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Interferência da estocagem de sangue contendo os anticoagulantes K2EDTA e K3EDTA na análise automatizada do hemograma

RESUMO

Introdução:

O presente trabalho avaliou as possíveis alterações em diferentes parâmetros do hemograma, como contagem de eritrócitos totais, leucócitos, hematócrito e plaquetas, em relação a diferentes tempos de armazenamento da amostra em ambiente refrigerado e em temperatura ambiente quanto aos efeitos dos anticoagulantes, que podem afetar a variabilidade de seus resultados laboratoriais.

Objetivo:

Comparar as variações presentes na análise do hemograma automatizado, colhido nos tubos contendo ácido etilenodiamino tetra-acético dipotássico (K2EDTA) e tripotássico (K3EDTA).

Material e métodos:

Estudo comparativo realizado para contagem diferencial/absoluta dos leucócitos, determinação de hemoglobina e contagem de hemácias e plaquetas, com o intuito de investigar o anticoagulante que traz menos interferentes na análise do hemograma de acordo com sua estocagem - temperatura de 2°C a 8°C e 25°C (temperatura ambiente) e janela de tempo entre a coleta e a análise de 4, 6 e 8 horas. Essas determinações foram realizadas após homogeneização de cinco a oito inversões pelo aparelho automatizado Sysmex XN-1000TM. Dezoito amostras biológicas de sangue venoso de pacientes com idade superior a 18 anos, sem doenças hematológicas, foram coletadas e utilizadas como controle.

Resultados:

Os resultados foram avaliados por meio de uma análise estatística descritiva, com comparação de médias através da análise de variância (Anova). De acordo com os resultados apresentados, não ocorreram alterações nos parâmetros ao refrigerar a amostra no período de 8 horas, com exceção da contagem de plaquetas, que apresentou oscilações quando armazenadas sob refrigeração de 2°C a 8°C.

Conclusão:

Na temperatura ambiente, os parâmetros volume corpuscular médio (VCM), concentração de hemoglobina corpuscular média (CHCM) e hematócrito apresentaram diferença estatística significante.

Unitermos:
ácido edético; contagem de células sanguíneas; anticoagulantes

ABSTRACT

Introduction:

The present work evaluated the possible alterations in different hemogram parameters as: total erythrocyte count, hematocrit, leukocyte, and platelet count, against different times of sample storage at refrigerated and room temperature towards the effects of anticoagulants that can affect the variation of laboratory results.

Objective:

Compare variations in automated hemogram analysis, with blood collected in tubes containing dipotassium ethylenediaminetetraacetic acid (K2EDTA) and tripotassium ethylenediaminetetraacetic acid (K3EDTA).

Material and methods:

A comparative study was carried out on differential leukocyte count and absolute leukocyte count, hemoglobin determination and red blood cell count and platelet count. Therefore, it researches the anticoagulant that brings less interferences in hemogram analysis according to storage, at temperatures from 2°C to 8°C and 25°C (room temperature), and the time window between collection and analysis (4, 6, and 8 hours). These determinations were carried out after homogenization from five to eight inversions using the automated device Sysmex XN-1000TM. Eighteen biological samples of venous blood were collected, used as control, from patients aged 18 and over that did not have any hematologic disease.

Results:

The results were evaluated through descriptive statistical analysis, and comparison of mean values through the analysis of variance (Anova). In accordance with the results presented, there were not changes in the parameters by refrigerating the sample in the period of 8 hours, except for the platelet count, presenting oscillations when stored under refrigeration from 2°C to 8°C.

Conclusion:

At room temperature, the parameters mean corpuscular volume (MCV), mean corpuscular hemoglobin concentration (MCHC), and hematocrit presented significant statistical differences.

Key words:
edetic acid; blood cell count; anticoagulants

RESUMEN

Introducción:

Este trabajo evaluó los posibles cambios en diferentes parámetros del hemograma, como conteo de eritrocitos totales, leucocitos, hematocrito y plaquetas, con respecto a diferentes tiempos de almacenamiento de la muestra en ambiente refrigerado y temperatura ambiente en cuanto a los efectos de los anticoagulantes, que pueden afectar los resultados del análisis de laboratorio.

