Melanoma gástrico primário: relato de caso de uma neoplasia maligna rara

RESUMO

Melanoma extracutâneo é uma entidade clínica rara, e sua natureza primária ou secundária é difícil de ser estabelecida. Poucos casos de melanoma gástrico primário são descritos na literatura. Relatamos o caso de um paciente do sexo masculino, 55 anos, com queixas dispépticas. A esofagogastroduodenoscopia revelou lesão polipoide com áreas enegrecidas na grande curvatura do corpo gástrico, histologicamente compatível com melanoma; imuno-histoquímica positiva para proteína S100, melan-A e vimentina. O exame dermatológico extenso não identificou lesão primária.

Unitermos:
melanoma; imuno-histoquímica; neoplasias gástricas

ABSTRACT

Noncutaneous melanoma is a rare clinical entity, and their primary or secondary nature is often difficult to establish. Few cases of primary gastric melanoma have been described in the literature. We report a case of a 55-year-old male patient with dyspepsia complaints. Esophagogastroduodenoscopy revealed a polypoid mass with blackened areas at the greater curvature of the gastric body, which was histologically compatible with melanoma; positive immunohistochemistry for S100, melan-A, and vimentin. The extensive dermatological exam did not identify a primary lesion.

Key words:
melanoma; immunohistochemistry; gastric neoplasms

RESUMEN

El melanoma extracutáneo es una entidad clínica rara, y es difícil identificar su naturaleza primaria o secundaria. Hay pocos casos de melanoma gástrico primario descritos en la literatura. Reportamos el caso de un paciente masculino, de 55 años de edad con síntomas dispépticos. La esofagogastroduodenoscopia reveló lesión polipoidea con zonas ennegrecidas en la curvatura mayor del cuerpo gástrico, histológicamente compatible con melanoma; inmunohistoquímica positiva para S100, melan-A y vimentina. El examen dermatológico completo no identificó lesión primaria.

Palabras clave:
melanoma; inmunohistoquímica; neoplasias gástricas

INTRODUÇÃO

O melanoma maligno é uma neoplasia que se origina dos melanócitos, células dendríticas pigmentadas localizadas na camada basal da epiderme, no bulbo capilar, nos olhos, nos ouvidos e nas meninges^(1,2). Aproximadamente 92% dos melanomas são cutâneos⁽²⁾; apenas 1,2% dos melanomas extracutâneos estão localizados em mucosas. O acometimento primário do trato gastrointestinal é mais comum no sítio anorretal^(2,3). Casos de melanomas gástricos primários são raros; na literatura, cerca de 15 casos são descritos^(2,4).

Fatores de risco ambientais, imunes, hereditários e associação com outras comorbidades são apontados na patogênese do melanoma gástrico primário, contudo, sem consenso estabelecido⁽¹⁾. O pior prognóstico do melanoma gástrico é ocasionado pelo diagnóstico tardio devido à necessidade de exames invasivos para visualização da lesão, além de sinais e sintomas inespecíficos^(3,4).

OBJETIVO

Relatar um caso raro de melanoma maligno gástrico primário com evolução desfavorável.

RELATO DE CASO

Paciente do sexo masculino, 55 anos, com histórico de desconforto epigástrico após refeições durante 60 dias. A esofagogastroduodenoscopia (endoscopia digestiva alta) revelou exantema difuso do antro gástrico e lesão polipoide com áreas enegrecidas na grande curvatura do corpo. O exame histológico da biópsia do antro gástrico não apresentou alterações estruturais ou inflamatórias. Porém, o estudo histológico da lesão do corpo gástrico evidenciou neoplasia maligna invasiva pouco diferenciada com células em arranjo sólido e trabecular com ulceração, mas sem presença de pigmento melanocítico (Figura 1). A análise imuno-histoquímica foi positiva para citoqueratinas 8/18 de baixo peso molecular, proteína S100, melan-A, vimentina e HMB45, compatível com melanoma maligno ulcerado e infiltrativo (Figura 2). A análise genética revelou mutação V600E do gene BRAF.

FIGURA 1
Coloração por HE da biópsia da lesão polipoide do corpo gástrico em aumento de 10× (A), 40× (B) e 100× (C) HE: hematoxilina e eosina.

FIGURA 2
Imuno-histoquímica positiva para melan-A (A), S100 (B) e vimentina (C)

Durante a investigação dermatológica completa, fontes primárias prévias e atuais para melanoma cutâneo não foram evidenciadas.

