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Perfil sociodemográfico e clinicopatológico de 80 casos de carcinoma de células escamosas de boca

RESUMO

Objetivo:

Traçar o perfil sociodemográfico e clinicopatológico dos casos de biópsia incisional de carcinoma de células escamosas bucal (CCEB) coletados no Instituto de Saúde de Nova Friburgo da Universidade Federal Fluminense (ISNF/UFF) e no Hospital Municipal Raul Sertã (HMRS).

Métodos:

Os arquivos do Laboratório de Patologia Oral foram revisados, e todos os casos de CCEB foram primariamente selecionados. Os casos oriundos do ISNF/UFF e do HMRS foram selecionados e tiveram seus dados demográficos coletados a partir dos prontuários. As características clínicas foram avaliadas com base nas fotografias das lesões tiradas no dia da biópsia e nas informações descritas nas fichas de requisição laboratorial. As lâminas histopatológicas foram revisadas posteriormente.

Resultados:

Oitenta casos de CCEB foram identificados. A maioria dos pacientes era do sexo masculino (56,7%), com idade média de 60 anos, tabagista (62,71%) e/ou etilista (44,55%). A localização anatômica mais acometida foi a língua (39,49%), apresentando-se, principalmente, como uma úlcera (39,49%). Microscopicamente, as lesões bem diferenciadas foram as mais comuns (35,44%), e a média de mitoses quantificada foi de 5,5/10 campos de grande aumento.

Conclusão:

O perfil dos pacientes com CCEB em Nova Friburgo reflete, em parte, a literatura mundial, com destaque para as seguintes diferenças: baixo número médio de mitoses encontradas na análise histopatológica e prevalência de lesões bem diferenciadas. Tais diferenças podem ser resultado das variações características da população local, reforçando a importância da realização de estudos epidemiológicos que evidenciem as particularidades de CCEB em diferentes regiões.

Unitermos:
carcinoma de células escamosas bucal; epidemiologia; censo; medicina bucal; patologia bucal

ABSTRACT

Objective:

To describe demographic and clinicopathologic profile of oral squamous cell carcinoma (OSCC) cases from incisional biopsies collected at the Nova Friburgo Health Institute of the Fluminense Federal University [Instituto de Saúde de Nova Friburgo da Universidade Federal Fluminense (ISNF/UFF)] and at the Raul Sertã Municipal Hospital [Hospital Municipal Raul Sertã (HMRS)].

Methods:

Oral Pathology Laboratory records from the ISNF/UFF were reviewed and all cases of OSCC were primarily selected. Cases from ISNF/UFF and HMRS were selected and had their demographic data collected from the medical records. Clinical characteristics were evaluated using the images of the lesions taken on the biopsy day and the laboratory files. The histological slides were later reviewed.

Results:

Eighty cases of OSCC were identified. Most patients were male (56.7%), with a mean age of 60 years, smoker (62.71%) and/or alcoholic (44.55%). The most affected anatomic site was the tongue (39.49%), presenting mainly as an ulcer (39.49%). Microscopically, the well-differentiated lesions were more common (35.44%), and the mean counting of mitoses was 5.5/10 high-power field.

Conclusion:

The profile of OSCC patients in Nova Friburgo partly reflects the world literature, with emphasis on the following differences: low average number of mitoses found in the histopathological analysis and prevalence of well-differentiated lesions. Such differences may be a result of the characteristic variations of the local population, reinforcing the importance of conducting epidemiological studies that demonstrate OSCC peculiarities in different regions.

Key words:
oral squamous cell carcinoma; epidemiology; census; oral medicine; oral pathology

RESUMEN

Objetivo:

Trazar el perfil sociodemográfico y clínico de los casos de biopsia incisional de carcinoma oral de células escamosas (COCE) recogidos en el Instituto de Saúde de Nova Friburgo de la Universidade Federal Fluminense (ISNF/UFF) y en el Hospital Municipal Raul Sertã (HMRS).

Métodos:

Se revisaron los archivos del Laboratorio de Patología Oral, y todos los casos de COCE han sido primariamente seleccionados. Los casos procedentes del ISNF/UFF y del HMRS han sido seleccionados y sus datos demográficos han sido recogidos a partir de los historiales médicos. Las características clínicas fueron evaluadas basándose en las fotografías de las lesiones sacadas en el día de la biopsia y en las informaciones descriptas en las boletas de solicitud del laboratorio. Los portaobjetos histopatológicos fueron posteriormente revisadas.

