Acessibilidade / Reportar erro

Paquimeningite hipertrófica, doença relacionada com a IgG4: relato de caso

RESUMO

A doença relacionada com a imunoglobulina G4 (DRIgG4) é uma enfermidade sistêmica recentemente caracterizada como condição inflamatória que se relaciona com o aumento sérico de IgG4, uma subclasse de imunoglobulinas (IgG) que compreende menos de 6% do total de IgG séricas, com características histopatológicas singulares. O acometimento do sistema nervoso central (SNC) é raro e pode ser isolado ou associado a outros órgãos; é muito confundido com tumores. É mais comum na hipófise, sendo a hipofisite sua principal manifestação, mas pode acometer também a dura-máter, manifestando-se como paquimeningite hipertrófica associada à IgG4 (PH-DRIgG4). As apresentações neurológicas são creditadas ao efeito de massa, tipicamente por compressão de estruturas vasculares ou nervosas, propiciando déficits funcionais de acordo com o sítio anatômico da lesão. Os achados histológicos mais comuns são infiltrado linfoplasmocitário denso, fibrose (em arranjo, pelo menos focalmente, de padrão estoriforme), e flebite obliterativa, além de elevação do número de plasmócitos IgG4+ ou da razão IgG4/IgG no tecido. Nessa doença, os níveis séricos de IgG4 geralmente estão elevados. O objetivo deste artigo é relatar o caso de um paciente do sexo masculino com quadro de cefaleia pulsátil associada à diplopia e turvação visual. Após estudo radiológico, histopatológico e imuno-histoquímico, foi obtido o diagnóstico de PH-DRIgG4. Apresentamos, ainda, uma revisão de literatura sobre DRIgG4 e PH-DRIgG4

Unitermos:
doença relacionada com a imunoglobulina G4; sistema nervoso central; meninges

ABSTRACT

The IgG4-related disease (IgG4-RD) is a systemic disease recently characterized as an inflammatory condition generally related to the increase in serum IgG4 levels, a subclass of immunoglobulins (IgG) which corresponds to less than 6% of the total serum IgG, with singular histopathological features. The involvement of the central nervous system is rare and may be isolated or associated with other organs, mimicking tumors. Commonly, it involves the hypophysis, presenting hypophysitis as the main manifestation, but it can also affect the dura mater, presenting as IgG4-related hypertrophic pachymeningitis (IgG4-RHP). Neurological manifestations occur as a result of mass effect, typically due to vascular or nervous structures compression, resulting in functional deficits according to the anatomical site of the lesion. The main histopathological features are dense lymphoplasmacytic infiltrate, fibrosis arranged, at least focally, in a storiform pattern, and obliterative phlebitis, associated with increased numbers of IgG4+ plasma cells or an increased IgG4/IgG ratio in tissue. In this disease, the serum IgG4 levels are usually increased. The objective of this article is to report the case of a 37-year-old male patient who presented a pulsatile headache associated with diplopia and blurred vision. After radiological, histopathological and immunohistochemical studies, the diagnosis of IgG4-RHP was confirmed, besides presenting a literature review about IgG4-RD and IgG4-RHP.

Key words:
immunoglobulin G4-related disease; central nervous system; meninges

RESUMEN

La enfermedad relacionada con inmunoglobulina G4 (ER-IgG4) es una enfermedad sistémica recientemente caracterizada como condición inflamatoria que se relaciona con el aumento sérico de IgG4, una subclase de inmunoglobulinas (IgG) que incluye menos de 6% del total de IgG séricas, con características histopatológicas propias. El acometimiento del sistema nervioso central (SNC) es raro y puede ser aislado o asociado a otros órganos; es muy confundido con tumores. Es más común en la hipófisis, siendo la hipofisitis su principal manifestación, pero puede acometer también la duramadre, manifestándose como paquimeningitis hipertrófica relacionada con IgG4 (PHR-IgG4). Las presentaciones neurológicas se atribuyen al efecto de masa, tipicamente por compresión de estructuras vasculares o nerviosas, produciendo déficits funcionales según la ubicación anatómica de la lesión. Los hallazgos histológicos más comunes son infiltrado linfoplasmocítico denso, fibrosis (disposta, por lo menos focalmente, en un patrón estoriforme) y flebitis obliterante, además de elevación del número de células plasmáticas IgG4+ o de la proporción IgG4/IgG en el tejido. En esa enfermedad, los niveles séricos de IgG suelen estar elevados. El objetivo de este trabajo es reportar el caso de un paciente masculino con cuadro de cefalea pulsátil asociada a diplopía y visión borrosa. Luego de estudio radiológico, histopatológico y inmunohistoquímico, se obtuvo el diagnóstico de PHR-IgG4. Aún presentamos una revisión de literatura sobre la ER-IgG4 y la PHR-IgG4.

