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Avaliação metabólica em formadores de cálculo de estruvita pura: é necessário?

Resumo

Contexto e objetivo:

Cálculos de fosfato de amônio e magnésio (FAM), também conhecidos como cálculos de estruvita, estão associados à infecção urinária e ao comprometimento da unidade renal. O objetivo deste estudo é avaliar os fatores de risco metabólico-urinários para recorrência de cálculos renais em pacientes submetidos à nefrectomia devido a cálculo de FAM.

Métodos:

Revisamos retrospectivamente os prontuários de pacientes > 18 anos submetidos à nefrectomia total devido a cálculos de FAM puro e cálculos de oxalato de cálcio puro (OxCa) de julho de 2006 a julho de 2016. Os parâmetros metabólicos urinários foram avaliados através de exames de urina de 24 horas ≥ 3 meses após a nefrectomia. Os parâmetros metabólicos urinários e um novo evento relacionado à litíase foram comparados.

Resultados:

Vinte e oito e 39 pacientes foram incluídos nos grupos FAM e OxCa, respectivamente. As anormalidades em amostras de urina de 24 horas foram similares entre os grupos. A hipercalciúria ocorreu em 7,1 e 10,3% dos pacientes nos grupos FAM e OxCa, respectivamente (p = 0,66), enquanto a hipocitratúria esteve presente em 65,2 e 59,0% dos pacientes nos grupos FAM e OxCa, respectivamente (p = 0,41). Nenhuma diferença significativa em novos eventos foi encontrada entre os grupos FAM e OxCa (17,9 vs. 23,1%, respectivamente; p = 0,60).

Conclusão:

Uma avaliação de urina de 24 horas deve ser oferecida aos pacientes submetidos à nefrectomia devido a cálculos de FAM puro, a fim de detectar risco metabólico, melhorar o tratamento e prevenir a recorrência de cálculos.

Descritores:
Nefrectomia; Nefrolitíase; Fatores de risco; Estruvita

Abstract

Background and objective:

Magnesium ammonium phosphate stones (MAP), also known as struvite stones, are associated with urinary infection and impairment of renal unit. The aim of this study is to evaluate the urinary metabolic risk factors for recurrence of renal calculi in patients submitted to nephrectomy due to MAP stones.

Methods:

We retrospectively reviewed the charts of patients > 18 years old submitted to total nephrectomy due to pure MAP stones and pure calcium oxalate (CaOx) stones from July 2006 to July 2016. Urinary metabolic parameters were assessed through 24-hour urine exams ≥ 3 months after nephrectomy. Urinary metabolic parameters and new event related to lithiasis were compared.

Results:

Twenty-eight and 39 patients were included in MAP and CaOx group, respectively. Abnormalities in 24-hour urine samples were similar between groups. Hypercalciuria occurred in 7.1 and 10.3% of patients in MAP and CaOx group, respectively (p = 0.66), whereas hypocitraturia was present in 65.2 and 59.0% of patients with MAP and CaOx group, respectively (p = 0.41). No significant difference in new events was found between MAP and CaOx groups (17.9 vs. 23.1%, respectively; p = 0.60).

Conclusion:

A 24-hour urine evaluation should be offered to patients submitted to nephrectomy due to pure MAP stones in order to detect metabolic risk, improve treatment, and prevent stone recurrence.