Objetivo:

Comparar los cambios presentes en el análisis del hemograma automatizado, recogido en tubos que contienen ácido etilendiaminotetraacético dipotásico (K2EDTA) y tripotásico (K3EDTA).

Material y método:

Estudio comparativo realizado para conteo diferencial/absoluto de leucocitos, determinación de hemoglobina y conteo de eritrocitos y plaquetas, a fin de investigar el anticoagulante que trae menos interferencia en el análisis del hemograma según su almacenamiento - temperatura de 2°C a 8°C y 25°C (temperatura ambiente) y ventana de tiempo entre recuento y análisis de 4, 6, y 8 horas. Se realizaron las determinaciones luego de homogeneizar las muestras con cinco a ocho inversiones en el analizador automatizado Sysmex XN-1000TM. Dieciocho muestras de sangre venosa de pacientes mayores de 18 años, sin enfermedades hematológicas, fueron recogidas y usadas como control.

Resultados:

Se evaluaron los resultados mediante un análisis descriptivo, con comparación de medias por análisis de la varianza (Anova). De acuerdo con los resultados, no hubo cambios en los parámetros enfriándose la muestra en el período de 8 horas, a excepción del recuento de plaquetas, que presentó oscilaciones bajo refrigeración (2°C-8°C).

Conclusión:

A temperatura ambiente, los parámetros volumen corpuscular medio (VCM), concentración de hemoglobina corpuscular media (CHCM) y hematocrito presentan diferencia estadísticamente significativa.

Palabras clave:
ácido edético; recuento de células sanguíneas; anticoagulantes

INTRODUÇÃO

O hemograma é o exame laboratorial mais solicitado na prática médica: possibilita a avaliação dos principais componentes do sangue periférico, fundamentando qualquer avaliação hematológica para diagnóstico de doenças(11 Dalanhol M, Barros M, Mazuchelli Jr, et al. Efeitos quantitativos da estocagem de sangue periférico nas determinações do hemograma automatizado. Rev Bras Hematol Hemoter. 2010; 32(1): 16-22.).

Durante a investigação das funções e disfunções do sangue, é imprescindível que, dentro do possível, os laboratórios não forneçam resultados imprecisos devido a erros operacionais; portanto, deve-se ter cuidado com os erros na metodologia utilizada para obter esse material. O método de coleta, armazenamento e transporte de amostras para o laboratório influencia diretamente o resultado, comprometendo a confiabilidade dos dados e prejudicando a conduta do profissional de saúde para realizar o diagnóstico(22 Bain BJ, Lewis SM, Bates I. Hematologia prática de Dacie e Lewis. 9 ed. Porto Alegre: Artmed; 2006.).

Atualmente, muitos laboratórios clínicos estão equipados com equipamentos automatizados modernos, capazes de processar grandes quantidades de amostras hematológicas de modo eficiente e em tempo oportuno. É indispensável que as amostras sejam coletadas corretamente e que o anticoagulante adequado seja utilizado, para garantir a confiabilidade dos resultados obtidos pelo equipamento(33 de Baca M, Gulati G, Kocher W, Schwarting R. Effects of storage of blood at room temperature on hematologic parameters measured on Sysmex XE-2100. Lab Medicine. 2006; 37(1): 28-36.).

O anticoagulante comumente utilizado é o ácido etilenodiamino tetra-acético (EDTA) - um composto orgânico com função quelante de íons metálicos que, no sangue, atua sequestrando o cálcio plasmático disponível, inibindo a cascata de coagulação. É o anticoagulante de escolha, pois não altera a morfologia eritrocitária, tornando-se ideal para uso em hematologia(33 de Baca M, Gulati G, Kocher W, Schwarting R. Effects of storage of blood at room temperature on hematologic parameters measured on Sysmex XE-2100. Lab Medicine. 2006; 37(1): 28-36.,44 Patel N. Why is EDTA the anticoagulant of choice for hematology use? BD Diagnostic. 2009.).