Palabras clave:
enfermedad relacionada con inmunoglobulina G4; sistema nervioso central; meninges

INTRODUÇÃO

A doença relacionada com a imunoglobulina G4 (DRIgG4) é um acometimento sistêmico recentemente caracterizado como condição inflamatória(11 Stone JH, Zen Y, Deshpande V. IgG4-related disease. New Engl J Med. 2012; 366: 539-51. PubMed PMID: 22316447.); relaciona-se, geralmente, com o aumento sérico de imunoglobulina G4 (IgG4), uma subclasse de imunoglobulinas que compreende menos de 6% do total de IgG séricas(22 Toyoda K, Oba H, Kutomi K, et al. MR imaging of IgG4-related disease in the head and neck and brain. Am J Neuroradiol. 2012; 33(11): 2136-9. PubMed PMID: 22700747.), com características histopatológicas peculiares(11 Stone JH, Zen Y, Deshpande V. IgG4-related disease. New Engl J Med. 2012; 366: 539-51. PubMed PMID: 22316447.,33 Liao B, Kamiya-Matsuoka C, Fang X, Smith RG. Refractory IgG4-related intracranial hypertrophic pachymeningitis responded to rituximab. Neurol Neuroimmunol Neuroinflamm. 2014; 1(4)e41. PubMed PMID: 25364775.). O acometimento do sistema nervoso central (SNC) é raro – quando acontece, é mais comum na hipófise, sendo suas principais manifestações a hipofisite DRIgG4 e a paquimeningite hipertrófica (PH)(44 Cheuk W, Chan JK. IgG4-related sclerosing disease: a critical appraisal of an evolving clinicopathologic entity. Adv Anat Pathol. 2010; 17(5): 303-32. PubMed PMID: 20733352.).

Este estudo apresenta o relato de caso de um paciente com paquimeningite hipertrófica associada à IgG4 (PH-DRIgG4), com correlação radiológica e confirmação imunofenotípica, além de revisão da literatura acerca do tema.

RELATO DE CASO

Paciente do sexo masculino, 37 anos, com quadro de cefaleia pulsátil na região temporal direita com início há cerca de dois anos, de intensidade moderada e com piora aos esforços físicos, mas que cedia à analgesia convencional.

Após piora clínica, evoluiu com acentuação de quadro álgico e presença de diplopia e turvação visual. Procurou atendimento médico; no exame físico, foi constatada pupila direita midriática e arreativa, com paralisia do III e IV pares cranianos e paralisia do músculo reto lateral à direita, sem outros achados ao exame.

O paciente foi submetido a estudo radiológico por ressonância magnética (RM), a qual evidenciou lesão meníngea retroclival com marcado hipossinal em T2 e compressão sobre o tronco cerebral, causando edema; notou-se, ainda, realce intenso da lesão pelo contraste (Figura 1).

FIGURA 1
Imagens obtidas do exame de ressonância magnética Sequências axial T2 (A), coronal T2 (B), axial T1 pós-contraste (C) e sagital T1 pós-contraste (D). Lesão meníngea retroclival com marcado hipossinal em T2 (setas em A e B); há compressão sobre o tronco cerebral, causando edema, com hipersinal em T2 (seta tracejada em A); nota-se realce intenso ao contraste nas sequências T1 pela lesão (setas em C e D).

