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Coronavírus SARS-CoV-2 e Covid-19

O agente responsável pela Covid-19, a síndrome respiratória aguda grave (SARS), é um vírus que pertence à família Coronaviridae, denominado SARS-CoV-2, o qual possui elevada homologia com o vírus causador do surto de SARS em 2003, o SARS-CoV(11 Benvenuto D, Giovanetti M, Ciccozzi A, et al. The 2019-new coronavirus epidemic: evidence for virus evolution. J Med Virol. 2020; 92: 455-9.). O SARS-CoV-2 é um vírus de ácido ribonucleico (RNA), cujo material genético é representado por uma única molécula de RNA positivo (RNA+). Todo o seu genoma contém menos de 30.000 nucleotídeos, cada um deles formado por uma molécula de açúcar (ribose), um ácido fosfórico e uma base nitrogenada. Por ser um vírus RNA, as bases nitrogenadas são adenina, citosina, guanina e uracila. Aproximadamente 29 diferentes proteínas virais são identificadas; entre elas, as mais relevantes são a glicoproteína de pico, reconhecida como proteína S, e a proteína N, do nucleocapsídeo viral(22 Ceraolo C, Giorgi FM. Genomic variance of the 2019-nCoV coronavirus. J Med Virol. 2020. [Epub ahead of print].). A glicoproteína de pico permite a entrada do vírus na célula hospedeira pela ligação ao receptor celular e à fusão da membrana. A proteína do nucleocapsídeo, por sua vez, regula o processo de replicação viral.

O vírus SARS-CoV-2 é classificado como RNA+ devido à sua direção no sentido 5'3', o que significa que pode ser lido diretamente pelas estruturas celulares. É considerado um tipo de RNA mensageiro que, ao ser percorrido por ribossomos celulares, induz a produção de proteínas virais. Outra característica desse tipo de RNA é a presença da enzima replicase (RNA polimerase), a qual acompanha o vírus ou é produzida pela célula infectada, quando então a produção de uma molécula de RNA negativo (RNA-) ocorre a partir da molécula de RNA+, típica do vírus. A molécula de RNA- é transitória e, a partir dela, são produzidas inúmeras moléculas de RNA+ que são idênticas ao RNA+ original. Portanto, a molécula transitória de RNA- serve como modelo para a produção de moléculas de RNA+; cada uma delas descenderá do vírus que infectou a célula; esses descendentes parasitarão a célula e se produzirão no interior dela.

A estrutura viral está representada na Figura 1.

FIGURA 1
Estrutura do SARS-Cov-2

M: membrana lipídica; S: espícula de contato do vírus com receptores celulares; E: envoltório glicoproteico; RNA+: material genético viral; N: capsídeo proteico.


A síntese das novas moléculas de RNA+ ocorre no interior das estruturas vesiculares celulares, denominadas endossomos; eles se organizam assim que o RNA+ viral entra no interior celular. A produção das proteínas virais, por sua vez, ocorre com a participação de ribossomos ligados ao retículo endoplasmático rugoso na presença do complexo de Golgi, onde ocorre a montagem dos vírions (chamados assim porque ainda não são realmente vírus). A ligação do vírus com a célula-alvo ocorre por meio da proteína S, que interage com os receptores celulares - esse processo se assemelha a um pendrive, com uma unidade USB integrada. A Figura 2 representa a imagem da proteína S.

FIGURA 2
Proteína S, responsável pela ligação do vírus à célula hospedeira

Essa proteína entra em contato com o receptor celular proteico, a enzima conversora de angiotensina 2 (ACE2), presente principalmente nas células pulmonares. Com a ligação de ambas as proteínas, o vírus pode invadir a célula. A Figura 3 ilustra o encontro das duas proteínas.

FIGURA 3
União entre a proteína S e o receptor da ACE2

A ACE2 está representada pela cor amarela e corresponderia ao USB de um computador. ACE2: enzima conversora de angiotensina 2.


Após a fusão das proteínas - a do vírus e a do receptor ACE2 -, ocorre a fusão da membrana lipídica do vírus com a membrana plasmática celular, e o vírus ganha o interior da célula, como pode ser observado nas Figuras 4 e 5.