Existem três formas disponíveis de EDTA: dissódico (Na2EDTA), dipotássico (K2EDTA) e tripotássico (K3EDTA)(44 Patel N. Why is EDTA the anticoagulant of choice for hematology use? BD Diagnostic. 2009.). O K3EDTA é colocado dentro do tubo na forma líquida, o que causa uma leve diluição da amostra. Em casos de armazenamento prolongado ou alteração na relação anticoagulante/sangue utilizando o K3EDTA, pode-se notar alteração no tamanho médio do eritrócito. O K2EDTA é dispensado em pó, portanto, não causa variação no volume/diluição da amostra coletada, tornando-se a opção recomendada para a coleta de amostras(33 de Baca M, Gulati G, Kocher W, Schwarting R. Effects of storage of blood at room temperature on hematologic parameters measured on Sysmex XE-2100. Lab Medicine. 2006; 37(1): 28-36.,44 Patel N. Why is EDTA the anticoagulant of choice for hematology use? BD Diagnostic. 2009.).

Diversos fatores pré-analíticos alteram o resultado obtido após a análise. Alguns estudos afirmam que o excesso de EDTA pode diminuir o valor do hematócrito e do volume corpuscular médio (VCM) devido à hipertonicidade do plasma com concentração iônica aumentada, causando aumento da concentração de hemoglobina corpuscular média (CHCM), sem alterar a concentração de hemoglobina; essas alterações são mais pronunciadas com o uso do K3EDTA(44 Patel N. Why is EDTA the anticoagulant of choice for hematology use? BD Diagnostic. 2009.

5 Oliveira AC, Ribeiro F, José D, et al. Concentração de anticoagulante, tempo e temperatura de armazenagem sobre os parâmetros hematológicos no hemograma automatizado. Ciência Rural. 2010; 40: 2521-6.

6 Goossens W, van Duppen V, Verwilghen RL. K2- or K3-EDTA: the anticoagulant of choice in routine haematology? Clin Lab Haematol. 1991; 13(3): 291-5.
-77 da Silva PH, Alves HB, Comar SR, Henneberg R, Merlin JC, Stinghen ST. Hematologia laboratorial. Teoria e procedimentos. Porto Alegre: Artmed; 2016.).

Goossens et al. (1991)(66 Goossens W, van Duppen V, Verwilghen RL. K2- or K3-EDTA: the anticoagulant of choice in routine haematology? Clin Lab Haematol. 1991; 13(3): 291-5.) relatam que amostras com altas concentrações de K3EDTA apresentam uma queda acentuada na contagem de leucócitos (menos de 50% do valor original, 24 horas após coleta do material).

A coleta de sangue com volume menor que o recomendado de K3EDTA (proporção de 0,1 ml de EDTA para 5 ml de sangue) aumenta a incidência de artefatos; é possível observar crenação e esferação eritrocitária(11 Dalanhol M, Barros M, Mazuchelli Jr, et al. Efeitos quantitativos da estocagem de sangue periférico nas determinações do hemograma automatizado. Rev Bras Hematol Hemoter. 2010; 32(1): 16-22.

2 Bain BJ, Lewis SM, Bates I. Hematologia prática de Dacie e Lewis. 9 ed. Porto Alegre: Artmed; 2006.

3 de Baca M, Gulati G, Kocher W, Schwarting R. Effects of storage of blood at room temperature on hematologic parameters measured on Sysmex XE-2100. Lab Medicine. 2006; 37(1): 28-36.
-44 Patel N. Why is EDTA the anticoagulant of choice for hematology use? BD Diagnostic. 2009.).

O tempo e a temperatura de armazenamento também são importantes. Dalanhol et al. (2010)(11 Dalanhol M, Barros M, Mazuchelli Jr, et al. Efeitos quantitativos da estocagem de sangue periférico nas determinações do hemograma automatizado. Rev Bras Hematol Hemoter. 2010; 32(1): 16-22.) declaram que refrigerar amostras atrasam alterações, mas não impede seu acontecimento e que amostras mantidas em temperatura ambiente ou aquecidas apresentam alterações mais precoces. Eles também afirmam que as amostras de sangue em temperatura ambiente por mais de 12 horas ou na geladeira por mais de 24 horas causam elevação indevida do VCM e do hematócrito, além de diminuição da CHCM com níveis normais de hemoglobina.