O paciente foi submetido à gastrectomia total com reconstrução por Y de Roux. O diagnóstico prévio de melanoma gástrico foi confirmado. Os linfonodos da pequena e da grande curvatura foram negativos para metástases. Apesar dos esforços, o paciente apresentou complicações inerentes ao pós-operatório, evoluindo para óbito em duas semanas.

DISCUSSÃO

A patogênese do melanoma gástrico primário não está totalmente esclarecida, visto que o epitélio normal do estômago não possui melanócitos⁽³⁾. Diferentes hipóteses sobre o surgimento do melanoma gástrico primário são relatadas^(3,5). A primeira teoria aponta a provável migração ectópica de precursores de melanócito, sugerida pela observação de melanose benigna em neoplasias do trato gastrointestinal⁽⁵⁾. Outra possibilidade é a diferenciação das células APUD para melanócitos, pois derivados da crista neural podem manter a capacidade de diferenciação e, consequentemente, sofrer transformação maligna^(3,5).

Os critérios diagnósticos do melanoma gástrico primário incluem: 1. lesão única de melanoma no estômago comprovada por patologia; 2. ausência de lesões em outro local do corpo; 3. história pessoal negativa para melanoma; e 4. sobrevida livre de doença de, pelo menos, 12 meses após a cirurgia curativa⁽⁶⁾. Neste relato, não foi possível avaliar a sobrevida livre de doença após a gastrectomia, pois o paciente foi a óbito por complicações intrínsecas do procedimento cirúrgico. Mais de 60% dos pacientes com melanomas cutâneos apresentam metástases gástricas, portanto, a avaliação dermatológica é indispensável⁽¹⁾.

Manifestações do melanoma gástrico primário são semelhantes às de outros tumores gástricos, como anemia, perda de peso, náuseas, vômitos, dor abdominal e sangramento gastrointestinal^(1,4,7). A maioria dos pacientes se mantém assintomáticos até o tumor se tornar avançado⁽⁴⁾. A endoscopia digestiva alta e a biópsia são os principais exames para o diagnóstico⁽⁴⁾. No primeiro, pode-se verificar a presença de uma lesão enegrecida, como no nosso relato⁽⁴⁾. No caso deste paciente, a biópsia gástrica era desprovida de pigmento melanocítico, o que dificultou o diagnóstico na microscopia convencional. Destaca-se, assim, o papel da imuno-histoquímica, uma vez que a coloração positiva para HMB45, S100 e melan-A confirma a presença de melanócitos na mucosa^(1,4). Apesar disso, o diagnóstico pré-operatório é desafiador, pois melanomas com pouca ou nenhuma melanina podem simular outros tumores, como linfoma e carcinoma pouco diferenciado⁽⁷⁾.

Mutações do gene BRAF acometem mais de 50% dos casos de melanoma cutâneo, contudo, são raras em melanomas mucosos⁽⁷⁾. O teste genético no melanoma gástrico primário é obrigatório, pois permite o direcionamento de terapêuticas para mutações específicas⁽⁷⁾.

Não há protocolo padrão para o tratamento devido aos poucos casos relatados na literatura^(2,4,6,7). A ressecção do tumor apresenta os melhores resultados na redução dos sintomas e na melhora da sobrevida^(4,6,7). Outras opções terapêuticas como a quimioterapia com interferon ou interleucina-12, a radioterapia e a imunoterapia ainda estão sendo estudadas⁽²⁾.

Os melanomas mucosos estão mais associados ao pior prognóstico do que os melanomas cutâneos em razão do frequente atraso para se chegar ao diagnóstico, da natureza inerentemente mais agressiva do tumor e da disseminação precoce pelo rico suprimento linfático e vascular da mucosa gastrointestinal^(1,4,8). Os principais preditores de prognóstico no momento do diagnóstico são o estágio avançado do tumor, a falha na realização da ressecção cirúrgica, o estado linfonodal positivo e a idade⁽⁵⁾. O tempo médio de sobrevida é de cinco meses^(1,2,7).

CONCLUSÃO

O melanoma gástrico primário é uma entidade clínica muito incomum, podendo ser subdiagnosticado principalmente pela manifestação clínica inespecífica. A detecção precoce e a intervenção cirúrgica são críticas para a melhora da sobrevida, embora o prognóstico geral seja ruim.

REFERENCES

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  29 Maio 2020
• Data do Fascículo
  2020

Histórico

• Recebido
  28 Set 2019
• Revisado
  4 Nov 2019
• Aceito
  22 Nov 2019
• Publicado
  7 Maio 2020