Conclusion:

In general, the urine recollection rate obtained in the research was lower than the goal set by the laboratory; however, the main reasons that led to recollection request could be avoided or minimized if patients had been well educated on the correct collection procedures, indicating the need for constant training and training programs of the work team.

Key words:
urinalysis; pre-analytical phase; quality control; management indicators

RESUMEN

Introdución:

El análisis de orina de rutina es una de las pruebas más solicitadas en el laboratorio clínico, pues ayuda en el diagnóstico de diversas enfermedades y en el seguimiento del tratamiento de los pacientes. En este caso, la fase preanalítica es fundamental, puesto que la calidad de la muestra influye directamente en el análisis y en la interpretación del resultado. Objetivo: El objetivo de este estudio fue identificar los principales errores en la fase preanalítica en la prueba de orina rutinaria de un laboratorio privado y su frecuencia de ocurrencia.

Material y método:

Se recopilaron datos entre 2014 y 2018. En total, se registraron 107.277 muestras de orina; 98 (0,09%) fueron enviadas para nueva extracción.

Resultados:

La solicitud de nueva extracción fue mayor entre las mujeres (81,6%); los grupos de edad más afectados fueron de 51 a 60 años y de 21 a 30 años. La justificación más común para la toma repetida fue cantidad insuficiente (48%), seguida de confirmación de resultado, en el 24,5% de los casos. El predominio de las muestras de orina en las mujeres ocurrió debido a la frecuencia de los análisis de orina en las mujeres, porque ellas son más propensas a las infecciones urinarias, especialmente en las etapas de la vida sexualmente activa y posmenopáusica.

Conclusión:

En general, la tasa de toma repetida de orina obtenida en la investigación fue menor que el objetivo estipulado por el laboratorio, pero las principales razones que llevaron a la solicitud de nueva extracción podrían evitarse o minimizarse si los pacientes hubieran sido bien instruidos sobre los procedimientos correctos de recolección, lo que indica la necesidad de programas de capacitación y entrenamiento constante para el equipo de trabajo.

Palabras clave:
urinálisis; fase preanalítica; control de calidad; indicadores de gestión

INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, a qualidade da medicina laboratorial sofreu muitas mudanças, principalmente com o emprego da tecnologia da informação. Houve a implementação do processo de automação e o desenvolvimento de testes mais eficazes, o que tornou os resultados mais rápidos, eficientes e seguros e auxiliou efetivamente as decisões diagnósticas e terapêuticas11 Shcolnik W. Erros laboratoriais e segurança do paciente: revisão sistemática [thesis]. Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro; 2012.

2 Vieira KF. Impacto da implantação de um programa de acreditação laboratorial, avaliado por meio de indicadores de processo, num laboratório clínico de médio porte [thesis]. Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), São Paulo; 2012.

3 Xavier NG. Principais erros na fase pré-analítica do laboratório prestador de serviço no hospital Getúlio Vargas em Sapucaia do Sul [final-term paper]. Centro de Educação Tecnológica e Pesquisa em Saúde, Escola GHC, Fundação Oswaldo Cruz, Porto Alegre; 2013.
-44 Oliveira CE, Fernandes TRL. Analysis of the pre-analytical phase in a private pathology laboratory of Maringá city-PR, Brazil. J Bras Patol Med Lab. 2016; 52(2): 78-83..

Dessa forma, a fase da garantia da qualidade foi iniciada nos laboratórios clínicos por meio do controle interno da qualidade (CIQ) e de programas externos de avaliação da qualidade [controle externo da qualidade (CEQ)]44 Oliveira CE, Fernandes TRL. Analysis of the pre-analytical phase in a private pathology laboratory of Maringá city-PR, Brazil. J Bras Patol Med Lab. 2016; 52(2): 78-83.

5 Vieira KF, Shitara ES, Mendes ME, Sumita NM. A utilidade dos indicadores da qualidade no gerenciamento de laboratórios clínico. J Bras Patol Med Lab. 2011; 47(3): 201-10.

6 Plebani M, Sciacovelli L, Aita A, Pelloso M, Chiozza ML. Performance criteria and quality indicators for the pre-analytical phase. Clin Chem Lab Med. 2015; 53(6): 943-8.
-77 Gil P, Franco M, Galbán G. Evaluación de errores preanalíticos en el laboratorio de planta del HIGA O. Alende de Mar del Plata. Acta Bioquímica Clínica Latinoamericana. 2016; 50(30): 463-8..