Resultados:

Ochenta casos de COCE fueron identificados. La mayoría de los pacientes era del sexo masculino (56,7%), con edad media de 60 años, fumadores (62,71%) y/o alcohólicos (44,55%). La localización anatómica más afectada fue la lengua (39,49%), presentándose, principalmente, como una úlcera (39,49%). Microscópicamente, las lesiones bien diferenciadas fueron las más comunes (35,44%), y la media de mitosis cuantificada fue de 5,5/10 campos de aumento mayor.

Conclusión:

El perfil de los pacientes con COCE em Nova Friburgo refleja, parcialmente, la literatura mundial, destacando las siguientes diferencias: bajo número medio de mitosis encontradas en el análisis histopatológico y prevalencia de lesiones bien diferenciadas. Dichas diferencias pueden ser resultado de variaciones características de la población local, reforzando la importancia de la realización de estudios epidemiológicos que evidencien las particularidades de COCE en diferentes regiones.

Palabras clave:
carcinoma oral de células escamosas; epidemiología; censo; medicina oral; patología bucal

INTRODUÇÃO

O câncer de boca representa um grande problema de saúde no cenário mundial; é o sétimo tipo de câncer mais comum para os homens e o décimo segundo para as mulheres(11 Bray F, Ferlay J, Soerjomataram I, Siegel RL, Torre LA, Jemal A. Global cancer statistics 2018: GLOBOCAN estimates of incidence and mortality worldwide for 36 cancers in 185 countries. CA Cancer J Clin. 2018; 68(6): 394-424.). O Brasil é o país com a maior incidência de neoplasias malignas de boca na América do Sul, e mais de 90% dos casos são representados pelo carcinoma de células escamosas bucal (CCEB)(22 Leite AA, Leonel ACLS, Castro JFL, et al. Oral squamous cell carcinoma: a clinicopathological study on 194 cases in northeastern Brazil. A crosssectional retrospective study. Sao Paulo Med J. 2018; 136(2): 165-9.).

O CCEB acomete principalmente homens adultos entre a sexta e a sétima décadas de vida. Os sítios mais acometidos são língua (borda lateral e 2/3 anteriores), orofaringe (1/3 posterior da língua e palato mole), lábios, assoalho, gengiva, palato duro e mucosa jugal. As lesões pequenas são, normalmente, assintomáticas, enquanto as lesões avançadas, que costumam ser as mais comuns, podem estar associadas a dor, halitose, dificuldades na fala, mastigação e deglutição(33 Oliveira MLC, Wagner VP, Sant'ana Filho M, Carrard VC, Hugo FN, Martins MD. A 10-year analysis of the oral squamous cell carcinoma profile in patients from public health centers in Uruguay. Braz Oral Res. 2015; 29.,44 Marocchio LS, Lima J, Sperandio FF, Corrêa L, Sousa SOM. Oral squamous cell carcinoma: an analysis of 1,564 cases showing advances in early detection. J Oral Sci. 2010; 52(2): 267-73.). O consumo de álcool e/ou tabaco é considerado um importante fator de risco para o desenvolvimento do CCEB. Em pacientes que não fumam e não bebem, outros fatores como papilomavírus humano (HPV), dieta e predisposição genética podem aumentar o risco de desenvolver a doença, contudo, o papel desses fatores ainda não está bem esclarecido(55 Goldemberg DC, Araújo LHL, Antunes HS, Melo AC, Santos Thuler LC. Tongue cancer epidemiology in Brazil: incidence, morbidity and mortality. Head Neck. 2018; 40(8): 1834-44.). No caso específico do CCEB de lábio, a radiação ultravioleta (RUV) é o principal fator etiológico(66 Santos HBP, Santos TKG, Paz AR, et al. Clinical findings and risk factors to oral squamous cell carcinoma in young patients: a 12-year retrospective analysis. Med Oral Patol Oral Cir Bucal. 2016; 21(2): e151-156.). Além disso, estudos apontam que populações com nível socioeconômico baixo têm mais risco de desenvolvimento de câncer de boca em comparação com populações com nível socioeconômico alto(77 Krishna A, Singh RK, Singh S, Verma P, Pal US, Tiwari S. Demographic risk factors, affected anatomical sites and clinicopathological profile for oral squamous cell carcinoma in a north Indian population. Asian Pac J Cancer Prev. 2014; 15(16): 6755-60.).