FIGURA 4
Adesão do vírus à membrana celular

FIGURA 5
Vírus internalizado na célula hospedeira

Após a introdução do material genético viral na célula hospedeira, uma vesícula celular é formada (uma espécie de bolsa, chamada endossomo); em seu interior, o vírus é retido e multiplicado. Posteriormente, as moléculas de RNA+ produzidas dentro dos endossomos são liberadas, e a síntese das proteínas virais acontece.

A produção de novas moléculas de RNA+ do vírus ocorre nos endossomos celulares, graças às enzimas replicases já existentes no vírus ingressante. A Figura 6 ilustra resumidamente o procedimento que resulta na produção de novas moléculas de RNA+ do vírus.

FIGURA 6
Esquema da replicação viral

RNA+: ácido ribonucleico positivo; RNA-: ácido ribonucleico negativo.


A molécula de RNA- produzida a partir da molécula de RNA+ atua como modelo para a produção de inúmeras cópias de RNA+, que serão componentes do material genético dos descendentes do vírus que invadiu a célula.

Com as proteínas virais já produzidas, ocorre a montagem dos vírions pela inclusão das moléculas de RNA+ em capsídeos proteicos. À medida que se aproximam da membrana plasmática celular, já totalmente desgastada, os vírions - com seus capsídeos e espículas proteicas - são envolvidos por uma bicamada lipídica, provavelmente originada da membrana plasmática da célula hospedeira, que se abre ao final do processo, liberando grande quantidade de vírus para o exterior. Nesse caso, eles já são descendentes do vírus que invadiu a célula. Alguns trabalhos científicos mostram que, quando novos vírus tentam escapar de uma célula, a célula pode capturá-los com teterinas (proteínas). No entanto, algumas pesquisas sugerem a existência de outra proteína viral, a ORF7 - necessária para a liberação viral -; ela reduziria o suprimento de teterina de uma célula infectada, impedindo a captura dos vírus e permitindo que mais vírus escapassem. Os pesquisadores descobriram ainda que a proteína ORF7 pode desencadear apoptose, ou seja, as células infectadas cometem suicídio, o que contribui para os danos que a Covid-19 causa nas células dos alvéolos pulmonares.

Para ganhar o interior das células hospedeiras, o SARS-CoV-2 depende de uma serina protease chamada TMPRSS2, que possui a capacidade de clivar e ativar a proteína S, permitindo que o vírus se ligue ao receptor da ACE2. Essa ação da serina protease favorece a adesão do vírus à membrana plasmática celular e permite sua entrada no interior da célula, ou seja, nos endossomos(55 Hoffmann M, Schroeder S, Kleine-Weber H, et al. Nafamostat mesylate blocks activation of SARS-CoV-2: new treatment option for COVID-19. Antimicrob Agents Chemother. 2020. doi:10.1128/AAC.00754-20.
https://doi.org/10.1128/AAC.00754-20...
). O mesilato de nafamostato é uma substância geralmente utilizada no tratamento de pancreatite aguda e outras doenças que levam à formação de coágulos sanguíneos. Segundo estudos realizados por pesquisadores dinamarqueses, o mesilato atua sobre a proteína da membrana TMPRSS2, bloqueando sua ação, dificultando a entrada do vírus na célula. Vários estudos estão em andamento com o objetivo de comprovar essa ação bloqueadora na entrada do vírus, o que pode resultar em um tratamento contra o microrganismo(66 Holmes KV, Enjuanes L. The SARS coronavirus: a postgenomic era. Science. 2003; 300 (Issue 5624): 1377-78. Doi: 10.1126/science.1086418.
https://doi.org/10.1126/science.1086418...
). Além das características clínicas, representadas por sintomas como febre, cefaleia, tosse, espirros, mal-estar generalizado, entre outros, há duas possibilidades para o estabelecimento do diagnóstico. Uma delas está relacionada com o reconhecimento do material genético do vírus pelo método de reação em cadeia da polimerase com transcriptase reversa (RT-PCR), a partir de amostras obtidas em secreções nasais e de orofaringe. A segunda possibilidade visa encontrar e reconhecer anticorpos presentes no soro de pacientes supostamente infectados, método conhecido como sorologia para SARS-CoV-2.

O tratamento disponível até o momento depende fundamentalmente dos sintomas apresentados pelo paciente (temperatura corporal elevada e sintomas típicos semelhantes a uma forte gripe). Ainda não existe medicação que atue diretamente nos vírus, como acontece com o oseltamivir, comercialmente conhecido como Tamiflu, utilizado no tratamento da gripe H1N1, que atua sobre a enzima neuraminidase, favorecendo a saída do H1N1 da célula.