Apesar do desenvolvimento dos processos de gestão da qualidade, ainda ocorrem erros nos laboratórios clínicos, cujas taxas variam de 0,1% a 10%. Estudos indicam que a fase pré- -analítica é aquela que concentra a maior frequência de erros associados a exames laboratoriais, com estimativa entre 46% e 84% da taxa de erro geral do laboratório, incorrendo em altos índices de recoleta, os quais estão diretamente associados ao tempo de liberação do resultado. A principal razão para essa alta incidência de erros é a dificuldade de controle das variáveis pré-analíticas, pois os erros se concentram na orientação para o preparo e a coleta do paciente, práticas que nem sempre estão sob controle dos supervisores do laboratório clínico e que envolvem atividades de vários profissionais66 Plebani M, Sciacovelli L, Aita A, Pelloso M, Chiozza ML. Performance criteria and quality indicators for the pre-analytical phase. Clin Chem Lab Med. 2015; 53(6): 943-8., 88 Marín AG, Ruiz FR, Hidalgo MMP, Mendoza PM. Pre-analytical errors management in the clinical laboratory: a five-year study. Biochem Med (Zagreb). 2014; 24(2): 248-57.

9 Féres VCR, Lopes FM, Rocha BAM, Alcanfor JDX. Avaliação de indicadores laboratoriais no Laboratório Escola da Faculdade de Farmácia-UFG. Rev Vita Sanitas. 2015; 9(2): 10-23.

10 Santos AP, Zanusso Junior G. Controle de qualidade em laboratórios clínicos. Rev Uningá. 2015; 45: 60-7.
-1111 Teixeira JCC, Chicote SRM, Daneze ER. Não conformidades identificadas durante as fases pré-analítica, analítica e pós-analítica de um laboratório público de análises clínicas. Nucleus. 2016; 13(1): 251-60.. Segundo Codagnone et al. (2014)1212 Codagnone FT, Alencar SMF, Shcolnik W, et al. The use of indicators in the pre-analytical phase as a laboratory management tool. J Bras Patol Med Lab. 2014; 50(2): 100-4., também é necessário considerar a rotatividade de pessoal, negligência, falta de compreensão das boas práticas laboratoriais e formação ineficaz dos profissionais.

O exame de urina de rotina está entre os exames mais solicitados no laboratório clínico; auxilia no diagnóstico e na detecção de inúmeras doenças, além de contribuir para a investigação de pacientes assintomáticos e o acompanhamento da evolução do tratamento. A qualidade da amostra no exame de urina de rotina é muito importante, pois influencia diretamente a fase analítica e a interpretação final do resultado. A fase pré-analítica no exame de rotina é a mais sujeita a erros, uma vez que depende praticamente de processos manuais e ocorre principalmente fora do laboratório clínico1313 Rodrigues M, Xavier IDA, Cardoso AM. Amostras urinárias: avaliação da fase pré-analítica em um laboratório clínico de Goiânia-GO, unidade matriz e posto de coleta. Rev Estudos. 2014; 41(3): 615-25.

14 Vale SF, Miranda J. Erros pré-analíticos no exame de urina de rotina [Internet]. 2015. Available at: https://www.yumpu.com/pt/document/view/ 12944917/erros-pre-analiticos-no-exame-de-urina-de-rotina-preanalyticals.
https://www.yumpu.com/pt/document/view/ ...
-1515 Silva B, Molin DBD, Mendes GA. Adequabilidade de amostras de urina recebidas por um laboratório de análises clínicas do noroeste do estado do Rio Grande do Sul. Rev Bras Análises Clínicas. 2016; 48(4): 352-5.. Esses erros envolvem: 1. conflito no preenchimento de dados, como solicitação médica incorreta ou ausente, incompreensão ou má interpretação da requisição médica, registro do paciente e/ou teste incorreto e identificação incorreta das amostras; 2. problemas na coleta: orientação insuficiente e/ou inadequada do paciente, falta de compreensão e/ou desatenção do paciente, utilização de frasco errado, amostra com volume insuficiente, troca de material, contaminações; 3. condições impróprias de transporte ou armazenamento: não observância de temperatura, problemas com centrifugação e aliquotagem e extravio de amostra11 Shcolnik W. Erros laboratoriais e segurança do paciente: revisão sistemática [thesis]. Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro; 2012.