Keywords:
Nephrectomy; Nephrolithiasis; Risk Factors; Struvite

Introdução

A incidência de cálculo renal está aumentando em todo o mundo e tem uma taxa de recorrência de 50% em 5 anos após o primeiro episódio11 Pearle MS, Calhoun EA, Curhan GC, Project UDoA. Urologic diseases in America project: urolithiasis. J Urol. 2005;173(3):848-57.,22 Coe FL, Keck J, Norton ER. The natural history of calcium urolithiasis. JAMA. 1977;238(14):1519-23.,33 Scales CD, Smith AC, Hanley JM, Saigal CS, Project UDiA. Prevalence of kidney stones in the United States. Eur Urol. 2012;62(1):160-5.. Cálculos de fosfato de amônio e magnésio (FAM), também conhecidos como cálculos de estruvita, representam 5-15% dos casos44 Levy FL, Adams-Huet B, Pak CY. Ambulatory evaluation of nephrolithiasis: an update of a 1980 protocol. Am J Med. 1995;98(1):50-9.. Estes cálculos estão associados à presença de microorganismos produtores de urease, que hidrolisam a ureia e aumentam o pH urinário, resultando na precipitação de cristais de FAM55 Holmgren K. Urinary calculi and urinary tract infection. A clinical and microbiological study. Scand J Urol Nephrol Suppl. 1986;98:1-71.. Cálculos de estruvita podem ocupar todo o sistema coletor renal, resultando em complicações infecciosas como pielonefrite xantogranulomatosa, pionefrose, abscesso perirrenal e sepse. Em casos graves, esses cálculos podem causar perda da função renal, associados à dor recorrente e infecção do trato urinário, e são tratados por nefrectomia total66 Angerri O, López JM, Sánchez-Martin F, Millán-Rodriguez F, Rosales A, Villavicencio H. Simple Laparoscopic Nephrectomy in Stone Disease: Not Always Simple. J Endourol. 2016;30(10):1095-8..

No entanto, outros fatores podem estar envolvidos na formação de cálculos de estruvita, uma vez que a infecção do trato urinário (ITU) causada por bactérias produtoras de urease nem sempre produz este tipo de cálculo. Na verdade, outros autores mostraram que a incidência de ITU causada por bactérias urease-positivas foi de cerca de 30% e a incidência de cálculo de estruvita foi em torno de 15%77 Bichler KH, Eipper E, Naber K, Braun V, Zimmermann R, Lahme S. Urinary infection stones. Int J Antimicrob Agents. 2002;19(6):488-98.. Por outro lado, pacientes com cálculo de FAM puro podem também apresentar fatores de risco metabólico para a formação de cálculos renais, tais como hipercalciúria, hiperoxalúria, hipocitratúria e hiperuricosúria, contribuindo para a recorrência de urolitíase88 Iqbal MW, Shin RH, Youssef RF, Kaplan AG, Cabrera FJ, Hanna J, et al. Should metabolic evaluation be performed in patients with struvite stones? Urolithiasis. 2017;45(2):185-92..

O presente estudo teve como objetivo avaliar a incidência de fatores de risco metabólico-urinários e sua associação com a recorrência de cálculos renais após nefrectomia devido à cálculos de FAM puro.

Métodos

Realizamos uma revisão retrospectiva de registros médicos eletrônicos de pacientes > 18 anos de idade submetidos à nefrectomia devido a cálculos renais de FAM puro em nossa instituição de julho de 2006 a julho de 2016. A fim de comparar os resultados, também revisamos dados de pacientes que foram submetidos a nefrectomia devido a cálculos de oxalato de cálcio (OxCa) no mesmo período. A nefrectomia foi indicada pela perda da função renal associada a complicações infecciosas, como infecção do trato urinário recorrente ou pionefrose no grupo FAM ou perda da função renal associada à dor no grupo OxCa. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética de nossa instituição (número do conselho de ética em pesquisa: 15394).

A composição do cálculo foi determinada pela análise química. Amostras de urina de 24 horas foram coletadas ≥ 3 meses após a nefrectomia. As amostras válidas para inclusão continham creatinina urinária entre 1.040 - 2.350 mg/24h para homens e 740 - 1.570 mg/24h para mulheres. Os critérios de exclusão foram insuficiência renal crônica estágio 4 ou 5, infecção do trato urinário durante a coleta de urina de 24 horas, presença de urolitíase contralateral e uso de tiazidicos, citrato ou alopurinol durante a coleta de urina de 24 horas.

Os parâmetros urinários anormais de 24 horas utilizados foram os seguintes: hipercalciúria > 300 mg/24h de excreção de cálcio para homens e > 250 mg/24h para mulheres; hipocitratúria < 320 mg/24h excreção de citrato; hipernatriúria > 220 mEq/24h de excreção de sódio; hiperoxalúria > 31 mg/24h de excreção de oxalato; hiperuricosúria > 800 mg/24h de excreção de ácido úrico para homens e > 750 mg/24h para mulheres. As comorbidades foram classificadas de acordo com o índice de comorbidade de Charlson99 Charlson ME, Pompei P, Ales KL, MacKenzie CR. A new method of classifying prognostic comorbidity in longitudinal studies: development and validation. J Chronic Dis. 1987;40(5):373-83. e a classificação da ASA (Sociedade Americana de Anestesiologistas - do inglês American Society of Anesthesiologists)1010 Sankar A, Johnson SR, Beattie WS, Tait G, Wijeysundera DN. Reliability of the American Society of Anesthesiologists physical status scale in clinical practice. Br J Anaesth. 2014;113(3):424-32.. A função renal em separado foi avaliada por cintilografia renal com 99mTc-DMSA pré-operatória.