É importante conhecer os fatores de risco mais prevalentes e os principais sítios de acometimento do CCEB em uma determinada população para identificar as variações regionais, auxiliar na compreensão do comportamento clínico da malignidade e ter a possibilidade de ajudar no desenvolvimento de campanhas mais direcionadas de prevenção do câncer de boca. Nesse contexto, este trabalho visa avaliar o perfil sociodemográfico e clinicopatológico dos casos de CCEB de pacientes atendidos na Clínica de Estomatologia do Instituto de Saúde de Nova Friburgo da Universidade Federal Fluminense (ISNF/UFF) e no Hospital Municipal Raul Sertã (HMRS) e diagnosticados pelo Laboratório de Patologia Oral do ISNF/UFF.

MÉTODOS

Estudo transversal retrospectivo aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos (CAAE nº 3799.0.000.25809 e CAAE nº 70875617.8.0000.5626). Todas as fichas de requisição anatomopatológica do Laboratório de Patologia Oral do ISNF/UFF foram revisadas e todos os casos de CCEB foram selecionados, tanto os da Clínica de Estomatologia do ISNF/UFF e quanto os do HMRS.

As informações sociodemográficas (sexo, idade e hábitos de tabagismo e etilismo) foram coletadas a partir da ficha de requisição anatomopatológica e do prontuário odontológico.

Para análise clínica, além das informações contidas nas fichas de requisição, os prontuários odontológicos foram acessados e as fotografias das lesões no dia do diagnóstico foram avaliadas a fim de se obter o tipo de lesão e sua localização.

As lâminas coradas em hematoxilina e eosina (HE) foram acessadas a partir de dados do arquivo de lâminas e blocos do Laboratório de Patologia Oral do ISNF/UFF; as características microscópicas, como grau de diferenciação histopatológica, presença de inflamação, vascularização e número de mitoses por 10 campos na objetiva de 40× foram avaliadas.

RESULTADOS

Foram identificados 80 casos de CCEB diagnosticados no Laboratório de Patologia Oral do ISNF/UFF de pacientes atendidos na Clínica de Estomatologia do ISNF/UFF e/ou no HMRS (Tabela). Cinquenta e seis pacientes eram do sexo masculino (70%) e a faixa etária variou entre 39 e 89 anos, com idade média de 60 anos; os homens tinham idade média de 58,6 anos e as mulheres, de 63,4 anos. Sessenta e dois pacientes eram tabagistas (78%); 44, etilistas (55%); 44, tabagistas e etilistas (55%); e 18, não tabagistas e não etilistas (22%).

TABELA
Resumo das características sociodemográficas e clinicopatológicas dos 80 casos de CCEB diagnosticados no Laboratório de Patologia Oral do ISNF/UFF

A localização mais comum foi a língua (39 casos, 49%). Os casos de CCEB localizavam-se na borda lateral (16 casos, 41%), na base (14 casos, 36%) e no ventre (nove casos, 23%); a forma de apresentação mais observada foi a úlcera (39 casos, 49%) (Figura 1).

FIGURA 1
Principais locais de acometimento dos 80 casos de CCEB diagnosticados no Laboratório de Patologia Oral do ISNF/UFF

A) placa branca heterogênea em borda lateral de língua do lado direito; B) úlcera de bordas elevadas em assoalho de boca do lado direito; C) nódulo de superfície crostosa em lábio inferior do lado direito.

CCEB: carcinoma de células escamosas bucal; ISNF/UFF: Instituto de Saúde de Nova Friburgo da Universidade Federal Fluminense.


