Acessibilidade / Reportar erro

Micose fungoide intersticial

RESUMO

A micose fungoide intersticial (MFI) é uma variante rara da micose fungoide, um linfoma cutâneo de células T não Hodgkin. É caracterizada por um infiltrado dérmico intersticial de linfócitos e histiócitos entre feixes de colágeno. Relatamos o caso de um paciente de 54 anos com máculas hipocrômicas pruriginosas nos braços e antebraços com diagnóstico de MFI. Atenção especial foi dada às características anatomopatológicas que diferenciam essa entidade de seus diagnósticos diferenciais, como morfeia inflamatória, granuloma anular intersticial e outras variantes da própria micose fungoide. Apresentamos também uma revisão da literatura sobre a classificação da MFI.

Unitermos:
linfoma; distúrbios linfoproliferativos; micose fungoide; granuloma anular

ABSTRACT

Interstitial mycosis fungoides (IMF) is a rare variant of mycosis fungoides, a cutaneous T-cell non-Hodgkin’s lymphoma. It is characterized by an interstitial dermal infiltrate of lymphocytes and histiocytes between collagen bundles. We report the case of a 54-year-old patient with pruritic hypochromic macules on the arms and forearms diagnosed with IMF. Special attention was given to the anatomopathological features that differentiate this entity from its differential diagnoses, such as inflammatory morphea, interstitial annular granuloma, and other variants of the mycosis fungoides itself. We also present a review of the literature on the classification of the IMF.

Key words:
lymphoma; lymphoproliferative disorders; mycosis fungoides; granuloma annulare

RESUMEN

La micosis fungoide intersticial (MFI) es una variante poco común de la micosis fungoide, un linfoma cutáneo de células T no Hodgkin. Se caracteriza por un infiltrado dérmico intersticial de linfocitos e histiocitos entre haces de colágeno. Presentamos el caso de un paciente de 54 años con máculas hipocrómicas pruriginosas en brazos y antebrazos diagnosticado de MFI. Se prestó especial atención a las características anatomopatológicas que diferencian a esta entidad de sus diagnósticos diferenciales, como morfea inflamatoria, granuloma anular intersticial y otras variantes de la propia micosis fungoide. También presentamos una revisión de la literatura sobre la clasificación de la MFI.

Palabras clave:
linfoma; trastornos linfoproliferativos; micosis fungoide; granuloma anular

INTRODUÇÃO

Micose fungoide (MF) é um linfoma cutâneo de células T não Hodgkin (LCCT-NH) caracterizado por uma proliferação maligna, principalmente de células CD4+(11 Martinez X, Di Raimondo C, Abdulla F, et al. Leukaemic variants of cutaneous T-cell lymphoma: erythrodermic mycosis fungoides and Sézary syndrome. Res Clin Haematol. 2019; 32(3): 239-52., 22 Sanches Jr J, Moricz C, Festa Neto C. Processos linfoproliferativos da pele: parte linfomas cutâneos de células T e de células NK. An Bras Dermatol.; 81(1): 7-25.). A MF é responsável por cerca de 60% dos LCCT-NH e apenas 3,9% dos linfomas não Hodgkin, com uma incidência de 6,4-7,7/1000.000 indivíduos/ano nos EUA. Há predominância entre 55 e 60 anos de idade, mais comum em afro-americanos e no sexo masculino; a relação homem/mulher é de cerca de 1,6-2:1(11 Martinez X, Di Raimondo C, Abdulla F, et al. Leukaemic variants of cutaneous T-cell lymphoma: erythrodermic mycosis fungoides and Sézary syndrome. Res Clin Haematol. 2019; 32(3): 239-52., 22 Sanches Jr J, Moricz C, Festa Neto C. Processos linfoproliferativos da pele: parte linfomas cutâneos de células T e de células NK. An Bras Dermatol.; 81(1): 7-25.). O aumento da razão CD4+/CD8+ não é exclusivo das MF; também é encontrado nas dermatoses inflamatórias. Portanto, sugere-se que as MF tenham início a partir de um processo inflamatório que evolui para a forma maligna. Seu diagnóstico é feito por biópsia acompanhada de avaliação microscópica detalhada, imuno-histoquímica e história clínica(33 Martínez-Escala M, González B, Guitart J. Mycosis fungoides variants. Surg Pathol Clin. 2014; 7(2): 169-89.). O perfil imuno-histoquímico mais comum da MF são células neoplásicas CD2+, CD3+, CD5+, CD4+, CD7-, CD8-, CD45RO+, TCR beta+ e CD30-; mas vários marcadores de células T podem estar esgotados(33 Martínez-Escala M, González B, Guitart J. Mycosis fungoides variants. Surg Pathol Clin. 2014; 7(2): 169-89.

