Acessibilidade / Reportar erro

Primeiro relato de adenodermatofibroma hemossiderótico no Brasil

RESUMO

Adenodermatofibroma hemossiderótico é uma lesão recentemente conhecida, caracterizada por um nódulo dérmico com estruturas císticas de uma glândula apócrina, circundado por um estroma do tipo dermatofibroma com macrófagos hemossideróticos. Apresentamos o primeiro relato de caso dessa entidade no Brasil junto a imagens representativas, além de uma revisão do assunto e discussões sobre a origem apócrina dessa lesão.

Unitermos:
histiocitoma fibroso benigno; hemossiderina; derme

ABSTRACT

Hemosiderotic adenodermatofibroma is a recently recognized lesion, characterized by a dermal nodule with cystic structures of an apocrine gland, surrounded by a dermatofibroma-like stroma with hemosiderotic macrophages. We present the first case report of this entity in Brazil together with representative images, in addition to a review on the subject and discussion about the apocrine origin of this lesion.

Key words:
benign fibrous histiocytoma; hemosiderin; dermis

RESUMEN

El dermatoadenofibroma hemosiderótico es una lesión recientemente descrita, caracterizada por un nódulo dérmico con estructuras quísticas de una glándula apocrina, rodeado por un estroma del tipo dermatofibroma con macrófagos hemosideróticos. Presentamos el primer reporte de caso de esa entidad en Brasil, junto a imágenes representativas, además de una revisión del tema y discusiones acerca del origen apocrina de esa lesión.

Palabras clave:
histiocitoma fibroso benigno; hemosiderina; dermis

INTRODUÇÃO

O adenodermatofibroma é uma lesão recentemente reconhecida pela comunidade médica, caracterizada por estroma semelhante ao dermatofibroma, com histiócitos, fibroblastos e estruturas glandulares com características apócrinas. A entidade, considerada um tumor misto, foi apresentada pela primeira vez em 2005, pelo chileno Sergio González, ao American Journal of Dermatopathology, na forma de relato de dois casos, com diagnóstico descritivo. Tratava-se de um nódulo dérmico com estruturas císticas de glândula apócrina, cercado por um estroma do tipo dermatofibroma com macrófagos hemossideróticos(11 Gonzalez S. Apocrine gland cyst with hemosiderotic dermatofibroma-like stroma: report of 2 cases. Am J Dermatopathol. 2005; 27: 36-8.. Em 2013, a nomenclatura adenodermatofibroma foi proposta por Santos-Briz et al. (2013)(22 Santos-Briz A, Llamas-Velasco M, Arango L, et al. Cutaneous adenodermatofibroma: report of 2 cases. Am J Dermatopathol. 2013; 35: 103-5. ao American Journal of Dermatopathology.

Descrevemos aqui o primeiro caso de adenodermatofibroma no Brasil, com características hemossideróticas, um dos poucos casos da literatura médica mundial, de acordo com uma revisão da base de dados dos Institutos Nacionais de Saúde da Biblioteca Nacional de Medicina dos EUA [the US National Library of Medicine National Institutes of Health (PubMed)] e da Biblioteca Eletrônica Científica Online [Scientific Eletronic Library Online (SciELO)].

RELATO DE CASO

Paciente do sexo masculino, 46 anos de idade, compareceu à clínica com uma lesão nodular assintomática na perna de aproximadamente 10 cm, sem sinais de inflamação. Não havia histórico cirúrgico. O exame histopatológico da pele revelou um nódulo pouco delimitado, não encapsulado, com espaços císticos (revestimento epitelial e diferenciação apócrina) com conteúdo proteico e áreas sólidas. O estroma circundante é composto por uma mistura de fibrócitos e macrófagos com grandes grânulos de hemossiderina, focos hemorrágicos e estroma fibroso denso com áreas tipicamente estoriformes, constituindo um cisto apócrino com um estroma dermatofibroma hemossiderótico semelhante (Figuras 1 e 2). Havia espessamento das paredes dos vasos. Não houve mitose, atipia ou necrose.