A biópsia transesfenoidal da lesão evidenciou, na dura-máter, processo inflamatório linfoplasmocitário acentuado com fibrose estoriforme, flebite obliterante e eosinófilos ocasionais associados (Figuras 2 a 5). O estudo imuno-histoquímico mostrou predomínio de plasmócitos IgG4+, com cerca de 40 células plasmáticas IgG4+ por campo de grande aumento (CGA). O paciente não apresentava dosagens elevadas de autoanticorpos, e os níveis séricos de IgG4 estavam dentro da normalidade. O perfil imunofenotípico da lesão associado aos exames de imagem e à clínica do paciente permitiu concluir o diagnóstico de PH-DRIgG4 (Figuras 6 e 7).

FIGURA 2
Fotomicrografia revelando extensas áreas de fibrose de padrão estoriforme. Coloração HE, aumento de 100×

HE: hematoxilina e eosina.


FIGURA 3
Fotomicrografia exibindo infiltrado linfomononuclear, com destaque para a presença de eosinófilos associados ocasionais. Coloração HE, aumento de 200×

HE: hematoxilina e eosina.


FIGURA 4
Fotomicrografia de áreas da lesão que exibem intenso infiltrado linfoplasmocitário. Coloração HE, aumento de 200×

HE: hematoxilina e eosina.


FIGURA 5
Fotomicrografia exibindo flebite obliterante representada por vaso de aspecto venular com agressão por linfomononucleares e formação de trombo fibrinoso e organizado que oclui parcialmente o lúmen do vaso. Coloração HE, aumento de 100×

HE: hematoxilina e eosina.


FIGURA 6
Fotomicrografia em área de denso infiltrado linfoplasmocitário revelando difusa imunoexpressão para anticorpo anti-CD138. Técnica de imuno-histoquímica para anticorpo anti-CD138; aumento de 200×

FIGURA 7
Fotomicrografia revelando predomínio de plasmócitos IgG4 positivos. Técnica de imuno-histoquímica para anticorpo anti-IgG4; aumento de 200×

IgG4: imunoglobulina G4.


Após duas semanas de corticoterapia oral, o paciente evoluiu com melhora clínica significativa. Houve remissão completa dos sintomas após quatro semanas de tratamento. Ele se encontra assintomático, em acompanhamento no serviço de neurologia há seis meses, desde o fim da corticoterapia.

DISCUSSÃO

A DRIgG4 foi reconhecida inicialmente por Hamano et al., em 2001 e 2002, como a associação entre pancreatite autoimune e aumento sérico de IgG4(55 Hamano H, Kawa S, Ochi Y, et al. Hydronephrosis associated with retroperitoneal fibrosis and sclerosing pancreatitis. Lancet. 2002; 359: 1403-4. PubMed PMID: 11978339.,66 Hamano H, Kawa S, Horiuchi A, et al. High serum IgG4 concentrations in patients with sclerosing pancreatitis. N Engl J Med. 2001; 344(10): 732-8. PubMed PMID: 11236777.); contudo, ao longo dos anos, foi relacionada com outras enfermidades, como colangite, sialadenite esclerosante, fibrose retroperitoneal, pneumonia intersticial, síndrome de Sjögren, cirrose biliar primária, fibroesclerose multifocal, neurossífilis, tuberculose, meningite fúngica e artrite reumatoide(55 Hamano H, Kawa S, Ochi Y, et al. Hydronephrosis associated with retroperitoneal fibrosis and sclerosing pancreatitis. Lancet. 2002; 359: 1403-4. PubMed PMID: 11978339.

6 Hamano H, Kawa S, Horiuchi A, et al. High serum IgG4 concentrations in patients with sclerosing pancreatitis. N Engl J Med. 2001; 344(10): 732-8. PubMed PMID: 11236777.
-77 Kawaguchi K, Koike M, Tsuruta K, Okamoto A, Tabata I, Fujita N. Lymphoplasmacytic sclerosing pancreatitis with cholangitis: a variant of primary sclerosing cholangitis extensively involving pancreas. Hum Pathol. 1991; 22(4): 387-95. PubMed PMID: 2050373.).