2 Vieira KF. Impacto da implantação de um programa de acreditação laboratorial, avaliado por meio de indicadores de processo, num laboratório clínico de médio porte [thesis]. Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), São Paulo; 2012.
-33 Xavier NG. Principais erros na fase pré-analítica do laboratório prestador de serviço no hospital Getúlio Vargas em Sapucaia do Sul [final-term paper]. Centro de Educação Tecnológica e Pesquisa em Saúde, Escola GHC, Fundação Oswaldo Cruz, Porto Alegre; 2013., 55 Vieira KF, Shitara ES, Mendes ME, Sumita NM. A utilidade dos indicadores da qualidade no gerenciamento de laboratórios clínico. J Bras Patol Med Lab. 2011; 47(3): 201-10., 88 Marín AG, Ruiz FR, Hidalgo MMP, Mendoza PM. Pre-analytical errors management in the clinical laboratory: a five-year study. Biochem Med (Zagreb). 2014; 24(2): 248-57., 1212 Codagnone FT, Alencar SMF, Shcolnik W, et al. The use of indicators in the pre-analytical phase as a laboratory management tool. J Bras Patol Med Lab. 2014; 50(2): 100-4., 1616 Fonseca LGM, Cedro LM. Análise da fase pré-analítica do exame de urina de rotina em laboratório de Ceilândia-DF [final-term paper]. Faculdades Integradas Promove, Distrito Federal; 2013..

A detecção desses erros gerará rejeição e posterior recoleta da amostra biológica, o que provoca transtornos ao laboratório e ao paciente, além de custos adicionais devido ao uso duplicado de materiais, funcionários e tempo; ocorre perda de credibilidade, confiança e segurança do paciente. Para minimizar esses problemas, uma estratégia fundamental é conhecer a frequência e as causas de recoletas e erros associados em um determinado serviço para que medidas efetivas de controle e qualidade possam ser implementadas11 Shcolnik W. Erros laboratoriais e segurança do paciente: revisão sistemática [thesis]. Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro; 2012., 55 Vieira KF, Shitara ES, Mendes ME, Sumita NM. A utilidade dos indicadores da qualidade no gerenciamento de laboratórios clínico. J Bras Patol Med Lab. 2011; 47(3): 201-10., 1616 Fonseca LGM, Cedro LM. Análise da fase pré-analítica do exame de urina de rotina em laboratório de Ceilândia-DF [final-term paper]. Faculdades Integradas Promove, Distrito Federal; 2013..

OBJETIVOS

O objetivo deste estudo foi identificar os principais erros na fase pré-analítica do exame de urina de rotina de um laboratório privado da cidade de Maringá, Paraná, Brasil, além da frequência de ocorrência, verificando o número de amostras rejeitadas e recolhidas.

MATERIAL E MÉTODO

Estudo descritivo exploratório desenvolvido em um laboratório clínico privado da cidade de Maringá, cujas amostras analisadas foram coletadas entre janeiro de 2014 e dezembro de 2018.

Os dados foram coletados a partir dos relatórios do banco de dados do controle de qualidade do laboratório selecionado para a pesquisa. Todas as coletas destinadas ao exame de urina de rotina (urina tipo 1 ou parcial de urina) foram consideradas. Os critérios de exclusão foram aplicados para urinas não destinadas a essa finalidade.

O instrumento para a coleta de dados foi o formulário modelo do controle de qualidade do laboratório pesquisado, que inclui dados do paciente (idade e sexo) e informações sobre os critérios de rejeição das urinas com consequente recoleta, como confirmação do resultado (envolvendo amostras contaminadas); identificação errada (incluindo amostras não identificadas); material insuficiente (amostras com volume inferior a 10 ml); paciente menstruada; e amostras danificadas (envolvendo problemas de acondicionamento e manuseio). O índice de amostras rejeitadas e recoletadas destinadas ao exame de urina de rotina no período estudado também foi avaliado.

Os dados obtidos foram digitados em planilha do programa Microsoft Excel 2010 e analisados estatisticamente com o auxílio do software Statistica Single User, versão 13.2. Na análise descritiva dos dados, os resultados foram apresentados em gráficos e tabelas simples; para avaliar possíveis associações entre as variáveis, a tabela de dupla entrada foi utilizada, além do teste qui-quadrado. O nível de significância adotado nos testes foi de 5%, ou seja, as comparações cujo p < 0,05 foram consideradas significativas.

O projeto de pesquisa para a realização deste trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Unicesumar (Copec) sob o número 3.706.016.