FIGURA 1
A) vista panorâmica da lesão; B) menor ampliação mostrando o envolvimento da epiderme (acantose) e derme (HE, 40 ×). Observe o estroma com aparência densa e profundamente um espaço cístico com conteúdo proteico (não totalmente representado); C) maior aumento mostrando detalhadamente o epitélio apócrino e o estroma representado por macrófagos, fibrócitos e fibras de colágeno. Note que a parede da estrutura glandular é composta por duas camadas e as células internas vacuoladas se projetam para o lúmen (HE, 100 ×); D) espaço cístico com conteúdo proteico circundado pelo componente fibro-histiocítico do tumor. Detalhe da presença de vênulas congestionadas com uma camada muscular espessada (HE, 40 ×); a lesão apresentava muitos vasos sanguíneos

FIGURA 2
Maior ampliação mostrando o limite entre o estroma fibro-histiocítico e a parede de uma estrutura glandular composta por camadas de epitélio escamoso não queratinizante; presença de hemossiderina no interior das células (HE, 400 ×)

DISCUSSÃO

Os primeiros relatos - Gonzalez (2005)(11 Gonzalez S. Apocrine gland cyst with hemosiderotic dermatofibroma-like stroma: report of 2 cases. Am J Dermatopathol. 2005; 27: 36-8.) - foram sobre lesões nas costas de uma mulher de 52 anos de idade com diagnóstico clínico de lipoma e de um homem de 41 anos com um nódulo na testa, considerados cisto de inclusão epidérmica. Ambos eram histologicamente muito semelhantes: nódulos dérmicos ovoides, menores que 20 mm de diâmetro, com focos hemorrágicos e macrófagos com inclusões citoplasmáticas de hemossiderina, não encapsulados, pouco delimitados, compostos por espaços císticos preenchidos com conteúdo proteico, áreas sólidas e vasos com camada muscular espessa. No entanto, ainda existem variações possíveis da mesma lesão cutânea, mas sem hemossiderose(22 Santos-Briz A, Llamas-Velasco M, Arango L, et al. Cutaneous adenodermatofibroma: report of 2 cases. Am J Dermatopathol. 2013; 35: 103-5., e até mesmo sem o componente epitelial com características apócrinas do cisto(33 Song Y, Park C. Squamous epithelial-lined cyst occurring in an aneurysmal fibrous histiocytoma. Am J Dermatopathol. 2007; 29: 309-10.,44 Makhija M. Epidermal inclusion cyst embedded in a recurrent benign fibrous histiocytoma. Indian J Dermatol. 2014; 59: 490-1.).

Vários autores acreditam que o adenodermatofibroma é um verdadeiro tumor misto e não um fenômeno de indução(55 González S. Regarding the case report of Dr Phillip W. Allen on apocrine gland cyst with hemosiderotic dermatofibroma. Adv Anat Pathol. 2008; 15: 376.,66 Segura-Sánchez J, Eloy García-Carrasco C, Escudero-Severín C, et al. Dermatofibroadenoma apocrino hemosiderótico/quiste glandular apocrino con estroma similar al dermatofibroma hemosiderótico. Rev Esp Patol. 2016; 50(4): 253-6.); um tumor com componente epitelial caracterizado por cisto de diferenciação apócrina e outro componente mesenquimal, conduzido pelo dermatofibroma hemossiderótico(55 González S. Regarding the case report of Dr Phillip W. Allen on apocrine gland cyst with hemosiderotic dermatofibroma. Adv Anat Pathol. 2008; 15: 376.. Assim, advogou-se a criação de uma nova entidade, em vez de uma variante do dermatofibroma ou de um cistoadenoma apócrino com estroma reativo(55 González S. Regarding the case report of Dr Phillip W. Allen on apocrine gland cyst with hemosiderotic dermatofibroma. Adv Anat Pathol. 2008; 15: 376..

Este caso favorece o argumento de um tumor misto, uma vez que vemos o tecido glandular apócrino longe de sua topografia usual, tornando improvável que sua origem seja por colisão ou encarceramento da glândula apócrina(11 Gonzalez S. Apocrine gland cyst with hemosiderotic dermatofibroma-like stroma: report of 2 cases. Am J Dermatopathol. 2005; 27: 36-8.,55 González S. Regarding the case report of Dr Phillip W. Allen on apocrine gland cyst with hemosiderotic dermatofibroma. Adv Anat Pathol. 2008; 15: 376.). Ademais, a mistura íntima, em diferentes proporções, dos componentes epitelial e mesenquimal também favorece uma origem mais neoplásica do que uma reação ao estroma, além de contribuir para descartar a possibilidade de colisão de tumores por acaso, os quais apresentariam pontos de transição entre os tecidos(55 González S. Regarding the case report of Dr Phillip W. Allen on apocrine gland cyst with hemosiderotic dermatofibroma. Adv Anat Pathol. 2008; 15: 376..