O acometimento do SNC é raro e pode ser isolado ou associado a outros órgãos; é muito confundido com tumores(88 Decker L, Crawford AM, Lorenzo G, Stippler M, Konstantinov K, SantaCruz K. IgG4-related hypophysitis: case report and literature review. Cureus. 2016; 8(12): e901. PubMed PMID: 28083451.). É mais comum na hipófise; a hipofisite é sua principal manifestação. Quando afeta a dura-máter, manifesta-se como PH-DRIgG4(44 Cheuk W, Chan JK. IgG4-related sclerosing disease: a critical appraisal of an evolving clinicopathologic entity. Adv Anat Pathol. 2010; 17(5): 303-32. PubMed PMID: 20733352.).

As DRIgG4s ocorrem, predominantemente, em homens com idade entre 50 e 60 anos(99 Lindstrom K, Cousar JB, Lopes MB. IgG4-related meningeal disease: clinico-pathological features and proposal for diagnostic criteria. Acta Neuropathol. 2010; 120(6): 765-76. PubMed PMID: 20844883.), que geralmente apresentam hipergamaglobulinemia e níveis elevados de autoanticorpos(1010 Uchida K, Okazaki K, Asada M, et al. Case of chronic pancreatitis involving an autoimmune mechanism. Pancreas. 2003; 26(1): 92-4. PubMed PMID: 12499924.

11 Kawa S, Hamano H. Autoimmune pancreatitis and bile duct lesions. J Gastroenterol. 2003; 38(12): 1201-3. PubMed PMID: 14714265.
-1212 Klöppel G, Lüttges J, Löhr M, Zamboni G, Longnecker D. Autoimmune pancreatitis: pathological, clinical, and immunological features. Pancreas. 2003; 27(1): 14-9. PubMed PMID: 12826900.). Já os níveis séricos de IgG4 elevados estão presentes em 70%-90% dos pacientes(1313 Lu LX, Della-Torre E, Stone JH, Clark SW. IgG4-related hypertrophic pachymeningitis: clinical features, diagnostic criteria, and treatment. JAMA Neurol. 2014; 71(6): 785-93. PubMed PMID: 24733677.). Em nosso relato, os níveis de IgG e IgG4 sérico foram normais.

A patogênese da DRIgG4 e da PH-DRIgG4 ainda não é bem esclarecida. Contudo, acredita-se que o infiltrado inflamatório, rico em linfócitos B e T, ativa os fibroblastos e induz a deposição de colágeno, ocasionando espessamento da dura-máter, principal meninge acometida(1313 Lu LX, Della-Torre E, Stone JH, Clark SW. IgG4-related hypertrophic pachymeningitis: clinical features, diagnostic criteria, and treatment. JAMA Neurol. 2014; 71(6): 785-93. PubMed PMID: 24733677.,1414 De Virgilio A, de Vicentiis M, Inghilleri M, et al. Idiopathic hypertrophic pachymeningitis: an autoimune IgG4-related disease. Immunol Res. 2017; 65(1): 386-94. PubMed PMID: 27592235.). Estudos recentes sustentam o conceito de que a DRIgG4 é uma doença dirigida por antígenos, envolvendo ações de células T e linhagens de células B mutadas autorreativas, as quais poderiam contribuir para o processo fibrosante por meio de mecanismos ainda não elucidados. Anticorpos IgG4 geralmente são considerados não inflamatórios, o que dificulta a definição de seu papel no processo da doença(1515 Mattoo H, Mahajan VS, Della-Torre E, et al. De novo oligoclonal expansions of circulating plasmablasts in active and relapsing IgG4-related disease. J Allergy Clin Immunol. 2014; 134(3): 679-87. PubMed PMID: 24815737.).