O objetivo deste trabalho é avaliar as possíveis alterações em diferentes parâmetros do hemograma em diferentes tempos de armazenamento e em temperatura ambiente e refrigerada, e como os efeitos das variações de anticoagulantes EDTA (K2 e K3) podem afetar a variabilidade de seus resultados laboratoriais. Para tanto, foi realizado um estudo comparativo entre contagem diferencial/absoluta de leucócitos, determinação de hemoglobina e contagem de hemácias e plaquetas para evidenciar qual anticoagulante utilizado apresenta menor taxa de interferência nos resultados da análise do hemograma.

MATERIAL E MÉTODOS

Estudo experimental comparativo, para o qual foram coletadas 18 amostras biológicas de sangue venoso como controle, em indivíduos com idade superior a 18 anos sem doenças hematológicas. Os pacientes foram informados sobre o estudo e consentiram a coleta das amostras. As coletas foram realizadas em triplicatas para cada participante: 4 ml de sangue conforme procedimento padrão, utilizando agulhas estéreis com adaptadores para coleta a vácuo em tubos de hemograma contendo os anticoagulantes K2EDTA e K3EDTA, por meio de punção venosa. As amostras sanguíneas foram divididas em dois grupos de armazenamento: temperatura refrigerada (2°C a 8°C) e temperatura ambiente (25°C), com as seguintes análises:

  • parâmetros eritrocitários - contagem de eritrócitos (RBC), hemoglobina, hematócrito, VCM, hemoglobina corpuscular média (HCM) e CHCM;

  • contagem de leucócitos totais (WBC), incluindo neutrófilos, monócitos, eosinófilos e basófilos;

  • contagem de plaquetas. As análises foram realizadas em diferentes tempos de estocagem: 4, 6 e 8 horas.

Essas análises foram realizadas após homogeneização, invertendo as amostras oito vezes, usando o aparelho automatizado Sysmex Xn-1000TM e o método de citometria de fluxo para contagem de eritroblastos (NRBC); realização da diferencial de 6 partes, que inclui o parâmetro de granulócitos imaturos.

Entre as 18 amostras biológicas coletadas, seis foram armazenadas à temperatura ambiente (25°C); as outras 12 foram armazenadas sob refrigeração (2°C a 8°C). As amostras foram processadas no contador hematológico nos tempos de 4, 6 e 8 horas após a coleta.

Os resultados foram avaliados por meio de uma análise estatística descritiva e com comparação de médias pela análise de variância (Anova).

RESULTADOS

A contagem de eritrócitos apresentou um perfil com pouca variação, tanto para amostras refrigeradas quanto para em temperatura ambiente. Entretanto, amostras refrigeradas com K2EDTA apresentaram aumento da média na quarta hora, variando, em média, 4,24 milhões de eritrócitos/µl (Tabela 1).

TABELA 1
Perfil médio dos parâmetros do eritrograma, conforme temperatura e tempo de estocagem, Contagem de eritrócitos, hemoglobina e hematócrito

O K3EDTA em temperatura ambiente alcançou maior estabilidade, da primeira à quarta hora; a média foi de 12,6 g/dl, caindo para 12,57 g/dl na sexta hora; estabilidade foi observada até a oitava. O K2EDTA refrigerado entre 2°C e 8°C apresentou elevação mínima da quarta à sexta hora (12,42 a 12,47 g/dl). Não foi possível observar variação estatística para nenhuma das temperaturas (Tabela 1).

Na análise de hematócrito, para amostras à temperatura ambiente, a média variou de 36,77% a 38,5%. Um aumento a partir da quarta hora de armazenamento foi observado, o que resultou em diferença estatística. Nas amostras refrigeradas, isso não ocorreu, resultando em pequena variação das médias: 37,15% a 37,55% (Tabela 1).

