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Coronavírus em paciente portador de hepatite C: relato de caso

RESUMO

Em fevereiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) chamou a infecção pelo novo coronavírus, que surgiu em dezembro de 2019 na China, de COVID-19, definindo-a como pandemia mundial. Não há muitas evidências sobre a relação das doenças hepáticas e a COVID-19. Os exames laboratoriais vêm exercendo um papel fundamental na confirmação da infecção, que é feita geralmente pela amostra de reação em cadeia da polimerase (PCR). O presente estudo relata os aspectos laboratoriais de um paciente portador de hepatite do tipo C e diagnóstico de COVID-19 com evolução desfavorável, dando atenção especial para exames laboratoriais que estavam pouco alterados.

Unitermos:
pandemias; hepatite C; infecções por coronavírus; laboratórios hospitalares

ABSTRACT

In February 2020, the World Health Organization (WHO) named the infection with the new coronavirus, which appeared in December 2019 in China, as Covid-19, and defined it as a worldwide pandemic. There is not much evidence about the relationship between liver disease and Covid-19. Laboratory tests have played a fundamental role in confirming Covid-19, what is usually done by the polymerase chain reaction (PCR) sample. The present study reports the laboratory aspects of a patient with type C hepatitis diagnosed with Covid-19 with an unfavorable evolution, devoting special attention to laboratory tests that were almost normal.

Key words:
pandemics; hepatitis C; coronavirus infections; laboratories hospital

RESUMEN

En febrero de 2020, la Organización Mundial de la Salud (OMS) nombró a la infección por el nuevo coronavirus, que surgió en diciembre de 2019 en China, Covid-19, declarándola como pandemia mundial. No hay mucha evidencia sobre la relación entre enfermedades hepáticas y la Covid-19. Las pruebas de laboratorio han ocupado un lugar fundamental para confirmar la infección, lo que generalmente se hace por la muestra de reacción en cadena de la polimerasa (PCR). El presente estudio reporta los aspectos de laboratorio de un paciente con hepatitis C y diagnóstico de Covid-19 con evolución desfavorable, llamando la atención sobre pruebas de laboratorio con resultados casi normales.

Palabras clave:
pandemias; hepatitis C; infecciones por coronavirus; laboratorios de hospital

Introdução

O coronavírus é um importante patógeno que atinge seres humanos e animais. Em dezembro de 2019, um novo coronavírus foi identificado como causa de um grupo de casos de pneumonia em Wuhan, uma cidade da província de Hubei, na China. Houve uma rápida disseminação desse vírus, que foi atingiu um número crescente de países no mundo todo. Em fevereiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) designou a doença COVID-19, definindo-a como pandemia mundial(11 World Health Organization. Director-General’s remarks at the media briefing on 2019- nCoV on 11 February 2020.).

O presente relato de caso tem como objetivo apresentar os aspectos clínicos, laboratoriais e radiológicos de um paciente do sexo masculino com COVID-19, com evolução da doença hepática nesse perfil epidemiológico, correlacionando os dados com a literatura mundial.

Relato do caso

Paciente do sexo masculino, 45 anos de idade, portador de hepatite C diagnosticada há mais de 10 anos, necessitando de medicamentos para tratamento. Procurou o serviço de emergência de um hospital terciário com quadro de dispneia progressiva há três dias que piorava aos mínimos esforços. Relatou tosse seca e febre (não aferida no serviço). Negou outras queixas associadas e contato com pessoas que apresentassem sintomas semelhantes. Ao exame físico, a pressão arterial era de 120 × 70 mmHg; frequência cardíaca: 115 bpm; frequência respiratória: 24 irpm; saturação: 94% e temperatura axilar: 38,2°C. Paciente em bom estado geral, corado, hidratado, acianótico e anictérico. Nenhuma alteração foi observada na avaliação da boca do paciente. À ausculta pulmonar, sibilos expiratórios difusos e discretos puderam ser ouvidos no terço inferior de ambos os hemitóraces. Devido ao contexto atual, houve suspeita clínica de infecção por COVID-19, e testes laboratoriais foram solicitados, os quais evidenciaram os seguintes resultados: hemoglobina (Hb) - 12,3; leucócitos - 12.302 sem desvio à esquerda; plaquetas - 156.000; ureia - 45; creatinina - 1,1; sódio - 137; potássio - 4,3; proteína C reativa (PCR) - 1,2; gasometria arterial - ph 7,44; PO2 - 82; HCO3 - 24; lactato - 1,8; gama glutamiltransferase (GGT) - 117; aspartato transaminase (AST) - 41; alanina transaminase (ALT) - 43. Enquanto aguardava a realização de exame de RT-PCR, tomografia computadorizada (TC) de tórax foi realizada, que revelou consolidações acompanhadas de opacidades em vidro fosco, extensas em ambos os pulmões (Figura). O paciente foi submetido à oxigenoterapia em cateter nasal, sendo prescrita dipirona intravenosa (IV), além de inalação de broncodilatadores. Foi mantido em isolamento respiratório, para observação. Evoluiu com dessaturação (88%-90%), com necessidade crescente de oxigênio suplementar; foi indicada intubação orotraqueal, sendo encaminhado para unidade de terapia intensiva (UTI). Cinco dias depois, recebeu o resultado de RT-PCR positivo para SARS-CoV-2. No leito da UTI, evoluiu com parada cardiorrespiratória; no monitor, mostrou atividade elétrica sem pulso; protocolo de parada cardiorrespiratória foi implementado. Apesar de todas as medidas, o paciente foi a óbito.