De Virgilio et al. (2017)(1414 De Virgilio A, de Vicentiis M, Inghilleri M, et al. Idiopathic hypertrophic pachymeningitis: an autoimune IgG4-related disease. Immunol Res. 2017; 65(1): 386-94. PubMed PMID: 27592235.), em uma revisão de série de casos de PH-DRIgG4, mostram que as apresentações neurológicas são creditadas ao efeito de massa, tipicamente por compressão de estruturas vasculares ou nervosas, propiciando déficits funcionais de acordo com o sítio anatômico da lesão. Entre os sinais e sintomas, são incluídos, em ordem decrescente de acometimento: cefaleia; disfunções de nervos cranianos e oftalmopatias, como diplopia e decréscimo da acuidade visual. Quando a lesão ocorre em fossa anterior da base do crânio, pode se manifestar como dor retro-orbitária e distúrbios que afetam a visão e a mobilidade dos olhos, normalmente na forma da síndrome de Tolosa-Hunt(1414 De Virgilio A, de Vicentiis M, Inghilleri M, et al. Idiopathic hypertrophic pachymeningitis: an autoimune IgG4-related disease. Immunol Res. 2017; 65(1): 386-94. PubMed PMID: 27592235.). Neste estudo, o paciente apresentou cefaleia, diploplia e turvação visual associada à paralisia do III e IV pares de nervos cranianos e à paralisia do músculo reto lateral à direita. Outras manifestações clínicas relatadas na literatura são paresia, parestesia, perda auditiva sensorioneural e convulsões(1313 Lu LX, Della-Torre E, Stone JH, Clark SW. IgG4-related hypertrophic pachymeningitis: clinical features, diagnostic criteria, and treatment. JAMA Neurol. 2014; 71(6): 785-93. PubMed PMID: 24733677.,1616 Dziedzic T, Wojciechowski J, Nowak A, Marchel, A. Hypertrophic pachymeningitis. Childs Nerv Syst. 2015; 31(7): 1025-31. PubMed PMID: 25771924.). Embora reflitam tais mecanismos de compressão, as manifestações clínicas da PH-DRIgG4 não são distinguíveis de outras formas de PH(1313 Lu LX, Della-Torre E, Stone JH, Clark SW. IgG4-related hypertrophic pachymeningitis: clinical features, diagnostic criteria, and treatment. JAMA Neurol. 2014; 71(6): 785-93. PubMed PMID: 24733677.).

Devido à raridade da doença, os aspectos radiológicos descritos na literatura são incipientes e não totalmente estabelecidos; a PH-DRIgG4 é uma patologia incomum caracterizada pelo espessamento, localizado ou difuso, linear ou como massa protuberante, da dura-máter(1414 De Virgilio A, de Vicentiis M, Inghilleri M, et al. Idiopathic hypertrophic pachymeningitis: an autoimune IgG4-related disease. Immunol Res. 2017; 65(1): 386-94. PubMed PMID: 27592235.). Dziedzic et al. (2015)(1616 Dziedzic T, Wojciechowski J, Nowak A, Marchel, A. Hypertrophic pachymeningitis. Childs Nerv Syst. 2015; 31(7): 1025-31. PubMed PMID: 25771924.), em relato de caso e revisão de literatura, ressaltam que os achados mais comuns na RM, incluem, além de espessamento da dura- -máter, sinal hipointenso em sequências T1 e T2, demonstrando processo inflamatório ativo nos limites da dura-máter em sequências T1 pós-contraste. Em nosso estudo, o paciente apresentava espessamento da dura-máter no clivus, com marcado hipossinal em T2, o que causou compressão sobre o tronco cerebral e determinou edema vasogênico (Figura 1). Já em estudos de tomografia computadorizada (TC), apesar dos achados radiológicos não serem específicos para DRIgG4, as lesões podem se apresentar como espessamento e hiperdensidade, sendo realçadas após administração de contraste iodado(1616 Dziedzic T, Wojciechowski J, Nowak A, Marchel, A. Hypertrophic pachymeningitis. Childs Nerv Syst. 2015; 31(7): 1025-31. PubMed PMID: 25771924.

17 Takeuchi S, Osada H, Seno S, Nawashiro H. IgG4-related intracranial hypertrophic pachymeningitis: a case report and review of the literature. J Korean Neurosurg Soc. 2014; 55(5): 300-2. PubMed PMID: 25132941.
-1818 Wallace Z, Carruthers MN, Khosroshahi A, et al. IgG4-related disease and hypertrophic pachymeningitis. Medicine. 2013; 92(4): 206-16. PubMed PMID: 23793110.).