Os resultados das análises obtidas para os valores médios de VCM foram os mesmos para ambas as temperaturas na primeira hora de armazenamento (85 fl a 87 fl). O perfil médio à temperatura ambiente variou de 85 fl a 89 fl, até a quarta hora de armazenamento.

Nas amostras refrigeradas, houve variação utilizando o K2EDTA; foi observada diminuição na média da quarta para a sexta hora, ocorrendo elevação novamente na oitava hora. As amostras refrigeradas utilizando K3EDTA apresentaram estabilidade durante todo tempo de armazenamento (85 fl). Devido a variações mínimas, não foi observada diferença estatística (Tabela 1).

Na análise do perfil médio do CHCM, verificou-se variação notável em relação à temperatura ambiente. Na primeira hora, a média obtida foi de 33%; na quarta hora, variou para 32%, se estabilizando até a sexta hora em 33%. Com amostras refrigeradas, a variação foi entre 32% e 34%; o K2EDTA foi estabilizado a partir da quarta hora em 33%, até a oitava hora de armazenamento (Tabela 1).

No resultado do perfil médio do HCM, os valores médios foram homogêneos, com pouca variação para as duas temperaturas, em média, de 28 pg a 29 pg durante o período de 8 horas; houve diferença estatística significativa (Tabela 1).

Em relação à contagem de leucócitos totais, as amostras mantidas à temperatura ambiente com K2EDTA apresentaram variação após 6 horas de armazenamento, com média de 8,48 leucócitos/mm3, sofrendo elevação na oitava hora, com 8,54 leucócitos/mm3. O K3EDTA não sofreu variação significativa, permanecendo com 8,55-8,65 leucócitos/mm3 durante todo o tempo de armazenamento. As amostras refrigeradas sofreram variação de 8,38-8,33 leucócitos/mm3, sem diferença estatística. (Tabela 2).

TABELA 2
Perfil médio dos parâmetros do leucograma, conforme temperatura e tempo de estocagem

Na análise de neutrófilos, observou-se variação nos resultados das amostras à temperatura ambiente, mais especificamente o K2EDTA; foi possível observar elevação no número de neutrófilos após 4 horas de armazenamento, passando de 4,79 a 4,92 neutrófilos/mm3. Da sexta à oitava hora, o valor foi estabilizado em 4,83 neutrófilos/mm3. Nas amostras com K3EDTA à temperatura ambiente, não foi observada variação significante na média durante todo o período de armazenamento (variação de 4,9 a 5 neutrófilos/mm3). Nas amostras refrigeradas, não foram observadas oscilações significativas entre as médias; os valores variaram entre 5,53 e 7,49 neutrófilos/mm3 (Tabela 2).

No perfil médio da contagem de linfócitos, houve variação entre as temperaturas de armazenamento. No K2EDTA refrigerado, foi observada diminuição contínua de linfócitos na primeira hora de armazenamento (2,98 linfócitos/mm3) até a sexta hora (2,9 linfócitos/mm3); na oitava hora, a média foi de 2,94 linfócitos/mm3. O K3EDTA à temperatura ambiente mostrou-se homogêneo, não apresentando variações consideráveis em sua média (2,92 a 2,94 linfócitos/mm3). As amostras refrigeradas apresentaram maior estabilidade, sem variações significativas em suas médias (2,87 e 4,17 linfócitos/mm3) (Tabela 2).

Na análise dos monócitos, observou-se uma pequena variação nas amostras mantidas à temperatura ambiente, utilizando, especificamente, K2EDTA; houve aumento da média após 4 horas de armazenamento (0,57 para 0,63 monócitos/mm3). A partir da sexta hora, leve diminuição foi verificada; houve estabilidade até a oitava hora de armazenamento (0,58 monócitos/mm3). O K3EDTA à temperatura ambiente apresentou elevação na sexta hora de armazenamento (0,54 para 0,56 monócitos/mm3), retornando à sua média inicial de 0,54 monócitos/mm3 na oitava hora. As amostras refrigeradas não apresentaram variação relevante, sem resultados estatisticamente significantes (Tabela 2).