Os tratamentos mais comentados para o tratamento da Covid-19 são a cloroquina e seus derivados, hidroxicloroquina e difosfato de cloroquina. O mecanismo de ação dessas substâncias é razoavelmente conhecido e, ao que tudo indica, impede a formação de endossomos celulares e favorece uma discreta elevação do pH celular, fato que dificulta a multiplicação do material genético do vírus. Em alguns hospitais do Brasil e de outros países, a eficácia dessas substâncias é alvo de experimentos controlados, cuja finalidade é evidenciar se são realmente eficazes. Tradicionalmente, essas substâncias, sobretudo a cloroquina, têm sido utilizadas no tratamento de artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistêmico e malária. No entanto, sua utilização, como alertam autoridades de saúde pública e de inúmeros profissionais médicos, pode causar graves efeitos colaterais cardíacos, hepáticos e oculares. Portanto, o tratamento do SARS-CoV-2 com cloroquina precisa ser estabelecido pelo médico assistente e pelo hospital onde se faz o atendimento e ter o consentimento do paciente. É importante destacar que o tratamento com cloroquina ou seus derivados tem sido associado à utilização concomitante do antibiótico azitromicina. Segundo estudos conhecidos, além de atuar como um agente antibacteriano eficiente, a azitromicina possui a propriedade de manter a integridade do revestimento epitelial dos alvéolos pulmonares.

Algumas outras substâncias também são propostas para o tratamento dessa doença viral, todas ainda em fase de comprovação experimental. Entre elas, o lopinavir-ritonavir, ainda em fase de testes. Quanto aos medicamentos geralmente utilizados, tanto no ambiente hospitalar como em casa, existem analgésicos, antitérmicos e anti-inflamatórios, principalmente os corticosteroides, pois os vírus atuam nos órgãos afetados, sobretudo nos pulmões, causando o que chamamos de "tempestade inflamatória" ou "tempestade de citocinas", resultante da atuação das células de defesa do corpo humano.

Discute-se ainda a possibilidade do uso de anticorpos produzidos por pacientes em fase de convalescença, que poderiam ser empregados no tratamento de outros pacientes que necessitam dessas moléculas de defesa antiviral. Ultimamente, levantou-se a hipótese de que o vermífugo ivermectina possa ser utilizado no tratamento, o que será verificado por estudos.

Em pacientes hospitalizados em estado grave, foi realizada a intubação com equipamento adequado e a introdução de oxigênio para propiciar a adequada ventilação dos alvéolos pulmonares. Ainda não existe uma vacina para imunizar as pessoas contra esse vírus. Em alguns países (Israel, por exemplo), a preparação eficiente de uma vacina está em um estágio avançado de prevenção da Covid-19. É preciso aguardar os resultados, o que pode demandar algum tempo para divulgação e utilização.

As medidas preventivas são aquelas habitualmente divulgadas pelas autoridades de saúde pública e pela mídia: evite aglomerações, mantenha distância entre pessoas, permaneça nas residências e dirija-se a algum estabelecimento somente em casos de extrema necessidade, ou seja, adote o isolamento social. O uso de máscaras e luvas também é recomendado, principalmente quando o indivíduo necessita sair de casa. Em muitas cidades, estabelecimentos considerados não essenciais foram fechados, permanecendo abertos apenas os essenciais, como supermercados, farmácias, hospitais e centros de tratamento especialmente construídos e destinados a essa finalidade. Devido a esse cenário, o serviço de entregas tem sido utilizado com bastante frequência em muitas lugares. Como outras medidas para conter a disseminação do vírus, o tráfego entre cidades foi bloqueado para reduzir a possibilidade de propagação.

References

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    Hoffmann M, Schroeder S, Kleine-Weber H, et al. Nafamostat mesylate blocks activation of SARS-CoV-2: new treatment option for COVID-19. Antimicrob Agents Chemother. 2020. doi:10.1128/AAC.00754-20.
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    Holmes KV, Enjuanes L. The SARS coronavirus: a postgenomic era. Science. 2003; 300 (Issue 5624): 1377-78. Doi: 10.1126/science.1086418.
    » https://doi.org/10.1126/science.1086418

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Set 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    30 Jun 2020
  • Revisado
    30 Jun 2020
  • Aceito
    02 Jul 2020
  • Publicado
    09 Set 2020
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