Marcadores de fase aguda, como velocidade de hemossedimentação e proteína C reativa, são, regularmente, elevados em nível moderado. Níveis séricos elevados de imunoglobulina E (IgE) também são observados em alguns pacientes. Em geral, análises do líquido cefalorraquidiano revelam aparência transparente com concentração normal de glicose, além de teor proteico normal a levemente aumentado e variável grau de pleocitose linfocítica(1313 Lu LX, Della-Torre E, Stone JH, Clark SW. IgG4-related hypertrophic pachymeningitis: clinical features, diagnostic criteria, and treatment. JAMA Neurol. 2014; 71(6): 785-93. PubMed PMID: 24733677.,1919 Hahn LD, Fulbright R, Baehring JM. Hypertrophic pachymeningitis. J Neurol Sci. 2016; 15(367): 278-83. PubMed PMID: 27423604.).

Deshpande V et al. (2012), no artigo Consensus statement on the pathology of IgG4-related disease, definiram como características histopatológicas na DRIgG4: infiltrado linfoplasmocitário denso, fibrose em arranjo, ao menos focal, de padrão estoriforme, e flebite obliterativa; é necessária a presença de, no mínimo, duas dessas características para um diagnóstico patológico confiável, além de elevação do número de plasmócitos IgG4+ ou da razão IgG4/IgG no tecido. Outros elementos, como flebite sem obliteração do lúmen e aumento do número de eosinófilos, estão associados à DRIgG4, não sendo sensíveis nem específicos para o diagnóstico, quando isolados(2020 Deshpande V, Zen Y, Chan JK, et al. Consensus statement on the pathology of IgG4-related disease. Mod Pathol. 2012; 25(9): 1181-92. PubMed PMID: 22596100.).

O ponto de corte considerado da contagem de plasmócitos IgG4+ varia de 10 a 200 CGA de acordo com o órgão afetado; no que diz respeito às meninges, foi adotado o valor maior do que 10 células plasmáticas IgG4+/CGA(2020 Deshpande V, Zen Y, Chan JK, et al. Consensus statement on the pathology of IgG4-related disease. Mod Pathol. 2012; 25(9): 1181-92. PubMed PMID: 22596100.).

Diversos autores consideram a razão entre plasmócitos IgG4+/IgG+ como um critério confiável para diagnóstico imuno-histoquímico. É considerado ponto de corte superior a 40% para o diagnóstico de qualquer órgão, na presença de características histopatológicas(2121 Sato Y, Kojima M, Takata K, et al. Systemic IgG4-related lymphadenopathy: a clinical and pathologic comparison to multicentric Castleman's disease. Mod Pathol. 2009; 22(4): 589-99. PubMed PMID: 19270642.,2222 Cheuk W, Yuen HK, Chu SY, Chiu EK, Lam LK, Chan JK. Lymphadenopathy of IgG4-related sclerosing disease. Am J Surg Pathol. 2008; 32(5): 671-81. PubMed PMID: 18344866.). Há outras doenças, sem considerarmos a DRIgG4, que também se associam ao elevado número de plasmócitos IgG4+/CGA, como doenças inflamatórias, linfoma e neoplasias(2222 Cheuk W, Yuen HK, Chu SY, Chiu EK, Lam LK, Chan JK. Lymphadenopathy of IgG4-related sclerosing disease. Am J Surg Pathol. 2008; 32(5): 671-81. PubMed PMID: 18344866.).

Carruthers M et al. (2012)(2323 Carruthers MN, Stone JH, Deshpande V, Khosroshahi A. Development of an IgG4-RD responder index. Int J Rheumatol. 2012; 24: 25948. PubMed PMID: 22611406.) desenvolveram um índice de resposta à DRIgG4 que pode ser útil ao estimar a atividade da doença e avaliar a resposta ao tratamento, analisando a atividade da doença nos potenciais órgãos-alvo, bem como a necessidade de tratamento de urgência, o dano em órgãos-alvo, a concentração sérica de IgG4 e o uso recente de glicocorticoide(2323 Carruthers MN, Stone JH, Deshpande V, Khosroshahi A. Development of an IgG4-RD responder index. Int J Rheumatol. 2012; 24: 25948. PubMed PMID: 22611406.,2424 Quero M, Draibe J, Solanich X, et al. Clinical features and outcomes in a cohort of patients with immunoglobulin G4-related disease at a university hospital in Spain. Clin Kidney J. 2019; 12(6): 829-35. PubMed PMID: 31807295.).