Nosso paciente tem uma lesão na perna, a mesma região anatômica que o caso apresentado por Allen, no Seminário Internacional de Patologia Arkadi M. Rywlin (Arkadi M. Rywlin International Pathology Slide Seminar) em 2008(77 Allen PW. Selected case from the Arkadi M. Rywlin international pathology slide seminar: apocrine gland cysts with hemosiderotic dermatofibromalike stroma. Adv Anat Pathol. 2008; 15: 172-6.. Nos relatórios de Gonzalez, as lesões estavam na fronte e nas costas. Lesões semelhantes já foram relatadas na região pubiana e na região escapular esquerda(22 Santos-Briz A, Llamas-Velasco M, Arango L, et al. Cutaneous adenodermatofibroma: report of 2 cases. Am J Dermatopathol. 2013; 35: 103-5., todas consideradas locais desprovidos de tecido glandular apócrino.

O caso mais recente foi publicado em 2018 no Journal of Cutaneous Pathology por Muto et al. (2018)(88 Muto I, Kuwahara F, Shintani T, et al. Adenodermatofibroma possessing dilated glandular structures with eccrine features: a case study. J Cutan Pathol. 2018; 45: 623-8. e apresenta uma mulher de 67 anos com nódulo sintomático (prurido e dor) de 4 cm nas costas. Pela primeira vez, foi apresentada a hipótese de que as estruturas glandulares da lesão se originam de glândulas écrinas encarceradas, que é a metaplasia apócrina. Segundo os autores, ao considerar a natureza écrina ou apócrina do adenodermatofibroma, é necessário considerar a localização da lesão, bem como as características das estruturas glandulares contidas na área da lesão(88 Muto I, Kuwahara F, Shintani T, et al. Adenodermatofibroma possessing dilated glandular structures with eccrine features: a case study. J Cutan Pathol. 2018; 45: 623-8..

CONCLUSÃO

Descrevemos o primeiro caso de adenodermatofibroma no Brasil e um dos poucos registrados na literatura médica. Acreditamos que a lesão neste relato seja uma verdadeira neoplasia mista, baseada na topografia das lesões que não possuem glândulas apócrinas. Portanto, descartamos as hipóteses do fenômeno de indução do dermatofibroma, colisão aleatória ou metaplasia apócrina. Observamos na literatura a confusão com o diagnóstico clínico de lipoma. Ademais, a falta de recorrência, além da ausência de mitoses, atipia ou necrose em um dos casos, reforça a natureza benigna da lesão.

A presença desses vários componentes inter-relacionados e as discussões sobre a origem dessa lesão tornam essa variante de um diagnóstico simples, como o dermatofibroma, um caso raro e belo. No entanto, ainda não é possível postular fatores de risco ou outras características epidemiológicas da doença devido ao número reduzido de casos. Dessa forma, são necessários mais estudos para consolidar esse diagnóstico.

REFERENCES

  • 1
    Gonzalez S. Apocrine gland cyst with hemosiderotic dermatofibroma-like stroma: report of 2 cases. Am J Dermatopathol. 2005; 27: 36-8.
  • 2
    Santos-Briz A, Llamas-Velasco M, Arango L, et al. Cutaneous adenodermatofibroma: report of 2 cases. Am J Dermatopathol. 2013; 35: 103-5.
  • 3
    Song Y, Park C. Squamous epithelial-lined cyst occurring in an aneurysmal fibrous histiocytoma. Am J Dermatopathol. 2007; 29: 309-10.
  • 4
    Makhija M. Epidermal inclusion cyst embedded in a recurrent benign fibrous histiocytoma. Indian J Dermatol. 2014; 59: 490-1.
  • 5
    González S. Regarding the case report of Dr Phillip W. Allen on apocrine gland cyst with hemosiderotic dermatofibroma. Adv Anat Pathol. 2008; 15: 376.
  • 6
    Segura-Sánchez J, Eloy García-Carrasco C, Escudero-Severín C, et al. Dermatofibroadenoma apocrino hemosiderótico/quiste glandular apocrino con estroma similar al dermatofibroma hemosiderótico. Rev Esp Patol. 2016; 50(4): 253-6.
  • 7
    Allen PW. Selected case from the Arkadi M. Rywlin international pathology slide seminar: apocrine gland cysts with hemosiderotic dermatofibromalike stroma. Adv Anat Pathol. 2008; 15: 172-6.
  • 8
    Muto I, Kuwahara F, Shintani T, et al. Adenodermatofibroma possessing dilated glandular structures with eccrine features: a case study. J Cutan Pathol. 2018; 45: 623-8.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Maio 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    18 Ago 2019
  • Revisado
    20 Ago 2019
  • Aceito
    20 Ago 2019
  • Publicado
    19 Mar 2020
Sociedade Brasileira de Patologia Clínica, Rua Dois de Dezembro,78/909 - Catete, CEP: 22220-040v - Rio de Janeiro - RJ, Tel.: +55 21 - 3077-1400 / 3077-1408, Fax.: +55 21 - 2205-3386 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: jbpml@sbpc.org.br