4 Kazakov D, Burg G, Kempf W. Clinicopathological spectrum of mycosis fungoides. J Eur Acad Dermatol Venereol. 2004; 18(4): 397-415.
-55 Paoletti M, Comoz F, Dompmartin-Blanchere A, Bagot M, Ortonne N. Le MF interstitiel: une variante rare de mycosis fongoïde. Ann Pathologie. 2011; 31(1): 36-40.).

O conceito de MF intersticial (MFI), uma variante rara de MF, é atribuído a Bernard Ackerman em observações não publicadas; contudo, foi mencionado pela primeira vez por Shapiro e Pinto em 1994, no The American Journal of Surgical Pathology. A MF apresenta-se clinicamente como placas/manchas eritematosas grandes, mal definidas, pruriginosas ou descamativas(66 Virmani P, Myskowski P, Pulitzer M. Unusual variants of mycosis fungoides. Diagn Histopathol. 2016; 22(4): 142-51.) em qualquer parte do corpo, fato que apresenta semelhanças quanto às características da própria MF. À microscopia, observa-se infiltrado dérmico intersticial típico, composto predominantemente por linfócitos intersticiais com alguns histiócitos entre feixes de colágeno, sem destruição das fibras elásticas, pelo menos na fase inicial, bem como presença ou ausência de mucina e epiteliotropismo (Figura 1)(77 Su L, Kim Y, LeBoit P, et al. Interstitial mycosis fungoides, a variant of mycosis fungoides resembling granuloma annulare and inflammatory morphea. J Cutan Pathol. 2002; 29(3): 135-41.).

FIGURA 1
Disposição perivascular das células mononucleares na derme [(A); HE, aumento original 40×] e no interstício [(B); HE, aumento original 100×] com epidermotropismo [(D); HE, aumento original 40×] e às vezes células histiocitoides multinucleadas [(E); HE, aumento original 400×]. Deposição de mucina na derme reticular [(C); alcian blue pH 2,5, aumento original 100×] HE: hematoxilina e eosina.

Relatamos um caso de MFI, uma das variantes raras de MF, destacando seu diagnóstico diferencial histopatológico e classificações.

RELATO DE CASO

Paciente do sexo feminino, 54 anos, parda, brasileira, cujas queixas principais eram “manchas brancas no corpo”. A coceira começou nos braços e se espalhou pelo corpo, culminando com o aparecimento das lesões. A paciente apresentava quadro caracterizado por máculas hipocrômicas, algumas levemente infiltradas com halo eritematoso arredondado nos braços e antebraços. Além disso, o teste de sensibilidade estava normal e não havia linfonodos palpáveis. As suspeitas levantadas foram tuberculose limítrofe, lepra, MF e eczema. O perfil imuno-histoquímico apresentado pelas amostras foi CD2+, CD3+, CD5+, CD7-, CD20-, CD1A+, CD68+ (Figuras 2 e 3). Após biópsias e imuno-histoquímica do braço direito e dos fragmentos do antebraço esquerdo, o diagnóstico de MFI foi estabelecido (Figuras 1, 2 e 3).

FIGURA 2
Imunorreatividade para CD5 e CD3 (aumento original de 40×), também imunonegatividade para CD7 (aumento original de 100×)

FIGURA 3
Imunonegatividade para CD20 (aumento original de 40×) e imunorreatividade para CD68, CD3 (aumento original de 100×) e CD1A na epiderme (aumento original de 40×)