As anormalidades metabólicas foram tratadas em conformidade durante o acompanhamento. Pacientes com hipercalciúria idiopática foram tratados com 50 mg/dia de tiazidicos titulados e pacientes com hipocitratúria foram tratados com citrato de potássio com doses variáveis de 20 a 60 mEq/dia, dependendo do alvo de citrato urinário normal e efeitos colaterais. Todos os pacientes foram submetidos a consulta médica especializada anual, avaliação de creatinina sérica e ultrassonografia (US) até o final do acompanhamento. Cada novo cálculo urinário encontrado em US foi confirmado por uma tomografia computadorizada. A ocorrência de um novo evento relacionado à litíase foi definida como uma nova formação ou eliminação de cálculo. A função renal foi avaliada através da equação CKD-EPI (do inglês chronic kidney disease epidemiology collaboration)1111 Levey AS, Stevens LA, Schmid CH, Zhang YL, Castro AF, Feldman HI, et al. A new equation to estimate glomerular filtration rate. Ann Intern Med. 2009;150(9):604-12..

Foi utilizado um modelo de regressão logística multivariada para identificar os preditores metabólicos urinários de recorrência da urolitíase no rim único. Foi utilizado o programa SPSS Advanced Statistics 24.0 e o nível de significância foi definido como inferior a 5%.

Resultados

Sessenta e sete pacientes foram incluídos neste estudo (Tabela 1). O acompanhamento médio foi de 71,6 ± 30,8 meses no grupo FAM e 55,3 ± 25,4 meses no grupo OxCa (p = 0,28).

Tabela 1
Análise descritiva

O tempo médio de avaliação metabólica foi de 18,3 ± 12,7 meses. A frequência de anormalidades em amostras de urina de 24 horas foi similar entre os grupos (Tabela 2). No grupo FAM, 71,4% dos pacientes apresentavam pelo menos uma anormalidade metabólica em comparação com 66,6% no grupo OxCa (p = 0,67). A hipercalciúria ocorreu em 7,1 e 10,3% dos pacientes nos grupos FAM e OxCa, respectivamente (p = 0,66), enquanto a hipocitratúria esteve presente em 65,2 e 59,0% dos pacientes nos grupos FAM e OxCa, respectivamente (p = 0,41). Nenhuma diferença na taxa de hipocitratúria foi observada entre 1 e 2-3 graus de CKD-EPI (p = 0,45).

Tabela 2
Análise da composição da urina de 24 horas

Não foi encontrada diferença significativa em novos eventos entre os grupos FAM e OxCa (17,9 vs. 23,1%, respectivamente; p = 0,60). O tempo médio para novo evento após nefrectomia foi maior no grupo FAM (66,8 ± 32,9 meses vs. 50,3 ± 27,7 meses, respectivamente; p = 0,04). Três pacientes do grupo OxCa e dois do grupo FAM eliminaram cálculos espontaneamente durante o acompanhamento. Nove pacientes do grupo OxCa e cinco do grupo FAM formaram novos cálculos no rim remanescente. A análise do cálculo revelou a composição do oxalato de cálcio.

O risco para novo evento não estava associado ao diagnóstico de anormalidades metabólicas no grupo FAM (p = 0,36) (Tabela 3). As curvas atuariais de novo evento no grupo FAM com hipercalciúria, hipocitratúria e hipernatriúria são mostradas nas Figuras 1, 2 e 3, respectivamente. A presença de anormalidades metabólicas urinárias não influenciou na ocorrência de um novo evento no grupo FAM (Tabela 4). A regressão logística multivariada de fatores de risco urinário de 24 horas não previu a recorrência de cálculo no rim remanescente (Tabela 5).