FIGURA
TC de tórax

TC de tórax evidenciando opacidades em vidro fosco extensas em ambos os pulmões; pode-se notar consolidações com broncogramas aéreos, sugerindo processo inflamatório/ infeccioso.

TC: tomografia computadorizada.


Discussão

Não se sabe ao certo se, diante do contexto atual, os pacientes com doença hepática crônica são mais suscetíveis à infecção por SARS-CoV-2. A doença hepática crônica sem a presença de terapia imunossupressora parece não apresentar risco aumentado de adquirir infecção pelo SARS-CoV-2. Ao mesmo tempo, o fígado parece estar mais suscetível à infecção por SARS-CoV-2 devido à presença dos receptores da enzima conversora de angiotensina 2 (ECA2) nas células epiteliais biliares e hepáticas(22 Chai X, Hu L, Zhang Y, Han W. Specific ACE2 expression in cholangiocytes may cause liver damage after 2019-nCoV infection. bioRxiv. 2020.). Os achados laboratoriais mais comuns entre os pacientes infectados por COVID-19 incluem níveis elevados de aminotransferases, enquanto a variação de aumento de AST e ALT é geralmente leve (< 5 vezes o limite superior da normalidade)(33 Huang C, Wang Y, Li X, et al. Clinical features of patients infected with 2019 novel coronavirus in Wuhan, China. Lancet. 2020; 395: 497.). Níveis mais elevados de aminotransferase e hepatite aguda foram relatados na literatura(44 Bertolini A, van de Peppel IP, Bodewes FAJA, et al. Abnormal liver function tests in Covid-19 patients: relevance and potential pathogenesis. Hepatology. 2020.). No presente caso, observamos apenas um discreto aumento nos valores de transaminases em um paciente portador de hepatite C crônica. Em pacientes hospitalizados com COVID-19, foram encontradas alterações bioquímicas com enzimas hepáticas elevadas, mas nem sempre podemos relacionar esse aumento com a manifestação da COVID-19. É necessária uma ampla investigação clínica e laboratorial, como, por exemplo, revisão da lista de medicamentos do paciente e teste sorológico para infecção pelo vírus da hepatite(55 Moon AM, Webb GJ, Aloman C, et al. High mortality rates for Sars-CoV-2 infection in patients with pre-existing chronic liver disease and cirrhosis: Preliminary results from an international registry. J Hepatol. 2020; 73: 705.). No presente caso, devido ao diagnóstico já estabelecido de hepatite C, não foram coletadas novas amostras de soro. No entanto, uma nova coleta de aminotransferases havia sido solicitada na UTI, que nunca foi realizada por conta do desfecho fatal do paciente. Alguns autores afirmam que o uso de remdesivir pode ser benéfico em alguns indivíduos infectados por COVID-19. Naqueles com ALT menor que cinco vezes o limite superior do normal, pode ser uma opção terapêutica para pacientes com doença hepática; naqueles com níveis muito elevados de ALT, a medicação deve ser interrompida(66 Wang M, Cao R, Zhang L, et al. Remdesivir and chloroquine effectively inhibit the recently emerged novel coronavirus (2019-nCoV) in vitro. Cell Res. 2020; 30: 269.). No caso em questão, a hipótese sobre o uso desse medicamento foi considerada pela equipe clínica. Em contrapartida, a literatura não mostra um papel claro para sua utilização, então demos preferência por não utilizá-lo.

Conclusão

O interesse final deste estudo é apresentar o caso de um paciente portador de hepatite C crônica que teve evolução desfavorável. Não encontramos na literatura muitos casos envolvendo portadores de hepatite, portanto, não podemos afirmar se tal condição seria realmente um fator de risco para uma pior evolução da doença. A amostra de RT-PCR tem se mostrando uma ferramenta laboratorial decisiva para o estabelecimento de um diagnóstico definitivo(77 Rente A, Uezato JD, Uezato KMK. Coronavírus e o coração: um relato de caso sobre a evolução da Covid-19 associada à evolução cardiológica. Arq Bras Cardiol [Internet]. 2020; 114(5): 839-42.), sendo muito útil no cenário atual desta pandemia.

References

  • 1
    World Health Organization. Director-General’s remarks at the media briefing on 2019- nCoV on 11 February 2020.
  • 2
    Chai X, Hu L, Zhang Y, Han W. Specific ACE2 expression in cholangiocytes may cause liver damage after 2019-nCoV infection. bioRxiv. 2020.
  • 3
    Huang C, Wang Y, Li X, et al. Clinical features of patients infected with 2019 novel coronavirus in Wuhan, China. Lancet. 2020; 395: 497.
  • 4
    Bertolini A, van de Peppel IP, Bodewes FAJA, et al. Abnormal liver function tests in Covid-19 patients: relevance and potential pathogenesis. Hepatology. 2020.
  • 5
    Moon AM, Webb GJ, Aloman C, et al. High mortality rates for Sars-CoV-2 infection in patients with pre-existing chronic liver disease and cirrhosis: Preliminary results from an international registry. J Hepatol. 2020; 73: 705.
  • 6
    Wang M, Cao R, Zhang L, et al. Remdesivir and chloroquine effectively inhibit the recently emerged novel coronavirus (2019-nCoV) in vitro. Cell Res. 2020; 30: 269.
  • 7
    Rente A, Uezato JD, Uezato KMK. Coronavírus e o coração: um relato de caso sobre a evolução da Covid-19 associada à evolução cardiológica. Arq Bras Cardiol [Internet]. 2020; 114(5): 839-42.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    04 Set 2020
  • Revisado
    11 Set 2020
  • Aceito
    16 Set 2020
  • Publicado
    27 Out 2020
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