DISCUSSÃO

A MFI tem características histopatológicas semelhantes ao granuloma anular intersticial (GAi), à dermatite intersticial granulomatosa, à morfeia inflamatória, a doenças autoimunes, a reações medicamentosas e a infecções bacterianas por Borrelia(88 Reggiani C, Massone C, Fink-Puches R, et al. Interstitial mycosis fungoides. Am J Surg Pathol. 2016; 40(10): 1360-67.), além de outros subtipos raros de MF e outras malignidades de células T: cútis laxa adquirida, MF granulomatosa, MF tipo cútis laxa e outros tipos de linfomas T cutâneos que podem ter características histológicas granulomatosas, como síndrome de Sézary, linfoma cutâneo de grandes células anaplásicas e linfoma subcutâneo de células T tipo paniculite(33 Martínez-Escala M, González B, Guitart J. Mycosis fungoides variants. Surg Pathol Clin. 2014; 7(2): 169-89.).

Morfeia ou esclerodermia localizada é uma doença cutânea idiopática caracterizada por inflamação local seguida de alterações fibróticas na pele e no tecido subcutâneo. Tanto a morfeia quanto a MFI apresentam infiltrados intersticiais linfoides, enquanto os plasmócitos são comuns na morfeia e raros na MFI. No entanto, vários aspectos histológicos podem distingui-los. Por fim, apenas na morfeia inflamatória podem ser encontrados agregados na junção derme subcutânea, nos infiltrados de linfócitos, nas células plasmáticas e nos histiócitos. Além disso, há presença moderada de linfócitos B e poucos linfócitos T, enquanto na MFI as células T são predominantes(55 Paoletti M, Comoz F, Dompmartin-Blanchere A, Bagot M, Ortonne N. Le MF interstitiel: une variante rare de mycosis fongoïde. Ann Pathologie. 2011; 31(1): 36-40.).

Enfatizamos a importância de diferenciar a MFI do GAi. Ambas as doenças compartilham um infiltrado mononuclear intersticial dérmico, ocasionalmente associado a um aumento de mucina. Os achados clínicos podem ser semelhantes quando o GAi aparece como máculas ou um conjunto bem desenvolvido, elevado ou papular, sem bordas. Na MFI, ao contrário do GAi, encontra-se fibroplasia na derme papilar(55 Paoletti M, Comoz F, Dompmartin-Blanchere A, Bagot M, Ortonne N. Le MF interstitiel: une variante rare de mycosis fongoïde. Ann Pathologie. 2011; 31(1): 36-40.).

Ressalta-se também que a MFI pode ser confundida com reação medicamentosa granulomatosa intersticial, dado o significativo infiltrado de histiócitos e a fragmentação das fibras elásticas e colágenas, bem como a relação com dermatite não observada na MFI. No entanto, não se observa uma população de clones T em reação a medicamentos, e a associação clínica com o uso de drogas deve existir(88 Reggiani C, Massone C, Fink-Puches R, et al. Interstitial mycosis fungoides. Am J Surg Pathol. 2016; 40(10): 1360-67.).

MF granulomatosa, MFI e MF tipo cútis laxa são todas variantes de MF que podem se assemelhar aos estágios iniciais da chamada cútis laxa granulomatosa (CLG)(99 López Aventín D, Gallardo F, Gil I, et al. Cutis laxa-like mycosis fungoides. J Dermatol. 2012; 39(6): 548-51.). Assim, surge outra discussão fundamental: como classificar a MFI dadas suas características clínicas e morfológicas?

A CLG é uma forma incomum de LCCT-NH, com poucos casos publicados; é também uma variante da MF, segundo a classificação da Organização Mundial da Saúde (OMS). Caracteriza-se pela presença de dobras de pele redundantes em áreas flexurais com redução da elasticidade, infiltrado granulomatoso com elastólise e células gigantes multinucleadas(99 López Aventín D, Gallardo F, Gil I, et al. Cutis laxa-like mycosis fungoides. J Dermatol. 2012; 39(6): 548-51.). Virmani et al. (2016)(66 Virmani P, Myskowski P, Pulitzer M. Unusual variants of mycosis fungoides. Diagn Histopathol. 2016; 22(4): 142-51.), em uma revisão da classificação da Organização Europeia para Pesquisa e Tratamento do Câncer [European Organization for Research and Treatment of Cancer (WHO-EORTC)] incorpora a MFI em outra variante de morfologia semelhante, a MF granulomatosa, embora a considere uma entidade diferente da CLG, ambas clinicamente. Quanto à histologia, entretanto, alguns autores argumentam que essas duas variantes histopatológicas devem ser mantidas separadas(22 Sanches Jr J, Moricz C, Festa Neto C. Processos linfoproliferativos da pele: parte linfomas cutâneos de células T e de células NK. An Bras Dermatol.; 81(1): 7-25., 66 Virmani P, Myskowski P, Pulitzer M. Unusual variants of mycosis fungoides. Diagn Histopathol. 2016; 22(4): 142-51.).