Atualmente, glicocorticoides são considerados a terapia de escolha para a PH-DRIgG4, assim como nas demais DRIgG4(1818 Wallace Z, Carruthers MN, Khosroshahi A, et al. IgG4-related disease and hypertrophic pachymeningitis. Medicine. 2013; 92(4): 206-16. PubMed PMID: 23793110.). Apesar de sua efetividade na maioria dos casos, taxas de recidiva são elevadas quando há redução da dose ou interrupção do tratamento. Rituximabe, metotrexato, mofetil micofenolato e ciclofosfamida são utilizados na manutenção do tratamento após terapia com glicocorticoides, entretanto, não são efetivos na indução de remissão em uso isolado(2424 Quero M, Draibe J, Solanich X, et al. Clinical features and outcomes in a cohort of patients with immunoglobulin G4-related disease at a university hospital in Spain. Clin Kidney J. 2019; 12(6): 829-35. PubMed PMID: 31807295.). Em nosso estudo, o paciente teve boa resposta à corticoterapia oral, com remissão do quadro após quatro semanas do início do tratamento e sem sintomas durante seis meses de acompanhamento.

CONCLUSÃO

A DRIgG4 é uma desordem rara, de patogênese ainda não totalmente compreendida, que pode acometer o SNC; pode afetá-lo isoladamente ou associar-se a outros órgãos. É frequentemente confundida com tumores. É importante considerar esse diagnóstico em lesões que se manifestem como hipofisite ou paquimeningite hipertrófica, a fim de estabelecer um tratamento imunossupressivo adequado. Os aspectos imunofenotípicos lesionais, em conjunto com o estudo radiológico e os exames laboratoriais, permitem corroborar o diagnóstico dessa doença. Essa entidade ganha ampla importância no cenário da neuropatologia atual, pois é uma desordem inflamatória com ótima resposta à terapia com corticoides e prognóstico favorável.