Tabela 3
Associação entre anormalidades metabólicas e novos eventos no grupo FAM
Tabela 4
Atuarial de novo evento versus distúrbios metabólicos no grupo FAM
Tabela 5
Regressão logística multivariada para recorrência de urolitíase em rim remanescente

Figura 1
Tempo para novo evento no grupo FAM na hipercalciúria.

Figura 2
Tempo para novo evento no grupo FAM na hipocitratúria.

Figura 3
Tempo para novo evento no grupo FAM na hipernatriúria.

Discussão

Relatamos uma alta taxa de anormalidades metabólicas de urina de 24 horas em pacientes submetidos à nefrectomia devido a cálculo de FAM. A taxa de recorrência de cálculo foi semelhante aos formadores de cálculo de OxCa (17,4 vs. 23,1%, p = 0,373, respectivamente) em um longo acompanhamento anual, por ultrassom, confirmado por tomografia computadorizada. Acreditamos que a análise de urina de 24 horas para pacientes que foram submetidos à nefrectomia por cálculos de FAM é tão importante quanto para formadores de cálculos de OxCa.

A nefrolitíase é uma doença com alta taxa de recorrência, resultando em diminuição da qualidade de vida e perda da função renal a longo prazo1212 Parks JH, Coe FL. An increasing number of calcium oxalate stone events worsens treatment outcome. Kidney Int. 1994;45(6):1722-30.. Um recente estudo retrospectivo avaliando 2.200 formadores de cálculo pela primeira vez encontrou uma taxa de recorrência de 11, 20, 31, e 39% após 2, 5, 10, e 15 anos1313 Zisman AL. Effectiveness of Treatment Modalities on Kidney Stone Recurrence. Clin J Am Soc Nephrol. 2017;12(10):1699-708.. Assim, o tratamento focado na prevenção da formação de cálculos é crucial para diminuir a morbidade e os custos. Além disso, a litíase urinária pode contribuir para a piora da função renal em pacientes submetidos à nefrectomia1414 Carvalho M, Martin RL, Passos RC, Riella MC. Nephrectomy as a cause of chronic kidney disease in the treatment of urolithiasis: a case-control study. World J Urol. 2013;31(5):1141-5..

Os formadores de cálculos renais são mais propensos a apresentar anormalidades metabólicas urinárias do que a população saudável1515 Skolarikos A, Straub M, Knoll T, Sarica K, Seitz C, Petrík A, et al. Metabolic evaluation and recurrence prevention for urinary stone patients: EAU guidelines. Eur Urol. 2015;67(4):750-63.. Embora a avaliação metabólica tenha sido realizada principalmente para formadores de cálculos recorrentes1616 Paterson RF. Arguments for a comprehensive metabolic evaluation of the first-time stone former. Can Urol Assoc J. 2010;4(3):209-10., Eisner et al. não encontraram diferenças nas anormalidades metabólicas urinárias entre pacientes com um único episódio de litíase e pacientes com cálculos recorrentes. Estes autores sugeriram que a avaliação metabólica deve ser oferecida mesmo a pacientes com cálculo renal na primeira apresentação.1717 Eisner BH, Sheth S, Dretler SP, Herrick B, Pais VM. Abnormalities of 24-hour urine composition in first-time and recurrent stone-formers. Urology. 2012;80(4):776-9.. Pacientes com cálculo associado a infecção são considerados de alto risco parra recorrência e devem ser submetidos a uma avaliação metabólica, como recomendado pela Associação Européia de Urologia1515 Skolarikos A, Straub M, Knoll T, Sarica K, Seitz C, Petrík A, et al. Metabolic evaluation and recurrence prevention for urinary stone patients: EAU guidelines. Eur Urol. 2015;67(4):750-63..