Por fim, existe a teoria de que todas essas variantes das MF, incluindo a própria CLG, fazem parte do mesmo espectro da doença, com apresentação clinicopatológica variável, de acordo com o estágio de evolução. Afinal, todas essas variantes representam uma resposta imune granulomatosa contra as células T neoplásicas(44 Kazakov D, Burg G, Kempf W. Clinicopathological spectrum of mycosis fungoides. J Eur Acad Dermatol Venereol. 2004; 18(4): 397-415.). Portanto, a MFI pode representar um estágio inicial da CLG(33 Martínez-Escala M, González B, Guitart J. Mycosis fungoides variants. Surg Pathol Clin. 2014; 7(2): 169-89., 77 Su L, Kim Y, LeBoit P, et al. Interstitial mycosis fungoides, a variant of mycosis fungoides resembling granuloma annulare and inflammatory morphea. J Cutan Pathol. 2002; 29(3): 135-41.).

CONCLUSÃO

Fica evidente que o diagnóstico da MFI é difícil, seja pela sua apresentação pouco frequente ou pelo grande número de diagnósticos diferenciais. Além disso, há casos como o da nossa paciente que fogem das características epidemiológicas mais frequentes. Devido a esses fatores, um diagnóstico clínico, histopatológico e imuno-histoquímico é essencial. Ressaltamos também a necessidade de mais estudos relacionados com a MFI, para melhor compreensão de sua classificação.

REFERENCES

  • 1
    Martinez X, Di Raimondo C, Abdulla F, et al. Leukaemic variants of cutaneous T-cell lymphoma: erythrodermic mycosis fungoides and Sézary syndrome. Res Clin Haematol. 2019; 32(3): 239-52.
  • 2
    Sanches Jr J, Moricz C, Festa Neto C. Processos linfoproliferativos da pele: parte linfomas cutâneos de células T e de células NK. An Bras Dermatol.; 81(1): 7-25.
  • 3
    Martínez-Escala M, González B, Guitart J. Mycosis fungoides variants. Surg Pathol Clin. 2014; 7(2): 169-89.
  • 4
    Kazakov D, Burg G, Kempf W. Clinicopathological spectrum of mycosis fungoides. J Eur Acad Dermatol Venereol. 2004; 18(4): 397-415.
  • 5
    Paoletti M, Comoz F, Dompmartin-Blanchere A, Bagot M, Ortonne N. Le MF interstitiel: une variante rare de mycosis fongoïde. Ann Pathologie. 2011; 31(1): 36-40.
  • 6
    Virmani P, Myskowski P, Pulitzer M. Unusual variants of mycosis fungoides. Diagn Histopathol. 2016; 22(4): 142-51.
  • 7
    Su L, Kim Y, LeBoit P, et al. Interstitial mycosis fungoides, a variant of mycosis fungoides resembling granuloma annulare and inflammatory morphea. J Cutan Pathol. 2002; 29(3): 135-41.
  • 8
    Reggiani C, Massone C, Fink-Puches R, et al. Interstitial mycosis fungoides. Am J Surg Pathol. 2016; 40(10): 1360-67.
  • 9
    López Aventín D, Gallardo F, Gil I, et al. Cutis laxa-like mycosis fungoides. J Dermatol. 2012; 39(6): 548-51.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    27 Maio 2020
  • Revisado
    31 Maio 2020
  • Aceito
    31 Maio 2020
  • Publicado
    20 Jul 2021
Sociedade Brasileira de Patologia Clínica, Rua Dois de Dezembro,78/909 - Catete, CEP: 22220-040v - Rio de Janeiro - RJ, Tel.: +55 21 - 3077-1400 / 3077-1408, Fax.: +55 21 - 2205-3386 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: jbpml@sbpc.org.br