Na contagem de eosinófilos, a variação de todas as temperaturas foi constante durante todo o tempo de armazenamento, sem apresentar diferença estatística significativa (Tabela 2).

Analisando a contagem de basófilos, a variação em relação à temperatura ambiente e à refrigerada foi homogênea durante todo o período de armazenamento, não resultando em diferença estatística significativa (Tabela 2).

Variação significativa foi observada na contagem de plaquetas. À temperatura ambiente, a média variou de 260.000 a 278.000/mm3. Sob refrigeração, houve diminuição, variando de 272.000 a 196.000/mm3. Essa diminuição ocorreu entre a primeira e a quarta hora, passando de 272.000 para 200.000/mm3 e chegando a 196.000/mm3 até a oitava hora de armazenamento; isso gerou diferença estatística para as duas temperaturas (Figura).

FIGURA
Perfil médio dos parâmetros do plaquetograma, conforme temperatura e tempo de estocagem

DISCUSSÃO

Neste estudo, não houve significância estatística na contagem de eritrócitos entre os grupos K2EDTA e K3EDTA e, após o período de 8 horas, não foi possível observar alterações quantitativas nem morfológicas nas células. Nos casos em que se excede a concentração de EDTA, é possível observar crenação e esferação acentuada em poucas horas(22 Bain BJ, Lewis SM, Bates I. Hematologia prática de Dacie e Lewis. 9 ed. Porto Alegre: Artmed; 2006.,44 Patel N. Why is EDTA the anticoagulant of choice for hematology use? BD Diagnostic. 2009.,82 Bain BJ, Lewis SM, Bates I. Hematologia prática de Dacie e Lewis. 9 ed. Porto Alegre: Artmed; 2006.).

Ao analisar resultados obtidos de amostras em temperatura ambiente, verificamos que o hematócrito se elevou devido ao aumento no volume eritrocitário, demonstrando variação estatística significante. Porém, as amostras sob refrigeração mantiveram seus valores estáveis. Em diferentes estudos, os valores de hematócrito e VCM sofreram elevação concomitante(11 Dalanhol M, Barros M, Mazuchelli Jr, et al. Efeitos quantitativos da estocagem de sangue periférico nas determinações do hemograma automatizado. Rev Bras Hematol Hemoter. 2010; 32(1): 16-22.,44 Patel N. Why is EDTA the anticoagulant of choice for hematology use? BD Diagnostic. 2009.,99 Joshi A, McVicker W, Segalla R, et al. Determining the stability of complete blood count parameters in stored blood samples using the Sysmex XE-5000 automated haematology analyser. Int J Lab Hematol. 2015; 37(5): 705-14.,1010 Seniv L, Simionatto M, Cruz BR, Borato DCK. Análise da temperatura, do tempo e da relação sangue/anticoagulante no hemograma. Rev Bras Análises Clínicas. 2017; 49(2): 181-8.). Nos valores de CHCM de amostras em temperatura ambiente, houve leve oscilação após a quarta hora, retornando à estabilidade após a sexta hora. Segundo De Baca et al. (2006)(33 de Baca M, Gulati G, Kocher W, Schwarting R. Effects of storage of blood at room temperature on hematologic parameters measured on Sysmex XE-2100. Lab Medicine. 2006; 37(1): 28-36.), a diminuição do CHCM pode ocorrer ao submetermos amostras a períodos prolongados de armazenamento.

Embora tenha sido observada oscilação nos valores obtidos de CHCM, essa diferença não ocorreu nos valores de concentração de hemoglobina; houve estabilidade em ambos os anticoagulantes, em todas as temperaturas.

Quanto aos resultados de HCM, houve estabilidade nos resultados, sem ocasionar relevância estatística para as amostras durante o período analisado.