RESULTADOS

Entre 2014 e 2018, 107.277 pacientes foram registrados para realização do exame parcial de urina. Desse total, 98 amostras foram solicitadas com base nos critérios adotados pelo laboratório, constituindo um índice de recoletas de 0,09% para o período estudado. A Tabela 1 mostra a estratificação do índice de recoleta por ano; o menor índice foi no ano de 2014 (0,06%) e o maior índice, em 2016 (0,11%).

Tabela 1
Distribuição das solicitações de recoleta de amostras de urina entre 2014 e 2018

O perfil dos pacientes com recoletas de urina foi de homens e mulheres entre 1 e 93 anos, com média de idade de 41,3 ± 23,7; as faixas etárias mais prevalentes foram de 51 a 60 anos e 21 a 30 anos. Do total de solicitações de coletas de urina, 81,6% (n = 80) correspondiam a indivíduos do sexo feminino, enquanto 18,4% (n = 18), a amostras de indivíduos do sexo masculino (Tabela 2). Esses dados justificam-se pelo fato de as mulheres entre 21 e 30 anos e acima de 50 anos fazerem mais exames de parcial de urina (70%) do que os homens.

Tabela 2
Distribuição das recoletas de amostras de urina, segundo faixa etária, gênero e motivo, entre 2014 e 2018

Material insuficiente foi o motivo mais prevalente para solicitação de recoletas [48% (n = 47)], seguido de confirmação de resultado [24,5% (n = 24)] e identificação errada [14,3% (n = 14)].

Embora a prevalência de recoletas de amostras de urina tenha sido maior em mulheres, a Figura mostra que não houve associação do sexo ao motivo de recoleta (p = 0,2146) - dados não apresentados. Sem considerar o motivo “paciente menstruada” que ocorre apenas em mulheres, a principal causa para recoletas foi material insuficiente, seguido de confirmação de resultados, em ambos os sexos. Identificação incorreta predominou no sexo masculino, entretanto, é um fator que independe das condições do paciente.

FIGURA
Distribuição da prevalência do motivo de recoleta de acordo com o sexo

A Tabela 3 apresenta a associação estatisticamente significativa entre o motivo da recoleta no sexo feminino e a faixa etária (p = 0,0192). Amostras de urina de mulheres entre 21 e 30 anos e acima de 50 anos foram as mais solicitadas para uma nova coleta. Para o sexo masculino, as faixas etárias de 11 a 20 anos e 41 a 50 anos não foram representadas na Tabela 3 devido à ausência de recoletas para esses indivíduos. Nesse caso, houve apenas uma tendência a um maior índice de recoletas em pacientes com 61 anos ou mais.

Tabela 3
Distribuição do motivo de recoleta de amostras de urina de acordo com sexo e faixa etária

DISCUSSÃO

A preocupação com a qualidade dos resultados ganhou destaque durante a evolução industrial do século passado; a partir desse momento, surgiu a inspeção do processo de produção e a avaliação do produto final. A fase da garantia da qualidade começou com o objetivo principal de prevenção. O cliente também passou a ser mais exigente devido ao fácil acesso à informação e à criação de órgãos de defesa do consumidor. A mesma filosofia da qualidade utilizada para as indústrias foi aplicada na área da saúde e, desde então, a evolução tem sido contínua55 Vieira KF, Shitara ES, Mendes ME, Sumita NM. A utilidade dos indicadores da qualidade no gerenciamento de laboratórios clínico. J Bras Patol Med Lab. 2011; 47(3): 201-10..

A medicina laboratorial foi pioneira na área de saúde ao promover e introduzir os conceitos de qualidade em todas as etapas de realização de um exame: pré-analítica, analítica e pós-analítica. Para tanto, os laboratórios clínicos passaram a utilizar indicadores de qualidade, definidos como medidas numéricas de erros ou falhas de um determinado processo em relação ao seu número total. Um indicador na fase pré-analítica comumente utilizado no laboratório clínico é o índice de recoleta, embora ainda não haja um consenso sobre seus limites de aceitabilidade44 Oliveira CE, Fernandes TRL. Analysis of the pre-analytical phase in a private pathology laboratory of Maringá city-PR, Brazil. J Bras Patol Med Lab. 2016; 52(2): 78-83., 55 Vieira KF, Shitara ES, Mendes ME, Sumita NM. A utilidade dos indicadores da qualidade no gerenciamento de laboratórios clínico. J Bras Patol Med Lab. 2011; 47(3): 201-10..

A meta de recoleta estipulada pela gestão da qualidade do laboratório pesquisado é de, no máximo, 0,25% para qualquer tipo de amostra; este índice se baseia nos custos dos exames. A frequência média de recoleta de amostras de urina obtida na pesquisa foi de 0,09%, apresentando pouca variabilidade no período estudado.