A relação entre cálculo de FAM e infecção urinária está bem estabelecida. Estes cálculos são formados na urina contendo bactérias produtoras de urease, resultando em saturação de amônia e pH urinário elevado. O excesso de amônia está associado a íons de fosfato e magnésio, formando complexos de FAM1818 Das P, Gupta G, Velu V, Awasthi R, Dua K, Malipeddi H. Formation of struvite urinary stones and approaches towards the inhibition-A review. Biomed Pharmacother. 2017;96:361-70.. O tratamento padrão-ouro para cálculos de FAM é a eliminação completa dos cálculos, pois há uma chance de recidiva devido às bactérias armazenadas nos cálculos, mesmo com a esterilização da urina através de tratamento antibiótico1919 Cicerello E, Mangano M, Cova GD, Merlo F, Maccatrozzo L. Metabolic evaluation in patients with infected nephrolithiasis: Is it necessary? Arch Ital Urol Androl. 2016;88(3):208-11.. No entanto, mesmo com a erradicação do cálculo de FAM por meio de procedimentos cirúrgicos como litotripsia extracorpórea, ureteroscopia flexível, nefrolitotripsia percutânea e esterilização da urina, vários autores relataram recorrência da nefrolitíase (20 a 47%) associada a fatores de risco urinário77 Bichler KH, Eipper E, Naber K, Braun V, Zimmermann R, Lahme S. Urinary infection stones. Int J Antimicrob Agents. 2002;19(6):488-98.,1414 Carvalho M, Martin RL, Passos RC, Riella MC. Nephrectomy as a cause of chronic kidney disease in the treatment of urolithiasis: a case-control study. World J Urol. 2013;31(5):1141-5.. Ao analisar uma pequena série, Lingeman et al. encontraram anormalidades metabólicas em 0,14% dos pacientes com cálculo de estruvita2020 Lingeman JE, Siegel YI, Steele B. Metabolic evaluation of infected renal lithiasis: clinical relevance. J Endourol. 1995;9(1):51-4.. A baixa taxa de recorrência de cálculo também foi usada para justificar que a avaliação metabólica seria desnecessária nestes pacientes. Silverman et al. relataram taxa de recorrência de 2,5% em 7 anos de acompanhamento de 40 pacientes com cálculo de estruvita2121 Silverman DE, Stamey TA. Management of infection stones: the Stanford experience. Medicine (Baltimore). 1983;62(1):44-51.. Cicerello et al. mostraram hipercalciúria e hiperoxalúria em 10,5% (2/19) dos pacientes avaliados com cálculo de estruvita pura1919 Cicerello E, Mangano M, Cova GD, Merlo F, Maccatrozzo L. Metabolic evaluation in patients with infected nephrolithiasis: Is it necessary? Arch Ital Urol Androl. 2016;88(3):208-11.. Por outro lado, vários autores encontraram uma alta taxa de anormalidades metabólicas na urina de 24 horas e recorrência de cálculo em pacientes com cálculo de estruvita2222 Streem SB. Long-term incidence and risk factors for recurrent stones following percutaneous nephrostolithotomy or percutaneous nephrostolithotomy/extracorporeal shock wave lithotripsy for infection related calculi. J Urol. 1995;153(3 Pt 1):584-7.

23 Wall I, Hellgren E, Larsson L, Tiselius HG. Biochemical risk factors in patients with renal staghorn stone disease. Urology. 1986;28(5):377-80.
-2424 Resnick MI. Evaluation and management of infection stones. Urol Clin North Am. 1981;8(2):265-76.. Em uma série recente que avaliou grupos de pacientes com cálculo de estruvita pura e mista, a taxa de anormalidade metabólica foi de 57 e 81%, respectivamente88 Iqbal MW, Shin RH, Youssef RF, Kaplan AG, Cabrera FJ, Hanna J, et al. Should metabolic evaluation be performed in patients with struvite stones? Urolithiasis. 2017;45(2):185-92..