REFERENCES

  • 1
    Stone JH, Zen Y, Deshpande V. IgG4-related disease. New Engl J Med. 2012; 366: 539-51. PubMed PMID: 22316447.
  • 2
    Toyoda K, Oba H, Kutomi K, et al. MR imaging of IgG4-related disease in the head and neck and brain. Am J Neuroradiol. 2012; 33(11): 2136-9. PubMed PMID: 22700747.
  • 3
    Liao B, Kamiya-Matsuoka C, Fang X, Smith RG. Refractory IgG4-related intracranial hypertrophic pachymeningitis responded to rituximab. Neurol Neuroimmunol Neuroinflamm. 2014; 1(4)e41. PubMed PMID: 25364775.
  • 4
    Cheuk W, Chan JK. IgG4-related sclerosing disease: a critical appraisal of an evolving clinicopathologic entity. Adv Anat Pathol. 2010; 17(5): 303-32. PubMed PMID: 20733352.
  • 5
    Hamano H, Kawa S, Ochi Y, et al. Hydronephrosis associated with retroperitoneal fibrosis and sclerosing pancreatitis. Lancet. 2002; 359: 1403-4. PubMed PMID: 11978339.
  • 6
    Hamano H, Kawa S, Horiuchi A, et al. High serum IgG4 concentrations in patients with sclerosing pancreatitis. N Engl J Med. 2001; 344(10): 732-8. PubMed PMID: 11236777.
  • 7
    Kawaguchi K, Koike M, Tsuruta K, Okamoto A, Tabata I, Fujita N. Lymphoplasmacytic sclerosing pancreatitis with cholangitis: a variant of primary sclerosing cholangitis extensively involving pancreas. Hum Pathol. 1991; 22(4): 387-95. PubMed PMID: 2050373.
  • 8
    Decker L, Crawford AM, Lorenzo G, Stippler M, Konstantinov K, SantaCruz K. IgG4-related hypophysitis: case report and literature review. Cureus. 2016; 8(12): e901. PubMed PMID: 28083451.
  • 9
    Lindstrom K, Cousar JB, Lopes MB. IgG4-related meningeal disease: clinico-pathological features and proposal for diagnostic criteria. Acta Neuropathol. 2010; 120(6): 765-76. PubMed PMID: 20844883.
  • 10
    Uchida K, Okazaki K, Asada M, et al. Case of chronic pancreatitis involving an autoimmune mechanism. Pancreas. 2003; 26(1): 92-4. PubMed PMID: 12499924.
  • 11
    Kawa S, Hamano H. Autoimmune pancreatitis and bile duct lesions. J Gastroenterol. 2003; 38(12): 1201-3. PubMed PMID: 14714265.
  • 12
    Klöppel G, Lüttges J, Löhr M, Zamboni G, Longnecker D. Autoimmune pancreatitis: pathological, clinical, and immunological features. Pancreas. 2003; 27(1): 14-9. PubMed PMID: 12826900.
  • 13
    Lu LX, Della-Torre E, Stone JH, Clark SW. IgG4-related hypertrophic pachymeningitis: clinical features, diagnostic criteria, and treatment. JAMA Neurol. 2014; 71(6): 785-93. PubMed PMID: 24733677.
  • 14
    De Virgilio A, de Vicentiis M, Inghilleri M, et al. Idiopathic hypertrophic pachymeningitis: an autoimune IgG4-related disease. Immunol Res. 2017; 65(1): 386-94. PubMed PMID: 27592235.
  • 15
    Mattoo H, Mahajan VS, Della-Torre E, et al. De novo oligoclonal expansions of circulating plasmablasts in active and relapsing IgG4-related disease. J Allergy Clin Immunol. 2014; 134(3): 679-87. PubMed PMID: 24815737.
  • 16
    Dziedzic T, Wojciechowski J, Nowak A, Marchel, A. Hypertrophic pachymeningitis. Childs Nerv Syst. 2015; 31(7): 1025-31. PubMed PMID: 25771924.
  • 17
    Takeuchi S, Osada H, Seno S, Nawashiro H. IgG4-related intracranial hypertrophic pachymeningitis: a case report and review of the literature. J Korean Neurosurg Soc. 2014; 55(5): 300-2. PubMed PMID: 25132941.
  • 18
    Wallace Z, Carruthers MN, Khosroshahi A, et al. IgG4-related disease and hypertrophic pachymeningitis. Medicine. 2013; 92(4): 206-16. PubMed PMID: 23793110.
  • 19
    Hahn LD, Fulbright R, Baehring JM. Hypertrophic pachymeningitis. J Neurol Sci. 2016; 15(367): 278-83. PubMed PMID: 27423604.
  • 20
    Deshpande V, Zen Y, Chan JK, et al. Consensus statement on the pathology of IgG4-related disease. Mod Pathol. 2012; 25(9): 1181-92. PubMed PMID: 22596100.
  • 21
    Sato Y, Kojima M, Takata K, et al. Systemic IgG4-related lymphadenopathy: a clinical and pathologic comparison to multicentric Castleman's disease. Mod Pathol. 2009; 22(4): 589-99. PubMed PMID: 19270642.
  • 22
    Cheuk W, Yuen HK, Chu SY, Chiu EK, Lam LK, Chan JK. Lymphadenopathy of IgG4-related sclerosing disease. Am J Surg Pathol. 2008; 32(5): 671-81. PubMed PMID: 18344866.
  • 23
    Carruthers MN, Stone JH, Deshpande V, Khosroshahi A. Development of an IgG4-RD responder index. Int J Rheumatol. 2012; 24: 25948. PubMed PMID: 22611406.
  • 24
    Quero M, Draibe J, Solanich X, et al. Clinical features and outcomes in a cohort of patients with immunoglobulin G4-related disease at a university hospital in Spain. Clin Kidney J. 2019; 12(6): 829-35. PubMed PMID: 31807295.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    12 Nov 2019
  • Revisado
    03 Jan 2020
  • Aceito
    15 Jan 2021
  • Publicado
    27 Out 202020
Sociedade Brasileira de Patologia Clínica, Rua Dois de Dezembro,78/909 - Catete, CEP: 22220-040v - Rio de Janeiro - RJ, Tel.: +55 21 - 3077-1400 / 3077-1408, Fax.: +55 21 - 2205-3386 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: jbpml@sbpc.org.br