Trabalho semelhante foi realizado nesse mesmo laboratório analisando o índice médio de recoletas de amostras de sangue (0,18%) de junho de 2013 a maio de 201544 Oliveira CE, Fernandes TRL. Analysis of the pre-analytical phase in a private pathology laboratory of Maringá city-PR, Brazil. J Bras Patol Med Lab. 2016; 52(2): 78-83.. Comparando a frequência de recoletas de sangue e urina no período coincidente em ambas as pesquisas em 2014, temos 0,18% e 0,06%, respectivamente. Os dados indicam um controle muito efetivo na fase pré-analítica das coletas de urina do laboratório pesquisado em relação à meta estipulada.

Vale e Miranda (2015)1414 Vale SF, Miranda J. Erros pré-analíticos no exame de urina de rotina [Internet]. 2015. Available at: https://www.yumpu.com/pt/document/view/ 12944917/erros-pre-analiticos-no-exame-de-urina-de-rotina-preanalyticals.
https://www.yumpu.com/pt/document/view/ ...
avaliaram 1.038 amostra de urinas e observaram uma frequência de 7,5% de erros pré-analíticos que comprometeram a análise urinária e geraram a necessidade de nova coleta. Embora alguns autores1313 Rodrigues M, Xavier IDA, Cardoso AM. Amostras urinárias: avaliação da fase pré-analítica em um laboratório clínico de Goiânia-GO, unidade matriz e posto de coleta. Rev Estudos. 2014; 41(3): 615-25., 1717 Cezar FM. Controle de qualidade laboratorial: uma atualização em urinálise [final-term paper]. Centro de Ciências Farmacêuticas, Universidade Federal do Paraná, Curitiba; 2016. também tenham avaliado vários indicadores da qualidade da fase pré-analítica do exame parcial de urina, o índice de recoletas não foi um deles. Portanto, o número de trabalhos publicados na literatura sobre o tema ainda é escasso para comparação; para os estudos já disponíveis, as metodologias de coleta de dados variam entre os pesquisadores, o que dificulta a análise.

Esta pesquisa detectou um predomínio de recoleta de urina em mulheres entre 21 e 30 anos e acima de 50 anos justamente devido ao número de exames realizados em pacientes do sexo feminino. No sexo masculino, houve menor taxa de solicitação de novas coletas de urina, com predomínio de indivíduos com 61 anos ou mais.

Anatomicamente, o sistema urinário é idêntico em ambos os sexos, mas eles se diferem quanto ao tamanho da uretra: a do homem é cerca de cinco vezes mais comprida do que a da mulher. A uretra feminina, por ser mais curta e mais próxima da vagina e do ânus, facilita a contaminação do trato urinário via ascendente. Essa diferença dá aos homens proteção adicional contra infecções urinárias, que são mais frequentes em mulheres com vida sexual ativa e pós-menopausa. Devido a alterações das funções imunológicas e neuroendócrinas, idosos de ambos os sexos também são mais suscetíveis a infecções do trato urinário (ITUs). Além disso, homens com mais de 50 anos são mais vulneráveis ao prostatismo, que é a compressão e a obstrução da uretra pela próstata causada por hiperplasia prostática benigna ou câncer de próstata, o que contribui para a incidência de ITUs1818 Menezes RAO, Gomes MM, Barbosa FHF, Maréco ML, Couto AARD. Prevalência de uropatógenos evidenciadas no laboratório central de saúde pública de Macapá-AP, 2009-2010. Rev Biologia e Ciências da Terra. 2013; 13(1): 160-70..

O principal motivo para recoletas de urina observado neste trabalho foi material insuficiente, ou seja, um volume inferior a 10 ml exigidos pela técnica de automação adotada pelo laboratório. Esse fato é justificado pelas alterações estruturais e/ou funcionais do trato urinário causadas pelo processo infeccioso que podem interferir no fluxo urinário normal, provocando dor e dificuldade para urinar1919 Piçarra AMF. Infeções urinárias - aspetos microbiológicos e epidemiológicos [thesis]. Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Lisboa; 2015.. Se os pacientes fossem devidamente informados sobre a necessidade do volume adequado de amostra, sendo esse volume monitorado no momento do recebimento das amostras pelo setor técnico (os frascos para coleta de urina são graduados), a solicitação de retorno do paciente ao laboratório para nova coleta de urina poderia ser diminuída ou evitada.