No presente estudo, foi encontrada hipocitratúria em 65,2% dos pacientes ao longo de 3 meses após terem sido submetidos à nefrectomia devido a cálculo de FAM. Sabe-se que baixos níveis de citrato devido à deficiência metabólica podem causar precipitação de cálcio2525 Hesse A, Heimbach D. Causes of phosphate stone formation and the importance of metaphylaxis by urinary acidification: a review. World J Urol. 1999;17(5):308-15.. Na acidose tubular renal no início da DRC, a acidose intracelular também leva a uma maior reabsorção tubular proximal de citrato, resultando em hipocitratúria significativa2626 Hamm LL. Renal handling of citrate. Kidney Int. 1990;38(4):728-35.. Em nosso estudo, não houve diferença na taxa de citratúria em pacientes com DRC nos estágio 1,2 e 3 (p = 0,45). A alta taxa de hipocitratúria observada após a nefrectomia pode indicar que esses pacientes estão em risco de formação de novo cálculo devido à causa metabólica e não apenas devido à infecção urinária. Também demonstramos que o tratamento de hipocitratúria após a erradicação de cálculos de estruvita equaliza a taxa de recorrência de cálculo para pacientes sem hipocitratúria. O citrato é um conhecido inibidor da formação de cálculos. Ele reduz a disponibilidade de cálcio iônico para interagir com oxalato ou fosfato em túbulos renais2727 Nicar MJ, Hill K, Pak CY. Inhibition by citrate of spontaneous precipitation of calcium oxalate in vitro. J Bone Miner Res. 1987;2(3):215-20., ajudando os efeitos inibidores dos moduladores macromoleculares nos processos de cristalização do oxalato de cálcio2828 Hess B, Zipperle L, Jaeger P. Citrate and calcium effects on Tamm-Horsfall glycoprotein as a modifier of calcium oxalate crystal aggregation. Am J Physiol. 1993;265(6 Pt 2):F784-91.. Além disso, impede a aglomeração e o crescimento do cristal através de sua capacidade de se ligar à superfície do mesmo e evita a adesão de oxalato de cálcio às células epiteliais renais2929 Sheng X, Jung T, Wesson JA, Ward MD. Adhesion at calcium oxalate crystal surfaces and the effect of urinary constituents. Proc Natl Acad Sci U S A. 2005;102(2):267-72.. No entanto, a tolerabilidade gastrointestinal relativamente baixa das preparações disponíveis de citrato alcalino é a principal limitação de seu uso generalizado. Jendle-Bengten et al., em um estudo retrospectivo, mostraram que apenas 62% dos pacientes aderiram ao tratamento de citrato de potássio a longo prazo3030 Jendle-Bengten C, Tiselius HG. Long-term follow-up of stone formers treated with a low dose of sodium potassium citrate. Scand J Urol Nephrol. 2000;34(1):36-41..

A hipercalciúria é um fator de risco importante para cálculos renais, ocorrendo em 35-65% dos formadores de cálculos de cálcio3131 Coe FL, Parks JH, Asplin JR. The pathogenesis and treatment of kidney stones. N Engl J Med. 1992;327(16):1141-52.. Identificamos hipercalciúria em 7,1% dos pacientes no grupo FAM, enquanto 10,3% no grupo OxCa apresentaram esta anormalidade. As baixas taxas de hipercalciúria no presente estudo podem estar associadas à alta proporção de pacientes com graus variáveis de comprometimento da função renal, 71,4% no grupo FAM e 82,1% no grupo OxCa. Medidas como a ingestão adequada de líquidos e sódio, além do uso de tiazidicos, podem reduzir a excreção urinária de cálcio3232 Coe FL, Worcester EM, Evan AP. Idiopathic hypercalciuria and formation of calcium renal stones. Nat Rev Nephrol. 2016;12(9):519-33., o que pode prevenir a formação e o crescimento de cristal de apatita, tendo um impacto positivo na prevenção destes cálculos.

O pequeno tamanho da amostra, a análise química do cálculo e a impossibilidade de analisar a natureza de todos os cálculos recorrentes são deficiências e limitações deste estudo. A análise química não é o padrão-ouro para determinar a composição do cálculo renal. Entretanto, tentamos reduzir esta limitação, incluindo apenas cálculos de OxCa e FAM "puros". Portanto, uma composição mista de cálculo não contaminaria nossa amostra. No entanto, não podemos determinar a precisão da análise química para cálculos "puros" porque o método em si tem baixa confiabilidade.

Em conclusão, nosso estudo ressalta a necessidade de uma avaliação urinária de 24 horas mesmo em formadores de cálculos de FAM puro após a erradicação de cálculos. Pacientes submetidos à nefrectomia devido a cálculo de FAM puro têm risco semelhante de anormalidades urinárias de 24 horas como seus equivalentes de OxCa. Além disso, quando estas anormalidades urinárias de 24 horas são tratadas, o risco de novos eventos relacionados ao cálculo são semelhantes aos de pacientes sem quaisquer anormalidades metabólicas.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2021

Histórico

  • Recebido
    25 Maio 2020
  • Aceito
    02 Nov 2020
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