A característica histopatológica mais observada em todos os casos foi a presença de infiltração do tecido epitelial de superfície no tecido conjuntivo, o que caracteriza o CCEB. Em relação ao grau de diferenciação histopatológica, a maioria foi classificada como CCEB bem diferenciado (35 casos, 44%) ou moderadamente diferenciado (33 casos, 41%) (Figura 2). O número de mitoses por caso de CCEB variou entre 0 e 30, com média de 5,5 por caso. Todas as lesões apresentaram algum grau de inflamação na análise histopatológica (100%), e a maioria dos casos apresentou vascularização normal (69 casos, 87%). Em 39 casos, outras alterações histopatológicas foram observadas: infiltração muscular (11 casos, 28%), infiltração glandular (seis casos, 15%), células claras (quatro casos, 10%), infiltração neural (três casos, 8%), acantólise (dois casos, 5%), calcificação (dois casos, 5%), infiltração vascular (dois casos, 5%), centro germinativo (um caso, 3%) e necrose (um caso, 3%) (Figura 3).

FIGURA 2
Graus de diferenciação histopatológica dos 80 casos de CCEB diagnosticados no Laboratório de Patologia Oral do ISNF/UFF (HE, 20×)

A) lesão classificada como bem diferenciada, muito semelhante ao epitélio de revestimento da mucosa de origem, incluindo a formação de pérolas de queratina; B) lesão classificada como moderadamente diferenciada, exibindo menor semelhança com o epitélio de revestimento da mucosa de origem, mas ainda mantendo alguma evidência e células com pontes intercelulares bem características; C) lesão classificada como pouco diferenciada, exibindo pouca semelhança com o epitélio de revestimento da mucosa de origem, incluindo células neoplásicas menores e mais dispersas.

CCEB: carcinoma de células escamosas bucal; ISNF/UFF: Instituto de Saúde de Nova Friburgo da Universidade Federal Fluminense; HE: hematoxilina e eosina.


FIGURA 3
Other histopathological features of 80 OSCC cases diagnosed at the ISNF/UFF Oral Pathology Laboratory (HE)

A) muscle infiltration (20×); B) neural infiltration (40×); C) vascular infiltration (20×); D) clear cells (40×); E) germinal centers (40×).

OSCC: oral squamous cell carcinoma; ISNF/UFF: Instituto de Saúde de Nova Friburgo da Universidade Federal Fluminense; HE: hematoxylin and eosin.


DISCUSSÃO

No Brasil, o CCEB compreende mais de 90% dos casos de cânceres bucais, sítio que representa o quinto local mais frequente em homens e o décimo segundo em mulheres, variando de região para região. Vale ressaltar a importância de levantamentos epidemiológicos(88 Ministério da Saúde I. Estimativa 2018: incidência de câncer no Brasil [Internet]. Rio de Janeiro: INCA; 2018 [cited on January 28, 2019]. Available at: https://www.inca.gov.br/publicacoes/livros/estimativa-2018-incidencia-de-cancer-no-brasil.
https://www.inca.gov.br/publicacoes/livr...
) que podem evidenciar variações dependendo da população estudada.

O perfil dos indivíduos acometidos pelo CCEB são homens na faixa etária entre 45 e 80 anos, resultado também observado nesta pesquisa, na qual o sexo masculino foi predominante em cerca de dois terços dos casos analisados, com média de idade de 60 anos; quase 90% dos casos englobados estavam na faixa etária entre a quinta e a oitava décadas de vida(9, 10). Contudo, apesar de o sexo masculino ser maioria, aproximadamente um terço dos casos foi representado por mulheres. Esse dado expressa a mudança nos hábitos de vida, com frequente exposição de mulheres a agentes carcinógenos, como tabaco e álcool(1111 Dhanuthai K, Rojanawatsirivej S, Thosaporn W, et al. Oral cancer: a multicenter study. Med Oral Patol Oral Cir Bucal. 2018; 23(1): e23-9.). De forma semelhante, tivemos um aumento no grupo de pacientes na quarta década de vida; todos esses indivíduos estão acima de 35 anos de idade (idade corte considerada na maioria dos estudos que avaliam prevalência, incidência e fatores de risco associados ao CCEB em jovens que, geralmente, estão associados a outros agentes carcinogênicos, principalmente a infecção pelo HPV)(1212 Miranda-Galvis M. Clinicopathological features and expression of regulatory proteins of cell cycle and local invasion in oral squamous cell carcinoma affecting young patients [Internet]. 2016 [cited on December 11, 2018]. Available at: http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/321513.
http://repositorio.unicamp.br/jspui/hand...
).