Os resultados da contagem de leucócitos não apresentaram diferença estatística significativa para nenhuma das temperaturas durante todo o período analisado. Sabe-se que a contagem de leucócitos pode ser alterada em excesso de EDTA devido à diluição da amostra, afetando a contagem diferencial. Esse problema é contornado ao realizar a análise dentro de 24 horas após o armazenamento sob refrigeração(22 Bain BJ, Lewis SM, Bates I. Hematologia prática de Dacie e Lewis. 9 ed. Porto Alegre: Artmed; 2006.,88 Bain BJ. Células sanguíneas: um guia prático. 5 ed. Porto Alegre: Artmed; 2016.,112 Bain BJ, Lewis SM, Bates I. Hematologia prática de Dacie e Lewis. 9 ed. Porto Alegre: Artmed; 2006.).

Os resultados da contagem de linfócitos, neutrófilos e monócitos não apresentaram diferença estatística, porém foi observada maior estabilidade em amostras refrigeradas.

Estudos mostram que neutrófilos e monócitos são mais sensíveis e linfócitos são mais estáveis no armazenamento com EDTA(44 Patel N. Why is EDTA the anticoagulant of choice for hematology use? BD Diagnostic. 2009.,1212 Reardon DM, Warner B, Trowbridge EA. EDTA, the traditional anticoagulant of haematology: with increased automation is it time for a review? Med Lab Sci. 1991; 48(1): 72-5.).

Os resultados obtidos no plaquetograma apresentaram uma diminuição progressiva à temperatura ambiente, mas sem diferença estatística, enquanto as amostras refrigeradas apresentaram diminuição considerável na contagem de plaquetas, com diferença estatística importante, que pode ter sido causada por aglutinação espontânea.

Amostras coletadas com EDTA podem sofrer aglutinação espontânea ou satelitismo plaquetário - aglutinação EDTA-dependente por anticorpos de imunoglobulina da classe M (IgM) ou da classe G (IgG), que possuem maior poder de aglutinação quando mantidos em baixas temperaturas -, diminuindo seus valores, o que impede uma análise mais fidedigna(1313 Oliveira RAG. Hemograma: como fazer e interpretar. São Paulo: LPM; 2007.).

CONCLUSÃO

Ao avaliar os resultados obtidos, foi possível verificar que a maioria dos parâmetros do hemograma permanece estável quando as amostras são refrigeradas de 2°C a 8°C e, quando armazenadas à temperatura ambiente, a variação é mais acentuada. As amostras refrigeradas não sofreram alterações significantes nos parâmetros quando analisadas em um período de 8 horas, exceto as análises plaquetárias, nas quais houve alterações relevantes.

Fatores da fase pré-analítica, como temperatura e tempo de armazenamento, podem interferir na variabilidade dos parâmetros do hemograma na rotina de um laboratório clínico, bem como acarretar resultados equivocados.

A correta relação anticoagulante/sangue é um fator muito importante para obter resultados com menores oscilações para os parâmetros hematológicos analisados.

De acordo com o presente estudo e com diversos outros consultados, concluímos que o armazenamento de amostras de sangue não interfere na contagem de hemácias e leucócitos, nem na dosagem de concentração de hemoglobina. Entretanto, torna-se inviável avaliar outros parâmetros após o período de 8 horas, independentemente da forma de armazenamento. Nota-se também uma diminuição acentuada na contagem plaquetária; portanto, é necessário contar e analisar os parâmetros de coagulação o mais rápido possível após a recepção da amostra.

A escolha do K2EDTA é recomendada, pois evita chances de coleta com quantidade incorreta de sangue que interfere na relação anticoagulante/sangue, como geralmente ocorre quando o K3EDTA é utilizado. Devemos sempre respeitar a proporção correta de anticoagulante/sangue no momento da coleta e evitar a análise do hemograma após longos períodos de armazenamento da amostra, visando manter a integridade e as características morfológicas do sangue, proporcionando um resultado confiável para o diagnóstico.

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  • 13
    Oliveira RAG. Hemograma: como fazer e interpretar. São Paulo: LPM; 2007.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Maio 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    30 Ago 2019
  • Revisado
    03 Set 2019
  • Aceito
    04 Set 2019
  • Aceito
    14 Maio 2020
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