Outro fator importante registrado na base de dados do laboratório como confirmação do resultado que motivou a solicitação de novas coletas de urina foi a contaminação da amostra. Isso pode ocorrer no momento da coleta por conta da higiene incorreta ou não realizada, mas também pelo armazenamento inadequado da urina.

De acordo com Piçarra (2015)1919 Piçarra AMF. Infeções urinárias - aspetos microbiológicos e epidemiológicos [thesis]. Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Lisboa; 2015., a urina deve ser imediatamente processada após a coleta; caso isso não seja possível, recomenda-se a refrigeração da amostra a 4°C por, no máximo, quatro horas, pois à temperatura ambiente ocorrerá multiplicação bacteriana.

Apesar de o índice de recoletas de urina do estudo estar abaixo dos critérios estipulados pelo laboratório, as principais justificativas para isso denotam a necessidade de maiores esclarecimentos nas orientações do paciente, uma vez que grande parte das recoletas ocorreu em indivíduos com mais de 50 anos. Provavelmente, muitos deles vão sozinhos ao laboratório para a realização dos exames e têm dificuldades em compreender as explicações sobre o procedimento para coleta e, quando necessário, acondicionamento e transporte da amostra de urina. De fato, há estreita ligação entre orientação de qualidade e sucesso na coleta do material, indicando a necessidade de capacitação e treinamento dos profissionais envolvidos nos processos pré-analíticos1616 Fonseca LGM, Cedro LM. Análise da fase pré-analítica do exame de urina de rotina em laboratório de Ceilândia-DF [final-term paper]. Faculdades Integradas Promove, Distrito Federal; 2013..

Cezar (2016)1717 Cezar FM. Controle de qualidade laboratorial: uma atualização em urinálise [final-term paper]. Centro de Ciências Farmacêuticas, Universidade Federal do Paraná, Curitiba; 2016. também esclarece que, embora o exame parcial de urina seja simples, rápido e de baixo custo, a eficácia do diagnóstico depende da padronização de todas as etapas do exame, que incluem coleta, acondicionamento, transporte e análise. A orientação correta ao paciente é fundamental e depende do bom treinamento da equipe técnica. As instruções podem ser escritas e/ou verbais e devem incluir higiene, tipo de coleta (se primeira urina da manhã, jato médio etc.), volume mínimo e forma de armazenamento e transporte, se não for colhida no laboratório. E o setor de garantia da qualidade do laboratório deve determinar os critérios de aceitação e rejeição da amostra de forma documental, bem como manter os registros atualizados e disponíveis.

Outros autores acreditam que para garantir um resultado fidedigno e condizente com o quadro clínico do paciente, é essencial que ele seja bem instruído pelo laboratório quanto aos procedimentos corretos para a coleta de urina. Portanto, os profissionais envolvidos no processo devem ser orientados sobre a importância de um sistema de gestão da qualidade presente e eficaz1313 Rodrigues M, Xavier IDA, Cardoso AM. Amostras urinárias: avaliação da fase pré-analítica em um laboratório clínico de Goiânia-GO, unidade matriz e posto de coleta. Rev Estudos. 2014; 41(3): 615-25., 1515 Silva B, Molin DBD, Mendes GA. Adequabilidade de amostras de urina recebidas por um laboratório de análises clínicas do noroeste do estado do Rio Grande do Sul. Rev Bras Análises Clínicas. 2016; 48(4): 352-5..

CONCLUSÃO

Apesar de haver dificuldades para encontrar estudos que abordem a qualidade laboratorial em urinálise, esse tema é muito relevante, uma vez que decisões clínicas são afetadas pelos resultados dos exames de urina de rotina. A fase pré-analítica é a mais crítica, sobretudo devido ao envolvimento de processos que ocorrem fora do laboratório clínico e envolvem tarefas manuais.

Neste trabalho, o índice de recoletas de urina obtido na pesquisa foi inferior à meta estipulada pelo laboratório, mas os principais motivos que levaram à solicitação de recoleta poderiam ser evitados ou minimizados se os pacientes tivessem sido bem instruídos quanto aos procedimentos corretos de coleta.

Vale ressaltar que embora eliminação completa dos erros pré- -analíticos no exame de urina seja muito difícil, é preciso apontar medidas que diminuam esses erros por meio da implantação de programas de capacitação e treinamento constante da equipe de trabalho.

REFERENCES

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    09 Dez 2019
  • Revisado
    09 Dez 2019
  • Aceito
    24 Jan 2020
  • Publicado
    20 Mar 2021
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