Ainda levando em consideração a faixa etária, a idade média dos homens que participaram da pesquisa foi de 4 anos a menos em relação às mulheres, o que pode sugerir que o sexo masculino se expõe aos fatores de risco do CCEB mais precocemente do que o feminino. Não obstante, vale a pena ressaltar que existe também um grupo de pacientes com CCEB classificado como não tabagistas e não etilistas, no qual há maior prevalência de mulheres em idade mais avançada(1313 Wiseman SM, Swede H, Stoler DL, et al. Squamous cell carcinoma of the head and neck in nonsmokers and nondrinkers: an analysis of clinicopathologic characteristics and treatment outcomes. Ann Surg Oncol. 2003; 10(5): 551-7.). Nesse contexto, é importante destacar que entre os 18 casos de pacientes não tabagistas e não etilistas do nosso estudo, 10 eram do sexo feminino, o que representa mais da metade dos casos (56%).

Segundo um levantamento realizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS)(1414 World Health Organization. WHO global report on trends in prevalence of tobacco smoking 2000-2025 - second edition [Internet]. Geneva [cited on January 28, 2019]. 121 p. Available at: http://www.who.int/tobacco/publications/surveillance/trends-tobacco-smoking-second-edition/en/.
http://www.who.int/tobacco/publications/...
), em 2018, 12% dos homens e 8% das mulheres brasileiras eram tabagistas; o tipo de tabagismo mais utilizado pelos brasileiros é o cigarro. A taxa de prevalência de indivíduos tabagistas neste levantamento foi alta, como já era esperado, já que o tabagismo é o principal fator de risco associado ao CCEB, estando diretamente associado ao tempo e à frequência de exposição a esse fator de risco para o desenvolvimento do câncer de boca(1515 Alam MS, Siddiqui SA, Perween R. Epidemiological profile of head and neck cancer patients in Western Uttar Pradesh and analysis of distributions of risk factors in relation to site of tumor. J Cancer Res Ther. 2017; 13(3): 430-5.). O consumo de álcool pelos pacientes deste levantamento esteve presente em mais da metade dos casos, resultado também justificado pelo fato de o etilismo ser o segundo mais importante fator de risco para o desenvolvimento do CCEB(1616 Kawakita D, Matsuo K. Alcohol and head and neck cancer. Cancer Metastasis Rev. 2017; 36(3): 425-34.), geralmente em uma relação de sinergia com o tabaco(22 Leite AA, Leonel ACLS, Castro JFL, et al. Oral squamous cell carcinoma: a clinicopathological study on 194 cases in northeastern Brazil. A crosssectional retrospective study. Sao Paulo Med J. 2018; 136(2): 165-9.), como também observado nos pacientes deste grupo estudado.

Uma limitação durante a coleta de dados nas fichas de requisição e prontuários odontológicos foi o preenchimento incorreto de informações, seja pela ausência ou pela omissão de características cruciais para a compreensão integral do paciente e de sua lesão em boca. Dados relacionados com as intensidades dos hábitos de tabagismo/etilismo eram quase sempre descritos de forma inespecífica e por isso não puderam ser avaliados. É fundamental que os cirurgiões-dentistas, e principalmente os estudantes de graduação em Odontologia, sejam adequadamente orientados sobre os fatores de risco associados ao CCEB e a importância da presença dessas informações bem detalhadas no envio de uma amostra de biópsia a qualquer laboratório de anatomia patológica.

Na descrição das características clínicas, a ausência de alguns dados também ficou evidente, contudo, tal problema foi sanado pela possibilidade de se avaliar as fotografias clínicas realizadas rotineiramente em todos os pacientes com lesão atendidos na Clínica de Estomatologia do ISNF/UFF - fonte de envio de grande parte dessas biópsias -, reforçando, assim, o papel da documentação fotográfica nos serviços de diagnóstico bucal. Ressaltamos que a integração entre estomatologia e outras especialidades clínicas odontológicas e patologia bucal, uma especialidade essencialmente laboratorial, é essencial não apenas para a realização de estudos, mas também para melhora e rapidez na definição do diagnóstico definitivo de um paciente e, consequentemente, de seu tratamento e prognóstico.

A região de maior acometimento das lesões de CCEB foi a língua, que se caracteriza pela presença de lesões com elevado nível de agressividade, e representou quase a metade dos casos(1717 Dantas DDL, Ramos CCF, Costa ALL, Souza LB, Pinto LP. Clinicalpathological parameters in squamous cell carcinoma of the tongue. Braz Dent J. 2003; 14(1): 22-5.). A borda lateral e o ventre, que englobam a porção bucal da língua, estão praticamente sempre associados ao tabagismo e etilismo; representam, em conjunto, cerca de 65% dos casos de CCEB, enquanto a base de língua, que compreende a orofaringe, nem sempre está diretamente associada ao tabagismo e ao etilismo, mas sim ao HPV, representou cerca de 35% dos casos. Apesar disso, nesta amostra, apenas 14% dos casos não estavam associados ao tabagismo. As lesões de lábio inferior representaram o terceiro sítio mais comum, o qual costuma ter manifestações clínicas menos agressivas(1818 Shield KD, Ferlay J, Jemal A, et al. The global incidence of lip, oral cavity, and pharyngeal cancers by subsite in 2012. CA Cancer J Clin. 2017; 67(1): 51-64.), provavelmente relacionada com a facilidade de visualização e diagnóstico.

Sobre o lábio inferior é importante destacar que na cidade de Nova Friburgo, que se situa na região centro-norte do estado do Rio de Janeiro, de colonização suíço-alemã e com considerável quantidade de indivíduos de cor de pele e olhos claros que trabalham na agricultura, a lesão potencialmente maligna de queilite actínica costuma também ser frequente(1919 Câmara PR, Dutra SN, Takahama Júnior A, Fontes K, Azevedo RS. A comparative study using WHO and binary oral epithelial dysplasia grading systems in actinic cheilitis. Oral Dis. 2016; 22.,2020 Oliveira JC, Câmara PR, Tucci R, Fontes K, Takahama Júnior A, Azevedo RS. Immunohistochemical expression of matrix metalloproteinases in actinic cheilitis according to epithelial dysplasia. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol. 2018; 126: e166.).

A biópsia incisional é a melhor ferramenta para diagnóstico do CCEB na maioria dos centros de diagnóstico, sendo útil na compreensão do perfil microscópico no diagnóstico dos casos e, consequentemente, em sua evolução, entretanto, pode ser um fator limitante em termos de definição de prognóstico. Nesse contexto, o fato de mais de 80% dos casos terem sido classificados como bem ou moderadamente diferenciados não significa, necessariamente, que nessa lesão não existam áreas pouco diferenciadas ou mesmo indiferenciadas. Ainda assim, mesmo com essa limitação, é importante destacar que foi possível identificar áreas de infiltração em músculo, glândula, nervo e em vasos sanguíneos em mais de um quarto dos casos. Não obstante e independentemente de se ter uma avaliação de biópsia incisional ou excisional, o fator mais significativo na definição do prognóstico dessas lesões é o estadiamento clínico(2121 INCA. Carcinoma epidermoide da cabeça e pescoço. Rev Bras Cancerol. 2001; 47(4): 361-76.).

CONCLUSÃO

De acordo com o levantamento dos 80 casos de biópsias incisionais de CCEB oriundas do Laboratório de Patologia Oral do ISNF/UFF, o perfil predominante dos pacientes foi o sexo masculino, pele branca, entre a sexta e a sétima décadas de vida, tabagistas e/ou etilistas. A lesão geralmente se apresentará como uma úlcera, nódulo ou placa em língua, assoalho de boca ou lábio inferior. Microscopicamente, as lesões de CCEB devem ser classificadas como bem ou moderadamente diferenciadas, com um número de mitoses que varia de 0 a 10, ao se analisar 10 campos em objetiva de 40×, e inflamação moderada. Áreas de infiltração muscular, glandular, neural ou vascular poderão ser observadas, mas somente a associação clinicopatológica da peça cirúrgica permitirá definir o prognóstico final.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Mar 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    07 Maio 2019
  • Revisado
    08 Maio 2019
  • Aceito
    20 Ago 2019
  • Publicado
    14 Jan 2020
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